
Para o carro na guarita de acesso ao prédio, mas ao buscar com um gesto mecânico o cartão de estacionamento no lugar onde ele costumava ficar — a lateral da porta — não o encontra. Já o passou adiante, lembra, bate com o punho fechado no volante, mania de se antecipar à concretude dos fatos.
Abaixa o vidro, o vigilante certamente a reconhecerá, pensa, é a única ruiva de cabelo impecável do Complexo. Diminui do volume do som embora não fosse necessário. Não estou com o cartão, explica. Será que não haveria alguma vaga de visitante onde eu pudesse estacionar? Não senhora, ele diz, e sem o cartão infelizmente não pode deixá-la parar nas vagas regulares, justifica. Na falta de um pedaço de papel plastificado, de nada vale seu visual impecável nem sua trajetória de anos e anos cruzando aquele portão todo santo dia, tantas vezes também aos sábados, eventualmente no meio da noite, de madrugada, raramente aos domingos. Sem disposição para retrucar, acata o comando de manobrar que o homem gesticula com os braços e as mãos enquanto ergue a cancela, primeiro a de entrada, depois a de saída, para o carro passar.
Não se dá o trabalho de procurar uma vaga nas proximidades do prédio, não há motivo para pressa, esquecida de que traz nos pés um escarpam de bico fino e salto alto.
Ao passar caminhando pela guarita, talvez dez minutos mais tarde, se equilibrando no salto sete sobre o piso irregular, o mesmo vigilante que a impediu de entrar com o carro faz um sinal com o polegar; tem um sorriso de simpatia na cara. Ela retribui com um aceno de mão distraído. Sua inquietação a impede de mimetizar um sorriso ainda que artificial. Ao cruzar o portal de acesso ao Complexo foi tomada por uma melancolia, cuja motivação tenta encontrar dentro de si, que cresce a cada baque do sapato contra o asfalto.
Não é tristeza, nem saudade ou nostalgia. No centro há uma satisfação: foi feliz em muitos momentos, houve projetos que a desfiaram, alguns foram bem sucedidos, é grata por isso. Mas há também um pesar pelo que deixou de viver por ter se dedicada tanto e por tanto tempo à mesma empresa, essa que por falta de um cartão de estacionamento a humilha àquela caminhada que não acaba!
Pelos olhos voltados pra dentro passam condensadas as renúncias implicadas: o emprego em Pompano Beach, o restaurante que sempre sonhou abrir, o ano sabático viajando com o namorado pela Índia, a mudança para Santa Catarina. Na morte deve ser assim, se horroriza.
Uma única lágrima escorre, ela a enxuga. Disse a todos e a si mesma que as coisas haviam acontecido na hora certa. Não faz sentido chorar, se esforça em fazer que as emoções correspondam à lógica, como num algoritmo.
Ao chegar à porta de acesso ao prédio, com os dois pés sobre a soleira, tem um quase sorriso de serenidade no rosto. Pela última vez cruzará aquele umbral, tem a intuição de revestir o momento da solenidade possível. Como na despedida de um ente querido. Cerra os olhos, inspira, expira, pensa nas pessoas, não em cada uma, mas em todas ao mesmo tempo, com as quais cruzou naqueles corredores e nas outras, tantas, que antes dela passaram e nas que depois dela passariam. Corpos e mais corpos, uma multidão de fantasmas, ela… um flato infinitesimal… hi…hi…hi… ri de si mesma, os dentes a mostra, inspira e expira uma vez mais, os olhos ainda fechados, entra.
Resolve as pendências que restam usando apenas gestos, a assinatura e palavras imprescindíveis.
Nada sente ao passar pelo vigilante, mas sorri e acena relaxada um tchau para sempre. Na rua, os saltos já não tiquetaqueiam a cada passo, amortecidos por ora contra a dureza do caminho até, quem sabe, a próxima queda.
Olá, Margueritte!
Ah, texto curtinho! Esse foi fácil de ler. Fico aqui pensando se o tamanho do comentário deve ser proporcional ao conto, pois devo dizer que tenho escrito verdadeiras teses de mestrado por aqui. Rapaz, nunca vi comentários meus tão grandes, mas eu preciso analisar o detalhe quando um concurso possui histórias tão boas como essas postadas no EntreContos. Mas sem muita enrolação, vamos à crítica.
Primeiramente, te parabenizo pelas descrições, são muito boas e ajudam a entender o contexto e as decisões dos personagens. Percebi uma pequena inconsistência em “onde ele costumava ficar”. Não seria onde ela? Pois, mais tarde somos apresentados à “única ruiva de cabelo impecável do Complexo”. Acredito que não há necessidade da preposição nessa frase “Diminui do volume” e achei um pouco prolixo a parte “tantas vezes também aos sábados, eventualmente no meio da noite, de madrugada, raramente aos domingos”, se não contribui ativamente para o desenvolvimento da história, você poderia resumir essa parte.
Em relação à narrativa, algumas coisas me incomodaram. “Ao passar caminhando pela guarita, talvez dez minutos mais tarde, se equilibrando no salto sete sobre o piso irregular, o mesmo vigilante que a impediu de entrar com o carro faz um sinal com o polegar; tem um sorriso de simpatia na cara”, cuidado com excesso de detalhamento, isso pode atrapalhar a leitura e até confundir o leitor.
“No centro há uma satisfação: foi feliz em muitos momentos, houve projetos que a desfiaram, alguns foram bem sucedidos, é grata por isso”, achei essa parte abrupta e um tanto abstrata. Não teve algo que especificamente a deixou assim? O que ela estava pensando? Teve alguma ação anterior que o leitor não está sabendo, e que justificaria tal ação? Mesmo com “Ao cruzar o portal de acesso ao Complexo foi tomada por uma melancolia”, ainda me pareceu um pouco incompleto.
Segundo o dicionário Oxford, melancolia pode ser referida como uma tristeza profunda. Contudo, no parágrafo seguinte você escreve “Não é tristeza, nem saudade ou nostalgia”, afinal esse sentimento seria ou não a melancolia? Por não ser tristeza, acaba invalidando a tristeza profunda.
A citação da empresa poderia ter sido citada no começo da história, tive que voltar umas linhas para entender essa parte. Acredito que você possa deixar um conflito mais explícito, algo que pudesse alterar o caminho da história. O conto apenas fala de uma mulher que saiu de uma empresa, ela voltando para assinar os últimos papeis e saindo daquele lugar. Não há retrospectiva, não há desenvolvimento, não há mudança de comportamento, não há conflito, não há história. É como se o leitor estivesse vendo uma cena única, sem qualquer contexto. Eu não consegui me conectar com os personagem, ou a personagem porque praticamente apenas ela é citada, e eu não sei quem realmente ela é.
Mesmo assim, não nego que a sua escrita tem bastante potencial. Procure desenvolver uma história com começo, meio e fim, não apenas um fragmento do que aparenta ser um desenvolvimento de algo maior. Gostaria muito de ler outros textos seus. Desejo tudo de bom e boa sorte no concurso!
COMENTÁRIO: Aqui aconteceu algo curioso. Os dois temas são abordados e tem forte presença na narrativa, com uma porta que engatilha sentimentos saudosos quanto às experiências naquele lugar e a liberdade de superá-lo… mas que lugar? Superar o quê? Quem supera? Há uma sugestão de história, um foco forte no sentimento, mas a falta de concretude para que se sinta junto da personagem, o que, a julgar pela escrita sofisticada e a abordagem inteligente dos temas, poderia ter ampliado o alcance do conto dentro do certame.
Outro conto curto que eu gostei.
É difícil destrinchar quando o texto não é tão longo, mas consigo pontuar que o autor conseguiu representar bem o sentimento de tristeza, injustiça e mágoa com esse tipo de acontecimento. O uso do tema foi original, a porta representando não só o trabalho mas, em parte, uma espécie de felicidade do previsível.
Chamo atenção pro início do texto com um verbo, que ajuda a acelerar ainda mais o conto que já é ágil.
A prosa é competente, sem muitos floreios e representando bem os sentimentos da moça, os discursos que repetimos nessas situações de desamparo e surpresa.
Como um colega trabalhador, sinto que qualquer tenha que passar por isso.
O pessimismo do frase final também foi porreta, um jeito de alinhar o sentimento geral do texto com o ânimo da personagem.
Um trabalho muito bom.
O conto possui uma valência que muito admiro: a confusão entre o cotidiano e o cosmos. Como se micro e macro se entrelaçassem e tivessem a mesma importância.
Um simples esquecimento de cartão, algo rotineiro, transforma-se numa reflexão grandiosa sobre diversas questões centrais na vida da personagem principal.
Realização profissional, realizações pessoais, possibilidades não vividas, escolhas… Tudo é abordado dentro de uma premissa cotidiana. Pontaço pro autor!
A parte do “flato intestinal”, para mim, é totalmente descartável e me fez quase gritar um “ah, não. Pra quê?”. Ora, sei que a intenção do autor foi adicionar um toque de humor negro, uma quebra de expectativa em meio a uma narração densa, carregada… Mas, ao meu ver, muito mal executada. Emprestou um aspecto bobo ao conto que mais atrapalha do que ajuda.
O personagem é rico em dimensões. A narrativa também. A técnica é excelente, a atmosfera criada é invejável. Faltou um pouco mais de poesia, uma pitadinha maior no estilo intimista e no Umbral como metáfora, talvez emprestasse ao conto um status maior do que já possui.
É um dos melhores contos do desafio. Um dos mais bem escritos também. Não é perfeito, mas poderia ser.
olá,
bem, não entendi muito bem como esse conto se adequa ao tema. Tem uma menção a lembranças, mas não é tão importante a ponto de ser temática, ao meu ver. A escrita é um pouco confusa e não convencional, o que pode ser bom, mas não funcionou aqui. Tem que ser feito com cuidado essas ousadias. Sei que vai ter gente reclamando do tempo presente. Mas apesar de ser pouco usual, não é proibido. No mais, o texto é um pouco curto demais para pegar empatia pela protagonista ou ter algum impacto significativo. Não achei que funcionou
boa sorte!
olá,
bem, não entendi muito bem como esse conto se adequa ao tema. Tem uma menção a lembranças, mas não é tão importante a ponto de ser temática, ao meu ver. A escrita é um pouco confusa e não convencional, o que pode ser bom, mas não funcionou aqui. Tem que ser feito com cuidado essas ousadias. Sei que vai ter gente reclamando do tempo presente. Mas apesar de ser pouco usual, não é proibido. No mais, o texto é um pouco curto demais para pegar empatia pela protagonista ou ter algum impacto significativo. Não achei que funcionou
boa sorte!
Um conto curto, simples e direto, contando a história de uma mulher que retorna pela última vez ao antigo prédio em que trabalhava para assinar os últimos papeis da demissão.
Talvez tenha sido simples demais, tenha faltado ela deixar uma bomba ou entrar atirando, mas achei o conto agradável de ler, intimista. Provavelmente a autora (ou autor) passou por algo semelhante e expressou no conto.
Os portais e portões são bem explorados como parte da história e ajudam a criar um clima de realidade para a história, como a questão do cartão de estacionamento.
Para mim atendeu muito bem à proposta.
Olá, Marguerite. Este conto narra a história de uma mulher que vai buscar as suas coisas ao antigo emprego. A ligação ao tema surge da nostalgia com o que passou na empresa, que creio deveria ter sido mais desenvolvido. Há no desfecho uma transformação, uma intenção de procurar uma nova luta, que é a atitude a esperar numa situação de rotura profissional. Ganhamos sempre nas mudanças, mesmo que isso não seja evidente. Em termos de linguagem, nada a apontar. O conto é fluído, sem erros. Merecia, apenas, ter sido mais desenvolvido para se tornar mais impactante.
Olá, autor(a), tudo bem?
Neste desafio, usarei o sistema ◊ TÁ DITO ◊ para avaliação de cada conto.
◊ Título = O UMBRAL – A um passo do paraíso ou do inferno?
◊ Adequação ao Tema = Tema proposto abordado com alguma ressalva. Vou considerar a entrada do prédio como uma portaria, além do portal de acesso ao Complexo.
◊ Desenvolvimento = O conto desenvolve-se bem, direto e linear. É um texto curto, o que facilita a leitura e evita informações desnecessárias.
◊ Índice de Coerência = Não encontrei nada que justifique apontar qualquer incoerência no texto.
◊ Técnica e Revisão = A linguagem empregada é simples, direta, um pouco seca – pois o assunto tratado é delicado e dispensa floreios. No geral, o conto está bem escrito e a protagonista é conduzida de forma objetiva. Somente o final pode parecer aberto a alguns leitores.
Apenas duas falhas no quesito revisão:
[…] por ter se dedicada >[…] por ter se dedicado
[…]os dentes a mostra > […] os dentes à mostra
◊ O que ficou = A imagem da dedicada profissional, frustrada, não reconhecida, com o cabelo ruivo impecável, despencando lá do alto até o chão de concreto. Ou não era pra imaginar isso?
Parabéns pela participação e boa sorte!
O que é que aconteceu aqui? Pareceu-me um texto para marcar ponto. Não levou a nada. É apenas a narrativa estéril de um evento. Um texto a precisar, urgentemente, de revisão. Má construção de frases, entre outros problemas.
Era mesmo para ser “houve projetos que a desfiaram” ou seria “desafiaram”?
Quando leio um texto que vejo, perfeitamente, que não foi devidamente revisto, sinto-me desrespeitado como leitor, e isso pesa muito na minha opinião.
Fiquei obstupefato. Nada mais tenho a dizer.
Um texto narrado em terceira pessoa no modo impessoal.
Essa opção deixou o texto, por vezes, truncado, impedindo leitura fluida.
O conto, no momento, em algumas passagens, cria imagens nítidas: o impedimento do estacionamento, o caminhar no salto, a empresa, a melancolia pelo que não fez.
Faltou revisão de digitação, o que é perceptível em várias passagens. Também revisão da língua. Um exemplo: “se esforça em fazer que as emoções correspondam”, quando deveria dizer “fazer com que…”. Para um conto tão curto, a falta de revisão acaba se sobressaindo.
Um texto singelo, enredo simples. Umbral é o título. Umbral é a porta da empresa? É a entrada do lugar de trabalho? O que é Umbral ?
Parabéns!
O Umbral (Marguerite)
Prezado(a) autor(a):
Para este certame, como os temas são bastante díspares, dificultando quaisquer comparações, vou concentrar mais minha avaliação em três aspectos, e restritos à MINHA PERCEPÇÃO durante a leitura: a) premissa; b) técnica; c) efeito. Mais do que crítica ou elogio, espero que minha opinião, minhas sensações como leitor, possam ajudá-lo a aprimorar a sua escrita e incentivá-lo a continuar.
Obrigado e boa sorte no desafio!
DR
A) PREMISSA: uma história bem sintética, onde o tema “portal” ou “umbral”, no caso, é a transição de quem sai de um emprego. No caso, uma mulher muito bem resolvida, ainda que o autor não desenvolva muito a razão pela qual ela atravessa esse limiar. E isso, a meu ver, tem a ver com o pouco tempo para concluir o conto, que deve ter chegado nos últimos minutos do prazo para envio.
B) TÉCNICA: apesar de aparentemente escrito com pressa, o conto não é desleixado ou raso – percebe-se que o autor (que, suspeito, seja autora) já o tinha em mente e só adaptou ao desafio. A narrativa é bem construída, nos detalhes das ações quem vai resolver as últimas pendências no escritório e se arruma bem para sair por cima. Mas não deixo de notar uma certa falta de interação, sendo um conto essencialmente descritivo, em que outros personagens não tem papel algum a não ser como figurantes da ação. E o tema só aparece como um detalhe mínimo, sem impulsionar a história…
C) EFEITO: o conto deixa boa impressão, e pode ser a semente de um trabalho mais extenso -para onde vai essa mulher? – buscar vingança? Gostaria de ler mais… Boa sorte no desafio!
Obs: “um flato infinitesimal” – eu ri…
Olá, Autor! Tudo bem?
Eu gostei bastante do seu conto. Acho que tem o tamanho exato que precisava para contar a história que você queria contar. Imagino que você esteja satisfeito com o trabalho e na realidade isso é tudo o que importa.
O tema foi abordado com sucesso e fez o uso do umbral de forma com que todos possamos nos identificar. Quem nunca parou na porta da escola no último dia de aula (que foi provavelmente a última vez que pisou naquele prédio que foi tão importante na nossa vida) e pensou no fim de uma era? Ou na porta de um emprego, um projeto, um casamento, qualquer coisa que foi importante e que termina traz essas reflexões e você conseguiu implantar esse sentimento exato no conto. O que é bem difícil… Parabéns!
Sobre a técnica, está perfeita! Só uma palavrinha escapou da revisão (desfiaram no lugar de desafiaram) de resto está perfeito! Achei que o texto tem muita classe e ficou chiquíssimo! 👠
Parabéns pelo conto, e boa sorte no desafio!
Até mais!
Oi Marguerite.
Uma mulher está vivendo seu último dia na empresa em que trabalhou durante muito tempo.
O evento faz com que ela questione suas decisões e revisite o passado. Mas, isso lá é nostalgia? Não sei. Não me pareceu. O pensamento no passado é, por si só, nostalgia? Estou na dúvida.
O fato é que, apesar de muito bem escrito, numa narrativa fluida e gostosa de ler, não há um grande enredo. Está errado? Claro que não. Mas eu, como leitora, senti falta de algum desenvolvimento.
Minha pitada de achismo: vou parar de comentar ou meu comentário ficará maior que o conto. Não vejo problema em ficar bem abaixo do limite de palavras se a história está lá, há começo, meio e fim, conflito e resolução. Mas aqui, como já disse, senti falta de caldo e espaço há.
Gostei ou não gostei: mais ou menos. Gostei, mas tinha potencial para gostar bem mais.
Esse conto me pegou desprevenido. Acabei me identificando com a situação bem mais do que gostaria. Acredito que depois de muitos anos na mesma empresa, eu esteja prestes a conhecer essa sensação do desligamento. Não é para agora, talvez nem em um futuro próximo, não sei se é exatamente isso o que quero, se não seria a melhor coisa para a minha vida e ao mesmo tempo vem aquele medo e todas as dúvidas que as mudanças nos trazem.
Mas isso sou só eu com mania de me antecipar à concretude dos fatos…
Há um estilo de escrita peculiar aqui, foge do padrão do EC e hoje isso me agrada. Simples, direto e poderoso.
MUITO BOM
Sou uma leitora que sempre defende o direito de qualquer autor escrever uma história simples, mas aqui acho que simplificou bastante. O conto passou sem muito tempo para a gente criar um relacionamento com a personagem principal, para que a gente se perguntasse qual seria a próxima queda e até mesmo torcer por ela. Talvez porque o único elemento que a descreve de uma forma mais marcante no conto seja um escarpam e esse elemento me gerou zero simpatia por ela. O conto não precisa ser longo, mas quanto mais curto, melhor deve ser a conexão gerada com o personagem principal.
O Umbral – Marguerite
Resumo + Comentários gerais:
“O Umbral” é um conto pequeno, que fala sobre a despedida de uma funcionária, a última ida dela no local de trabalho, apenas para finalizar as últimas pendências.
Em termos de narrativa, é simples. Deveria ter sido melhor trabalhado. A forma como trabalha com o tema, por outro lado, é inteligente e engenhosa.
Frase/Trecho de impacto:
“Não é tristeza, nem saudade ou nostalgia. No centro há uma satisfação: foi feliz em muitos momentos, houve projetos que a desfiaram, alguns foram bem sucedidos, é grata por isso. Mas há também um pesar pelo que deixou de viver por ter se dedicada tanto e por tanto tempo à mesma empresa, essa que por falta de um cartão de estacionamento a humilha àquela caminhada que não acaba!”
Adequação ao tema (0 a 3) – Avalio se o conto aborda o tema proposto de forma coerente, aprofundada e relevante para o Desafio: 3
Eu gostei bastante da forma que a autora/o autor empregou o tema aqui. Como exposto no conto, não era/é nostalgia! É portal. Numa metáfora, A passagem da personagem para uma nova fase profissional, e consequentemente, de vida. Achei originalíssimo e bem executado.
Adoro quando os participantes do desafio buscam utilizar o tema de forma alegórica. Parabéns!
Construção de Mundo e personagens (0 a 2) – Avalio a profundidade dos personagens e a ambientação, incluindo o cenário e como tudo interage para fortalecer a narrativa: 1
Aqui está o grande calcanhar de Aquiles do conto. Sempre fico encucado como alguns contos conseguem construir, mesmo com poucas palavras. Ainda assim, penso que não foi o suficiente. Poderia ter sido mais bem trabalhada a construção íntima da personagem, demonstrando um pouco melhor como ela está sentindo essa saída do trabalho. Ou de explicar melhor quais sonhos ou projetos ela deixou para trás pelo emprego. Ou abordar mais anseios e alívios dela. Digo isso porque eu acho que ficou mais no campo da citação do que propriamente de construir, pelo menos para mim.
Uso da linguagem (0 a 2) – Avalio a qualidade da escrita, incluindo o estilo, clareza, gramática e fluidez dos diálogos: 1,25
A escrita está boa, em termos de estilo. Contudo, senti uma falta de revisão gramatical. Já em termos gramaticais, eu senti problemas de vírgula. Embora a flexibilização do uso de vírgulas pareça ser própria do estilo de escrita, eu achei que aqui mais prejudicou do que ajudou. Além disso, percebi uns pequenos deslizes gramaticais (“projetos que a desAfiaram”/ “por ter se dedicadO” ) e uma pequena repetição de palavras na conclusão (duas frases com cruzar). Como o conto é pequeno, esses erros se sobressaíram, infelizmente.
Estrutura Narrativa (0 a 1,5) – Examino o fluxo do enredo, a clareza da introdução, desenvolvimento e conclusão, e se o ritmo é adequado: 1,25
Pequeno (para alguns até demais, como eu por exemplo, o que motivou um pequeno decréscimo nesse aspecto), mas bem escrito, bem conduzido. Um slice of life bem estruturado, simples e potente.
Impacto Emocional (0 a 1,5) – O quanto a história conseguiu me envolver emocionalmente, provocar reflexão ou cativar: 1,5
Eu gostei bastante. A história é simples. A abordagem, por outro lado, mostra muito talento da autora/do autor. Tanto pela técnica utilizada na escrita quanto pela abordagem metafórica do tema. Pelo menos a meu ver, faltou mergulhar um pouco mais na psiquê da personagem, principalmente considerando o espaço restante do conto e o potencial de escrita.
NOTA FINAL: 8
Olá, Marguerite!
Seu conto é bastante curto, mas consegue passar bem todas as emoções e pensamentos que ocorrem a personagem numa situação como essa. Conseguimos mergulhar, apesar de brevemente, na vida da personagem.
É, aliás, fácil de se identificar com a história. Quem nunca se viu preso a uma zona de conforto, abrindo mão de caminhos mais atraentes e perigosos?
Como a viagem é breve, não é muito memorável. Não temos grandes lições, não é uma história de grande impacto.
No entanto, a considero bastante honesta ao que se propõe, sem grandes pretensões. Do tamanho que a história deve ser.
Parabéns pelo trabalho e boa sorte no desafio.
Assim… é um conto onde nada acontece de verdade, né? 😅
O tema está aí, está no umbral, um bom símbolo usado tanto na sua forma física quanto na sua forma metafórica, este estado de transição entre uma fase da vida e outra. O conto é bem escrito, boas descrições, boas construções. Mas como a maioria dos contos neste desafio, é uma cena pequena, não há desenvolvimento, falta história, falta um desfecho. Não foi uma leitura ruim, muito pelo contrário, você escreve bem demais, e foi muito interessante ver a forma como você usa as palavras… mas onde está a história, aqui? O que aconteceu no conto? Ela saiu da empresa, refletiu sobre a ingratidão corporativa, e seguiu em frente.
Talvez isso seja algo pessoal (provavelmente é), mas eu realmente sinto falta de um clímax, uma história a ser contada. Contos que são apenas estes estudos de caso raramente me chamam a atenção.
De qualquer forma, parabéns pela excelente técnica!
História: é um conto curto e não há uma história, é mais a narração de um momento. Parece algo da Clarice Lispector. 3/4
Escrita: Um fluxo de consciência, bem escrito sobre um momento de deixar um trabalho (nem toda a nostalgia é boa). Eu estava pensando que não ia ter relação, mas cabe sim no tema. Tem um desfiaram que acredito ser desafiaram. Poderia ter desenvolvido mais ou não, a proposta é quase um momento de piscada na vida da pessoa. 4/5
Imagem e título : gostei muito da imagem e o título está adequado 1/1
O que achei deste conto: Mas o que é isso?
Um conto curto e sem graça. Na verdade, o fato de ele ser curto é um ponto positivo, pois se fosse maior, dificilmente eu conseguiria chegar ao fim da leitura. A narração é bizonha, com verbos no presente, e colocando um monte de ações uma atrás da outra. Tem até um parágrafo com as falas da mulher e do segurança, tudo misturado.
O conto é sobre uma mulher (que nem nome tem) que se despede do seu local de trabalho em um complexo corporativo. Ela esquece o cartão do estacionamento, e fica todo putinha porque o segurança só está fazendo o trabalho dele e não permite que ela estacione nas vagas especiais (devem ser de empregados, provavelmente). Só que isso não faz o menor sentido, ao meu ver… só mostra que a personagem narradora é uma folgada, daquelas patricinhas que acham que mandam em tudo, e que as pessoas tem que se rastejar aos seus pés.
Ela conforme ela vai caminhando, começa a sentir uma melancolia. Tem uma hora que ela pensa na morte, sei lá porquê… mas enfim… ela cruza o umbral pela última vez e….. FIM. Pera, quê?! É, a história nem começou, e já acabou. Nem sequer vi uma história aqui… e não estou reclamando do tamanho do texto (como eu disse, o tamanho diminuto foi um ponto positivo). Estou reclamando que nada aconteceu. O conto poderia ser gigante, mas se nada acontecer, eu vou ficar descontente.
Não sei se eu deixei de entender alguma coisa… e olha que eu li inteirinho duas vezes… mas eu senti 0% de conexão com a narrativa aqui apresentada, e não vi nenhum tipo de brilho na escrita. No entanto, parece-me que o conto se encaixa no tema proposto… eu acho. Então tá ok. Desejo boa sorte no desafio!
O mote do conto é nebuloso, não é claro, apenas insinua, mas parece, ou é, quando a personagem vai à firma onde trabalha deixar uma carta de demissão. A demissão, ou saída, (para entrar em outro lugar), é a metáfora de uma porta. Ignoro o erro de digitação. Escrever, ou narrar, a história em Tempo Presente, é arriscado, podemos errar, é preciso atenção. É um jeito diferente de mostrar as ações. O comum e o mais fácil é escrever em Tempo Passado, mas não encontrei nenhum erro nesse sentido. Flato infinitesimal? De onde tirou essa ideia? O primeiro parágrafo eu achei meio truncado, poderia ter escrito de outra forma, usando palavras no mesmo sentido dando maior fluidez a leitura. No geral, o conto está bem escrito, a narrativa é ótima, conduz o personagem perfeitamente pelo ambiente, com as descrições necessárias. É uma história simples, um conto curto, que trás a história de uma mulher decidida, empoderada. Parabéns e boa sorte.
Esse é daqueles textos que nos fazem pensar se estamos lendo um conto ou uma crônica. Isso porque, para além da história, há algo de pessoal impregnado em cada parágrafo.
Sem querer bancar o adivinhão irrefutável, a mim parece que o autor de fato passou por algo assim, por uma espécie de despedida forçada de algum lugar em que trabalhou por anos, sem direito a choro nem vela no momento da despedida. E digo isso porque tudo parece verdadeiro, doloroso até. A humilhação imposta à protagonista — do momento em que tenta entrar na empresa (ou no complexo) até deixá-lo — é revoltante. E mais revoltante ainda quando comparada à dedicação de parte de dela em relação à empresa.
Percebem-se aí, facilmente, os temas do nosso desafio: o portão metafórico e, em especial, a nostalgia, aqui consolidada pelo passado que não haverá de se repetir jamais e que já lhe deixa saudades mesmo nos detalhes mais íntimos, como o flato infinitesimal enquanto aguarda o elevador (quem nunca? kk)
Olhando bem, e com a devida paciência, é possível vislumbrar a frustração, a tristeza e até certa revolta — que bem caracterizam o sentimento nostálgico. Também é possível enxergar pragmatismo com relação ao futuro, já que ao fim do texto, a protagonista demonstra saber que a vida é uma sucessão de tropeços e de desilusão.
Isso tudo poderia levar a uma conclusão pessimista — o que estaria de acordo com a proposta do conto/crônica. Mas, curiosamente, não foi isso o que senti ao terminá-lo. Estranhamente, fiquei com a impressão de que a protagonista, por ter consciência da realidade crua que a envolve, está no controle da situação e que, à medida que a vida segue, ela saberá como se comportar, como superar esses percalços. Apesar dos pesares, ela exala confiança e ao perceber isso simpatizei com ela.
De todo modo, vê-se que o texto diz muito em poucas linhas, apostando na perspicácia do leitor para preencher as lacunas — o que é sempre um risco, já que pode de desagradar aqueles que preferem tudo às claras, mastigado e explicado.
Creio que poderia ter avançado um pouco mais, falando da resolução das pendências (mencionadas apenas de plano), reforçando a insuperável dicotomia entre o que ela entregou è empresa e aquilo que dela recebeu.
De todo modo, é um texto excelente, que poderia ser impresso em qualquer jornal de grande circulação. Felizes somos por tê-lo aqui.
Parabéns e boa sorte no desafio.
Bom dia, amigo(a) escritor(a) do(a) Encontrecontos, tudo bem?
Primeiramente, parabéns por superar a nostalgia do desafio de trios e entrar no portal do novo certame! Boa sorte e bora pra sua avaliação:
Tema escolhido: portal, portão, portal, um pouquinho de nostalgia, nostalgia reversa???
Abordagem do tema: 100%. Aqui, mesmo que não seja facil identificar imediatamente, o tema que prevalece parece ser porta. Como mencionei acima, parece que tem um pouco de nostalgia, e uma nostalgia reversa, algo que acabei de inventar: uma sensação de saudade ao inverso, uma saudade de algo que não viveu, como diria menino ney… mas acho que porta é o que realmente comanda aqui, e vou explicar melhor abaixo.
Comentários gerais: o conto parece trabalhar a ideia de tempo desperdiçado, de livramento, de passo adiante, de deixar o passado para trás. O nome Umbral faz toda diferença nisso:
1- Umbral no espiritismo é “é um estado ou lugar transitório por onde passam as pessoas que não aproveitaram a oportunidade de evoluir na Terra”. Por muito tempo, aquela empresa foi o Umbral da protagonista. Ela ficou presa lá, sem aproveitar oportunidades de evoluir (viajar, ano sabático, emprego melhor, etc).
2- Umbral, na arquitetura, é a guarnição, o contorno da porta. Para a protagonista, sair daquele Umbral é cruzar o umbral da porta, cruzar um limiar além do qual ela pode seguir além, escapar do limbo, da estagnação. Muitos sentimentos emergem disso, inclusive nostalgia e nostalgia reversa.
O conto, mesmo que curto, trabalha esse aspecto de passagem da protagonista, além de tocar de leve no aspecto de como os seres humanos são descartáveis no Umbral do mundo empresarial. É um bom conto, ainda que não seja extraordinário. Me entreteve e me deixou pensando e interpretando após a leitura, o que me fez aumentar a nota, inclusive. Gosto de contos assim.
Sensação final: da portaria, observei a protagonista atravessar o umbral, saindo do Umbral. Fiquei reflexivo.
É estranho a tal da perspectiva. Richard Bach, autor de Fernão Capelo Gaivota, escreveu: “Perspectiva, use-a ou perca-a”. E nos esquecemos que pode (e deve) haver outro modo de encarar as coisas. Sinceramente não havia questionado utilizar o tema “portal” como um rito de passagem, uma despedida, um “foi bom, mas adeus”. E, agora que essa perspectiva se abre em seu texto, para meus olhos apreciarem, confesso que um monte de “e se…” se pronunciam e acabam por balizar o julgamento. Daria para explorar mais, investir mais, não se ater tanto aos saltos, à necessidade do crachá e usar as palavras, investindo no sentimento da protagonista em livrar-se, seja como asco ou como carta de alforria. Se por tantas vezes cruzou aquele umbral, aquela portaria, teve de cruzar com uma vizinha faladeira, alguém que coincidentemente estava colocando o lixo para fora também. Ou então, explorar a solidão explícita e destilar esse sabor de liberdade. Bem escrito, mas, muito mais um aperitivo do que um jantar.
O Umbral (Marguerite):
Resumo:
Mulher se aposenta e se despede do seu último emprego em seu último dia de trabalho.
Comentários:
“Abaixa o vidro, o vigilante certamente a reconhecerá, pensa, é a única ruiva de cabelo impecável do Complexo.” – Autor, seja mais econômico. Nem tudo precisa ser explicitado. Muito pode ser depreendido pelo leitor a partir do contexto. É o caso desse “penso”.
“houve projetos que a desfiaram” – O correto não seria “desafiaram”?
“Mas há também um pesar pelo que deixou de viver por ter se dedicada tanto e por tanto tempo à mesma empresa” – O correto não seria “dedicado”?
“Não faz sentido chorar, se esforça em fazer que as emoções correspondam à lógica, como num algoritmo.” – Não faltou um “com” antes do “que”?
“ri de si mesma, os dentes a mostra, inspira e expira uma vez mais” – Não faltou crase?
O conto tangencia o tema. De fato, há uma porta, há um portão, há até um umbral, mas não protagonizam o conto, apenas estão lá, como poderiam estar em tantas outras histórias. O conto é sobre aposentadoria. Esse é o tema.
Faltou cuidar mais da revisão.