
Que Cristo, Nosso Senhor, seja testemunha do que digo. É que, por mais portentoso que seja, a misericórdia da vida me dera a oportunidade de conhecer Barbosa, sob circunstâncias nada comuns. Sinto-me, portanto, na obrigação de perpassar, pelos corredores do tempo, esta história que tanto me enobrece. É que este homem, se é mesmo que era homem, carregava consigo uma sabedoria lúdica, simples, que me contaminou aqui pelas bandas de São Castilho. Embora ele mesmo não fosse daqui.
De onde seria? Não sei bem, pois pertencia a coisa alguma e não parava em lugar algum mesmo que lhe estendessem uma esteira. É que ele, eu bem entenderia mais tarde, pertencia àquilo que nada pertence, e costumava encontrar a todos lá nas terras onde nada se encontra. E mesmo assim, não é história alguma de homem que enfrentou o diabo ou que realizou doze trabalhos. É somente a história de um homem que, ao seu modo, anunciou o fim dos tempos e deu-me sentido à minha própria existência. Portanto, fique atento ao que vou narrar.
Tudo se inicia em Vila das Lamúrias, lugar de gente obscura, onde nunca ninguém foi feliz. É por onde o vento sopra cansado, mal levanta a barra das saias e deixa que as folhas fofoquem em paz. Lá, porém, embora não houvesse um só homem bendito, se festejava a todo momento o vazio de suas próprias existências.
E, não fosse pelas circunstâncias em que nascera, Barbosa até poderia ter tido uma infância comum. É que Margarida, sua mãe, era reconhecidamente mulher de não dar ouvidos. No alto do surto da febre de anemtêasi, caminhava descalça na beira do rio, desafiando contra-indicações e, quando adoeceu, quase perdeu Barbosa em seu ventre. Teve desejos dos mais loucos em sua gravidez e resistiu a eles bravamente enquanto pôde, até que sucumbiu ao mais sórdido de todos:
Foi em surdina ao bosque, deu voltas, riu de si mesma, ajoelhou-se diante de um caule apodrecido e comeu todos os besouros que lá moravam.
Teve parto complicado como todas hão de ter naquela terra. Dizem que seus gritos estremeciam o vilarejo, fazendo ressoar as panelas de cobre e os chocalhos descansados das cascavéis. Não era grito comum de mulher parindo, era grito de mulher suplicante, rogando a Deus tal como deve ter feito Virgem Maria, antecipando, de certo modo, o fardo que estava prestes a carregar, ou, melhor dizendo, dar ao mundo.
Em Lamúrias não havia parteiros, nem enfermeiras e pajé. Eram as mesmas famílias do tempo do Imperador, sete clãs, somando um total de vinte homens e trinta mulheres e crianças. Eram puramente pescadores pouco habilidosos ou artesãs desmotivadas, de modo que Padre Chico era o único audaz desabilitado a tirar o rebento de Margarida.
Após muito esforço, não foi choro de bebê que irrompeu a madrugada. Foi apenas um zumbido ressonante, amalgamado com alguns estalidos.
“É menino ou menina?”, perguntou Margarida, no suplício do esgotamento.
“É… Besouro.” Respondeu Padre Chico.
Barbosa nasceu de olhos abertos, mas é bem verdade que sequer tinha a capacidade de fechá-los. Não tinha pele e pálpebras: seu rosto era revestido de uma carapaça, assim como seu corpo. Mas, disse-me uma vez, em uma noite em que nos reunimos aqui em São Castilho, que no instante em que seus olhos foram brutalmente banhados pelas luzes do mundo, teve a certeza de que não pertencia a ele.
O menino cresceu assustadoramente rápido e tinha grande afeição pela mãe e certo desprezo pelo pai. Era de uma erudição impecável, aprendera a ler sem ter um só alfabetizado em todo aquele lugar. Dava longos discursos e demonstrava um carisma cativante, constatado, principalmente, pelas crianças do vilarejo.
Certo dia, o rio agitou-se e trouxe o choro das montanhas. Subiu como nunca havia subido antes. Inundou as casas e arrancou as hortaliças minuciosamente plantadas pelas mulheres. Foi Barbosa quem, com bravura nunca antes vista naquela região, salvara as crianças com uma rede de arrasto, impedindo-as de serem conduzidas à sorte pela corrente impetuosa. Foi quando Padre Chico o viu negociando com as águas para que não inundassem a Santa Igreja, para que desviassem em curva, agitassem as casas e fossem embora se ajuntar ao mar.
Padre Chico se prostrou diante do menino, dizendo:
“Tu és uma espécie de menino-besouro serafim!”. E, mesmo com toda destruição causada pelo acaso da natureza, os moradores decidiram dar uma festa para que todos pudessem lamentar, juntos, que as águas haviam levado o fruto do árduo trabalho dos homens e mulheres de lá.
Foi quando chegou, enfim, naquele pobre vilarejo pouco agraciado pelo sol e negligenciado pelo vento, o Oficial de Justiça. Era sempre na sua chegada que a vila aparentava mais lamentosa. Os homens se enfileiravam de cabeça baixa, as mulheres se apoiavam nos batentes das janelas com olhares vacilantes, as crianças escondidas sob suas saias como se presenciassem todos os monstros das histórias que seus pais contavam para preservá-las dentro de casa no crepúsculo. Naquele lugarzinho de relações tão horizontais, em que a miséria era o elemento de união geral, Padre Chico era o mais próximo da autoridade e, portanto, era quem geralmente recebia o visitante que invariavelmente trazia todas as piores notícias.
O Oficial de Justiça jamais descia de seu cavalo pálido e magricela, ele mesmo uma figura esquelética envolto em fardamento cinzento, apenas a cartola preta de longas abas que obscureciam parte de seu rosto. Nas sombras, seus olhos cintilavam verdes. Duas luzes que foram ainda mais intensas quando, à frente da fileira de homens desalentados, pareado com Padre Chico, ele viu Barbosa.
Como Barbosa me explicaria mais tarde, o que seus olhos sempre abertos distinguiram no homem foi a mesma qualidade que reconhecia em si mesmo, de ter nascido do ventre deste mundo, mas ser alienígena a ele. Outra percepção imediata, entretanto, foi a de entender que aquele sujeito, ao contrário do menino-besouro serafim, optava pela omissão. Uma besta disfarçada. Na Vila das Lamúrias ninguém, mesmo o pároco, teve a coragem de demorar o seu olhar naquele burocrata.
Tinha o corpo alongado, seu maxilar se projetava para frente modo a ovalar o seu rosto. Os olhos, grandes, esbugalhados e demasiado distantes um do outro, tinham um tom todo esverdeado, sendo mais intenso nas pequenas írises que os centralizavam. E olhando os dois nativos do alto do seu cavalo nauseabundo, revelou um sorriso desdentado por onde uma língua viscosa escapou para umedecer seus lábios tão finos que mal se percebiam. Essa troca foi o bastante para Padre Chico baixar os olhos e recuar um passo. Barbosa não se mexeu. Já conhecia as histórias acerca das visitas do Oficial.
O sujeito vinha de anos em anos, chegando sempre ao final das madrugadas e por quanto que permanecesse na vila, a noite parecia se estender. Naquela visita, entretanto, a alvorada espalhava suas luzes como se combatesse o negrume da noite finda. Os homens se retraíram, as mulheres ganiram e as crianças agarraram suas saias quando o Oficial anunciou com a sua voz pegajosa o motivo de sua chegada. Os pretextos de suas vindas variavam. Necessitava-se de pessoas para guerras, camponeses para colheitas contra a fome ou enfermeiros para enfrentar as pestes… mas o preço era sempre o mesmo, uma porção de homens, mulheres e crianças precisariam segui-lo para nunca mais voltar.
Ao fim do discurso, com calma, mas de prontidão Barbosa acusou em palavra de lei todos os equívocos jurídicos e burocráticos da abordagem do Oficial, motivo pelo qual não podia, como um representante da Justiça, prosseguir com a sua convocação sem os determinados documentos, meios de transporte e contingentes de segurança para levar um destacamento de cidadãos. Foi a primeira vez que todos da vila levantaram os olhos na presença do Oficial de Justiça. A manhã vitoriosa e soberana o iluminava plenamente e as grandes palavras que anunciara solenemente um minuto atrás importaram pouco, porque agora o que viam era um homem pequeno em cima de um cavalo magro.
Depois de demorar um olhar fascinado sobre Barbosa, puxou as rédeas de seu cavalo que, com um trote preguiçoso, deu meia volta. Naquela noite, todos os aldeões celebraram. Não um festejo sobre as tristezas, mas uma verdadeira comemoração como nunca houvera naquele lugar. Nos dias seguintes, os homens se dividiram entre a pesca e a reconstrução, enquanto as mulheres se uniram num esforço de fabricação de utensílios para repor aqueles perdidos na enchente. Só não a mãe de Barbosa. Margarida adoeceu.
A essa altura, Barbosa dividia seu tempo entre o apoio aos grupos de trabalho, a alfabetização das crianças e os cuidados com sua mãe, que a cada dia, como ele e Padre Chico diagnosticavam, se aproximava do seu último. Mas, como se desafiar fosse a sua primeira natureza, Margarida se aproximava da morte com um sorriso. O pai de seu filho não esteve ao seu leito, preservando-se sempre ao leito do rio. Foi lá que Barbosa o encontrou, apenas porque a mãe pediu que o fizesse.
“Quando ela se for, eu partirei.”
“Às vezes eu me pergunto a que veio.”
“Eu também, pai.”
Foram as únicas palavras que trocaram, mas, no último dia de sua mãe, como se soubesse, o pai estava lá. Um de cada lado, pai e filho seguraram cada mão da mulher enferma. Padre Chico estava lá e não consigo deixar de imaginar como foi para ele ver aquela família da qual, à sua maneira, também fazia parte. Foi o pároco quem saiu para chamar as mulheres para buscar, lavar e preparar o corpo. O pai suprimia as lágrimas, mas sua voz embargada denunciava o choro iminente.
“Eu e sua mãe… Nós se conhece desde rebento, assim pequenininho. Acho que como na sua idade, mas é diferente que você em poucos anos já é homem. Homem, meu filho. Você é um bom homem. Quando a gente foi crescendo, ela me perguntava se nós não podia pegar um barquinho e descer o rio, ir adiante. A gente pôs o plano, mas os anos foi passando, nós trabalhando… é isso. Mas acho que agora não precisa ser.”
Não a enterraram. Seu pai teceu uma rede enrolada em margaridas que, ao envolverem sua mãe, pareceram tão vivas quanto a própria, cujo semblante calmo sugeria que estivesse apenas dormindo. Partiram num barquinho, com uma tocha amarrada à popa que, à medida que o rio os levava para longe, era tudo o que podia ser visto pelo cortejo funerário que era, como em todas as ocasiões assim, toda a Vila. Uma luzinha diminuindo ao longe… Barbosa foi o único que ficou até a luz sumir.
Os dias que se seguiram foram de trabalho intenso. As crianças que já sabiam escrever auxiliaram Barbosa na papelada enquanto os demais homens e mulheres trabalharam nos preparativos da eleição e, ainda que não entendessem muito daqueles ritos, compreenderam que Barbosa já era o inquestionável líder comunitário e que aquilo só oficializaria. Mais importante do que a formalização, os prepararia para a chegada do Oficial de Justiça.
A alvorada invencível esclarecia o céu azul na manhã do retorno do Oficial. Viera com uma guarnição e um comboio cujos vagões vazios eram destinados aos aldeões. Retornara com a intenção de tornar aquele lugar uma vila fantasma, mas todos os prédios já estavam vazios. A integridade dos residentes o aguardara do lado de fora, em frente à Santa Igreja. Vestiam-se com simplicidade, com novos remendos de diferentes cores, de modo que o conjunto de habitantes formava um séquito colorido em torno do Prefeito Barbosa, vestido em couro e com seus pertences guardados em uma mochila grande à qual outras bolsinhas estavam amarradas.
Todos os aldeões de Vila Lamúria encararam de frente o destacamento de burocrata e soldados que chegaram à cidade. Com toda a documentação em mãos e o devido protocolo de proteção e transporte, o Oficial de Justiça deu a ordem de levar todos os moradores para serviços à pátria. E da mesma forma protocolar, o Prefeito respondeu que como autoridade eleita resguardava o direito de em consulta pública decidirem quanto ao acato à ordem e que, em caso de discordância, iria ele mesmo prestar contas às autoridades superiores, já que o Oficial era apenas um mero emissário.
E assim foi. O vagão, que mais parecia uma jaula, foi preenchido pela figura de Barbosa, a quem foi permitido levar também os seus pertences. Ainda no dia de sua partida, os próprios habitantes renomearam o lugar para Vila Escaravelho, onde a brisa agora refrescava e todos sabiam de se iniciar um novo tempo. Instruído antes de sua ida, o jovem mais avançado em seus estudos tomou a cadeira de professor e adaptou a antiga morada da família Barbosa a uma biblioteca, onde dava suas aulas. E, se mais tarde esse mesmo rapaz se tornaria prefeito, outros jovens discípulos de Barbosa partiriam para cruzar vilas idênticas àquela e contar da vida e dos feitos do menino-besouro serafim.
Por muitas dessas vilas, antes Barbosa passou enjaulado, observando os arredores com um ar contemplativo. Nem mesmo ele podia imaginar, e acho que temeria se o fizesse, o poder que a Palavra dos seus discípulos conferiria a Imagem de seu sequestro. Uma noite, o Oficial de Justiça finalmente veio a ter consigo.
“Achas mesmo que és grande para me desafiar, criatura vil?”
“Sou mesmo criatura, mas entre nós dois, vil fica reservado ao senhor, pois também és criatura, só se disfarça de homem enquanto preda feito animal.”
“Pois veremos o que aprenderás sobre animais quando chegar à sua nova casa.”
Um dia depois, avistaram a silhueta soturna da fortificação que abrigava o Centro de Detenção Santo Castilho.
Foi nesse momento de exasperado infortúnio que o bom Deus, em sua infinita sabedoria, permitiu que minha história se entrelaçasse à de Barbosa. Na ocasião, trabalhava eu como carcereiro do centro de detenção. Passados pouco mais de dois anos no exercício de tão famigerado ofício, a crueza da realidade já se encarregara de dissipar todo ímpeto que inflamara minh’alma quando adentrei aquele lugar pela primeira vez, certo de que seria um arauto da lei, uma ferramenta do bem e da ordem, velando pelo enclausuramento de vilões e suas vilanias, durante o tempo que lhes coubesse a justiça.
Sim, havia ali malfeitores. Homens que se desviaram nos atalhos oferecidos pelo maligno ao longo do tortuoso caminho da retidão. Uns com justificativas que me levavam a refletir “no lugar dele, não teria eu feito o mesmo?”, outros por pura exortação de uma natureza cruel. Ainda assim, todos descumpridores da lei. Quando me voluntariei ao trabalho, imaginei ver dentro daqueles muros a tentativa de recuperar tais indivíduos, aplicando-lhes castigos proporcionais e oferecendo-lhes oportunidades legítimas de redenção.
O que encontrei, no entanto, foi o inferno.
Resguardados pelos brasões e patentes, torturadores travestidos de agentes da lei ditavam sentenças, executavam punições. Longe das vistas, munidos da prerrogativa de que os que ali se encontravam eram párias que por vontade própria abdicaram de sua condição humana, toda sorte de absurdos era permitida. Diante de tão dantesco cenário, eu pedia a Cristo, Nosso Senhor, que me enviasse um sinal de que deveria abandonar tudo, mesmo que me custasse a vida. Faz parte da covardia dos homens esperar que o divino lhes sopre aos ouvidos a conduta que os dias e as noites cansam de lhes impor como óbvia. Eu não precisava de sinal algum para saber que era um parafuso começando a enferrujar num gigantesco moedor de carnes e princípios. Mas, ainda assim, esperava. Talvez tivesse esperado indefinidamente. Talvez tivesse me corrompido. Mas Cristo foi misericordioso. Porque contemplar um besouro com proporções e comportamentos humanos falando sobre leis com a eloquência de mil juízes, era um sinal que mesmo o mais incrédulo dos ateus não haveria de ignorar.
Meus confrades de profissão, não se podia esperar nada diferente, deleitaram-se com a novidade. Embora pouco conhecessem da anatomia besourística, muito conheciam das artes de infringir dor. Foram dias e semanas de experimentações das mais diversas, às quais Barbosa reagia com zumbidos lamuriosos e, nas breves pausas em que os torturadores tomavam água ou escolhiam ferramentas, questionamentos sobre quais incisos das leis seus captores se baseavam para justificar semelhante conduta. Vez ou outra, o Oficial de Justiça aparecia para supervisionar os trabalhos, a vontade de contemplar um inimigo ajoelhado sobrepujando a ojeriza que sentia daquele lugar. Até que, um dia, olhou para o destroçado Barbosa, como uma criança olha um brinquedo que já não mais a entretém, disse “acabem logo com isso” e saiu às pressas, pressionando um lenço de seda contra o nariz cadavérico. Os carcereiros divertiram-se, discutindo a maneira mais apropriada de “acabar logo com isso.”
“Vamos enterrá-lo vivo, deixar que se sufoque com a terra e agonize lentamente.” Foi a frase que Deus me capacitou a dizer, no lugar certo, na hora certa. “Os mais quietos sempre são os piores!”, meus companheiros festejaram, acatando minha sugestão. Arrastaram Barbosa pelas escadarias e enterraram-no à entrada da casa de detenção, para que todos pudessem nele pisar doravante. Em meus anos de inocência, vi besouros saindo da terra com energia renovada, pois ali trocavam suas carapaças e preparavam-se para crescer. Minha esperança era de que algo similar pudesse acontecer a Barbosa. Com a graça de Deus, eu estava certo e, três dias depois, Barbosa voltou à vida.
No momento mais oportuno da madrugada, eu, que vigiava aquela cova mais do que vigiara qualquer detento, vi a terra se projetar de dentro para fora e corri em auxílio. Sua carapaça, restaurada. Seus olhos despupilados, ainda lustrosos, ainda exalando a bondade intrínseca de seu espírito, mas havia algo mais – havia muita altivez, havia muitas certezas.
“Obrigado”, ele disse.
“Fui apenas instrumento da vontade divina. Cristo guia os meus passos”, respondi.
“Se Cristo guia teus passos… então estamos no mesmo caminho, meu amigo.”
Naquele instante, tive a certeza de que meu destino era viver por Barbosa, segui-lo onde quer que ele fosse, com ele lutar o bom combate, protegê-lo e por ele morrer se necessário.
E a primeira batalha não se demorou a chegar. Alguns guardas deram-se conta do besouro-homem ali, em pé, despido de roupas e medos. Alarmes soaram e, antes que os galos se dessem conta de que o dia começara mais cedo e se pusessem a cantar, o pátio da casa de detenção estava tomado por carcereiros e suas portentosas espadas, escudos e vaidades. No início, eles riram. Viam ali apenas o prisioneiro alquebrado que não lhes oferecera nenhuma resistência, mesmo quando submetido aos mais desaforados vilipêndios de dignidade. No entanto, depois que Barbosa, com um simples abrir de asas, partiu ao meio o primeiro soldado, mais nenhum dente ousou se revelar. Atacaram em bando, menos por vontade do que por receio de se passarem por covardes perante os irmãos de armas. Cercaram o besouro-homem, golpearam-no com lâminas, tentaram desequilibrá-lo com escudos. Aplicaram técnicas de combate exaustivamente treinadas e, não posso faltar com a verdade, lutaram como grandes guerreiros.
Mas de que vale a bravura dos homens diante da fúria dos serafins?
“A violência indubitavelmente conspurca a pureza das revoluções. Não obstante, que alternativas restam aos justos ao darem-se conta de que as leis são redigidas por tiranos? Qual caminho seguir quando as névoas da inocência se esvaem após nossa tenra idade e podemos ver o mundo como ele é? Fugir? Aceitar? Corromper-se e tentar tirar proveito? Fazer-se de cego? Eu escolhi LUTAR.”
Foram essas as palavras que Barbosa disse ao povo de São Castilho após a conquista da cidade. E foram essas as palavras que Barbosa repetiu muitas vezes mais, em muitos outros povoados. Seus feitos se empilhavam e à mesma medida que aumentava sua reputação, aumentavam também seus receios.
“E se, no final dessas batalhas, eu me der conta de que sou igualmente tirano? Pois não estou a fazer agora justamente o que neles repreendo? Impondo minha vontade através da força?”
“Sua causa é nobre…”, eu lhe respondia, com toda firmeza do meu coração.
“Tenho certeza de que cada ditador deste mundo pensa o mesmo sobre suas motivações…”
Também lhe incomodava o fato de que, na tomada de São Castilho, o Oficial de Justiça houvesse escapado. Esse incomodo revelou-se presságio, quando soubemos que um contingente de soldados, liderados por um burocrata esquálido montando um cavalo que era mais osso do que carne, havia dizimado a Vila Escaravelho, antiga Vila Lamúria. Barbosa voou até lá, com toda velocidade que suas asas lhe permitiam. Não chegou a tempo de salvar nada, nem ninguém. Mas Deus lhe permitiu que, em meio ao fogo, ao sangue e à morte, pudesse ver a providência. O Oficial havia crucificado alguns dos moradores, entre eles o pai de Barbosa. Para aquele homem abjeto, essa seria a provocação final que desestabilizaria seu inimigo. Para Barbosa, porém, foi a oportunidade de ficar em paz.
“Queria ter chegado antes…”, disse Barbosa, pousando o corpo do pai no chão.
“Se chegasse antes, quem sabe nós pegava um barquinho e descia o rio”, o pai de Barbosa respondeu, olhos fixos no azul do céu. “Sua mãe tá me esperando… vai brigar se eu me ademorar”, ele se permitiu um último sorriso.
“Diga a ela que sinto saudades. Assim como sentirei saudades do senhor… pai.”
“Eu também, filho. Eu também.”
***
Barbosa continuou sua jornada, que era minha também. Alguns juntaram-se a ele por compatibilidade de ideais, outros por considerarem mais prudente estar ao lado de um besouro-serafim na guerra. Alguns o renegaram, por aversão a seu aspecto insectóide ou, mais comum, por medo das prováveis retaliações que o governo aplicaria caso retomasse o poder. A maioria, no entanto, apenas continuou vivendo, lamuriando-se do sol e da chuva, do calor e do frio, sem se importar com quem os governava ou deixava de governar. De um jeito ou de outro, a única certeza que tinham era que o trabalho estaria lá para ser feito, hoje, amanhã e sempre.
Os reis pararam suas guerras forjadas e juntaram-se para combater o verdadeiro inimigo de todos os governos. Agora eles marcham para São Castilho, onde, em breve, a derradeira batalha será travada. Barbosa não está mais conosco, sua natureza fez com que a velhice se apressasse e o levasse para junto da mãe e do pai, nos campos de Cristo Senhor, onde não ecoam os tambores de guerra dos homens. Sua lenda, porém, jamais haverá de envelhecer ou morrer. Quanto a mim, caso nas gerações vindouras tenham a bondade de mencionar a existência de tão insignificante pecador, não digam nada além do necessário.
Digam que eu lutei sob o estandarte do menino-besouro serafim, o cavaleiro mais nobre que já caminhou por este chão desolado.
Digam que eu lutei sob o estandarte de Barbosa.
Buenas!
Dessa vez farei uma avaliação mais pessoal, apontando o impacto do conto em mim.
Quando vi a premissa e a primeira parte, me interessei bastante por esse conto. Não para continuar, mas acompanhar a leitura. A ideia de um homem-besouro me cativou na hora. Mas admito que a narrativa não me conquistou. Tentei reler algumas vezes, não adiantou. O conto tem vários elementos que gosto: uma pegada weird, com ares de revolta, literatura fantástica. Acredito que o que me afastou da história foi a narrativa em formato de relato, contando a história de Barbosa, ao invés de mostrá-la. E isso me deixou distante do personagem. Assim, tudo pareceu superficial demais, manipulável, e não criei qualquer vínculo com os personagens. No final, é relatado, subitamente, que Barbosa já havia falecido, mas a revolução continuava firme sob sua bandeira. Achei brusco.
Para mim, a terceira parte mudou o foco narrativo para o personagem que relatava a história inicialmente. Barbosa se tornou uma imagem distante, um símbolo, diferenciando da primeira e segunda parte, onde o foco narrativo era Barbosa. Essa mudança, pra mim, foi prejudicial, pois dificultou qualquer vínculo emocional com a história. Da minha parte, pelo menos.
Acabou sendo uma leitura fácil, mas pouco cativante. E isso foi minha experiência, claro. O conto está muito bem escrito, é coeso e merece o lugar que ficou.
Conforme eu lia o conto, logo me vinha à cabeça obras como “Dom Quixote”, “Candido ou o Otimismo” e até “A metamorfose”. A linguagem arcaica utilizada me “assustou” quando li a primeira parte, pois sabia que seria bem desafiantes reproduzi-la. Os demais autores não a reproduziram fielmente, mas conseguiram manter o rebuscamento e alto nível da narrativa. Uma boa história, com toques épicos.
Olá, Frankensteiners!
Existem alguns contos que seriam muito bem adaptados em uma novela ou até mesmo um romance. Acredito que este seja o caso. Se não soubesse que este conto tinha sido escrito por três autores diferentes, eu dificilmente pensaria em mudança de autoria. A escrita se manteve fluída durante todo o texto, as descrições não sobrecarregaram a narrativa e a leitura ficou muito leve e linda de acompanhar. Aqui temos o nascimento e a evolução de Barbosa, um menino besouro que se desenvolve muito rápido e mostra ser uma pessoa bastante inteligente e de um coração gigantesco. O primeiro autor trouxe muita beleza ao conto, com construções poéticas, soube dosar com perfeição as descrições, sem parecer monótonas. Confesso que tentei achar onde foi a troca de autoria, mas eu realmente não consegui, tamanha foi a coesão entre os autores. É um excelente conto, que traz uma linda mensagem e, mesmo sendo realismo mágico, não ficou preso a explicações e descrições constantes. Certamente poderia virar um romance de formação. Geralmente eu falo parabéns pelo Frankenstein, mas nesse caso a coesão foi tão grande que não acho que teve Frankenstein! Parabéns pelo conto! Boa sorte!
Bravo! Creio que temos um conto vencedor.
Não percebi descontinuidade ou mudança de estilo entre os três autores. A leitura seguiu interessante, envolvente, o cenário e a lenda de Barbosa conseguiu sustentar-se com excelência e verdade.
Na escrita há alguns pequenos tropeços que tiraram a perfeição de algumas poucas frases, o que não comprometeu em nada o texto — posto que o prazer da leitura ia perdoando qualquer pequeno deslize que carecesse de um pouquinho mais de tempo/revisão. Pontuo isso só por uma questão de justiça com os outros contos que critiquei e, também, para os autores poderem, caso queiram, elevar ainda mais essa obra-prima.
Parabéns por participar do desafio e por nos contemplar com essa preciosidade!
Observação: Não consegui descobrir o que seria uma “febre de anemtêasi” — considerei que seria um nome inventado para a ficção.
COMENTÁRIO: Li o conto todo só conseguindo pensar: “É o Lisan Al-Gaib, não tem jeito”!
Brincadeiras à parte, achei esse um texto poderoso que demonstra uma coesão quase perfeita em suas autorias. De estilo, não falo nada, acho que a narração em primeira pessoa é operada com maestria, com todo o requinte vocabular a florear a narrativa. Em conteúdo, falei de ser uma coesão quase completa porque acho que muitos fios são bem costurados, mas que a última autoria desencaminhou um pouco da proposta inicial, já que o papel milagroso de Barbosa, para além da própria existência, foi inicialmente apresentado como muito menos despretensioso do que a batalha do bem contra o mal a definir tudo, que é completamente assumida no último segmento do trecho… fora isso, o conto está bem comunicado entre as partes. A primeira autoria estabeleceu protagonista e antagonista, a segunda aprofundou o embate e a terceira, em grandes proporções, o concluiu. Funciona tanto que confesso ter ficado tocado por um sentimento religioso ao final da leitura, admitindo a bondade na luta de Barbosa contra o sistema estabelecido. As mais famosas das histórias apresentam esse tipo de herói messiânico e profético, então seria muito fácil cair na mesmice previsível sem o impacto, mas foi o talento das três autorias em saber construir esse percurso o que fez desse enredo efetivo, com um crescente sentimento de grandeza assumindo a narrativa. Ótima leitura!
Olá, autores! Tudo bem? Primeiramente, parabéns pela participação num desafio tão dificil e maluco quanto esse!
Vou quebrar a estrutura básica com a qual venho comentando os contos pra me adiantar e dizer que esse conto é uma obra prima. Por pouco não chorei no final, mas fiquei todo arrepiado. Esse vai ser nota 10, sem dúvida. Bora pra estrutura padrão:
Início: o autor inicial dá o tom do conto: uma escrita bonita, poética, metafórica, cheia de construções lindas e uma fluidez invejável. Ele estrutura a história e estabelece o protagonista, deixando em aberto quem é o narrador e como se deu o encontro.
Meio: o segundo autor, numa habilidade que deixaria Barbosa boquiaberto, emula o primeiro de tal modo que, mesmo que eu passasse horas procurando, jamais acharia o momento da passagem de bastão. Segue-se a linguagem bela e muito visual, com as mesmas excelentes construções de frases, mas aqui temos, assim como se espera do autor 2, o desenvolvimento do enredo e do personagem de forma impecável.
Fim: o autor três também se camufla perfeitamente aos anteriores, mas sinto que aqui existe ainda mais brilho. Não menosprezando os dois anteriores, que foram magníficos, mas senti que a parte final é onde o conto chega ao ápice, quase me levando às lágrimas e me fazendo lembrar o que me faz amar a literatura. Um viva ao Barbosa, e me incluam na fila daqueles que carregam seu estandarte!
Coesão entre os autores: o autor 1 voou em direção ao oficial de justiça, o autor 2 declamou diante de todos: “contemplem a justiça do besouro!”, e o autor três, num movimento ágil e impecável das asas, cortou o homem esquelético ao meio, enquanto estandartes com a figura de um besouro eram levantados pela multidão incrédula. Em outras palavras: como já disse antes, os 3 autores pareciam trigêmeos siameses que dividiam o mesmo cérebro. É impossível distinguir uma parte da outra. Magnífico!
Nota final: obra prima.
Olá trio.
Barbosa é um bom conto. Parece que Kafka se intrometeu no trio de autores, bem como o Robin Wood. Barbosa é, como já disse, um bom conto. Poderia ser excelente, se tivesse sido escrito de forma mais elegante, sem redundâncias irrelevantes que tornam a leitura penosa. Logo no início encontrei uma incoerência interessante: o narrador afirma não saber de onde tinha vindo Barbosa, remetendo a sua origem a uma nebulosa incerteza destinada a aumentar o suspense, para logo revelar todos os pormenores: a origem, o nascimento, a gravidez da mãe, etc. Estes pormenores têm de ser cuidados, caso o autor pretenda escrever com qualidade. Porque não basta escrever: tem de contar a história com coerência, pensando sempre que pode ter um leitor mais exigente ao qual este tipo de incoerência faz com que perca a vontade de ler o texto.
A segunda parte correu melhor, mas continua com a mesma falta de elegância. Notei algumas formas verbais que não me pareceram corretas, saltando várias vezes de tempo verbal no mesmo parágrafo, uma falha que também costumam apontar à minha escrita. Mesmo assim, há construções frásicas interessantes.
O desfecho deifica Barbosa. Achei algo forçado. Barbosa já tinha a determinação e a inteligência. Isso deveria bastar para motivar os homens a começar a revolução. Transformá-lo num super-herói capaz de cortar um homem a meio não me parece ter sido a melhor decisão.
Caro amigo, a frase “de onde vem”, nos primeiros parágrafos, se refere à sua natureza peculiar, não de espaço geográfico em si.
A imagem inicial, ao ler os primeiros parágrafos, foi “Macondo” sendo moída em um caldo “Once Upon a Time” de “Vida de Inseto”. Caraca! Criatividade nota 1000. Dá gosto de ler e a coesão é de encher os olhos. Mas, como alguns comentários já apontaram, há alguns desvios de rota em uma ótima estória. Se havia uma rusga entre pai e filho, ficou para o leitor compreender um arrependimento advindo da cultura adquirida pelo besouro-serafim? Protagonista e antagonista não participam do desfecho, por “causo de quê”? Bem, são detalhes.
Como são detalhes o desfecho adotado, onde quem fica com o pepino de terminar a narrativa é o narrador. Mas executa essa tarefa até que muito bem. Advém daí, o assombro de um começo-meio-fim bem digerível. Outro grande candidato ao First Prize.
X Sensação após a leitura: Era disso que eu tava falando!
X Citações pro bem e pro mal:
Seriam muitas citações, todas para o bem. Vou me restringir a contar algo ocorrido nos “bastidores”: o(a) segundo(a) autor(a), enviou o trecho junto com a instrução de que deveria continuar no mesmo parágrafo. Foi o único pedido do tipo em todo o desafio, todos os outros iniciaram em uma nova linha. Pra mim isso demonstra o capricho para que a coisa ficasse orgânica (e funcionou muito bem, duvido que alguém perceba o ponto exato da transição).
X Conclusões:
Esse não foi meu conto preferido, mas acredito que tenha sido o melhor dentro da proposta do desafio. Houve aqui uma sintonia muito boa entre todas as partes do conto, com os elementos e personagens sendo muito bem reutilizados e desenvolvidos numa crescente.
Um outro detalhe de bastidores: ao ver a imagem peculiar que ilustra o conto, me interessei por ele. Mas ao ler pouco mais de metade do primeiro trecho, já desisti. Apesar da escrita excelente (as descrições da vila das lamúrias remetem muito a Gabo em sua melhor forma), realismo mágico é algo que definitivamente não me atrai. Tipo, eu não consigo comprar a ideia de que em uma vila ambientada meio que em um pós medieval saia um bebê besouro do ventre de uma mulher e tudo bem, segue o jogo. Ok, a ficção aceita tudo, o importante é que tudo faça sentido dentro daquele universo, daquelas regras… beleza, mas é justamente aí que mora o problema: fica muito difícil para o leitor (pra mim pelo menos fica) delimitar essas regras do que é aceitável ali ou não. Então meio que tudo fica aceitável e acaba caindo no problema das histórias do Neil Gaiman (segunda vez que eu cito esse autor como exemplo negativo neste desafio): quando tudo é possível, quando tudo é “mágico”, perde-se o senso de perigo e de urgência.
Voltando ao conto (desculpem, eu tinha que dar esse hate no realismo mágico), acredito que o grande mérito aqui seja a tal da coesão. O personagem Barbosa é ótimo e poderia ter muitas aventuras narradas. O final talvez esteja algo corrido, mas particularmente gostei de ter focado mais na reconciliação de Barbosa com o pai do que numa grande batalha, por exemplo. Acho que esse final aberto teria ficado melhor se o narrador sugerisse que o resultado da batalha determinaria o futuro, se o #teamBarbosa ganhasse as pessoas não mais seriam oprimidas pelos governos. Daí o leitor deduziria “pqp, eles perderam”.
ÓTIMO
Toda e qualquer crítica reflete mais um ponto subjetivo meu do que qualquer outra coisa. Outro leitor pode achar o oposto.
Não sou leitor assíduo, mas o realismo mágico sempre me encanta. Não por menos, gostei da história. Não consegui detectar recortes específicos no estilo narrativo dos autores, com exceção de uma coisinha aqui e ali que, sendo honesto, não teria percebido se não soubesse que a história foi dividida entre três.
Se fosse fazer alguma crítica, diria que o que menos gostei foi a perda das sutilezas na relação de Barbosa com o cristianismo. Senti também certa estranheza na relação dele com o pai. Havia, ali, um conflito interessante de ser explorado, que foi sendo deixado de lado até se tornar completamente oposto ao que foi originalmente sugerido.
Um ponto altíssimo da história foi a definição do narrador como alguém do universo de Barbosa e a decisão do último autor de incluí-lo de maneira tão direta nos eventos.
A figura do oficial de justiça foi também bastante interessante, embora eu sinta que não tenha sido tão bem explorada à medida que o conto se desenvolveu. Menções honrosas para toda a construção da chegada do oficial e para a discussão implícita sobre como seu poder desmorona ao ser visto pelo que de fato é.
Espero que todos os autores envolvidos neste conto se aventurem mais no realismo mágico nos próximos desafios.
Dentro dos moldes deste desafio, este conto é fabuloso! Achei impressionante a forma como os três autores falam em uníssono, como se o conto inteiro fosse escrito por uma única mão. Eu não faço a menor ideia de onde se separa um autor do outro, e isso é um mérito muito grande. Além disso, o nível de escrita dos três autores (principalmente do primeiro), é fenomenal! Eu já sabia que tinha bastante gente talentosa no EC, mas isso daqui me impressionou. No quesito técnico, esse conto consegue alcançar um nível de excelência. No entanto, no quesito diversão… achei que pecou um pouco. Mas calma, vou explicar minha visão.
Nesta história vemos a trajetória de Barbosa, um homem besouro nascido na Vila das Lamúrias, um lugar de miséria e tristeza, onde jamais alguém foi verdadeiramente feliz. Se o conto não tivesse uma linguagem tão densa, eu diria até que há uma pegada de fábula aqui. Minha principal crítica, na verdade, é justamente esse linguajar mais rebuscado e rocambolesco do conto… demorei um dia inteiro para lê-lo, devido à sua densidade exacerbada. Não que seja chato ou ruim (na verdade, é muito bom), mas minha cabeça ficava sobrecarregada com tanta informação, e em muitos momentos eu tinha que reler um parágrafo, afetando minha experiência no quesito “fluidez”.
Mas voltando ao conto, o narrador da história diz ter conhecido Barbosa em São Castilho, e sente-se na obrigação de compartilhar essa história que, de alguma forma, também anuncia o fim dos tempos. Eu sou veementemente contra essas promessas de narrador no início da história em um desafio de equipes… pois o primeiro autor faz uma promessa, e esta recai nas costas do último autor, que, nem sempre consegue cumprir. Aqui, a promessa me parece que foi realizada…. mas em troca, o autor 3 teve que expandir sua narração de uma forma que, para mim, desviou-se um pouquinho da trilha que estávamos seguindo até então, caindo num panorama de guerras, e encerrando a história de forma repentina (mais tarde voltarei a falar deste ponto).
Barbosa nasceu de forma estranha, com sua mãe tendo aqueles desejos de grávida, e comendo um monte de besouros, no maior estilo Timão e Pumba. Parece que devido a este motivo, o bebê dela nasceu com cara de besouro, e com uma carapaça cobrindo seu corpo. Apesar de ser um monstro, ele possuía grandes talentos, e um QI bastante elevado, além de ser bastante carismático. No entanto………. para mim foi um pouco difícil de engolir que, num povo antigo e cheio de crenças, ainda mais fortemente religiosos, nasce um “monstro” e ninguém se espanta. Além de nojo, ao meu ver, o primeiro pensamento da sociedade seria “Vamos queimar esse filho da puta!”, pelo simples fato de ele ser diferente. Mas….. vamos ativar aqui a nossa suspensão de descrença, colocando-a num nível bastante alto, para relevarmos esse ponto.
A história então se desenrola de forma não muito linear, com sua escrita pedante, mas com acontecimentos bastante interessantes. O primeiro grande momento é quando Barbosa demonstra bravura durante uma enchente, e salva umas crianças. Ele ainda negocia com as águas para que não destruíssem a igreja, e o padre o apelidou de “besouro serafim”. Achei MUITO legal essa questão de “negociar” com as águas, e eu gostaria de ter visto mais disso ao longo do conto… uma espécie de ligação especial com a mãe natureza. Depois disso, rolou uma festa para que todos lamentasse juntos o que aconteceu.
Então chega o Oficial de Justiça, figura temida pelo vilarejo, pois ele aparecia de tempos em tempos pra levar pessoas pra guerra e para trabalhos forçados. O Oficial de Justiça é descrito como sendo um afigura estranha, com cavalo magro e olhos verdes, e que nunca descia do cavalo. Aqui, surge uma brecha para a criação de um momento impressionante da história, onde aparentemente seria explorado mais a respeito dessa mitologia que o conto propões sobre “homens estranhos”, já que Barbosa percebe que o Oficial é um ser como ele. Fiquei muito empolgado com isso… mas os autores seguintes não exploraram esse ponto, infelizmente.
Barbosa então enfrenta o Oficial utilizando conhecimento jurídicos e leis, desafiando sua autoridade. Todo mundo na vila começa a pagar pau pro Barbosa, e o Oficial vai embora, sem conseguir levar ninguém.
Em seguida, ocorre a morte da mãe de Barbosa. É uma cena bastante bonita, com ótimas descrições, onde sentimos esse lado mais humano do nosso protagonista, e conhecemos também o seu pai. E o mais legal de tudo é que o autor 3 retoma o sentimento dessa cena no momento da morte do pai, ao final do conto. Ponto muito bom!
Então o Oficial de Justiça volta, para sua vingança. Nesse momento, Barbosa é o prefeito da vila, e ele agora possui mais “armas” (jurídicas) para defender sua comunidade daquele tirano. Mas, de acordo com as leis, se ele realmente quiser poupar sua vila, ele precisa ser levado pelo Oficial. E é isso que ocorre. Barbosa é feito de prisioneiro, e levado para o Centro de Detenção de Santo Castilho, onde conhece o narrador da história, um carcereiro. Essa parte é bastante interessante!
Essa parte da prisão de Barbosa é tão bacana, que eu queria ver mais disso. Esse momento tem uma pegada meio como aquela prisão da inquisição no manga do Berserk. Barbosa aqui é torturado incessantemente pelos guardas. Eu gostaria inclusive que fosse mostrado mais sobre isso. Mas Barbosa se mantém firme e com seus ideais em pé, parecido com quando o Ryu vai para a prisão, no anime do Street Fighter, deixando os guardas putos. Então o Oficial de Justiça aparece e ordena que eliminem o Barbosa.
Barbosa é enterrado na entrada da prisão, por uma ideia dada pelo próprio narrador. Confesso que nessa parte me surpreendi, por pensar que o narrador era sádico e maluco, achando que estava fazendo uma coisa boa, mas matando o amigo. No entanto… a história decidiu seguir por um caminho mais comum, mostrando que a decisão do narrador foi bondosa e acertada, pois aqui o Barbosa renasce, como uma borboleta ao sair de um casulo.
Barbosa então se rebela na prisão e enfrenta os carcereiros usando seus super poderes de besouro. É a partir deste ponto que comecei a ficar um pouco descontente com a história. A narração começa a ficar muito corrida, e do nada o Barbosa vira um líder revolucionário, e desafia todos os reinos, entrando assim num período de guerras.
Aí ele descobre que o Oficial resolveu botar pra foder na sua antiga Vila, que queima tudo e crucifica os aldeões. Barbosa, do nada, revela que sabe voar, e chega na vila dele a tempo de ver a destruição final, e vê inclusive a morte de seu pai.
É neste momento em que a história poderia ter tomado um rumo muito ÉPICO! Um embate contra o vilão, o famigerado Oficial de Justiça, onde ele revelaria sua verdadeira forma, seria extremamente emocionante, e eu estava até arrepiado, só de imaginar que isso iria acontecer. Mas………….. o Oficial é deixado totalmente de lado, e até esquecido pelo autor. Não temos nosso acerto de contas, e essa ponta solta acaba por ficar mal resolvida.
Aí os reinos se unem para enfrentar o exército de Barbosa numa grande guerra. Mas nesse ponto o besouro morre, e o autor menciona isso como se fosse um detalhe insignificante. Quem é o líder dos rebeldes agora? Que fim deu essa guerra? E os ideais de Barbosa? E a batalha contra os reis? E a promessa do fim dos tempos, feita pelo autor 1? Nada disso parece importar mais… pois a história acabou, meio que do nada. Não posso negar que, apesar de um desenvolvimento incrível, o final me deixou com um gosto amargo de decepção.
Apesar de a conclusão não ter sido boa, na minha visão, ela não foi um ruim. Só acho que poderia ter sido bem mais emocionante. Por algum motivo, muitos autores 3 nos contos estão tentando terminar as histórias aumentando muito o escopo da narração, mostrando algo grandioso, quando na verdade, de tivéssemos focado em algo menor, como o embate decisivo entre Barbosa e o Oficial, a conclusão teria sido bem mais memorável e emocionante.
Olá, pessoal. Cá estou eu às voltas com o Menino Besouro Serafim Barbosa. Que belo conto me trouxeram. Tantas referências nele. A metáfora do começo do cristianismo é muito bacana. Barbosa que é tremendamente açoitado, que morre por ordem do oficial de justiça (acabem logo com isto, o Pilatos que lava as mãos e entrega o pobre Barbosa à morte. O que não esperavam é que, como Jesus, ele ressuscitasse depois de três dias. E lá vem o nosso Barbosa glorioso, defendendo os pequenos, os fracos e desgarrados que eram explorados. A reação vem forte e o oficial de justiça mata a todos na vila. Bem, tem também a metáfora Kafka, o homem inseto não é mais uma barata, mas um belo de um besouro. Gostei demais do conto de vocês. Trabalharam numa coesão muito grande, belo trabalho de equipe na qual a passagem do bastão de um autor ao outro se dá de forma leve e delicada. Ponto para vocês, não é mesmo? Bem, fiquem com o meu abraço e os votos de muito sucesso no desafio. Parabéns pelo trabalho apresentado!!!
Olá, autor(a), tudo bem? Sem mais delongas, vamos ao que interessa.
Neste desafio, usarei o sistema ◊ TÁ FEITO ◊ para avaliação de cada conto.
◊ Título = BARBOSA. Um sobrenome, apenas isso. Daí pode surgir tudo ou nada.
◊ Amálgama = Quase não dá para notar o encaixe de um texto no outro, portanto, posso ter me enganado ao comentar sobre determinado aspecto atribuindo ao(à) autor(a) errado(a).
◊ Fim = Os fins justificam os meios? Talvez… E a ordem dos fatores altera o produto? Permita-me começar pelo fim, observando o impacto causado na leitura. Achei interessante a revelação de que o narrador era um dos carcereiros de Barbosa, que por fim, o protegeu, evitando a sua morte (boa sacada o enterrar o besouro para ele voltar recuperado), e o seguiu no combate disposto a por ele morrer se necessário. Não sei se encerrar a participação de Barbosa, citando a sua morte por motivos da natureza besourística, tenha contribuindo para uma final impactante.
Não entendi a mudança do relacionamento entre Barbosa e o pai, que vai de um “certo desprezo pelo pai” para “Assim como sentirei saudades do senhor… pai”. Embora, talvez essa alteração já tenha sido feita pelo(a) segundo(a) autor(a).
◊ Entremeio = Nota-se que o(a) autor(a) 2 esforçou-se para manter o mesmo estilo apresentado até então. Acrescentou elementos à trama como a morte da mãe de Barbosa e embate com o Oficial de Justiça. Achei que destoou um pouco a proximidade com o pai, uma vez que no começo, o narrador diz que Barbosa desprezava o genitor.
◊ Início = O(A) autor(a) 1 apresenta Barbosa, o menino-besouro serafim, através do realismo fantástico. A linguagem é refinada, embora acessível, como se as palavras fossem costuradas umas às outras com muito capricho, levando em conta o impacto que causam no leitor. O cenário construído, assim como a elaboração do protagonista, fez com que eu criasse uma expectativa além da média.
◊ Técnica e revisão = Não percebi lapsos de revisão de alguma importância.
– incomodo > incômodo
Houve o emprego de alguns neologismos, por exemplo: anemtêasi, besourística, despupilados.
A fala do pai de Barbosa me pareceu um tanto deslocada. “Às vezes eu me pergunto a que veio.” (norma culta) e depois parte para uma linguagem bem coloquial, regional, com deslizes naturais: “Nós se conhece desde rebento, assim pequenininho”. Estranhei essa diferença.
◊ O que ficou = Uma certa frustração, pois esperava uma saga mais impactante para um personagem tão peculiar. Foi bom, mas poderia ser melhor. Foi agradável, mas queria algo a mais. Culpa da criadora de expectativas que existe em mim.
Parabéns pela participação e boa sorte!
O início do conto previa uma história de Fantasia Surreal. Barbosa é um ser fantástico, mistura de humano e inseto coleóptero dentro desse universo de Fantasia, ou Realismo Fantástico. O Oficial, pela descrição e língua bifurcada, sugere também ser diferente, tipo um ofídio, um réptil. A batalha entre os dois seria épica. Parece que os outros dois autores não perceberam essa ideia, não seguiram essa linha de raciocínio e a história rumou para outros cenários. O combate entre Barbosa e Oficial não aconteceu, e mesmo o ofídio sumiu na narrativa, frustrando a minha expectativa de ler um conto estilo Ariano Suassuna. O narrador, que deveria ser tipo, Sancho Pança, se perdeu na narrativa também, aliás, foi perdido. Acredito que a história de Barbosa poderia ser reescrita, incluindo a origem do Oficial e dar um nome a ele, tipo Scalindra, o Lúbrico. De qualquer forma, o conto não ficou ruim e merece uma boa nota.
Tenho percebido que o grande desafio neste certame — ao menos para quem lê — é deixar de lado as expectativas criadas com as primeiras partes dos contos e focar, objetivamente, nas sequências. Isso porque em alguns dos contos é inevitável certo sentimento de frustração com os rumos da história… Não sei dizer ao certo, mas é complicado aceitar que o desenvolvimento siga por caminhos apartados da proposta original, isto é, daquele fluxo que idealizamos ao iniciar a leitura. Curiosamente, não é a alternância de estilo o que tem me incomodado, mas a variação do roteiro entre o que previ e que acabou se concretizando. Bem, por que estou dizendo isso tudo aqui neste conto? Porque tudo isso aconteceu com o “Barbosa”.
O estilo da primeira parte é muito bom, algo próximo do regionalismo de Ariano Suassuna, com um narrador um tanto pretensioso mas ao mesmo tempo limitado — o tipo de gente que dá às palavras que acha bonitas um sentido novo, só dele. E isso, misturado a uma atmosfera kafkiana, no melhor clima de “A Metamorfose” elevou muito as minhas expectativas. Pensei, certo de que não estava exagerando, que estava diante do melhor conto do desafio.
Claro, não poderia estar mais errado. Embora de escrita excelente, o segundo autor não conseguiu emular o estilo inaugural. A despeito da sequência digna em termos técnicos, direcionou a narração para algo mais próximo do drama familiar — do qual não havia sinal na primeira parte — e do embate entre Barbosa e o Oficial de Justiça, o que me pareceu um tanto afastado do realismo fantástico do início.
A terceira parte nos traz o narrador e, ainda que também de boa técnica, termina mergulhando numa história de sobrevivência prisional e revolucionária. É como se Kafka tivesse se transformado em Mel Gibson e, Barbosa, em William Wallace. Como disse, não está ruim, mas acabou caindo numa espécie de clichê dos filmes do gênero.
O que quer dizer é que toda a criatividade que salta pelos poros na primeira parte foi se evaporando nas demais e isso, dado o potencial do conto, me deixou um tanto decepcionado. Tentei, claro, me aferrar aos aspectos objetivos: boa escrita, boa linha de raciocínio, bom fluxo de pensamentos, boa coesão; juntos os três autores fizeram um ótimo trabalho. No fim, contudo, fiquei com a sensação de uma oportunidade perdida.
De todo modo, parabenizo a todos pelo trabalho e desejo boa sorte no desafio.
Olá, caros colegas entrecontistas!
Primeiramente, parabéns pela participação corajosa e desapegada.
Vou avaliar e comentar de acordo com meu gosto, não tem muito jeito, afinal não tenho conhecimento nem competência para avaliar de forma mais “técnica”. Ou seja, vou avaliar como leitora mesmo. Primeiro, cada parte separadamente, valendo 1 ponto cada. Depois, a integridade do resultado, valendo 3 e, por último, o impacto da leitura, valendo 4.
Começo
Um lindo começo, escrito numa linguagem rica, rebuscada, imagética e poética na medida certa. Uma leitura que flui fácil e prende a atenção. Temos um narrador que conta a história de Barbosa, o menino-besouro serafim. É narrado seu nascimento, seu relacionamento com a mãe, seu distanciamento do pai e a chegada de um oficial de justiça, o grande vilão.
Meio
O autor 2 tentou manter o mesmo estilo do autor 1. Apesar da escrita também belíssima e poética, o estilo do primeiro autor é mesmo muito difícil de emular. Consegui notar a mudança de narrador, mas não com estranhamento. Provavelmente porque a narrativa se manteve coesa. Agora, a mãe de Barbosa morreu e ele se dedica a educar os meninos da aldeia e se prepara para a volta do oficial. O oficial chega e Barbosa se oferece para ir com ele e explicar a desobediência do povo.
Fim
Não percebi a mudança de autor entre o meio e o final. O autor 3 também fez um bom trabalho ao tentar emular o autor 1, embora ele tenha se dado melhor ao emular o autor 2. Barbosa é torturado e “morto”. Gostei da solução de revelar quem é o narrador da história e da ideia da “ressurreição”, da utilização de seus atributos de inseto. O autor 3 usou todos os recursos disponíveis, apresentados pelas partes 1 e 2, para fechar a história de forma coerente. Muito bom.
Coesão
A coesão narrativa foi muito boa, a história ficou bem amarrada e íntegra. A coesão do estilo ficou muito boa, mas não perfeita. Ficou perfeita entre autor 2 e autor 3, mas nenhum dos dois conseguiu imitar perfeitamente o estilo proposto pelo autor 1.
Impacto
Uma boa história, um realismo fantástico com referências “bíblicas”, mostrando um protagonista com ares de messias que desperta no povo o anseio por liberdade. Gostei da dúvida de Barbosa sobre a nobreza de seus propósitos e da sua despedida do pai. A forma de falar do pai me incomodou um pouco, pareceu um tanto deslocada, embora fizesse sentido.
O Conto em questão foi extremamente bem escrito e consegue seguir uma linha do inicio ao fim, sem correrias ou “interpretações” indevidas dos demais autores. Cada um dos participantes fez a sua parte para garantir uma integridade ao texto e em momento algum casei de ler o texto, tendo inclusive a conclusão sendo escrita na mesma frequência do restante, sem necessidade de acelerar apenas para concluir (méritos aqui também para o segundo autor pelo excelente encaminhamento).
A preocupação nos detalhes durante todo o texto, necessário quando há algo “fora do comum” como um garoto-besouro, tornou desnecessária qualquer explicação de como isso seria possível. É parte central na história e certamente ficaria cansativo se qualquer um dos autores resolvesse tentar explicar como isso aconteceu, pois simplesmente não interessa para a história.
Além disso o modo como a biologia do besouro é usada para agregar elementos como o desenvolvimento físico/mental acima da média ou a sua recuperação após três dias debaixo da terra dão o sinal de que é algo real, e não uma interpretação de uma determinada característica física que a criança pudesse ter. A ligação com o Cristianismo da mesma forma agregam na história pois fazem a ligação entre Barbosa e os demais habitantes da região.
Um conto realmente muito gostoso de ler. Os autores estão de parabéns!
De todos os contos que li até ao momento este parece-me o que mais procurou manter a coerência do início ao fim. Só na segunda leitura é que percebi que o/a terceiro/a autor/a procurou respeitar o início do conto. Sei que as terceiras partes estão a ser as que mais criticas recebem, mas, no caso deste conto, a terceira parte mostra-me um trabalho de estudo, ao pormenor, de todo o texto escrito até ao momento e uma dedicação cuidada para lhe der unicidade e sentido. Não houve só preocupação em fechar a história mas sim em dar significado a tudo o que fora dito entretanto. Desde a validação da forma de besouro (que, até aí, era apenas um detalhe bizarro), passando pela revolução, até à morte de Barbosa, tudo se conjuga para justificar o começo do texto. Os paralelos com a religião são muito bem inseridos, já que o narrador, desde o início, se mostra um crente fervoroso (incluindo o “milagre” das águas).
Na primeira leitura gostei do texto, e também percebi alguns dos “erros” apontados pelos outros comentários, mas só na segunda é que me apercebi que os autores das partes 2 e 3 procuraram, ao mais ínfimo detalhe, manter a unicidade da história e não deixar nenhum detalhe nem nenhuma ponta solta. A terceira parte sofreu pela falta de espaço (palavras) para poder agarrar tudo o que era necessário para encerrar a história sem deixar nenhuma pedra por virar.
Os meus parabéns a todos os participantes neste conto, e em especial a quem encerrou, pela forma como foi ao detalhe para dar coerência a todo o texto.
🗒 Resumo: conta a história de Barbosa, um menino-besouro, que nasceu numa vila muito pequena, aprendeu as letras e resolveu mudar o mundo. No fim, após sua morte, vira uma ideia e um ideal.
📜 Trama (⭐⭐⭐▫▫): o conto se enquadra no realismo fantástico e a instiga pela ambientação numa vila bem pequena, o nascimento do menino-besouro mais inteligente que os outros, o oficial que se acha acima da lei, a relação com a mãe e o pai. No momento do sequestro, quando ele vai no lugar da vila inteira, achei estranho o corte brusco, porque não vi a decisão da prisão dele chegar (ele ia negociar). A ideia dele renascer com nova carapaça depois de enterrado foi boa, mas o lado guerreiro assassino dele eu não esperava. Apesar disso, curti a ideia da revolução, só não gostei mesmo de como o conto acaba, com outro corte com ele já morto. Ele virar um ideal é legal, mas faltou mostrar como ele morreu e valorizar mais esse momento. O ritmo até ali era mostrar a vida toda dele, logo ficou inconsistente pular o desfecho dela.
📝 Técnica (⭐⭐⭐⭐▫): é de uma escrita um tanto rebuscada, mas que não chega a incomodar. Depois que acostumei, passei a gostar bastante.
▪ febre de *anemtêasi* (essa palavra não existe nem no Google)
▪ Partiram num barquinho, com uma tocha amarrada à popa que, à medida que o rio os levava para longe, era tudo o que podia ser visto pelo cortejo funerário que era, como em todas as ocasiões assim, toda a Vila. (Frase grande demais, precisei reler pra entender)
▪ Faz parte da covardia dos homens esperar que o divino lhes sopre aos ouvidos a conduta que os dias e as noites cansam de lhes impor como óbvia. (Boa frase)
🧵 Coesão (⭐⭐): não percebi os encaixes entre as partes, o que é um mérito grande dos autores que continuaram a história, já que é um estilo bem característico.
💡 Criatividade (⭐⭐▫): usa elementos que já foram usados (Kafka, por exemplo), mas de uma forma muito criativa.
🎭 Impacto (⭐⭐⭐▫▫): é um conto agradável de ler, mas o final com a morte abrupta me deixou um tanto frustrado. Acho que com mais espaço e desenvolvimento teria ficado excelente. Apesar disso, é um conto muito bom.
Olá, autores! Tudo bem com vocês?
Começo: Enredo intrigante e inusitado e linguagem rebuscada, que não afastou a leitura, mas sim contribuiu para aguçar o interesse.
Meio: Conseguiu manter o estilo do começo e acrescentou dinamismo e aprofundamento na causa que move o conto.
Final: Manteve o estilo, aumentou o impacto e encerrou devidamente pós morte de Barbosa e ainda tendo o resultado da revolução incerto. Foi uma sacada arriscada, mas que comigo funcionou.
Coesão: Parabéns aos autores por terem mantido um estilo tão difícil impecável durante o conto todo! Ótimo mesmo!
Visão geral: É sem dúvidas um ótimo conto, com tiradas geniais, como a mãe comendo os besouros para explicar o nascimento do menino-besouro e a parte de enterrar ele vivo para que pudesse se regenerar e voltar triunfante! E a morte prematura pelo aspecto besourístico do protagonista. Mas, porém… O carácter narrativo distante, meio jornalístico (sem destinatário, meio a quem interessar), e talvez não muito confiável (não sei explicar o porque não consegui acreditar no narrador) fez com que eu não conseguisse sentir empatia pelo protagonista, então não consegui gostar muito do conto. Pareceu tudo invenção de um lunático qualquer em busca de atenção (falo do narrador e não dos autores, heim 🧐)
Parabéns aos autores!
Boa sorte no desafio!
Até mais!
Quesitos avaliados: Entretenimento, Originalidade, Pontos Fracos
Entretenimento Bemmm… foi difícil começar a ler este conto. O começo é extremamente rebuscado. Exige bastante atenção e por conta disso, não possui fluidez de leitura. Porém, ao passar das linhas, a história vai se mostrando um tanto cativante, e prosseguir se torna mais fácil. A curiosidade nos leva em frente, tentados a saber o que será de Barbosa, o besouro-“rei”. Os seguintes autores não conseguiram manter o mesmo nível de rebuscamento, mas se esforçaram e ficou parecido. Quase dá pra enganar que o conto foi escrito por uma única mão.
Originalidade Achei alta porque não conhecia uma história do gênero. A ambientação em cidade antiga e pequena, o poder insano de um sujeito qualquer que aparece em nome de uma autoridade maior, foram bem colocados na trama.
Pontos Fracos O único ponto fraco que achei foi o desdobramento da revolução iniciada pelo Barbosa. Não sabemos que fim teve. Barbosa teve um final meio abrupto também.
Temos aqui um conto Kafkaniano em essência!
E Kafka, a grosso modo, foi o gérmen para o que conhecemos hoje como Realismo Fantástico (Realismo Mágico) aqui na América Latina.
As referências são muitas, mas destaco o Oficial de Justiça.
O texto é cheio de simbolismos, bebe da fonte de grandes autores como Gabriel Garcia Marquez e Isabel Allende. São assuntos como justiça, opressão, burocracia, desumanização: tudo isso dentro da figura alegórica de Barbosa.
Embora a linguagem seja rebuscada e a narrativa, por vezes, se torne pesada, o conto flerta com momentos de leveza e diversão, com um humor permeante (Tal como Kafka adorava), fazendo alusões entre Barbosa e Jesus (Como no trecho em que ressuscita após 3 dias e tantos outros), alusões estas que são capazes de nos arrancar um sorriso sincero.
Barbosa é uma figura messiânica, mas multifacetada, complexa, que serve como um poderoso símbolo de resistência, mas ao mesmo tempo como um singelo camponês que, dentro da parte final, até questiona seus próprios métodos.
Toda a ambientação fantástica da Vila das Lamúrias, de São Castilho, da Casa de Dentenção, etc, contribuem para uma experiência riquíssima.
A história de redenção de Barbosa se inicia, se desenvolve e fecha com maestria. Acho que é um conto extremamente original que alegraria os grandes escritores sulamericanos do Século XX.
Parabéns aos autores!