EntreContos

Detox Literário.

Pai (Augusto Quenard)

No instante em que retiro o pelo mais saliente do meu ouvido, a televisão desliga na sala. Vou até lá, é velha. Ligo de novo, aumento o volume, atiro o controle no sofá, busco meu copo mas não o encontro na mesa onde tinha ficado. Tem até a marca do suor do copo na tábua. Desisto e volto a finalizar o trabalho no rosto.

Assim que entro no banheiro, a luz liga sozinha. A umidade nos fios. Um reflexo oblíquo some no espelho. Vou até ele, desconfiado, me posiciono de frente. Nada estranho. Relaxo, pego a pinça e então escuto a porta do quarto bater com força. Esqueci a janela aberta, lembro no ato. Vou lá, ligo a luz esticando o braço, antes de entrar. Olho ao redor. Vou até a janela e fecho a persiana. Desligo a luz e ainda observo na escuridão se tem algum vulto. Nada.

Volto à tarefa. Termino de limpar as orelhas, coloco pasta de dente na escova. A luz do banheiro desliga e ali na porta vejo nitidamente a sombra do meu pai.

Parados, nos observamos alguns segundos. Depois ele liga a luz. Não está mais.

Pai? Eu pergunto ao apartamento vazio.

Concluo a limpeza dos pêlos. Visto minha roupa preta, sem deixar de reparar nos meus dedos finos e amarelos, nas olheiras que como duas sacolinhas de lágrimas tornam os olhos mais fundos. Olho para o relógio da sala. Por quê essa pressa? Ainda faltam duas horas para a cerimônia.

Sobre Fabio Baptista

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15 comentários em “Pai (Augusto Quenard)

  1. Bruno de Andrade
    29 de março de 2025
    Avatar de Bruno de Andrade

    Escrita: Difícil avaliar num texto tão curto. Mas, mesmo nesse espaço diminuto, passaram alguns erros de revisão: um pêlos onde devia ser pelos e um por quê quando o correto seria por que.

    Há também um estranhamento aqui:

    No instante em que retiro o pelo mais saliente do meu ouvido, a televisão desliga na sala. Vou até lá, é velha. Ligo de novo, aumento o volume, atiro o controle no sofá, busco meu copo mas não o encontro na mesa onde tinha ficado. Tem até a marca do suor do copo na tábua. Desisto e volto a finalizar o trabalho no rosto.

    Bom, não acho que o ouvido faça parte do rosto. Ficou esquisita essa construção.

    Assim, diria que a escrita ficou no razoável.

    Enredo: Quase não há um enredo. É basicamente uma cena. E o(a) personagem age com tamanha naturalidade à situação que fica difícil enxergar algo de horror no texto.

    Quando se aposta num texto tão curto, é preciso causar algum impacto relevante no leitor. Não senti isso aqui. É um conto morno, esquecível. Infelizmente, não funcionou pra mim.

  2. André Lima
    29 de março de 2025
    Avatar de André Lima

    É uma pena que um conto tão curtinho assim tenha tantos problemas de revisão (Proporcionalmente), como “pêlos” e o uso incorreto de “por quê”.

    Eu precisei de muita reflexão para determinar se este conto se encaixa ou não no tema (Terror). Pois tudo é absurdamente sutil nessa narrativa e é o que dá mais força ao conto. O poder da sutileza é bem evidente aqui neste trabalho.

    A história é permeada pelo horror psicológico e pelo sobrenatural sutil, evocando um medo difuso que se insinua nos detalhes do cotidiano. Sem recorrer a explicações expositivas ou sustos artificiais, a narrativa se constrói sobre um crescendo de estranheza, no qual eventos banais – um copo desaparecido, uma luz que pisca, um reflexo fugidio – se acumulam até a aparição central: a sombra do pai.

    A escolha do narrador em primeira pessoa contribui para a imersão e para a ambiguidade, estabelecendo um protagonista cuja perspectiva é contaminada por sua própria inquietação. Há um cuidado cirúrgico no uso das descrições, que não se estendem além do necessário, mas deixam rastros suficientes para que o leitor preencha os vazios com sua própria paranoia. Esse minimalismo funciona particularmente bem no horror, pois o que não é dito ou mostrado costuma ser mais perturbador do que o que é explicitamente descrito.

    Embora, é verdade, seja totalmente possível ter uma outra leitura, mais ligada ao drama do luto do que ao terror em si, daí a ambiguidade do conto.

    A grande força está na economia narrativa. No entanto, a contenção também pode ser uma fraqueza. Há uma distância emocional que impede o leitor de mergulhar completamente no terror do protagonista. O texto é eficiente em sugerir um desconforto crescente, mas talvez pudesse se permitir um pouco mais de descontrole no clímax, um instante de desordem emocional que amplificasse o impacto da aparição.

    Ainda assim, o conto se destaca bem como um bom exercício de horror atmosférico. O trabalho excelente da SUGESTÃO brilha, o que me faz lamentar mais ainda os errinhos de revisão.

    Parabéns pelo excelente trabalho!

  3. Givago Domingues Thimoti
    28 de março de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    PAI

    É um conto curto (graças a Deus, considerando o meu desafio auto imposto de ler todos os contos da série C!), bem pensado, mas talvez não tão bem executado.

    É uma história aberta: pode ser que tanto a/o protagonista tenha morrido antes de uma cerimônia importante, talvez um casamento, quanto o pai da personagem tenha falecido e esteja adiantado para seu próprio enterro. Acho que a primeira é a mais provável. De qualquer forma, por simplória a história seja, ela tem um quê de inteligente. Diria que está aberto no ponto certo.

    O que desliza nessa história, de fato, é a escrita. Tem alguns errinhos gramaticais bobos. Pode ser quadradismo meu, até porque eles não dificultam o entendimento. Sempre acredito que uma história boa pede uma escrita tão boa quanto. E foi isso que percebi nesse conto. 

    Uma boa história que merece uma reforma!

    Parabéns pelo trabalho!

  4. Luis Guilherme Banzi Florido
    27 de março de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia, Entrecontista! Tudo bem?Esse conto não faz parte dos meus obrigatórios. Um conto curto, direto ao ponto e muito bem executado. É quase um micro conto, não sei se caberia no desafio anterior, mas acho que teria sérias chances lá de ficar entre os melhores. Aqui, acho mais difícil, pois o pessoal do EC costuma não valorizar tanto micro contos em desafios com limite maior. Não é meu caso, mas infelizmente não dou nota pro seu. A escrita é segura e muito boa, você domina a arte. O enredo é entregue rapidamente, mas funciona devido ao cuidado com os detalhes e à precisão das palavras. Pouca coisa diz muito. E ficamos no final com a dúvida: a assombração é mental ou sobrenatural? É um fantasma vindo se despedir, ou a mente cansada e machucada do homem lhe pregando peças e lembrando que precisa enterrar o amado pai em poucas horas?Enfim, um trabalho muito bom, espero que fique bem posicionado e não sofra por ser bem curto. Parabéns!

  5. Alexandre Parisi
    27 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Parisi

    Que conto intrigante e envolvente! O texto nos transporta para um momento de introspecção e ambiguidade, carregado de emoções e simbolismos.

    A primeira parte nos apresenta o protagonista em um espaço íntimo e familiar, realizado em uma sala simples e um banheiro que espelham sua rotina. A situação inicial, com a televisão e o copo que desaparece, já cria um clima de leve confusão e distração em meio a uma tarefa cotidiana. Há um toque de humor involuntário nas ações do personagem, especialmente na maneira como ele luta contra a bagunça e as falhas tecnológicas da “velha” televisão.

    Um aspecto notável é o uso de sombras e reflexos, que trazem uma atmosfera quase fantasmagórica. Quando o protagonista vê a sombra do pai, o clima muda rapidamente. O leitor sente a tensão e a incerteza que envolvem essa presença. Aqui, a ligação emocional é evidente e, ao mencionar a figura paterna, o conto já tangencia temas mais profundos, como a ausência e o luto. É interessante como uma simples ação de “limpar os ouvidos” se transforma em uma reflexão sobre a relação complicada com a figura paterna.

    Um ponto que poderia ser explorado é a condição emocional do protagonista. Existem muitos indícios que apontam para um estado mental fragilizado, como a descrição das olheiras e dos dedos “finos e amarelos”. Um aprofundamento nesse aspecto ajudaria a criar um entendimento mais sólido sobre a conexão que ele tem com o pai e a razão do encontro ou alucinação deles.

    A construção do tempo se faz de Forma eficiente, transmitindo a inquietação do protagonista com a cerimônia que se aproxima. O magnífico uso desse recurso faz com que o leitor também sinta a urgência do momento, criando um perfeito laço entre as ações cotidianas e uma expectativa de algo significativo e possibilitando uma reflexão sobre a inevitabilidade da perda e as marcas que ela pode deixar.

    Em relação à gramática e à ortografia, o texto está muito bem articulado, embora uma revisão final possa ajudar a certificar que fluência e precisão andem de mãos dadas em cada aspecto do conto.

    Para concluir, sugiro ao autor que considere explorar um pouco mais a psicologia do personagem nos momentos seguintes ao avistamento da sombra e na descoberta do toque emocional daquela ocasião. Isso poderia adicionar camadas extras à narrativa e enriquecer ainda mais a experiência de leitura. O conto já tem uma base forte, e com um pouco mais de profundidade, poderia realmente brilhar! Parabéns ao autor pela obra!

  6. Priscila Pereira
    25 de março de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Sr Autor! Tudo bem?

    Conto triste…

    O terror está no espírito do pai tentando se comunicar com o filho, ou tentando atormentar ele? Não dá pra saber, né…

    O conto seria melhor se fosse mais aprofundado. Se respondesse algumas perguntas… Mas do jeito que está também está muito bom. A escrita tem personalidade, e tudo vai se desenrolando bem, com um ritmo bom de ler.

    Gostei do conto!

    Desejo sorte!

    Até mais!

  7. Alexandre Costa Moraes
    25 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Narrativa curta, introspectiva, com atmosfera de luto e possível manifestação sobrenatural (fiquei pensando até se ele não teve uma alucinação). A escrita é eficiente, sensível, mas o enredo não foi desenvolvido. O protagonista, um homem em preparação para o velório do pai, presencia pequenos infortúnios misteriosos no apartamento, que sugerem a presença do recém falecido pai (será que ele foi lembrar o filho de ir ao enterro?). A tensão cresce, mas sem clímax claro, e o conto termina abruptamente, sem grande impacto ou resposta. A personagem feminina é quase inexistente, e o mistério se dissolve de forma vaga. Apesar de bem escrito, falta densidade, virada e força dramática. Boa sorte no desafio.

  8. Fabio Baptista
    23 de março de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    Esse conto nos entrega mais dúvidas do que certezas e traz um aspecto diferente a cada releitura que fazemos.
    Deixar algumas pontas soltas e alguns mistérios no ar não é um defeito. Pelo contrário, às vezes é a maior qualidade de um texto. Aqui, sinceramente, ainda não sei definir se passou do ponto do deixar no ar e deixar incompreensível, se ficou na medida, se mesmo após 3 ou 4 leituras eu tenha deixado escalar algum detalhe que poderia fazer toda diferença, ou um pouco de cada.
    O nosso narrador/protagonista estava com medo e tentando convencer a si mesmo que os eventos estranhos de casa tinham todos uma explicação racional? Essa foi minha conclusão.
    A cerimônia era o velório do pai? Também foi minha conclusão. Por que os dedos estavam amarelos? Isso eu não captei e talvez seja a tal peça chave que me faltou.
    Mas só de levantar todas essas questões e teorias já é um grande mérito, principalmente para um texto tão curto.

    Bom!

  9. Felipe Lomar
    23 de março de 2025
    Avatar de Felipe Lomar

    bem, é perceptível a tentativa de criar uma ambientação de terror no conto, mas acredito que ela não obteve muito sucesso, primeiro pelo ritmo acelerado criado pelas frases extremamente curtas e a ação corrida, e pelo próprio tamanho diminuto do texto. Tudo acaba antes da hora, sem tempo de se conectar. Até mesmo a revelação do pai no final poderia ter um impacto bem melhor se a preparação fosse mais elaborada. Dito isso, vejo um escritor com potencial dramático, mas que ainda precisa se familiarizar com as técnicas da escrita. Continue a trilhar seu caminho literário e não desista. boa sorte.

  10. Leandro Vasconcelos
    22 de março de 2025
    Avatar de Leandro Vasconcelos

    Interessante. Considero um microconto. Mas de toda forma tem uma estrutura bem arranjada. O protagonista tenta nos convencer de que estamos lidando com coisas cotidianas, tenta não acreditar no sobrenatural. E daí vem a surpresa. Muito inteligente, parabéns!

  11. paulo damin
    20 de março de 2025
    Avatar de paulo damin

    Melhor conto que li, entre todas as séries. Me parece que tem uma unidade, um fôlego só. A autora pegou na veia, como se diz. Nada é previsível, uma frase vai se amarrando com a outra de uma maneira bem orgânica, como cipós, algo assim. E a gente vai subindo, vai trepando pelo matagal elaborado pela narrativa, até o fim surpreendente. Esse fim sim que é surpreendente. Aposto que a autora também não sabia o que ia acontecer, conforme ia escrevendo. Um conto vivo, que continua vivo. É capaz de eu ler de novo daqui a pouco e o final mudar, e o meio mudar.

    É, reli agora, os caminhos dos cipós internos me levaram pra lugares ainda mais surpreendentes, mais angustiantes, ou cômicos, as duas coisas bem tramadas, entramadas, que nem cipó no mato, é isso aí.

  12. Kelly Hatanaka
    20 de março de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Um conto curtinho e repleto de significados. Quase não atende ao tema terror, de tão bem desenvolvido que está o drama. Mas, acho que atende sim. O clima de medo, de insegurança, a sensação de que há algo errado, e, por fim, a visão do pai. Ótima ambientação. É possível sentir a tristeza e a solidão. Muito bom!

  13. Thiago Amaral
    18 de março de 2025
    Avatar de Thiago Amaral

    Conto bacana. Apesar de curto, não pareceu incompleto.

    É uma pegada interessante para o tema dos fantasmas. Chega a ser engraçado, também. Já o final, dá um tom dramático e reflexivo. Pena que eu tomei spoiler no grupo do zap, senão poderia ter me impactado mais ao descobrir sobre a cerimônia.

    No mais, valeu a participação sim, apesar de breve.

    Parabéns e boa sorte no desafio.

  14. Rangel
    18 de março de 2025
    Avatar de Rangel

    Olá, Samanta!

    Eu gostei muito do modo como constrói e desconstrói o suspense na sua história. Esse pai ausente/presente está bem construído como ser que estava ali e não está mais. É uma sombra que assombra, se projetando sobre a mente do protagonista. Sua história nos deixa sempre no território da dúvida, será que o fantasma do pai, alguma questão de ordem natural ou a pessoa enlouqueceu?

    Sua escrita é bem madura, com construções inteligentes sem parecer arcaico.

    O tamanho também me pareceu bastante adequado, é uma história curta, trabalhada na sugestão e na incerteza. Para alongar isso seria preciso trazer mais histórias, mais revelações e isso, imagino, descaracterizaria a sua narrativa.

    O narrador em primeira pessoa está bem construído, nos permitindo participar desses momentos de estranhamento do luto. Além disso, você soube contar muito sem deixar tudo explícito, contribuindo para essa atmosfera do estranho.

    Parabéns e boa sorte!

  15. José Leonardo
    17 de março de 2025
    Avatar de José Leonardo

    Olá, Samanta.

    Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).

    FRIACA: Do que se trata o conto?

    R.: Filha assombrada pela (boa e recente) lembrança do pai.

    FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?

    R.: Samanta, seu conto tem densidade. Em poucas linhas (face à quantidade de palavras que poderia ter utilizado), você conseguiu me passar a sensação de terror e tristeza. Uma técnica que funcionou bem (a meu ver), sem floreios nem exageros. Como se o conto estivesse no tamanho ideal para o que se propôs.

    FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?

    R.: Plenamente adequado. Parece-me mais dor do que horror ante uma assombração. Apesar disso, admirei grandemente seu conto.

    FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?

    R.: Seja pelo lado da presença que assombra, seja pela lembrança da saudade, o meu eu-leitor certamente se sentiu impactado.

    FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto?

    R.: Um conto excelente, Samanta. Remeteu-me ao Raymond Carver (deixar a pessoa perceber, não tentar conduzi-la para uma impressão/sensação/verdade que muitas vezes é gritante ou que reside no detalhe). A escrita parece simples, mas não é. Mostrar, não contar – tal aspecto, aqui, foi realmente bem sucedido.

    Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.

E Então? O que achou?

Informação

Publicado às 16 de março de 2025 por em Liga 2025 - 1C, Liga 2025 - Rodada 1 e marcado .