EntreContos

Detox Literário.

Mea Culpa (Priscila Pereira)

No quarto escuro, iluminado apenas pela parca luz do poste que invade as frestas da janela, você ouve passos.

Sabe que são as batidas do coração, ecoando em seus ouvidos, mas cisma que soa exatamente como passos. Constantes, mas sem nunca chegar a lugar nenhum.

Dorme com o som, muitas vezes incômodo, pulsando em seus ouvidos. Muda de posição na cama e ele some.

Mas naquela noite não somem quando muda de posição, nem quando se senta na cama. O coração acelerado denuncia que o som ritmado e lento não vem mais de lá.

Prende a respiração para ouvir melhor. Sim, são passos de verdade e estão chegando cada vez mais perto.

Ouve quando viram a esquina e vão lentamente chegando até a janela de seu quarto, continuam até parar no portão, que está trancado com cadeado.

Agora totalmente alerta, espera pelo que virá. Mas nada havia te preparado para o horror de ouvir os passos dentro do quintal, sem o barulho de chaves, nem de arrombamento.

Poucos metros te separam de quem quer que esteja chegando, e porta nenhuma parece ser um obstáculo. Eles agora estão na sala. Contínuos e firmes. Sabem exatamente onde devem ir.

E você não desgruda os olhos da porta fechada. O coração aos trancos e a boca desértica.

Completamente imóvel.

Não pensa em mais nada. Não atina que precisa correr, se esconder, pular a janela, acender a luz, ligar para a polícia. Nada. Continua como uma estátua, esperando.

Os passos param em frente à porta do quarto. Você se prepara para o que surgirá, mas depois de segundos de silêncio desesperador, percebe que  a maçaneta está se movendo lentamente até o final e depois de um leve empurrão, a porta começa a se abrir bem devagar.

A sala continua escura, então você não consegue ver nada que está do outro lado da porta, agora quase toda aberta.

Você sente mais do que vê, que algo está entrando. Então todo som parece ficar em suspenso e tudo o que sente é o sangue fluir tão rápido por suas veias, como se estivesse eletrificado.  Aí você vê apenas um vulto, mais escuro do que a noite, que parece atrair e engolir toda a luz em volta.  Ele se aproxima até ficar na sua frente. E você pode ver o brilho perverso de seus olhos.

Seus lábios se curvam em um sorriso torto e sua voz soa como se saída das profundezas da terra:

— Agora você me pertence.

Você tenta se mexer, cobrir a cabeça com as cobertas, ou até mesmo fechar os olhos para não ver aquele sorriso, mas não consegue. Até respirar é um sacrifício. O ar entra quente e líquido, afogando os pulmões de horror.

Ele estica a mão e segura seu braço, e o toque frio e úmido te deixa com náuseas.

De repente o quarto não existe mais, só a escuridão. Ele continua apertando seu braço te conduzindo. Vocês dois agora caminhando com passos firmes e seguros. Sincronizados.

A escuridão vai se dissipando e uma névoa grossa e viscosa toma seu lugar. Então você vê onde estão e seu coração quase para.

— Não! Eu quero ir embora, me leva de volta!

Mas ele não afrouxa o aperto, continua quase te arrastando até lá. Uma cena conhecida, mas completamente falsa.

Você se vê criança ainda, sete ou oito anos, no banco do motorista guiando um carro e seus pais estão sentados no banco de trás. Eles estão conversando e sorrindo um para o outro.

Então sua versão mirim pisa fundo no acelerador, pula do carro, e o vê se chocar com um caminhão.

O carro explode e queima até seus pais ficarem irreconhecíveis. E seu eu criança fica lá, assistindo a tudo impassível.

Você sabe que não foi assim que aconteceu. Você não estava lá, não viu nada. Mas sempre imaginou se tinha uma ínfima chance do acidente ter sido por sua culpa.

Você sabe que parece loucura, mas sempre imaginou se aquela não teria sido a verdade o tempo todo. Mas ver com os próprios olhos o que às vezes passava por sua mente, é devastador.

— Não foi assim que aconteceu. Não foi!

Ele dá aquele sorriso torto e responde:

— Como pode ter certeza? Você pode ter bloqueado essa imagem da sua mente…

— Eu não estava lá! Eu não sabia dirigir, era só uma criança. Provavelmente nem alcançaria os pedais… Isso tudo é ilógico.

— É o que tem dito todos esses anos para sua mente, mas ela não consegue acreditar…

— Mas eu não tinha motivos para matar eles. Eu senti muito a falta deles. Foi a pior coisa que me aconteceu!

Você sente lágrimas arderem em seus olhos, querendo descer, mas não quer demonstrar fraqueza.

Ele dá de ombros e te arrasta para mais perto, forçando você a olhar para a criança, que tem os olhos mortos, e o rosto inexpressivo.

Você sabe que não era assim nessa idade, nem depois da morte deles. Sempre foi uma criança alegre e cheia de vida. Só na juventude começou a questionar algumas coisas do passado.

Ele te leva até os restos do carro e você vê os corpos de seus pais, totalmente carbonizados, dentes à mostra em um sorriso tenebroso. Na hora lembra dos caixões fechados, do desespero de não poder se despedir deles. Desde então sempre imaginou o pior cenário possível. O cheiro de carne queimada revira o seu estômago e faz as lágrimas reprimidas escaparem.

— Você fez isso, direta ou indiretamente. A culpa é sua!

Assim que ele solta o seu braço, você acorda.

O quarto continua escuro, mas não há ninguém lá. Você senta na cama e inspira com dificuldade o ar puro, tentando limpar da memória o cheiro de fumaça e carne tostada.

Tenta se acalmar, pega a garrafa de água que está em cima da mesa de cabeceira e molha a garganta. Foi só um sonho. Repete até parar de tremer.

Não consegue voltar a dormir, e nem quer. Levanta e pega o álbum de fotos de quando eles ainda estavam vivos. Eles eram tão felizes, ficavam tão bem juntos. E você se vê lá, tão contente, sorrindo em todas as fotos. Sente saudades daquela época. De quando você se sentia totalmente inocente. De tudo.

O dia passa rápido, mesmo você fazendo de tudo para prolongá-lo. O terror toma sua mente só pela possibilidade de ter outro sonho, se é que possa chamar assim. Mas por mais que queira, não pode parar de dormir para sempre.

Deita de barriga para cima, mesmo sendo a forma mais incômoda de dormir, mas pelo menos assim não consegue ouvir o som do coração imitando os malditos passos.

Mas quando percebe, o vulto já está lá, sentado em sua cama, te observando dormir. Antes que você possa esboçar qualquer reação ele já segura seu braço e te arrasta pela escuridão novamente.

— Você vai gostar do que vamos assistir hoje.

Você tenta imaginar que outras tragédias sua mente já colocou em sua conta, mas são muitas. Então você percebe que deixou pra lá um problema muito sério. Aparentemente não era normal se culpar mesmo de forma inconsciente por coisas totalmente fora da sua realidade ou poder.

A névoa vai diminuindo até que você veja seu quarto de criança, e você lá olhando para dentro de um berço.

Imediatamente já sabe o que vai acontecer a seguir. E já começa a suar. Já imaginou algumas vezes se era possível que isso tivesse acontecido, mas agora iria assistir “ao vivo e a cores”.

— Não sabia que você tinha um irmãozinho…

Dentro do berço está um bebê de uns nove meses, gordo e sorridente. Que está esticando as mãozinhas para sua versão infantil.

— Eu não tenho nenhum irmão!

Então sua versão de três ou quatro anos pega o travesseiro e o pressiona no rosto do bebê até ele parar de espernear. E mesmo que você queira desesperadamente evitar, não consegue se mover, nem falar.

— Agora não tem mesmo.

Seu coração está tão disparado que é até difícil se manter em pé. Se ele não estivesse segurando firmemente seu braço, você desabaria.

Assistir a você mesmo matando a sangue frio um bebê é aterrador demais. Mesmo tendo certeza de que nunca teve irmãos. Mas agora que tinha visto com seus olhos, uma dúvida se insinua. Será? Era mesmo possível que isso tenha acontecido? Não! Não. Não? Será…

Acorda com o despertador soando. Sente lágrimas escorrendo pelo rosto. Tenta lembrar o que aconteceu, até que tudo volta à sua mente.

Mesmo depois de repetir exaustivamente que foi só um sonho, ainda sente a culpa corroendo sua alma. Se nunca tivesse imaginado isso, com certeza não sonharia com uma coisa dessas. No final, era realmente tudo culpa sua.

Você passa o dia todo em silêncio, agradece ao universo por trabalhar em casa e não precisar socializar. Mas sabe que não vai aguentar outra sessão de “sonhos”, então liga para sua avó.

— Bença, Vó. Posso passar uns dias aí com a senhora?

Ela é a última pessoa que te restou. Seu porto seguro. Era ela quem afastava os monstros quando você era criança, com certeza conseguiria afastá-lo agora.

Então você dirige duas horas até enfim chegar na cidadezinha de sua infância. E agora que revê lugares antigos, e constata que tudo está exatamente igual a quando você ainda morava lá, uma dúvida se materializa em sua mente.

E se fosse ainda pior? Carrega muitas culpas relacionadas a esse lugar. Incalculáveis. O bar da esquina que pegou fogo, o padre da paróquia que morreu de velhice, o pai da amiga que perdeu o emprego, o avô do amigo que infartou… de uma forma ou de outra, mesmo que a razão te diga que é impossível, você sente que a culpa foi sua.

Respirar começa a ficar difícil e o coração acelera, você cogita e até deseja, que possa estar enfartando. Tenta se controlar. Tenta recuperar a razão. É impossível, completamente impossível que alguma dessas coisas seja sua culpa. Você sabe disso. Você sabe, não sabe?

Chega na zona rural, praticamente no meio do nada, e vê a casinha antiga, mas ainda tão bem cuidada, em que  passou a infância e juventude. E sua avó já está na varanda te esperando.

— Que bom que veio! Fiz bolo de banana, seu preferido.

Você abraça sua avó e sente toda a segurança que só aquela velhinha consegue te dar. Ela tem cheiro de alfazema e café. Você está finalmente em casa.

Depois de guardar a mochila e tomar o tanto de café com bolo que seu estômago permitiu, vocês sentam-se na varanda para contemplar a lua cheia.

— Vó, eu tive algum irmão? Que… morreu… ainda bebê? — Você arrisca perguntar.

Ela te olha nos olhos em silêncio.

— Isso realmente importa? Já conversamos sobre isso… várias vezes.

Ela segura sua mão e aperta com carinho.

— Você ainda tem esses pensamentos estranhos? Você me prometeu que iria procurar um médico.

Você não consegue esconder a culpa.

— Eu não tive tempo… e não conheço nenhum médico bom, com quem eu me sinta confortável de conversar sobre isso.

Tudo desculpa esfarrapada, você sabe.

—  O que está acontecendo? Não veio só para fazer uma visita, não é? Você está com uma aparência tão estranha…

Você passa a mão no rosto, e percebe o cansaço acumulado de noites mal dormidas. Quantas noites foram? Agora parecem centenas.

— Ando tendo pesadelos horríveis…

Ela finge que entende, mas você sabe que não.

Ela é a pessoa mais incrível que existe e jamais precisaria desperdiçar uma única noite de sono sentindo culpa. Ou será que não?

— Por que eu sou assim, Vó? Me preocupo com coisas sem sentido, impossíveis de acontecer…

Ela te encara com olhos preocupados.

— Eu devia ter te levado num médico quando era criança. Perder os pais tão cedo… e daquele jeito… deve ter te abalado mais do que eu achei na época. Aí depois…  você já era grande e eu esperei que fosse por conta própria…

Então aquela era a culpa que ela carregava.

Fazia sentido. Quem sabe que tipo de pessoa você seria se ela tivesse te encaminhado para um psiquiatra?

Será que você seria uma pessoa melhor? Uma pessoa mais aberta, articulada e sociável? Sofreria tanto com coisas fora do seu alcance?

Quando deita na antiga cama de solteiro, ainda está pensando em como tudo poderia ter sido diferente. Não consegue relaxar o corpo, vira de um lado para o outro. Conta até mil.

Pensa em palavras aleatórias, uma depois da outra até que a mente começa a ficar mais lenta. E uma calmaria toma conta de seu corpo quase como um anestésico.

Ainda está flutuando no pré sono quando ouve os passos. É o meu coração, você pensa pegando no sono. Mas antes que mergulhe completamente no mundo dos sonhos você vê o vulto entrando no quarto.

— Você não pode se esconder de mim.

Ele te pega pelo braço e te levanta da cama. E você cambaleia como se ainda estivesse dormindo, oscilando entre sonho e realidade.

Ele te leva até o quarto de sua avó. E você se vê de pé ao lado da cama dela, segurando uma enorme faca de cozinha.

— O que é isso? Eu nunca imaginei isso! Pode parar agora! Eu nunca faria isso! — As palavras saem emboladas de sua boca.

Ele só continua segurando seu braço em silêncio enquanto você assiste seu outro eu, de pijama, apenas observando sua avó dormir.

Você tenta se soltar, tenta chegar até seu outro eu, tirar a faca de sua mão, mas não consegue. O aperto da mão dele em seu braço é quase sobrenatural, te mantendo preso a ele, mesmo se debatendo e esperneando.

— Acorda, Vó! — Você grita.

— Ela não pode te ouvir.

 — Acorda! — Você bate em seu próprio rosto, tentando acordar.

— Isso não é um sonho. Você não está dormindo.

Ele te obriga a olhar o que está acontecendo. E uma coisa diferente acontece. Não são mais dois de você, só um.

E você vê que está enfiando a faca no pescoço de sua avó, e deslizando até o outro lado, enquanto o sangue dela esguicha e te encharca. Morno e viscoso. Ela abre os olhos e te encara, e você vê a vida se apagando daquele olhar assustado.

Ela se foi, e você está só. Completamente só. E você se vê com uma faca na mão, e o sangue da pessoa mais importante da sua vida está por toda parte.

Então você larga a faca em choque. Corre até o banheiro e vomita na pia. Esfrega o rosto e as mãos tentando tirar o sangue que gruda feito tinta vermelha na pele.

Acorda, acorda, acorda! Você implora.

Então você encara o espelho e vê o vulto. Aquele que te guiou nos pesadelos. E entende tudo.

Aqueles olhos maus. Aquele sorriso torto. A acusação e a culpa esmagadora. Estava tudo lá.

Não era um sonho dessa vez.

Porque ele era você, e você era ele. Esse tempo todo.

— Vovó estava certa em se culpar, afinal. — Você diz para o espelho.

— Tudo isso é culpa dela. — Seu reflexo te responde.

Depois de alguns dias, você está lá, em estado de choque, ao lado do cadáver apodrecido de sua avó, em meio ao sangue seco. A casa está completamente revirada e o chão está repleto de fotografias de família.

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24 comentários em “Mea Culpa (Priscila Pereira)

  1. Gustavo Araujo
    14 de abril de 2025
    Avatar de Gustavo Araujo

    Passando aqui no pós-desafio para deixar minhas impressões. Gostei bastante do conto. Independentemente de figurar no pódio ou não, é fato que a narração se mostra muito competente na criação do suspense, na antecipação do horror, no jogo mental com os medos da personagem que conduz a trama.

    De início me incomodou um tanto a maneira sugestiva como a história se desenrola, com o narrador exercendo uma espécie de comando para ela, dizendo como deve se sentir, por vezes traduzindo o que se passa na cabeça dela. Mas à medida que o fio se desenrola esse estilo acaba casando com a proposta justamente por plantar dúvidas no próprio leitor, que não sabe o que é sonho, o que é realidade, o que é auto-sugestão.

    Enfim, é conto que abusa (no melhor sentido da expressão) do psicológico, tendo nisso sua força. O fim, no entanto, me pareceu um tantinho aberto demais, mas talvez isso seja apenas frustração de minha parte, que queria uma explicação mais clara sobre o papel da avó nos traumas da protagonista. De todo modo, parabéns pelo trabalho e pelo ótimo conto.

  2. leandrobarreiros
    10 de abril de 2025
    Avatar de leandrobarreiros

    Muito legal. Curti.

    • leandrobarreiros
      10 de abril de 2025
      Avatar de leandrobarreiros

      Aviso de antemão que eu não tenho muitas sugestões de como eu acho que o texto poderia ser melhor, que é o que eu geralmente tento fazer (sempre sob o meu pov de leitor e minha identidade escrevendo).

      Eu acho que você fez um trabalho bem sólido e original aqui. O que, por um lado, é ótimo. Por outro, dificulta uma crítica construtiva rs

      As questões de revisão deixo para pessoas mais gabaritadas no assunto. Enfim:

      Tivemos uma discussão no grupo sobre técnica vs narrativa. Algumas pessoas acham que técnica sem narrativa tem seus méritos (e até tem) mas na minha opinião a técnica que conta é a que consegue ser utilizada para contar uma história que prenda o leitor e envolva ele.

      Eu acho que você produziu um trabalho que satisfaz muito bem essa premissa. Posso contar em uma mão quantos contos em segunda pessoa eu já li e em pouquíssimos dedos quantos foram bem executados, o seu agora está entre eles.

      Mas a força do texto não vem apenas por conta da escolha original da maneira de contar a história. Você se saiu muitíssimo bem na construção do clima e no uso de palavras comuns no terror que, quando mal utilizadas, transformam o texto em um cliche ambulante. O quarto escuro, o foco na respiração, a experiência lúdica… o que me surpreende aqui é que, até onde eu sei, você não é uma leitura ávida do gênero, mas mandou muito bem nesses elementos.

      Você também foi muito eficiente no controle do ritmo da cena para gerar suspense. Isso é algo que eu sempre tento me atentar quando escrevo terror e você executou com maestria aqui.

      Se você fosse retrabalhar esse texto de alguma maneira, duas coisas que eu me perguntaria se valeriam a pena mexer seria o diálogo sobre o acidente do carro (que está um pouco direto demais, imo) e o final do texto.

      Sobre o acidente de carro você fez um trabalho ótimo levantando a dúvida, criando uma explicação racional como oposição e depois puxando o tapete do leitor com o final da história (que indica que “eu” tive de fato alguma participação na morte dos meus pais).

      Mas o diálogo em si entre a coisa e eu está um pouco didático demais… eu acho que você ainda consegue lapidar um pouco mais isso.

      No que diz respeito ao final, não tenho uma crítica propriamente dita, mas eu inverteria a ordem dos seus parágrafos, fazendo algumas pequenas modificações para encaixar eles. Isso porque você fechou a história com o impacto visual, mas acho que ela se encerraria melhor com o impacto psicológico da revelação de que eu culpo a minha avó por tudo, e daí puxando de vez a linha de toda história do conto.. carro, bebe e vovó.

      A imagem do quarto é excelente, mas eu sinto que ela funciona melhor como elemento atmosférico do que como fechamento de impacto.

      Por fim a última coisa que eu acho que vale a pena repensar, e pode ser que de certo ou não, seria a inserção de elementos do nosso cotidiano na história que faça com que ela seja ainda mais intimista. Pontos nos quais as pessoas possam ancorar uma certa percepção de que são realmente elas no texto. Por exemplo, ouvir as batidas do coração é uma das coisas que a gente sempre se pergunta se é so conosco mesmo, o que fortalece o uso da segunda pessoa. Talvez questionamentos sobre pensamentos intrusivos, sei lá. É só um brainstorm.

      Enfim, parabenizo pelo texto. Você fez um trabalho fantástico que mereceu o pódio. Dificultou ainda mais eu saber quando a autoria é sua. Sinto que você está crescendo com um repertório bastante amplo e variável.

  3. Bruno de Andrade
    5 de abril de 2025
    Avatar de Bruno de Andrade

    Oi, Priscila!

    Vou dividir meu comentário em pontos positivos e negativos:

    Positivos: Foi uma abordagem menos óbvia para o tema. O enredo propõe um mistério interessante e a narração em segunda pessoa dá um toque diferenciado para o texto. Manter a história focada num único personagem também foi um acerto. Ajuda a manter a tensão, sem desvios que nos tirem da atmosfera opressiva experimentada pelo personagem. A escrita é fluida, oferecendo uma leitura é rápida, o que é sempre positivo também.

    Negativos: Confesso que não consegui comprar a ideia que aparece logo no início do conto, do personagem confundindo passos alheios com a própria batida do coração. Não tem muito sentido lógico, foi pedir demais da minha suspensão de descrença. Isso tirou um pouco da credibilidade do texto já nas primeiras linhas.

    Particularmente, me cansa um pouco esse estilo de parágrafos tão curtos. Sim, sei que as pessoas costumam se cansar com parágrafos muito longos. Mas acho que o antídoto não pode ser ir para o outro extremo. Pense como um exercício de respiração: um parágrafo muito longo não nos dá nenhum respiro, mas um parágrafo muito curto nos faz respirar rápido demais. A leitura fica sobressaltada, sem tempo pra que a gente embarque e aprecie a escrita. E muitas desses mudanças de parágrafos são desnecessárias, pois não há uma conclusão ou transição de ideias.

    Sobre a questão dos adjetivos e metáforas, que tem virado uma tônica nos meus comentários, vou mais uma vez ser o chato do menos é mais. Vou dar aqui alguns exemplos:

    No quarto escuro, iluminado apenas pela parca luz do poste que invade as frestas da janela, você ouve passos.

    Se você vai nos dizer que o quarto era iluminado apenas pela parca luz do poste, você não precisava antes ter dito que ele era escuro, concorda?

    Aliás, aqui está um bom exemplo de como uma boa descrição funciona muito melhor do que um adjetivo: formar a imagem de um quarto sendo iluminado apenas por um ponto de luz exterior tem muito mais força do que dizer que era um quarto escuro. Essa última parte o leitor pode concluir sozinho.

    Agora, olhe essa sequência:

    Os passos param em frente à porta do quarto. Você se prepara para o que surgirá, mas depois de segundos de silêncio desesperador, percebe que  a maçaneta está se movendo lentamente até o final e depois de um leve empurrão, a porta começa a se abrir bem devagar.

    A sala continua escura, então você não consegue ver nada que está do outro lado da porta, agora quase toda aberta.

    Você sente mais do que vê, que algo está entrando. Então todo som parece ficar em suspenso e tudo o que sente é o sangue fluir tão rápido por suas veias, como se estivesse eletrificado.  Aí você vê apenas um vulto, mais escuro do que a noite, que parece atrair e engolir toda a luz em volta.  Ele se aproxima até ficar na sua frente. E você pode ver o brilho perverso de seus olhos.

    Seus lábios se curvam em um sorriso torto e sua voz soa como se saída das profundezas da terra:

    O adjetivo desesperador é absolutamente desnecessário. A situação era desesperadora, o leitor já sabia disso. Em nada acrescentou. Ao contrário, subtrai, porque dá a sensação de muleta narrativa.

    Dizer que a sala continuava escura também é desnecessário. Afinal, por que não continuaria? Aqui é apenas um excesso na descrição.

    Como se estivesse eletrificado: a analogia não apenas é desnecessária como é estranha. Não é como se essa fosse uma sensação comum.

    Como se saída das profundezas da terra: além de ser uma outra analogia que vem muito próxima da anterior e com a mesma estrutura comparativa, essa aqui é muito batida. E também faz pouco sentido: como seria um som vindo das profundezas da terra, afinal?

    Como contraponto, vou citar uma analogia que achei que funcionou muito bem:

    O ar entra quente e líquido, afogando os pulmões de horror.

    Aqui a metáfora é interessante por trazer um adjetivo que não associamos nunca a esse substantivo, afinal o ar nunca é líquido. Mas funciona bem de forma imagética, com a ideia dos pulmões sendo afogados. É sensorial e instigante. Só cortaria esse de horror do final, rs. Mas veja como é uma analogia muito diferente e muito mais interessante do que as anteriores.

    Por fim, quando se escolhe a segunda pessoa – recurso do qual gosto bastante – é preciso ter atenção para aproveitar todas as oportunidades de suprimir o pronome você. Ele vai aparecer muito, é inevitável, mas até por isso convém cortar quando possível. Um exemplo:

    Você abraça sua avó e sente toda a segurança que só aquela velhinha consegue te dar. Ela tem cheiro de alfazema e café. Você está finalmente em casa.

    Poderia ser algo como: O abraço da sua avó transmite toda a segurança que só aquela velhinha…

    Voltando ao enredo, acho que ele se alongou um pouco além da conta, o texto poderia ser mais enxuto. Em algum ponto, as visitas da entidade começam a ficar episódicas, previsíveis. Perdem a força. E o final foi um tanto convencional, esperava uma solução mais inventiva. Mas é funcional.

    Conclusão: É um conto de leitura rápida, mas que acaba se esticando um pouco além da conta. A atmosfera é bem construída e a narração é segura. Tem alguns escorregões e um final algo previsível, mas a segunda pessoa dá um tempero especial ao texto. O tema foi bem explorado. Tem qualidades que justificam a boa posição no certame.

    Nota de zero a cinco: 4,2.

  4. Fabio D'Oliveira
    29 de março de 2025
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas, Nyktos!

    Primeiramente, gostaria de falar sobre o efeito que seu pseudônimo, a imagem e as descrições noturnas afetaram minha leitura. É um conto de terror, sem sombras de dúvida, e é um ótimo terror, mas eu só consegui imaginar o conto com tons sombrios, escuros e insalubres. Nyktos, ou Nix, é a personificação da noite, na mitologia grega. O conto começa numa noite sinistra e termina noutra noite sinistra. Gostei muito dessa construção e de como você relaciona a noite com a loucura do protagonista. Durante o dia, ele parece quase normal, apesar da perturbação que sofre durante o período noturno.

    E, então, temos a trama.

    Gostei muito da linha que traçou entre a loucura e o sobrenatural. É possível que o leitor encontre sentido nas duas abordagens. E isso valoriza ainda mais o conto. É possível enxergar o vulto como um encosto, tanto quanto é possível enxergá-lo como uma ilusão da esquizofrenia do protagonista. Explico: a cena do espelho, além do suposto assassinato do irmão enquanto ainda era criança, pode criar dúvidas se o problema era mesmo uma doença mental — esquizofrenia infantil é raríssima, o comportamento agressivo ainda mais.

    A trama é muito bem construída e ousada, pois segue uma linha não-linear dos fatos. E, pra complementar, você ainda executa uma narrativa na segunda pessoa e no presente. Um texto na segunda pessoa já é extremamente difícil, agora, no presente, é como jogar no modo mais difícil de qualquer game. E você se saiu muito bem.

    Para não dizer que tudo é perfeito, poderia dosar um pouco o uso do “você”, em alguns pontos, e, talvez, eliminar os diálogos do protagonista, deixá-los de forma indireta, para aumentar a imersão do leitor.

    É meu conto favorito do certame e espero que ganhe!

    Abração!

  5. Bia Machado
    29 de março de 2025
    Avatar de Bia Machado

    Enredo/Plot: 1/1 Eita, que conto bom! É o tipo de texto que não sossego enquanto não terminar.

    Criatividade: 1/1 Podia ser mais um conto de terror, mas você deu um toque a mais, utilizando a segunda pessoa, até por ser aquela que se encaixa na situação do texto de forma perfeita.

    Fluidez narrativa: 1/1 Muito boa narrativa em segunda pessoa, o que ajuda a criar um suspense e no meu caso, fiquei sem saber o que pensar, ao mesmo tempo em que havia outras possibilidades. Acho que esse é o conto que alguns se incomodaram com a quantidade de “vocês”, mas a mim não me incomodou, porque entendo que a narrativa em segunda pessoa tem dessas coisas.

    Gramática: 1/1 – Não vi nada que necessitasse de revisão depois.

    Gosto/Emoção: 1/1 – Está entre os meus preferidos. Que medo! E que triste!

  6. Andre Brizola
    29 de março de 2025
    Avatar de Andre Brizola

    Olá, Nyktos!

    Seu conto me causou algumas impressões extremas. Gostei muito de alguns aspectos, mas desgostei de outros, talvez na mesma medida. O terror contido no enredo é bem óbvio, e o enredo é interessante, embora não seja um primor de originalidade.

    O que achei interessante é a forma quase claustrofóbica a que a personagem é submetida, tendo que enfrentar esse demônio interior, essa culpa de ser a causadora de seus próprios pesadelos. O enredo monta um quadro que leva, de forma meio previsível, a um final em que podemos antever a resposta antes de termos uma pergunta formada de fato. Mas isso nem é um problema, acredito. O gênero é permeado pelos clichês e, aqui, vejo que ele foi bem trabalhado para criar uma certa tensão “agradável”.

    Mas me causou estranheza essa narração que dialoga com a personagem, sobretudo porque há outros diálogos dentro do texto. A opção por esse tipo de narrativa gerou um ruído grande no que diz respeito à repetição da palavra “você”. Não cheguei a contar, mas ao terminar de ler o conto, como percebi que ela se repetia demais, fiz a pesquisa pelo termo usando o sistema de pesquisa do navegador. E o texto se iluminou em retângulos amarelos, pois a quantidade é realmente muito grande. E achei que é uma repetição que incomoda.

    Há um equilíbrio, então, entre aquilo que gostei e o que não gostei. O saldo acaba positivo pela criatividade e pela ousadia em apresentar um conto com tal proposta.

    É isso. Boa sorte no desafio!

  7. Raphael S. Pedro
    28 de março de 2025
    Avatar de Raphael S. Pedro

    Um conto muito bom, o tom melancólico da narrativa conseguiu me prender do início ao fim.

             Outro ponto positivo foi que conseguiu manter o suspense quanto ao desfecho até o último parágrafo sem tornar a história monótona, demonstrando a habilidade do(a) autor(a).          Leva, juntamente com outro conto, a maior nota do desafio. Parabéns!

  8. Thiago Lopes
    27 de março de 2025
    Avatar de Thiago Lopes

    Usar a segunda pessoa é uma boa ideia para o gênero de texto, porque ajuda a gerar mais aproximação do leitor, e acho que funcionou bem aqui. 

    Alguns probleminhas, no entanto, fizeram perder um pouco desse “mergulho” do leitor. Peguei o começo do conto para mostrar: 

    “No quarto escuro, iluminado apenas pela parca luz do poste que invade as frestas da janela, você ouve passos.

    Sabe que são as batidas do coração, ecoando em seus ouvidos, mas cisma que soa exatamente como passos. Constantes, mas sem nunca chegar a lugar nenhum.

    Dorme com o som, muitas vezes incômodo, pulsando em seus ouvidos. Muda de posição na cama e ele some”. 

    Há certas expressões e palavras que estão desgastadas, elas não trazem imagens, não fazem constatações e ainda irritam leitores que não gostam do estilo best-sellers. São palavras sobrando, que, substituídas ou mesmo extirpadas, vão deixar o texto mais impactante. Nesse caso, essas expressões são: 

    “parca luz” – é uma expressão muito corrente e não gera a imagem de um ambiente de luz rarefeita. 

    “invade as frestas da janela” – esse verbo é batido para falar de luz entrando pela janela. Porque não usar outro verbo, mais claro, preciso e, quem sabe, menos comum?

    Para o som a mesma coisa: som pulsando ou ecoando nos ouvidos. Há certas palavras que parecem puxar outras, mas elas são armadilhas que fazem o texto perder tensão. Pelo menos foram essas as minhas impressões, o texto está cheio dessas palavras ou expressões estéreis. 

  9. Leo Jardim
    27 de março de 2025
    Avatar de Leo Jardim

    📜 TRAMA (⭐⭐⭐⭐▫): um homem é perseguido por um vulto que o confronta com todas as suas culpas e pensamentos intrusivos. O vulto é ele mesmo e o faz matar sua própria vó.

    Muito interessante e tensa essa história. Fiquei realmente interessado em entender o que estava acontecendo. As informações são passadas aos poucos e percebemos que o protagonista tem problemas emocionais e mentais. O final é inesperado, fugindo da ideia de que o vulto só influenciava nos sonhos.

    📝 TÉCNICA (⭐⭐⭐▫▫): um conto em segunda pessoa, algo que não estou muito acostumado a ler. Achei que teria um motivo para isso, como se alguém estivesse conversando com o protagonista, mas entendi ser só uma escolha estética mesmo. Nada que abone ou desabone nesse caso.

    🎯 TEMA (⭐⭐): se enquadra no terror.

    💡 CRIATIVIDADE (⭐⭐▫): dentro da média do desafio.

    🎭 IMPACTO (⭐⭐⭐⭐▫): o final impacta, pois quando a avó é introduzida, parece que ela entraria como uma solucionadora do conflito, mas ela acaba sendo vítima, de forma inesperada. O fato do vulto ser uma outra personalidade dele também é um ponto que aumenta o impacto. Se não foi daqueles contos de causar choro, medos ou desespero, ele não foi nem um pouco de passar em branco.

  10. claudiaangst
    27 de março de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Narrativa bem conduzida. Fiquei em dúvida quanto à identidade do vulto. Quem era ele? O irmãozinho? Darei o meu pitaco: acho que o conto ficaria mais impactante se a trama tivesse focado mais no terror da descoberta de que ela tinha provocado o acidente dos pais por eles estarem desesperados para levarem o bebê ao hospital (já sem vida, sufocado pela protagonista). Já seria terror suficiente – ela descobrir que matara o irmão… e como consequência, seus pais. li o tempo todo como se a protagonista fosse mulher, mas posso ter me enganado, né? O conto é muito bom, prende bastante a atenção. Deve receber ótimas notas. Pódio a vista.

  11. rubem cabral
    26 de março de 2025
    Avatar de rubem cabral

    Olá, Nyktos.

    Muito bom o conto de terror! Gosto dessa atmosfera de pesadelo, e o conto explorou bem a falta de lógica e os absurdos dos sonhos, que nos fazem encarar coisas que não entendemos bem. O início me lembrou paralisia do sono.

    O crescer da tensão do conto é muito bom, e a avó – com cheiro de café e alfazema – é uma figura de conforto, é um porto seguro. O fim tem o horror esperado e o desfecho é bastante bom também.

    A escrita está muito boa e correta, embora razoavelmente simples. Vi um possível erro de concordância na frase “Sabe que são as batidas do coração, ecoando em seus ouvidos, mas cisma que soa exatamente como passos” (as batidas soaM, os passos também).

    Bons diálogos, bom protagonista.

    Boa sorte no desafio e abraços.

  12. Rodrigo Ortiz Vinholo
    25 de março de 2025
    Avatar de Rodrigo Ortiz Vinholo

    Tenso! Boa técnica, boa escrita, e bom conceito. A escrita em segunda pessoa é um artifício que normalmente eu gosto muito, mas… aqui não me pegou, e explico: quanto mais a história avançava, mais eu me desconectava da experiência porque o personagem tinha uma série de diferenças de mim. Eu não consegui ser afetado pelo narrador que me questionava porque a pergunta era para esse meta-eu, não para eu mesmo, leitor. Claro, ainda há um mérito nessa execução, mas não vejo que ela tenha adicionado mais do que uma narração em primeira ou terceira pessoa, então a meu ver sobra estranhamento. Ainda assim, no geral funciona, parabéns!

  13. bdomanoski
    23 de março de 2025
    Avatar de bdomanoski

    Essa escolha de fazer o conto usando o segundo pronome do singular é uma experiência bastante interessante do ponto de vista de quem está lendo. O autor busca colocar o leitor na pele do personagem, literalmente. Teve sucesso em criar vários momentos de tensão. Eu fiquei paralisada, respiração presa, lendo. Embora eu esperasse algum tipo de reviravolta no fim, um final surpreendente, o que não aconteceu. Mas a expectativa talvez seja apenas culpa minha querendo dopamina em excesso. Achei interessante a forma como o protagonista se sentia culpado de tudo até de coisas que pareciam ser inverossívemeis. Embora o fim tenha deixado a entender que tudo que ele pensa ter sonhado, realmente aconteceu. No começo estranhei o personagem ouvindo passos que estariam na esquina da casa dele. Teria ele um ouvido sobrenatural? Achei um tanto exagerada essa parte. Houve a explicação que o som de passos seria na verdade as batidas do coração. Mesmo assim não rolou de imaginar esses passos tão distantes. Enfim, o conto mais parece um relato – bastante pesado. E até deixaria a dúvida do quanto o personagem pode ser culpado pelos atos que supostamente cometeu, uma vez que eles parecem ser atos sem nenhum tipo de motivação. Estaria ele possuído por uma entidade assassina? Enfim o que mais gostei foi essa sensação pesada de culpa que o personagem sentia, e que o autor conseguiu transmitir com sucesso para o leitor. Me incomodou a falta de motivação pros crimes. Agradou a forma como consegui entrar na cena, e o pronome utilizado ajudou bastante para essa entrada na história. UM bom terror, parabéns.

  14. Thiago Amaral
    22 de março de 2025
    Avatar de Thiago Amaral

    Nesse conto o uso da segunda pessoa é o que se destaca. É algo arriscado, pois pode soar artificial ou, pelo contrário, contribuir muito à imersão do conto, dependendo de como se faz a leitura.

    Particularmente, funcionou para mim. O tensão do conto me pegou na maior parte, e me imaginei nas situações expostas na história.

    O estilo de escrita, tanto pela segunda pessoa quanto pelas frases curtas, diretas, me lembrou e muito o livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório. A comparação é um pouco bizarra, pois a temática não tem tanto a ver, mas o estilo de escrita parece até uma emulação, ao meu ver. Imagino a autoria ter imaginado que esse recurso estilístico cairia bem para um terror. Ou estou viajando completamente por ter lido o livro recentemente. Será?

    De qualquer forma, foi uma boa ideia. O tema em si da culpa do protagonista não me pegou por motivos particulares, mas acho que foi bem executado e teve um resultado interessante. Inclusive, dá margem para todo um estilo de histórias de terror em segunda pessoa. Poderia ser um nicho a se explorar.

  15. Jorge Santos
    20 de março de 2025
    Avatar de Jorge Santos

    Olá autor ou autora. Este foi mais um texto que tive de ler mais do que uma vez. Primeiro, estranhamos a utilização do narrador na segunda pessoa. Este foi um recurso usado pelo autor para aumentar a tensão e a imersão do leitor, que subitamente se vê na pele de uma criança. Primeiro estranha-se, depois entranha-se, como dizia Fernando Pessoa acerca da coca-cola. Depois, vem a confusão. Não sabemos o que é a realidade ou o que é a fantasia. Pareceu-me ser o relato do ponto de vista de uma criança que, depois de ter perdido a família, está internada e sofre de surtos psicóticos, nos quais se tenta convencer de que é culpada da morte dos familiares. A estrutura do relato remete ao conto de natal de Dickens, com a visita dos diversos fantasmas e a revisão dos acontecimentos. A ideia tem um grande potencial, mas peca por um pormenor: todas as mortes são excessivas. Uma criança não iria dirigir um carro, por exemplo. Bastaria alterar ligeiramente a narrativa. Por exemplo: a criança poderia ser a causadora de uma distração que daria lugar ao acidente. Isso seria mais plausível do que o recurso utilizado no texto. A morte da avó também é excessiva. Um brinquedo no meio da escada, a avó tropeça. Fim da história, que fica muito mais plausível.

  16. paulo damin
    20 de março de 2025
    Avatar de paulo damin

    A família como um pesadelo, a origem de todos os males. Difícil saber se o problema é a falta de família ou se é o excesso dela. Provavelmente os dois. 

    O lance desse conto é ser narrado em segunda pessoa, que é a pessoa menos familiar, é a pessoa do outro, é a única que pode nos ver de fora, nos julgar. Então a operação narrativa tem essa vantagem, ela se dá esse direito de acusar o eu, ao tirar o corpo fora. No fim, se reconhece no espelho e se paralisa. Será que vai aproveitar o insight (a visão de dentro, finalmente) pra ver um pouco além de si?

  17. Cyro Fernandes
    19 de março de 2025
    Avatar de Cyro Fernandes

    O conto tem como ponto forte a narração dos pesadelos. As descrições permitem sentir o pavor nos sonhos.

    Os traumas na infância do personagem acabam trazem um realismo para o cenário de terror, amplificando o seu impacto.

  18. toniluismc
    18 de março de 2025
    Avatar de toniluismc

    O conto aborda o tema psicológico da culpa profunda, explorando a relação entre culpa, memória e realidade distorcida.

    A escolha da narração em segunda pessoa é arriscada, mas funciona bem, intensificando o envolvimento emocional do leitor. A escrita é competente, fluida e bem estruturada. O conto usa repetições, frases curtas e diálogos internos que reforçam o tom angustiante. Algumas passagens poderiam ter uma construção mais variada para evitar repetição excessiva, especialmente nas cenas dos pesadelos.

    O conto é forte emocionalmente. As cenas finais têm grande impacto, chocando o leitor e deixando claro o colapso psicológico do personagem. O final não oferece um alívio, e a revelação final — o assassinato da avó — é poderosa, fechando o conto com a sensação perturbadora de inevitabilidade.

    Confesso que fiquei fascinado pela cena que você descreveu, parabéns de verdade!

  19. Kelly Hatanaka
    18 de março de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Nossa! Que conto!

    Como mãe, acho fácil embarcar nessa ideia de se sentir sufocada por culpas ilógicas. O filho espirra e me sinto culpada, a filha está triste pq brigou com a amiga e me sinto culpada. Os planos de ferias dão errado e me sinto culpada. Mas o conto vai muito além desse sentimento meio megalômano. A sensação de culpa da protagonista é o grande vilão e a leva a caçar culpados. Ela busca a a culpa dentro de si e no outro. No final, o mal não é externo e sim, parte dela. E este é o grande terror.

    Parabéns!

  20. Afonso Luiz Pereira
    17 de março de 2025
    Avatar de Afonso Luiz Pereira

    “Mea Culpa” é um conto bem escrito e agradável, gostei, que te leva para um terror psicológico na mente fragmentada de um protagonista atormentado pela culpa. O autor utiliza a narrativa em segunda pessoa, algo bem complicado de fazer, colocando o leitor na pele do personagem e intensificando a imersão no horror.

    O enredo trabalha o tema clássico da literatura de terror: o “duplo” e a confusão de atitudes comportamentais que isso pode trazer. O protagonista se vê em sonhos praticando atrocidades, sem saber se são apenas manifestações de sua mente ou recordações reprimidas. Esse tipo de enredo remete a “William Wilson“, de Edgar Allan Poe, onde o personagem confronta um outro “eu” que representa sua consciência. Isso ocorre também com “O Médico e o Monstro“, de Robert Louis Stevenson, e “O Clube da Luta“, de Chuck Palahniuk, em que abordam de maneiras distintas a dualidade da mente e o transtorno dissociativo de identidade. Já escrevi dois ou três contos dentro desta perspectiva também.

    O texto tem um bom ritmo, começando com uma sensação sutil de desconforto. Há uma atmosfera de pesadelo bem trabalhada, confundindo realidade e ilusão. O final, em que o protagonista percebe que a entidade que o atormentava sempre foi ele mesmo, fecha a história de forma competente.

    Por outro lado, para leitores mais experientes no gênero, como no meu caso, o desfecho pode ser previsível. Ainda assim, Mea Culpa é um conto bem feito e perturbador, que nos faz questionar até que ponto a culpa pode nos consumir e transformar quem somos.

  21. Leandro Vasconcelos
    14 de março de 2025
    Avatar de Leandro Vasconcelos

    Opa! Um conto de terror psicológico que trata do tema “autoculpabilização”. É bem interessante a forma utilizada no texto: o narrador funciona como um acusador, dirigindo-se ao leitor em segunda pessoa. E aí somos conduzidos por ele, ou pela sombra assustadora que aparece toda noite em pesadelos, através de acontecimentos trágicos da vida do personagem-leitor, cuja culpa lhe é imputada. Muito legal esse efeito: parece que tem alguém apontando um dedo em nossa cara o tempo todo!

    Confesso que me vi um tanto irritado ao final (rs). Você isso, você aquilo. Um chororô sem fim sobre coisas fora do controle do protagonista (que o narrador acha que sou eu!). Mas, de toda forma, reconheço o mérito dessa estratégia. Afinal, o conto consegue criar uma imersão intensa, fazendo com que o leitor se sinta na pele do personagem.

    É interessante a polaridade com a “sombra”. O maior trunfo do conto é como a culpa é construída enquanto um antagonista real. O personagem internaliza tragédias que, racionalmente, ele sabe que não são de sua responsabilidade, mas esse antagonista o corrói. O sentimento cresce progressivamente até o ápice, quando ele finalmente se vê como o monstro. E aí fica aquela indagação: tudo o que foi mostrado era real? O protagonista era um psicopata que suprimia sua culpa? Ou os acontecimentos vieram da paranoia de uma mente perturbada? A fronteira entre o real e o imaginário se dissipou. Então, a culpa é projetada para a avó. Uma ideia muito boa.

    A escrita é fluida, com frases curtas e diretas que ajudam a manter a tensão. A repetição de palavras e o ritmo acelerado em certos trechos reforçam a sensação de claustrofobia mental do protagonista.

    Do lado da crítica construtiva, como já ressaltado, esse excesso de “vocês” pode enfadar alguns leitores. Ademais, a repetição de emoções e reações negativas também deixa o texto um tanto piegas e estereotipado. Ao menos, foi o que senti. Outros podem reagir de forma diferente.

    Em suma, a ideia foi muito boa! Execução adequada e que pode suscitar debates! Mas, de toda forma, é um texto muito original! Parabéns!

  22. Fabiano Dexter
    13 de março de 2025
    Avatar de Fabiano Dexter

    Estou organizando os meus comentários conforme irei organizar as minhas notas, buscando levar para o autor a visão de um Leitor regular e assim tentar agregar algum valor. Assim a avaliação é dividida em História (O que achei da história como um todo, maior peso), Tema (o quanto o conto está aderente ao tema), Construção (Sou de exatas, então aqui vai a minha opinião geral sobre a leitura como um todo) e Impacto (o quanto o produto final me impactou)

    História (1,5)

    Uma história bem interessante de terror psicológico, onde vamos afundando na culpa e na insanidade, pouco a pouco, até finalmente quebrar.

    Gostei como a história é conduzida, colocando o leitor como protagonista e instigando nele (em nós) os sentimentos através de um terceiro, no caso uma sombra que aparece forçando uma culpa que pode ser ou não verdadeira.

    Lembrei do Trocas Macabras, do Stephen King, onde o demônio tenta justamente usar a culpa pelo acidente que matou a família do policial nele, através de um vídeo adulterado, mas que mostra aquilo que a culpa dele quer ver. Como no acidente dos pais do protagonista onde ele aparece dirigindo com 8 anos e, mesmo sabendo que não é verdade, a culpa coloca essa dúvida na cabeça dele. E isso nos deixa sem saber se havia ou não um irmão, mas com a certeza de que ele matou a avó. E que aquilo estava dentro dele o tempo todo.

    Tema (1,0)

    Terror psicológico muito bem construído, mantendo uma narrativa tensa do inicio ao fim do conto.

    Construção (1,5)

    Achei bem interessante e diferente a narrativa, colocando o leitor como protagonista da história. Diferente, difícil e bem executado. O uso de uma entidade para nos guiar pelo conto funcionou muito bem aqui, afinal estamos fora do controle do nosso corpo e da nossa mente.

    Impacto (1,0)

    Terminei o conto pensando sobre o que seria verdade ou mentira em relação a aquilo que foi apresentado. Não estávamos dirigindo o carro que matou nossos pais, mas será que fizemos algo para provocar o acidente? Será que realmente havia um irmão? Será que nossa avó nos encobria?

    Gostei bastante da história e da escrita. Parabéns!

  23. José Leonardo
    13 de março de 2025
    Avatar de José Leonardo

    Olá, Nyktos.

    Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).

    FRIACA: Do que se trata o conto?

    R.: O tema da visitação da culpa, do fatalismo e do aspecto (quase inatingível) da redenção, posto que nos prendemos no círculo do ato culposo e suas consequências. Além disso, suscita quanto ao limite da responsabilidade face a uma força que parece nos dominar e agir em nós como um ventríloquo. 

    FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?

    R.: Aqui predominam parágrafos à la Chuck Palahniuk, digamos. Curtos, precisos. Parágrafos que pontuam a regência dos verbos – há sempre uma ação ou sensação que pretende angustiar, impactar ou chamar a atenção do leitor por outros pretextos. Comigo funcionaram muito bem tais parágrafos curtos.

    Confesso que não gosto muito que digressões sejam motivo para o terror, mas devo reconhecer que a forma como o texto está disposto induz essa sensação de sofreguidão de uma pessoa visitada por seu espectro-culpa. Quando esse espectro domina a personagem, a culpa é transferida dela para o outro – no caso, a avó. Qualquer coisa pode se tornar pretexto para atos insanos.

    O fato é que pouquíssimos personagens nos proporcionaram um ótimo ambiente de tensão.

    FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?

    R.: Plenamente adequado. Como pontuei anteriormente, o(a) autor(a) soube assentar um ambiente de agonia/tensão perene. Isso não me causa um impacto imediato, mas um do tipo que se dilui ao longo da narrativa.

    Acrescente-se que não me pareceu intenção do autor qualquer reviravolta de enredo, pelo contrário: visitar a angústia e a dor sobre o que aconteceu aqui se tornou mais eficaz do que investigar quem causou.

    FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?

    R.: De Raskólnikov à esposa de Macbeth, na verdade, a quaisquer outros personagens da literatura (das artes em geral), o mote da culpa rende sempre boas histórias. Ainda que, como disse, flashbacks não me atraiam muito como objeto de terror, a cena da avó e os aspectos da culpa lembrada e relembrada do seu conto me cativaram.

    FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto, inclusive sobre a nota?

    R.: Um conto muito bom. Acho que não há mais o que pontuar num trabalho da envergadura como o seu, Nyktos. Nota: 4,6.

    Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.

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Publicado às 9 de março de 2025 por em Liga 2025 - 1A, Liga 2025 - Rodada 1 e marcado .