EntreContos

Detox Literário.

Icebergs Como Rinocerontes Cinzas (Daniel Reis)

Sentada à mesa no terraço do hotel, enquanto tomo café, olho para as montanhas, o vento empurrando as nuvens que formam figuras difusas no horizonte, incentivando os curiosos a elaborar as mais variadas interpretações. Assim como acontece quando se escuta, mesmo sem querer (ou, nesse caso, exatamente ao contrário) os fragmentos das histórias de vida das pessoas, sejam elas hóspedes ou passageiras nesses momentos e encontros que a vida nos oferece. Tenho um jornal em francês nas mãos – anteparo e álibi para a indiscrição relatada a seguir – atrás do qual finjo não entender e não prestar atenção à conversa entre dois compatriotas ali, muito próximos.

Um homem, uma mulher.

Falam em português, sem desconfiar que compartilho com eles da língua materna; e que, sendo também brasileira, não desisto nunca. Nem que seja de escutar o máximo possível da conversa de estranhos.

Ele, quase com 60, provavelmente. Ela, já entrada nos 50.

No colo do homem, um gato frajola ronrona, dormindo.

“Para você, pode ser um cappuccino?” – a mulher pergunta, olhos no cardápio.

“Preferia cachaça, mas aceito café”, o homem responde, sem muito entusiasmo.

Monsieur, s’il vous plaît, un cappuccino, un café et deux croissants, sans fromage”, ela lê devagar, mas em voz alta o suficiente, o texto escrito pelo tradutor automático na tela do celular, com boa-vontade, mas sem grande talento quanto à prosódia.

And one bourbon,” – ele completa, propositalmente em inglês, para provocar o garçom, fazendo o gestual de quem capricha na dose, ainda que sem colocar por cima qualquer gelo, please ou si vou plait.

Sentados em lados opostos da pequena mesa redonda, parecem ainda mais distantes.

“Será que essa neve do topo derrete algum dia?” – divaga a mulher.

“Pra mim, parecem grandes rinocerontes cinzas com chantilli na cabeça…” – ele comenta, evidentemente tentando acrescentar um alívio cômico ao teor da conversa.

“Você ainda se lembra de quando vimos aquele rinoceronte no zoológico do Rio?” – ela pergunta.

“Acho que, aqui, eles não têm zoológico. Ou, se tiverem, esse bicho não sobrevive nem uma semana nesse frio.” – ele resmunga.

“Mas você se lembra?” – insiste ela.

O homem não responde. Sopra as mãos em prece, para esquentá-las.

Treme. Só que não faz tanto frio assim.

Ele prefere retomar a conversa do ponto inicial:

“Na verdade, eu estava pensando, essas montanhas parecem… como é aquela coisa que boia no mar?” – procura com raiva a palavra fácil, aparentemente arrastada para longe pelo turbilhão de pensamentos.

“Um navio?”, ela arrisca.

“Não”, ele retruca, irritado consigo, “a coisa de gelo que afunda navios”.

“Iceberg? O do Titanic?”.

“Ah, sim. Lembrei agora…”.

Ele não continua. Baixa os olhos, antes atentos às montanhas.

Ela percebe o vacilo e corta:

“Você quer?”, ela desvia, direto ao assunto.

“Quer, o que?”, ele indaga.

“Resolver”.

Ele pensa um instante. Seu rosto se crispa ao encontrar o significado.

“Sim. Tem que ser assim. Já tentamos. Nada deu certo.”

O garçom chega com o pedido deles e deposita sobre a mesa.

Merci, beaucoup.

Dessa vez, ele arrisca gastar seu francês, esvaziando integralmente o copo de Jack Daniel´s depois de um brinde relâmpago em direção às costas do garçom.

O gato frajola acorda, espreguiça-se no colo da mulher e, em seguida, sobe na mesa. Pisa macio entre os pratos, pires e talheres.

O garçom passa novamente e ignora o gato, a conversa e a todos nós.

(Devem ser hóspedes importantes para os aceitarem com um gato naquele hotel. E o gato, mesmo, deve se sentir muito importante, porque o deixam circular em paz, livre, pelo terraço todo.)

“Vamos voltar ao jogo, então: a última viagem?” – ela retoma o fio da conversa.

“Qual?”

“Recife.”

“Não, não foi isso que eu perguntei. Quero saber: qual é o jogo?”

“O nosso. O Jogo da Memória” – ela esclarece.

“Ah, lembrei. Faz quanto tempo?”

“Uns dois anos. Você adorou!”

“É mesmo?” – ele retruca.

“Tanto que até escreveu uma história ambientada lá”.

“Qual história?”

“Aquela, do homem que organiza uma tourada com um burro na cidadezinha do sertão, cobrando ingresso do povo, lembra?”, diz ela, fazendo questão de reforçar as palavras-chave da frase.

“Eu escrevi, né?” – ele pergunta, sinceramente.

“Sim. Você escreve muito bem.”

Ele sorri, satisfeito.

“Escrevia. Eu acho.”

Permanecem um tempo em silêncio, ele sorvendo agora o café e a borra da lembrança. Ela continua, se esforçando para mantê-lo interessado:

“Sabe dizer que dia é hoje?”

“Não. É feriado?”, ele diz, indiferente.

“Amanhã é sexta, 23. O aniversário de mamãe. E o dia que você escolheu…” – ela quase sussurra o fim da frase.

“Lembro que toda sexta-feira a gente não comia carne. A mãe seguia o preceito da igreja, e a gente era obrigado a jejuar junto.”

“Que bom que você lembrou…”

“Você pensa nela, de vez em quando?”

“Claro!”

“Você não sabe como é difícil tentar relembrar, agora…” – ele suspira.

“Mas é bom, sim. E é por isso que inventamos O Jogo”.

Ela retoma:

“Se pudesse voltar no tempo, qual a época de criança que você gostaria de viver de novo?”

O homem pensa por alguns instantes, antes de desenvolver um raciocínio mais elaborado:

“Acho que eu sinto falta daquela época dos desenhos animados na televisão: Pernalonga, Patolino, Os Flintstones, Os Jetsons… e, claro, o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Ah, e tinha lá um rinoceronte… era Quindim, o nome dele…”.

A mulher abre um sorriso, que aparece como o sol entre nuvens nas montanhas.

“Mas, principalmente, eu ainda lembro dos gibis que líamos: Luluzinha, Tarzan, Superman, Batman, Homem-Aranha, Pato Donald, Zé Carioca. Foi com eles que eu comecei a aprender a ler. E a escrever. Cada história era uma descoberta. Se bem que fiquei triste quando li, depois de adulto, uma daquelas revistinhas antigas do Tio Patinhas. As histórias dele me pareceram tão bobas. Nada a ver com o que eu me lembrava delas…”

“Esse é o lado ruim da nostalgia: a gente recorda das coisas que acha que eram boas, e elas parecem que eram muito melhores do que realmente foram. A mente acrescenta detalhes que não estavam lá, só para que tudo pareça perfeito.”

“E quando lembra de alguma coisa ruim, nem se lembra do quanto sofreu naquele momento. Só que passou por aquilo e aguentou. Mas não pensa que tudo pode voltar, de outro jeito.”

“Só que passa. Tudo passa. E depois, a gente reencarna.”

Dá uma risada avulsa, sozinho.

Ele ainda vacila antes de concluir, e desabafa:

“Agora, o mais doído mesmo deve ser não conseguir nem lembrar o que é saudade.”

Ela acende um cigarro. Pelo menos, aqui, morrer não é proibido.

 “Você acha que demora muito?”, ele questiona, por fim, sem ansiedade.

“Disseram que é rápido. Demora menos tempo do que ir daqui até Zurich.”

O gato se aproxima de mim e cheira meus sapatos. Num pequeno salto, está no meu colo. Aparenta ter sido mais gordo; agora, a pele da barriga está caída, e as costelas, visíveis, sob o pelo rente e bem cuidado.

Olho para suas patas. Em todas elas, sobram dedos. É um gato polidáctilo.

Ajeito o animal sobre minhas coxas. Acaricio suas orelhas pontudas.

Atrás da esquerda, encontro um perceptível calombo tumoroso. Reparo também, daquele mesmo lado, que o olho do gato é de vidro. Sua pupila vertical, desenhada a pincel, enfeita uma bola de gude implantada já a algum muito tempo.

Mas não há muito tempo para ele, também.

A mulher percebe que o gatinho gostou de mim.

(Pessoas que gostam de gatos se reconhecem em qualquer lugar do mundo).

Ela compartilha meio sorriso triste.

Não como desculpas, mas como um pedido de cumplicidade.

Devolvo o gesto, ainda sem dizer nada, evitando entregar minha nacionalidade e meu envolvimento emocional com um assunto que não deveria ser meu. Mas que agora, devido à minha curiosidade quase felina, irrefreável, passou a ser também.

E é por isso que eu escrevo tudo isso aqui.

“Você contou a alguém da família?” – ela pergunta.

“Deixei uma carta. O menino ficou de divulgar a todos, depois.”

“Qual menino?”

“Aquele menino. O filho dele. Jornalista.”

“Dele, quem?” – a mulher parece mais confusa do que ele, agora.

“Eles têm o mesmo nome. Acho que é Paulo.”

“Ah, o Lininho. Filho do Paulino.”

“Isso. O Paulo, nosso amigo de infância. Ele passou lá no apartamento.”

“Não, foi o filho dele. O filho do Paulino.”

Ela prefere não corrigir mais do que isso. E nem relembrar a ele que o Paulino não poderia estar lá.

Ele explica:

“Preferi não contar nem para os mais próximos. Para não passar vergonha, trocando os nomes ou fingindo que não os vi na rua, por não os reconhecer… amizade, agora, só por carta, mesmo.” – ele diz, demonstrando senso de humor intocado.

Permanecem em silêncio, por alguns minutos

“Fiquei com a chave, para separar seus livros, e depois…” – ela não completa a frase.

Segura um soluço e enxuga o rosto. Não quer que ninguém veja.

“Não esqueça…” – implora ela.

“No que depender de mim, disso eu tenho a certeza. Até o fim da minha vida!” – ele apenas sussurra, com mais uma ironia nos lábios.

Ela ri, sem querer.

Nesse momento, o gato resolve descer do meu colo e voltar até lá. Está à procura dos braços da mulher, como se fossem para ele um berço de cetim. Ao longe, mesmo com a temperatura baixando, vejo algumas pessoas arriscando o passeio a pé pela beira do lago, sem pensar demais nos pequenos ou grandes dramas dos outros. Ou dos gatos.

“Eu vou estar lá, como você me pediu. E depois vou cuidar de tudo, pode deixar” – diz finalmente a mulher, acariciando a cabeça do gato, agora tão frágil quanto ele, seu irmão.

Dedicado a Ernest Hemingway, Antônio Cícero e ao L.

Sobre Fabio Baptista

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26 comentários em “Icebergs Como Rinocerontes Cinzas (Daniel Reis)

  1. danielreis1973
    19 de janeiro de 2025
    Avatar de danielreis1973

    Agora que passou, quero agradecer a todos que leram e apreciaram (ou não) este pequeno exercício sobre a “Teoria do Iceberg” – tentei testar se realmente aquilo que “não se diz” é tão importante quanto o que está explícito, tal como no conto espelho e inspirador do Hemingway (“Colinas como Elefantes Brancos”, também disponível aqui no Entrecontos).

    Por outro lado, o conteúdo acabou sendo muito inspirado e marcado pelo impacto da despedida do Antônio Cícero, com quem tive a satisfação de cursar uma oficina de letra na canção popular em 1994, e até mesmo de cultivar uma amizade naquela ocasião; assim como a admiração e afeto que mantenho até hoje com o outro mestre desse mesmo curso, o Paulinho Lima.

    A decisão pela suspensão voluntária da vida antes que a doença a viesse a invalidar, ou por evitar o sofrimento antes que este se torne insuportável, pode ser até questionada por alguns; mas nunca desrespeitada, por quem quer que seja.

    Em outra dimensão, no campo pessoal, já havíamos passado pela dura decisão de abreviar a vida de alguns dos nossos animais de estimação; mas, este ano, o processo de doença e morte do nosso gatinho Larry foi extenuante – e uma das razão para eu não ser mais tão assíduo nos desafios aqui do EC. Ele exigiu cuidados intensivos e horários de medicação e monitoramento entre os meses de março e junho, até que entendemos que não havia alternativa a não ser o agravamento do sofrimento experimentado. Foi uma lição difícil, mesmo entendendo intelectualmente alguns conceitos budistas como a impermanência, diante do sofrimento e morte, o sentimento não obedece à razão. Por isso, aqui, ele também foi homenageado (é o L. da dedicatória).

    Quando eu estava prestes a escrever este agradecimento, foi nossa cachorrinha Lola que vivenciou o mesmo ciclo de internações e tratamentos intensivos – no caso dela, mais breve, nas últimas semanas de dezembro. Aprendemos com os animais de estimação mais do que eles aprendem conosco, principalmente sobre o amor incondicional e o que é o valor da família, da qual eles fazem parte. A decisão por também abreviar o sofrimento dela veio depois deste texto ter sido publicado e revelada a autoria, e acredito que tê-lo escrito antes teve um aspecto terapêutico sobre nossa decisão. Por isso, a letra “L” na dedicatória adquiriu para mim mais um significado aqui: o nome daquela cachorrinha guapeca, resgatada da rua, que por quase dez anos foi nossa companheira e fiel escudeira, para quem o fim da existência por nós proporcionáda também foi uma dádiva, diante do sofrimento iminente.

    Diante de ensinamentos da vida como esses, como dizem os mestres: “possam todos os seres se beneficiar”.

  2. Victor Viegas
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de Victor Viegas

    Olá, Aquarelle!

    Gostei bastante do seu conto. Em sua maioria é escrito por meio de diálogo entre o casal no restaurante francês. Enriqueceu muito o uso da poesia e de uma abordagem um pouco mais introspectiva. Tenho certeza que se trata de um escritor experiente e pelo uso de termos em francês, acredito que consiga acertar a autoria rs.

    A narrativa flui de forma muito sutil, você utiliza detalhes sensoriais que passam muita verdade ao leitor. Sinto como se eu estivesse acompanhando a cena na minha frente. Muitos contos neste desafio estão bem escritos e esse certamente é um deles. A construção dos diálogos soam naturais, desde a divagação da mulher em “Será que essa neve do topo derrete algum dia?”, até a proposta do jogo da memória que tiveram em Recife. 

    Gostaria de comentar algo para poder melhorar, mas tudo está redondinho e faz sentido. Até mesmo o pulo do gato. Peço desculpas pelo tamanho do comentário. De modo geral, você escreve bem. Gostaria muito de ler outros textos seus. Desejo tudo de bom e boa sorte no concurso!

  3. Pedro Paulo
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de Pedro Paulo

    COMENTÁRIO: Um conto escrito com muita delicadeza, que conta várias histórias em uma única conversa paralela, pouco a pouco aprofundando seus personagens e a situação em que vivem, enquanto cuida de homenagear artistas que optaram por se voluntariar para fora da vida. Sempre admiro quando uma história trata de algo sem abordar nominalmente. É aquele já batido “mostre, não diga”. Acho que de uma forma bastante sincera, a autoria obteve sucesso nisso, caracterizando seus personagens e sua relação por através das meias memórias que conseguem alcançar a muito custo. A vida é diferente de um texto que pode ser calculado em palavras, linhas e parágrafos, numa clara intenção narrativa. É mais errática. Em texto, conseguiu passar esse aspecto, contribuindo para o tema do certame. Muito bom!  

  4. André Lima
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de André Lima

    É um conto sutil, belo e poético na medida certa. A habilidade do autor é notória. Tenho pouco a falar sobre este conto, pois praticamente gostei de todos os aspectos que o compõem.

    Com exceção, talvez, da falta de originalidade do tema. É um tema amplamente repetido no cinema e na literatura e, aqui, não possui uma abordagem diferente.

    Embora a abordagem seja mais do mesmo, não podemos desconsiderar as valências do texto:

    O ritmo é acertado. A narrativa em “fragmentos”, inclusive nos diálogos inacabados, nos dá a sensação da mente demenciada e perturbada. A atmosfera criada, num simples café na França, nos transporta para a conversa com seu devido peso dramático.

    As frases são bem construídas e poéticas, atributos de um excelente escritor. Os diálogos são curtos, fragmentados, mas poderosos.

    É uma ótima obra que, infelizmente, não instaura um fato novo, o que reduz um pouco o peso de seu impacto.

    Fica a sensação de já ter visto isso em algum lugar… Mas muito bem executado.

  5. leandrobarreiros
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de leandrobarreiros

    Como sugerido pelo autor após o fim da história, o texto usa uma estrutura similar a de Colinas como Elefantes Brancos, de Hemingway, para homenagear o escritor Antônio Cícero, ficcionando o que poderia ter sido o último dia dele.

    Os eventos não são explicitamente abordados, mas sugeridos. Tanto a demência quanto a eutanásia. Acompanhamos a história sob a perspectiva de uma fofoqueira que está prestando atenção na conversa dos irmãos.

    O texto é ágil, provavelmente pelo amplo uso do diálogo que nunca fica cansativo, ou mesmo soa irrealista. As metaforas e as particularidades inseridas, como o jogo da memória, funcionam e aumentam a aura de melancolia do conto.

    Enfim, acho que o autor alcançou os fins propostos. Emulou bem a estrutura de Hemingway, menos a parte da manipulação, fez a homenagem ao Antônio Cícero e, imagino, à L, possivelmente um conhecido do autor que sofreu/sofre da doença ou alguém que por algum motivo decidiu pular fora da vida.

  6. Fabio Baptista
    13 de dezembro de 2024
    Avatar de Fabio Baptista

    O único “defeito” desse conto é que ele só arranha o tema do desafio, ao citar as coisas antigas nas memórias que vão se perdendo. Não foi o suficiente para um enquadramento completo na minha visão.

    No mais, praticamente perfeito. Uma técnica muito apurada, uma cena simples que vai ganhando um peso emocional gigante, uma decisão narrativa que se revelou genial: contar sob o ponto de vista da fofoqueira assumida. Acho que a maioria dos autores narraria a história do irmãos como um narrador onisciente… continuaria uma boa história, mas do jeito que foi feito aqui ficou sensacional, nos sentimos ali, querendo saber um pouco mais, ouvir um pouco mais daquele recorte da vida de desconhecidos (quem nunca?)

    MUITO BOM

  7. Felipe Lomar
    13 de dezembro de 2024
    Avatar de Felipe Lomar

    olá,

    caramba, esse texto tem um impacto muito forte. Ele vai se construindo aos poucos, de forma bem perspicaz, através de uma sutileza genial, simplesmente. Mas tem dois problemas. Primeiro, não tem nostalgia direito (pra mim, lembranças não são sinônimo de nostalgia), e o outro, é que a protagonista é meio dispensável. Ela é apenas uma narradora-observadora, que não acrescenta muito além de fazer do conto praticamente uma crônica.

    boa sorte!

  8. Fabiano Dexter
    12 de dezembro de 2024
    Avatar de Fabiano Dexter

    Gostei muito do conto. Uma história que começa leve e vai se revelando aos poucos, com um final realmente impactante (e com as homenagens para que não tenhamos nenhuma dúvida do desfecho da história)

    Os diálogos são muito bem estruturados e dão peso ao relato da protagonista, que apenas observa com sua curiosidade felina o desenrolar da despedida que está acontecendo ao seu lado.

    Excelente!

  9. Thales Soares
    11 de dezembro de 2024
    Avatar de Thales Soares

    O que achei deste conto: Não é muito o meu tipo, mas foi muito bem construído!

    Este conto, apesar de ser mais um slice of life, é bem criativo e muito bem escrito, de forma que mesmo eu, que odeio esse tipo de narrativa, me senti preso na leitura, e consegui me entreter.

    O conto faz uma mistura de narração em primeira e terceira pessoa, pois na verdade nosso narrador é um dos personagens da história, que é uma daquelas pessoas bem fuchiqueiras, só ouvindo a conversa dos outros no restaurante. Gostei bastante da mistura de idiomas, isso serviu para enriquecer o texto, dando um charme especial, e o gatinho também foi um ótimo elemento que abrilhantou ainda mais. Mas vamos falar de cada coisa por partes:

    A narradora começa a história no terraço de um hotel, observando dois véios, um homem e uma mulher. Os dois são irmãos, e a mulher começa a ouvir a conversa deles de forma escondida, enquanto lê um jornal em francês, que serve como álibi para sua indiscrição. O ambiente em que a história se passa é frio e montanhoso, com o topo das montanhas parecidos com rinocerontes e icebergs, e dai vem o título da obra.

    Os irmãos velhos estão conversando sobre coisas aparentemente aleatórias. A véia menciona uma visita ao zoológico, e o véio fala que as montanhas lembram rinocerontes. E então eles começam a citar várias coisas nostálgicas, como Pernalonga, Pato Donald, Sítio do Picapau Amarelo (é o segundo conto deste desafio a citar o sítio, isso é interessante), etc. Isso tudo faz parte de um jogo que eles jogam chamado “O Jogo da Memória”, no qual eles se lembram de boas lembranças. Eles brincam disso porque parece que o véio está possivelmente com Alzheimer, ou algo do tipo. Aí o véio começa a dizer coisas tristes como:

    “O mais doído mesmo deve ser não conseguir nem lembrar o que é saudade.”

    Esse drama não me atinge muito, mas a história continua narrando tudo de forma bastante inventiva. Pelo que eu entendi, o véio quer cometer suicídio, apesar de eles não falarem isso de forma escrachada. É como aquela história do elefante na sala, ou algo assim. O véio deixa uma carta para amigos e familiares, com a ajudade de um menino, e menciona não querer passar vergonha ao esquecer os nomes e rostos das pessoas próximas.

    O gatinho, que é o personagem mais charmoso da história, tem um olho de vidro e também tá fodido, próximo da morte. Ele é polidáctilo, não que eu saiba o que isso significa. Tem uma hora que ele até sobre no colo da narradora… que gatinho sapeca! Eu gosto muito de gatos, e fiquei imaginando se eu estivesse numa cafeteria e isso acontecesse comigo, seria muito da hora!

    A história tem um final meio abrupto e melancólico. Eu estava preso na leitura, mas o final me decepcionou um pouco… porque não aconteceu nada. A véia que cuida do seu irmão véio faz uma promessa de estar ao seu lado até o fim e de cuidar de tudo depois. O gato volta pro colo dela, e a véia faz um carinho nele, e…….. FIM!

    Aí aparece uma dedicatória na última linha, que eu não entendi nada não. Enfim… achei o final fraco, mas o resto achei interessante. Gostei principalmente da criatividade com a qual o autor conduziu a linha narrativa. Este conto não é muito o meu tipo, mas admito que é interessante e muitíssimo bem escrito. Boa sorte no desafio!

  10. Thais Lemes Pereira
    9 de dezembro de 2024
    Avatar de Thais Lemes Pereira

    Eu li enquanto imaginava um livro de contos com diversas histórias assim. Um escritor/observador, que se senta ao lado de pessoas para ouvir as conversas e contar suas histórias.

    Gosto desses diálogos diretos, apesar da facilidade em se perder entre eles, tornam a leitura bem dinâmica. No começo imaginei que seriam um casal prestes a romper, mas a lembrança da mãe foi explicando a relação de irmãos e tornando a história mais complexa.

    Estranhei muito o gato saindo de perto dos donos e indo para o colo de um estranho e ainda mais voltando para colo dos donos em tão pouco tempo.

    Tirando isso, achei o conto bonito e muito bem escrito. Também adorei o título.

  11. MARIANA CAROLO SENANDES
    9 de dezembro de 2024
    Avatar de MARIANA CAROLO SENANDES

    História – Inicialmente acreditei ser um casal se separando. Depois entendi como o homem da relação, que agora me parece mais fraternal do que amorosa, optou pela morte assistida na Suiça. Ficou mais dolorido, apesar de não perceber nostalgia. Conto realmente triste. 3,5/4

    Escrita – É inegavelmente bem escrito, mas é imparcial. Acredito que tenha sido proposital, mas senti dureza e distanciamento na escrita. Não é um conto fácil. 4/5

    Imagem e título – Adequados 1/1

  12. Jorge Santos
    9 de dezembro de 2024
    Avatar de Jorge Santos

    Olá autor ou autora. Gostei bastante do seu texto, que me diz muito. Passei pelo definhar do meu pai, provocado pelo Alzheimer, e, embora mais afastado, pelo mesmo processo do meu avô. O que significa que, muito provavelmente, também serei vítíma dessa doença terrível que está tão bem descrito no seu texto. A elegância da narrativa vem ao de cima, o encadeamento de factos, desde a identificação da narradora à justificação do texto. Não passa de uma conversa alheia, mas que significa uma vida a terminar da pior forma possível: sem recordações.

    Em termos de linguística, creio só ter encontrado problemas na pontuação, vírgulas fora do sítio. Nada que tire qualidade ao seu bom texto.

  13. claudiaangst
    8 de dezembro de 2024
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem?
    Neste desafio, usarei o sistema ◊ TÁ DITO ◊ para avaliação de cada conto.

    ◊ Título = ICEBERGS COMO RINOCERONTES CINZAS – Não consegui fazer a associação entre Icebergs e rinocerontes cinzas, mas achei o título bem curioso.

    ◊ Adequação ao Tema = Tema proposto abordado com sucesso. Um dos personagens centrais revela sinais de demência ou Mal de Alzheimer, exibindo nostalgia por uma época em que conseguia lembrar dos fatos com facilidade, assim como saudade dos desenhos animados na televisão, dos gibis que lia, de um tempo que não volta.

    ◊ Desenvolvimento = A história se desenvolve de acordo com olhar de uma brasileira ao observar um casal de irmãos conversando. Pelo o que entendi estão na Suíça (onde o suicídio assistido é legalizado). E a montanha que veem deve ser Matterhorn, a mais conhecida dos Alpes, a par do Monte Branco, na vila suíça de Zermatt (que tive o privilégio de conhecer e visitar algumas vezes quando jovem). Bateu até uma onda de nostalgia aqui.
    A passagem: “Amanhã é sexta, 23. O aniversário de mamãe. E o dia que você escolheu…” me remeteu à música Amanhã é 23” do Kid Abelha, que trata da passagem do tempo, saudade e reflexões sobre o futuro.

    ◊ Índice de Coerência = Não encontrei falhas no quesito coerência.
    Tudo parece ficar bem esclarecido ao se ler o diálogo entre os irmãos. Os dois estão na Suíça para o desenlace de um deles, o homem, de forma permitida naquele país – suicídio assistido.

    ◊ Técnica e Revisão = O desenrolar da trama baseia-se em diálogo entre dois irmãos – a conversa profunda e cheia de nostalgia traz emoção e agilidade ao texto. A linguagem utilizada é clara, mas muito bem cuidada, com a adição de metáforas e imagens que enriquecem a narrativa. A comparação do gato (também doente) com o homem foi sutil, mas impactante, pois estabelece a finitude próxima de ambos.
    Não encontrei falhas no quesito revisão, mas posso ter me distraído com a paisagem e a conversa alheia. Só consigo apontar um deslize:
    E quando lembra de alguma coisa ruim […] > E quando se lembra de alguma coisa ruim […]

    ◊ O que ficou = Particularmente, uma nostalgia pesada, tanto em relação à Suíça quanto aos meus pais, que ali nasceram. Também senti mais uma vez a perda do talentoso Antônio Cícero. Triste.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  14. Elisa Ribeiro
    8 de dezembro de 2024
    Avatar de Elisa Ribeiro

    O uso de dois verbos no gerúndio no primeiro período do seu conto poderia facilmente ter sido evitados para alegria dos seus leitores. Felizmente o texto segue bem daí para frente. É uma história triste inspirada num episódio recente conforme faz supor a dedicatória no fecho. Gostei em geral. Achei criativo o aproveitamento do tema. A narrativa incita o interesse, a personagem narradora é convincente, o gato polidáctilo traz um charme adicional à história. O texto me pareceu bem revisado.

  15. Mauro Dillmann
    8 de dezembro de 2024
    Avatar de Mauro Dillmann

    Um homem e uma mulher conversam, aparentemente num restaurante de hotel, e uma mulher (a narradora) escuta e registra a conversa.

    Talvez o homem tenha Alzheimer e a mulher rememora o passado ativando a memória do irmão.

    O texto segue esse caminho: a narradora escuta a conversa e narra.

    São acontecimentos banais que remetem ao passado (daí a nostalgia).

    Não há nada de extraordinário na narrativa (necessariamente não precisa), mas nem mesmo a linguagem do conto me prende muito.

    Tem alguns lugares comuns. Por exemplo: “(Pessoas que gostam de gatos se reconhecem em qualquer lugar do mundo)”.

    Na passagem, “bola de gude implantada já a algum muito tempo”, o ‘muito’ pode ser eliminado.

    O final do conto, no entanto, é muito bom. Deixa subentendidos e exige participação do leitor.

    Parabéns !

  16. Priscila Pereira
    6 de dezembro de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Autor! Tudo bem?

    Seu conto é muito bom! Fica melhor ainda quando lemos o conto do Hemingway que te inspirou, e inclusive você conseguiu o mesmo efeito. (De qualquer maneira acho que quem não leu o conto do Hemingway vai conseguir apreciar esse da mesma forma)

    Gostei mais do seu conto do que o do Hemingway, porque o seu eu entendi do que se tratava de boa, mas do outro eu tive que pedir ajuda pra entender… 🤭

    Gostei bastante da ideia que a nostalgia enfeita as coisas para parecerem melhores do que realmente foram… Quando era adolescente amava um livro A marca de uma lágrima, achava ele perfeito! Aí depois de muitos anos, reli e achei tão fraquinho, próprio para adolescentes mesmo, mas quebrou aquele encanto que tinha… Mas devemos ser gratos por essa distorção da realidade, pq se faz o bom ficar ótimo, faz o ruim ficar suportável.

    Gostei também da escrita e da forma despretensiosa de contar uma história difícil.

    Ah, e como amante de gatos, super entendo a conexão que apreciadores de gatos tem em todos os lugares! 😻

    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio!

    Até mais!

  17. JP Felix da Costa
    30 de novembro de 2024
    Avatar de JP Felix da Costa

    Esta história começa devagarinho e quando menos estás a contar, dá-te assim uma bofetada daquelas “estás a perceber o que se passa aqui?” É daquelas coisas que, conforme se vai tendo mais para trás do que para a frente, se pensa “e eu, que faria, se o computador se começasse a apagar? Teria a coragem de o desligar ou iria deixar rolar?”

    Por vezes precisamos de histórias que falam do fim para nos recordarmos que devemos aproveitar enquanto ele não chega.

    Apesar de não ser brilhante (e ter um gato que se teleporta do colo do homem para o da mulher) gostei da história. O ponto mais forte é a forma subtil como, lentamente, nos vai revelando a verdade. Simples e poderoso.

  18. Kelly Hatanaka
    28 de novembro de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Oi Aquarelle.

    Ah, tem dó. Como você me vem com esse conto? Caramba!

    Vi o título quando o conto foi postado e fiquei pensando se ele teria algo a ver com Colinas Como Elefantes Brancos. E tem. E funcionou tão bem esse espelhamento, até na escolha da imagem.

    Tal como no Colinas, o assunto tratado não aparece de forma explícita, mas paira o tempo todo, na preocupação com as lembranças, na tensão com os esquecimentos, no gato doente. Há uma doença, uma perda, que ameaça as recordações e há algo que será feito para resolver este problema, num futuro próximo, e que só pode ser feito ali, num lugar em que não é proibido morrer. Mas, se Colinas é um tanto cerebral, o seu Icebergs é emocional. Os sentimentos dos irmãos são quase palpáveis, a vulnerabilidade do irmão, a tristeza da irmã.

    O tema está presente, na nostalgia do passado que está ameaçando sumir, nas recordações que o irmão não quer perder e que a morte assistida vem resolver.

    E, quem é L.?

    Minha pitada de achismo: não tenho nada a achar. Tô, na verdade, procurando o rumo de casa, depois desta leitura.

    Gostei ou não gostei: amei.

  19. Luis Guilherme Banzi Florido
    24 de novembro de 2024
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia, amigo(a) escritor(a) do(a) Encontrecontos, tudo bem?

    Primeiramente, parabéns por superar a nostalgia do desafio de trios e entrar no portal do novo certame! Boa sorte e bora pra sua avaliação:

    Tema escolhido: nostalgia.

    Abordagem do tema: 50%. A nostalgia até está ali, mas não me parece peça central da história. A história é muito mais sobre um homem que perdeu a memória e está tentando lembrar coisas do passado, do que sobre alguém sentindo nostalgia e sobre a nostalgia como peça central. Claro que em determinado momento das lembranças ele sente nostalgia de algo, mas isso não configura pra mim algo central, sabe? Meu critério é: se eu tirar nostalgia/porta (dependendo do tema escolhido, claro) desse conto, ele ainda funciona? Se sim, então o tema não foi perfeitamente adequado, se não, então foi. Aqui, caso tirássemos a parte onde o homem sente nostalgia, a história funcionaria perfeitamente, o que mostra que a nostalgia não é essencial para o conto funcionar.

    Comentários gerais: esse é um bom conto, extremamente bem escrito, com diálogos fluidos, narrativa funcional e personagens bem construídos. Acredito que fique no topo do desafio. A forma como a narrativa foi construída pelo autor nos faz descobrir aos poucos o que está acontecendo, aprendendo as informações ao mesmo tempo em que a brasileira fofoqueira. Esse recurso é bem interessante para esse tipo de história, pois, ao contar para a personagem sobre a situação, nós como leitores aprendemos junto com ela. Funcionou aqui. Pelo que entendi, são dois irmãos, o homem está com alguma doença terminal que afeta também sua memória, e a irmã o ajuda a manter as lembranças por meio de um jogo da memória. O homem preferiu não se despedir e foi pra esse lugar francófono pra morrer tranquilo, acompanhado apelas pela irmã. É isso?

    Enfim, não acho que tenho muito mais que falar. Um conto bem escrito, com ótima técnica, fluido e funcional. Não é um dos meus preferidos, mas com certeza vai ser de muita gente. Pra mim, é um conto bastante linear, que entrega o que promete mas não vai muito além, e não me causou muitas emoções, como se esperaria que um drama assim causasse. Ainda assim, um trabalho bem bom.

    Sensação final: sentei tomar um cafézinho e dar aquela bitucada na conversa alheia (adoro), entendi tudo, fiquei por dentro da fofoca, acariciei o gato, mas não me envolvi muito emocionalmente com a dupla.

  20. Thiago Amaral Oliveira
    23 de novembro de 2024
    Avatar de Thiago Amaral Oliveira

    Conto maduro que, com diálogos bem construídos e variações de emoções, desperta no leitor várias sensações, como risadas, melancolia, nostalgia…

    Logo de início temos o curioso uso de uma personagem que ouve a conversa dos outros, como uma intrusa. Depois, vamos ouvindo a conversa e construímos o significado do que ocorre ali, nas entrelinhas, sobre o que não pode ser dito e não pode ser ignorado.

    A autoria demonstra bastante maturidade e sensibilidade na construção do conto.

    Parabéns e boa sorte no desafio!

  21. Marco Saraiva
    23 de novembro de 2024
    Avatar de Marco Saraiva

    Pelo que entendi, o senhor, já sofrendo de um principio de Alzheimer ou demência, decide terminar ali a própria vida, talvez de forma assistida, deixando tudo o que tem e todos os detalhes da sua vida pessoal com a sua irmã. Uma interpretação mais densa, talvez, é que ele sabe que a sua memória está se esvaindo e logo não vai ter controle da própria mente, então o conto narra um dos seus últimos momentos de lucidez, onde ele decide deixar com ela uma procuração para cuidar da sua vida quando ele se for. E ele mesmo sabe que está se esvaindo, por isto este encontro parece um encontro antes da morte, e tem este peso tão profundo.

    É um conto cheio de nuances, com o gato fazendo um paralelo com o próprio senhor de idade, que já não tem muito tempo, e a narradora como um personagem “orelha”, fazendo as vezes do próprio leitor. Não acontece muita coisa no conto, o texto é mais esta fotografia dos últimos momentos do homem, mas o conto entrega o suficiente para não ser apenas uma cena, com todas as suas camadas.

    Parabéns! Um bom conto!

  22. Givago Thimoti
    22 de novembro de 2024
    Avatar de Givago Thimoti

    Iceberg como rinocerontes cinzas – Aquarelle

    Resumo + Comentários gerais:

    “Iceberg como rinocerontes cinzas” é um conto de um brasileiro bisbilhoteiro, que numa viagem de trem na Suíça (imagino eu), escuta atentamente a conversa de dois irmãos (também brasileiros), sendo tragado para dentro do pequeno drama familiar que se desenrola entre eles. O irmão está fazendo sua viagem para realizar a eutanásia. O Alzheimer avançava e ele escolheu, ainda dentro de suas faculdades mentais, encerrar sua vida.

    Esse conto mexeu com algumas das minhas convicções literárias. Talvez seja por isso que eu tenha amado esse conto. É um conto singelo, que ao mesmo tempo que economiza as palavras, torna o contar extremamente pessoal, trazendo o leitor para dentro da história. É um relato real.

    Frase/Trecho de impacto:

    “Agora, o mais doído mesmo deve ser não conseguir nem lembrar o que é saudade.” => perfeito!

    Adequação ao tema (0 a 3) – Avalio se o conto aborda o tema proposto de forma coerente, aprofundada e relevante para o Desafio: 3

    3! Bom, a nostalgia está ali. Talvez, não palpável como nós leitores desse desafio ficamos acostumados com os contos que abordam esse tema. Mas, tão perceptível quanto se poderia colher de uma conversa alheia a nós.

    Construção de Mundo e personagens (0 a 2) – Avalio a profundidade dos personagens e a ambientação, incluindo o cenário e como tudo interage para fortalecer a narrativa: 2

    Esse é um conto extremamente bem construído. Assim que percebemos a desmemória do homem mais velho, eu já recordei do Antônio Cícero. Talvez nem precisasse dessa referência explícita. Mas enfim, não prejudica em nada, especialmente se levando em conta que a dedicatória parece ter um tom pessoal (ao L).

    Aqui no Entrecontos eu fui apresentado a esse estilo de escrita que escreve pouco, mas muito se comunica com o leitor. Por vezes, escrevendo nas entrelinhas e deixando o autor imaginar o restante. Lembro de um conto do Fábio D’Oliveira no desafio de viagem/roubo que infelizmente ele acabou saindo por não conseguir terminar de comentar, um outro da Catarina Cunha… Enfim, alguns exemplos. E este conto será mais um que irei adicionar nessa lista de contos com muito para comunicar e com poucas palavras.

    Neste conto, o 2 em termos de construção da história é merecidíssimo. É muito difícil contar uma história com pouco, deixando para o leitor na medida certa imaginar as nuances da história. Para quem gosta daquela imersão, como eu, beira o impossível encontrar esse ponto de equilíbrio. Mas, cá está.

    Uso da linguagem (0 a 2) – Avalio a qualidade da escrita, incluindo o estilo, clareza, gramática e fluidez dos diálogos:  2

    Acho que é aqui que as minhas convicções literárias foram colocadas em cheque, de certa forma. A princípio, fiquei muito incomodado com as frases soltas, em um parágrafo. Esteticamente feio. Durante a leitura, eu até estranhei. Parecia que não fluía. Mas, depois, quando me acostumei, até entendi. É como se eu estivesse escutando o narrador falando comigo pessoalmente, dando um tempo para uma resposta minha. Quanta educação e calma! No final, acabei gostando.

    Esse conto, em termos de escrita, é quase um manifesto contra a verborragia e o prolixo. O que, ironicamente, vai de encontro até mesmo ao meu estilo de escrita. Temos a tendencia de achar que quanto mais palavras usarmos, melhor descrevemos e o quanto melhor descrevemos, mais inserimos o leitor dentro da história. Pelo menos, é o que eu penso. Ou melhor, pensava.

    Essa é a escrita de um autor/ uma autora mais experiente; irretocável gramaticalmente (pelo menos eu não percebi nenhum grande erro gramatical), eu imagino que, com a experiência, aprendemos a expor de forma mais sintética nossas ideias. Um dia chego lá. Por enquanto, eu apenas parabenizo o autor/ a autora dessa história.

    PS: quase me esqueci de falar de outra convicção literária que tenho. Mas como não quero ser chato, vai ficar no mistério. Quem sabe outro dia surge um espaço para falar.

    Estrutura Narrativa (0 a 1,5) – Examino o fluxo do enredo, a clareza da introdução, desenvolvimento e conclusão, e se o ritmo é adequado: 1,5

    Perfeito. A leitura flui depois que você se acostuma ao estilo de escrita.

    Impacto Emocional (0 a 1,5) – O quanto a história conseguiu me envolver emocionalmente, provocar reflexão ou cativar: 1,5

    Eu me peguei, ao final da leitura, extremamente cativado pela história e pelo jeito que foi contado. Não emocionado. Mas pensativo. O conto tendo como base o Hemmingway, o conto que a Kelly jogou no grupo, graças aos deuses da literatura, não é prejudicado se você tem ou não contato com a escrita do estadunidense. Amém!

    Para mim, o maior dos elogios: esse será um conto que irei guardar na minha listinha de contos que tenho para, um dia, reler e ver se consigo aprender algo! Parabéns ao autor, à autora!

    NOTA FINAL: 10

  23. Gustavo Araujo
    15 de novembro de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Enquanto lia, as notícias sobre o Antonio Cicero me vieram à mente. Muito boa a proposta de homenageá-lo, assim como a Hemingway, pela coragem que tiveram de buscar um final digno para suas próprias histórias. Não sei quem é L, mas provavelmente se trata de alguém que partilhou desse tipo de escolha.

    O ponto alto do conto é falar de um assunto polêmico e perturbador sem parecer óbvio demais. Para quem quer saber a diferença entre “contar” e “mostrar”, este texto é essencial, já que mostra o drama sem qualquer necessidade de explicitá-lo. O diálogo do casal de irmãos em um hotel qualquer da Suíça é verdadeiro e doloroso, apesar do jeito meio indolente do suicida. Aliás, é provável que a força da conversa esteja justamente nessa maneira aparentemente descompromissada com que a morte dele é debatida, mormente porque ambos sabem que a separação definitiva está a apenas algumas horas de distância.

    Fico aqui pensando se, no conto, era realmente necessária a presença de uma turista brasileira como narradora. No fim, sua visão limitada dos acontecimentos serve tão somente para nos contar os diálogos que testemunhou. Um narrador onisciente poderia ser mais provocativo, poderia descer mais nas contradições desse tipo de decisão.

    Mas isso é meu eu-chato-e-provavelmente-invejoso-por-não-ter-concebido-uma-história-instigante-como-essa falando. A opção do autor é válida, claro. Mas o sentimento de frustração me bateu um tantinho no fim. Sim, os diálogos estão ótimos, há muitas lacunas eloquentes, mas eu queria mais.

    De qualquer forma, é um conto muito bom, que sabe falar de nostalgia — aqui um tipo de nostalgia diferente, que ainda vai acontecer, bem sabem os protagonistas — e que, mais importante do que tudo, faz pensar.

    Parabéns ao autor e boa sorte no desafio.

  24. Antonio Stegues Batista
    13 de novembro de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    Um hospede brasileiro está no restaurante de um hotel em Paris. Ele observa um casal de brasileiros sentados a uma mesa ao lado. Eles têm um gato com 6 dedos. Ele é escritor e fala em touradas. Ernest Hemingway tinha gatos com 6 dedos, esteve em Paris na década de 20, e na Espanha, escreveu sobre touradas. O escritor Antonio Cícero, diagnosticado com Alzheimer, optou pela eutanásia, em Zurick. Então, pelo diálogo, o personagem também, com Alzheimer, decidiu seguir o mesmo caminho.  

    É um tema forte, um texto forte, bem escrito. Talvez sem as dedicatórias eu não saberia do que falavam. Deve-se ter em mente que é ficção, com um tema delicado e apenas isso. Parabéns e boa sorte.

  25. vlaferrari
    12 de novembro de 2024
    Avatar de vlaferrari

    Por ser uma homenagem, creio que a mescla foi tão na medida como a dose de Daniel’s. A sombra da opção de Antonio Cícero está lá, pairando como uma nuvem que circunda as montanhas. Um trago no café também nos traz o velho Ernest. Mas confesso que a impressão que deixou é a mesma daqueles livros de contos de um grande nome da literatura, onde existem textos que estão ali só para fazer volume. Estou errado e é uma avaliação cruel, mas, é isso. Muito bem escrito e cheio do que eu chamo dos “clichês do bem”: título forte, mais diálogos do que texto descritivo, conhecimento do tema e referências espalhadas ao longo do texto com sutileza e sapiência. Notei um erro em “enfeita uma bola de gude já a ALGUM MUITO TEMPO”, mas isso é tolice de julgar como condenatório. De minha parte, ser um expectador ao lado da narradora, deixou um vazio. Talvez por preferir investir nas dores e sentimentos e nas descrições, eu prefira muito mais arriscar uma narrativa do ponto de vista do doente que aguarda a sua vez na fila da eutanásia. Mas há modos e modos de ver um caso. Boa sorte no desafio.

  26. andersondopradosilva
    10 de novembro de 2024
    Avatar de andersondopradosilva

    Icebergs Como Rinocerontes Cinzas

    Resumo:

    Mulher curiosa ouve conversa alheia.

    Comentários:

    O não-dito importa à literatura tanto quanto o silêncio importa à música. Sem o silêncio, a música seria ruído perturbador. Sem o não-dito, a literatura seria cansativa obviedade.

    Neste conto, há muitos não-ditos. Qual doença acomete o interlocutor homem? Não é dito. Podemos supor que é grave. O gato parece possuir um tumor… Estaria aí a resposta para a doença do homem?

    De qualquer maneira, não se pode descartar também o Alzheimer, hipótese plenamente válida e que poderia ser extraída da frase “Agora, o mais doído mesmo deve ser não conseguir nem lembrar o que é saudade.” Aqui, está-se a tratar de perda grave de memória… Alzheimer?

    E onde está o casal? Num hotel, por certo, no terraço, fazem uma refeição. No local, é permitido fumar, e a narradora arremata: “Pelo menos, aqui, morrer não é proibido.” Ela fala da morte pelo uso do cigarro, evidente. Mas e quando deixamos o evidente de lado? A que conclusão chegamos. Estaria o interlocutor homem gravemente doente e no preparo da morte assistida?

    Atualmente, a Suiça permite a prática de morte assistida. Da conversa do casal, é possível depreender alguns receios sobre o procedimento: “Você acha que demora muito?” “Disseram que é rápido. Demora menos tempo do que ir daqui até Zurich.” E nesse mesmo diálogo aparece justamente Zurich, maior cidade suíça.

    O conto também esconde, até a última palavra, a natureza da relação entre os interlocutores. São irmãos, mas, durante a leitura, é fácil se deixar enganar e pensar que se trataria de um casal.

    O conto está dedicado a Ernest Hemingway, um suicida. E a Antônio Cícero, que escolheu a morte assistida, após o agravamento do Alzheimer. Aqui estão mais indicativos do que os interlocutores estão fazendo na Europa.

    Mas o conto também é dedicado a L. Perguntar quem é L. assusta um pouco. Talvez L. importe demais ao autor do texto. Me pergunto da saúde de L., de suas escolhas e de suas possibilidades (porque nem toda escolha é possível para todo mundo).

    O mérito do conto está no quanto não diz, não revela. Está no que insinua.

    O escritor é um observador. Mesmo o mais recluso dos escritores ainda é um observador. Um escritor não pode abrir mão do contato com o outro, ainda que o outro lhe venha por intermédio justamente da literatura. O mundo chega ao escritor pelos sentidos, pela literatura, pelos jornais, pela internet etc., e o escritor o emula e ficciona. No conto, o narrador é uma observadora. Está sentada no terraço do hotel apreendendo o mundo que servirá posteriormente à literatura.

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Publicado às 10 de novembro de 2024 por em Nostalgia e marcado .