EntreContos

Detox Literário.

As Sombras Crescem e Consomem (Leandro Barreiros, Thales Soares e Luis Guilherme)

Cem mil reais quando eu aperto o botão?

O estranho sorriu. Sob o batente da porta, Cristina inspecionava a caixa, um pouco confusa. O artefato não parecia ser nada além de um cubo de madeira com um botão, mas, é claro, era muito mais do que isso.

— Essa é a ideia. Contudo, infelizmente, há certos custos.

Cristina olhou o senhor alisando a barba branca.

— Tipo o quê?

Ele sorriu, revelando dentes alvos.

— Uma vida — disse, de forma desinteressada.

— Uma vida?

— Não a sua, é claro. Mas uma vida humana, receio.

O sol projetava sombras longas no bairro. Árvores, postes e carros enfeitavam em negrume o asfalto e a grama do subúrbio. Ao redor do estranho, contudo, não havia sombra. Nem mesmo a sua própria. Mas Cristina não notou o fenômeno.

— Não precisa decidir agora, dona Cristina. Sei que há muito o que considerar. Voltarei em um dia, não mais do que isso. É tempo suficiente para que, se assim desejar, discuta com seu marido e seus filhos — o homem disse, ajeitando o chapéu preto e dando meia volta.

Mas Cristina apertou o botão.

— Pronto — ela disse.

— Eu…

— Vai mesmo dar os cem mil?

Cristina viu o sorriso crescer no rosto do estranho. A luz deve ter refletido o brilho do sol em seus olhos, porque ela podia jurar que eles faíscaram um dourado incomum. O senhor abaixou a cabeça, escondendo o rosto.

— Eu cumpro minhas promessas, senhora. Sem rastreio ou imposto, vai aparecer na sua conta. Como mágica. Mas talvez queira atender essa ligação primeiro.

— Ligação?

E então ela sentiu o celular vibrando no bolso. Do outro lado da linha, uma voz embargada falava pausadamente.

— Cristina, é o Rafael.

— Rafael? Tá tudo bem?

— Não… Cristina… teve um acidente… o Paulo… ele… desculpa, Cristina, ele não resistiu.

— O quê?

O estranho de preto começou a cantarolar.

— Você precisa vir no hospital para fazer o reconhecimento… eu pego seus filhos depois… eu sinto muito…

A mulher desligou, guardando o aparelho no bolso.

— Meu marido morreu — disse, encarando o estranho.

O homem retribuiu o olhar, ainda sustentando o sorriso.

— Eu poderia ter dito se você perguntasse, mas quando pressiona o botão, é um conhecido próximo que deve morrer. Talvez haja uma lição aqui, dona Cristina, mas deixarei…

— Eu ainda ganho os cem mil, né?

— O quê?

— Os cem mil.

— Sim, você… o seu marido morreu.

— É, porque eu apertei o botão, alguém morre e eu ganho cem mil, não é isso?

— Sim, alguém… alguém próximo sempre…

Mas antes que ele terminasse a frase, Cristina apertou o botão de novo.

— O que você está fazendo? — perguntou o homem, tentando pegar a caixa de volta.

Mas Cristina era maior e mais rápida, protegeu a caixa dando as costas para o homem e seguiu apertando o botão quantas vezes pôde. Duzentos, trezentos, quinhentos mil e, em poucos segundos, já havia ganhado milhões.

— Sua família, sua maluca! — gritou o homem, ainda tentando alcançar o objeto místico.

Seus protestos, contudo, eram recebidos com grunhidos e contorcionismo da mulher que tentava proteger o artefato. Quantas pessoas já haviam sido? Ele perdera a conta. Estava em cima dela quando um carro em alta velocidade atravessou o meio-fio e invadiu a casa dos vizinhos mais antigos de Cristina, explodindo em seguida. Já está nos vizinhos, pelos deuses!

O barulho da casa cedendo não impediu o esforço da moça. Mesmo quando o homem imobilizou seus braços, enroscando nela como uma cobra, continuou apertando o botão com o pé. E outra casa explodiu, devido a um repentino vazamento de gás. Escombros e restos da família Gonçalves se espalharam pelo bairro.

Finalmente, ele conseguiu pegar a caixa. Ela tentou retomá-la, mas uma bofetada fez com que recuasse. Ele segurava a caixa em direção oposta à mulher. Ela se apoiava no batente da porta.

Ambos arfavam.

— Quanto?

— O quê?

— Quanto… eu… ganhei? — ela perguntou, entre palavras e ar.

O homem botou a mão no joelho, recuperando o fôlego.

— Você… matou… tanta gente… eu… cacete…

Ele deu um passo para trás e olhou para a caixa, examinando-a. Seu olhar atravessava a madeira e alcançava o conteúdo. Dentro dela, as substâncias ainda se misturavam para dar vazão às trocas repentinas.

— Quanto? — ela insistiu.

*

Uma semana para a reunião.

Gilson fitou o espelho.

— Vai ser…

Pigarreou.

— Vai ser um projeto liderar a honra.

Balançou a cabeça. Suor descia pela sua têmpora.

— Vai ser uma honra liderar o projeto — disse, sem muita confiança.

Olhou pela janela. Lá fora, Mariana brincava de bonecas com Julia. Sorriu. Sempre achou que um dia a esposa cansaria de dar tanta atenção à filha. O melhor erro de sua vida. Olhou, então, para as bonecas. Estavam surradas e de roupinhas desbotadas. Trincou os dentes. Respirou fundo.

— Antes, precisamos discutir um reajuste.

Não falharia. Nesse Natal, desta vez, daria o presente que a filha queria.

*

O relatório foi particularmente enervante.

Qual era o sentido da provação quando a avareza fora legitimada? Não eram os heróis desta era aqueles que concentravam tudo o que podiam? Marcou no relatório que o botão fora pressionado sessenta e sete vezes. O espaço para descrever qual maquinação foi utilizada na abordagem oferecia quase uma centena de linhas, mas apenas escreveu: “Absolutamente nenhuma”.

Olhou para a ficha de Cristina de novo. “Ama: marido, filhos, dinheiro, livros de autoajuda, Wandinha, pais(…)”. Não gosta: “insetos, sogra, palavras longas, livros de verdade, brócolis (…)”. Nada fora do comum.

Aprendera há muito tempo a evitar sociopatas, embora alguns de seus colegas, especialmente os mais novos, não se incomodassem com isso. Para ele, nunca fez sentido. Como se pode pintar uma mancha negra em uma tela escura?

E ainda que a ganância sem fim da mulher o tivesse pego desprevenido, era mesmo tão diferente de todos os últimos participantes que visitou? Estava dentro da curva, sabia. Sem dúvida um ponto alto, mas representava a tendência dos últimos séculos. Em breve, ela seria o padrão. E o que seria dele, então, senão um facilitador de poder e morte?

Mas quem ligava para isso? Não eram com as consequências, virtuosas ou viciosas, que seus chefes se deliciavam? Não era o mesmo para seus colegas de trabalho e para toda a maldita hierarquia entre esses e aqueles? Talvez devesse fazer como os outros. As consequências, afinal, estavam lá e sua função era apenas proporcioná-las. Suponho que eu mesmo só pressiono um botão, pensou sombrio.

— Não! — disse, batendo na mesa.

Provaria que fazia muito mais do que isso.

*

Gilson chegou ao encontro com antecedência. Ouvira sobre os incidentes no bairro Conceição que fecharam as ruas principais por horas. Atropelamento, explosões e um ainda não explicado ataque de capivaras na localidade. São Paulo não era para qualquer um.

Quando entrou no restaurante, o diretor o esperava em uma mesa próxima à janela.

— Como vai, senhor?

— Bem, bem. Senta aí. Espero que não se incomode, já pedi para gente. Não gosto de perder tempo, sabe?

— Sei, sim senhor.

— Aliás, você sabe por que te chamei aqui, Gilson?

— Eu imagino que esteja relacionado ao projeto novo.

— Está sim. Eu acho que…

Mas o chefe não terminou a frase. Um senhor de terno e chapéu preto se aproximou e, sem cerimônias, colocou uma bolsa sobre a mesa e a mão no ombro do diretor.

— Se me permite, gostaria de conversar em particular com esse cavalheiro — disse, apontando para Gilson.

— O quê? — perguntou o diretor, fazendo uma careta.

Gilson encarou o sujeito. Desesperado, traçou uma lista mental de conhecidos insensatos que poderiam cometer tamanha atrocidade. Com certo alívio, teve certeza de que não conhecia o homem. Não poderia, então, ser responsabilizado. Certo?

— Disse que gostaria de falar com esse cavalheiro. Você pode ir embora.

— Quem é esse? — Perguntou a Gilson.

— Não… não conheço — respondeu gaguejando.

— Senhor, não tenho problemas com tempo, mas você está perdendo o seu. Sugiro que vá logo.

O diretor cerrou os punhos.

— Tira a porra da mão do meu ombro e vai embora. Ou reza pra eu chamar o segurança, porque se quem te botar pra fora daqui for eu…

O homem, contudo, ignorou o pedido. Inclinou-se e sussurrou no ouvido do diretor, que pareceu perder a cor.

— Quem…? como você…? — perguntou, a voz tremendo.

— Não vou me repetir pela terceira vez — disse o homem de preto.

Ele olhou para Gilson, então para o estranho. Levantou-se e, sem dizer mais nada, atravessou o salão.

— Sujeitinho asqueroso — disse, sentando-se à mesa.

Gilson abriu a boca, mas não conseguiu falar nada. Por Deus, vou perder meu emprego.

— Mas tem bom gosto para vinho — disse o homem, bebendo da taça.

— Quem diabos é você?!

— Há! Uma ótima pergunta, mas com diferentes respostas, porque eu tive muitos nomes, aqui e ali. Reynard, a raposa; Rumpelstiltskin; Ruidoquedito e muitos outros. Meu nome verdadeiro, eu temo, não soaria bem aos seus ouvidos. Ultimamente tenho me chamado de Reinaldo.

— Do que você…

— Uma pergunta mais importante é: o que há na sacola? — interrompeu.

E antes que Gilson pudesse tirar qualquer sentido das palavras, Reinaldo a abriu, revelando uma caixa de madeira.

— Agora, Gilson, vamos palestrar.

Gilson revirou os olhos, expressando claramente sua decepção.

— Ah… então é disso que se trata. Eu já devia imaginar. Você é só um cara do departamento de inovações, e quer que eu teste uma nova caixa para você. Certo?

— Receio que seja algo muito mais profundo do que isso, meu caro.

— Mas vem cá… como você fez aquilo com o diretor?

— Foi um simples sussurro. Nada demais.

— Ele ficou sem rumo. Nunca o vi naquele estado.

— Quer que eu faça com você também?

Gilson ponderou por um instante. Mas sua curiosidade se sobressaiu ao seu ceticismo:

— Pode ser.

Reinaldo inclinou-se próximo ao seu ouvido e sussurrou de uma forma um tanto sinistra:

— Preste bastante atenção na proposta que vou lhe fazer, e garanto que Julia terá todas as bonecas que quiser neste natal.

Não pode ser… como ele sabe disso?, pensou, levantando-se da cadeira por um instante. Uma das regras da empresa era jamais compartilhar qualquer detalhe da vida pessoal com os colegas de trabalho. Embora as famílias dos funcionários fossem, por contrato, imunes aos efeitos das caixas, assim como os próprios funcionários, essa medida era tomada por uma questão de segurança. Mas como esse homem todo estranho sabia sobre sua filha?

— Volte a se sentar, Gilson. Temos muito o que conversar.

Ele obedeceu ao homem misterioso sem hesitar e perguntou:

— O que essa caixa faz?

— Ora essa — Reinaldo sorriu de forma sinistra —, finalmente você fez a pergunta correta!

Acariciando a caixa com as pontas dos dedos, iniciou uma palestra sobre seu funcionamento.

— Esta caixa é diferente de todas as outras que você já viu. Para começo de conversa, perceba que ela não possui um botão, apenas uma tampa que se pode abrir. Como você vai descobrir agora, seu funcionamento é bastante peculiar, por isso eu gosto de chamá-la de “Caixa de Pandora”.

Reinaldo retirou um último item de sua sacola, agora vazia. Era um tablet, que ele logo colocou nas mãos de Gilson.

— Assim como em seus trabalhos anteriores, por aqui você escolherá seu alvo.

— Certo… mas antes de você continuar — disse Gilson, enquanto examinava o tablet —, por que eu? Não tive um desempenho tão excepcional assim nos últimos meses…

— Tem razão. Mas acredite, o fato de eu vir até você e lhe fazer esta proposta não tem relação com as sessenta e sete pressionadas de botão de Cristina, se é isso o que está imaginando.

— Aquela mulher era uma maluca! E fui eu quem a escolheu. Quem garante que não vou errar novamente?

— Não há escolhas certas ou erradas. Há apenas escolhas. Você não precisa encontrar a pessoa perfeita. Qualquer que seja o resultado, as consequências serão muito bem-vindas, acredite.

Segurando a caixa de madeira em uma das mãos, Reinaldo a inclinou levemente antes de entregá-la a Gilson, continuando sua explicação.

— Você não é o “escolhido”, então não se sinta tão especial assim. Você é apenas uma pessoa qualquer, que foi selecionada de forma aleatória por mim, pois alguém precisava desempenhar a tarefa que vou explicar agora. Foi puro acaso. Mas, uma vez cumprido sua função, você nunca mais precisará se preocupar com dinheiro, pois o contrato que fecharei contigo garantirá uma aposentadoria de luxo para que você e sua família passem o resto da vida aproveitando todas as maravilhas que o dinheiro pode comprar, viajando sem parar e curtindo uma água de coco nas praias de Malibu.

— E no que consiste essa tarefa?

— Selecione uma pessoa qualquer no tablet. Você conhece as regras. Em seguida, encontre-se com ela e apresente a caixa. Abri-la fará despertar seus medos mais profundos, levando-a à beira da insanidade. Medo de aranha? Pois ela verá aranhas no cereal matinal, televisão, e até mesmo no meio das pernas da esposa. Medo de altura? Ela sentirá uma vertigem tão grande que terá a sensação de que cada passo é um salto no abismo. Medo de palhaços? O mundo inteiro será uma palhaçada em sua cabeça oca e apavorada.

— E o que devo oferecer para convencer a pessoa a abrir essa caixa? Nem todo o dinheiro do mundo seria o suficiente para fazer isso valer a pena…

— Essa é parte divertida! Você não deve oferecer nada, absolutamente nada. Apenas mostre a caixa, seja bastante sincero sobre as consequências terríveis que ocorrerão caso ela seja aberta, e diga para a pessoa não abri-la de forma alguma. Em seguida, deixe a caixa com a pessoa, volte para o seu escritório e observe o que acontece através do seu tablet.

— Isso não faz sentido! Sem recompensa, sem motivo… Qual seria o incentivo para alguém abrir?

Reinaldo soltou uma gargalhada exagerada.

— É a natureza humana, Gilson. O desejo de fazer o proibido, a incapacidade de resistir à tentação. Esse é o erro primordial que levou à queda do homem. Essa curiosidade insaciável, essa rebeldia, é de fato o que torna os humanos fascinantes.

— Então, você quer ver se alguém abrirá essa merda de caixa simplesmente porque eu disse para não abrir?

— Exatamente. E é aí que reside a verdadeira arte da manipulação. As palavras certas, ditas da maneira certa, podem levar qualquer pessoa a fazer exatamente o que você quer — Reinaldo estava com os olhos arregalados enquanto falava. Ele sabia que convenceria Gilson a aceitar o serviço.

Gilson, por sua vez, parou por um momento para refletir, enquanto aquele estranho homem o observava atentamente, sustentando um sorriso perturbador.

— Certo… — disse ele, ainda um pouco desacreditado. — Vamos supor que alguém realmente abra esse tal “Caixa de Pandora”, e assim desperte a maldição do medo. E depois? O que acontece?

— Após três dias de sofrimento, você surgirá para a pessoa e oferecerá ajuda.

Crie o problema e ofereça a solução, pensou Gilson, estratégia clássica de marketing.

— Então você oferecerá outra caixa — continuou Reinaldo. — Uma tradicional desta vez, com um botão, como o de costume, e dirá que, se apertá-lo, o sofrimento será interrompido instantaneamente.

— Em troca de uma vida… acertei?

— Ora essa, mas que falta de criatividade! É claro que não. Quando pressionado, o botão irá simplesmente transferir a maldição do medo para duas outras pessoas aleatórias.

— Certo. Só isso?

— Essas duas novas vítimas, desesperadas para se livrar da maldição, terão a mesma oportunidade da primeira. Depois de três dias, elas também receberão um botão e, ao pressioná-lo, transferirão a maldição para mais duas pessoas, totalizando quatro amaldiçoados. Em seguida, serão oito, e então dezesseis… e assim por diante. Mas não se preocupe, você não terá que fazer um atendimento particular a cada uma delas. Gravaremos as instruções em vídeo após sua interação com a primeira vítima.

— E isso garantirá minha aposentadoria e a água de coco em Malibu?

— Pode apostar que sim, meu amigo!

Com boas expectativas, Gilson começou a selecionar um alvo. Enquanto se concentrava no tablet, sonhando com o luxo que proporcionaria à sua família, Reinaldo, ainda com um sorriso sinistro, o observava como uma raposa astuta, e fazia cálculos mentais.

32, 64, 128, 256, 512, continuava com suas contas, após o primeiro mês, serão 1024 infectados, considerando que todos apertarão o botão. No entanto, esse número explodirá logo em seguida… 2.048, 4.096, 8.192, 16.384, 32.768, 65.536, 131.072, 262.144, 524.288, 1.048.576… passaremos da marca do milhão ao final do segundo mês.

— Minha família não será afetada, certo?

— Mas é claro que não — respondeu Reinaldo, interrompendo seus cálculos por um instante. — Você conhece as regras da empresa. Este projeto está sob as mesmas diretrizes dos outros que você já realizou conosco.

Maldito, fez com que eu perdesse as contas, pensou Reinaldo. Ah, espere… eram 1.048.576 ao final do segundo mês… em seguida serão 2.097.152, 4.194.304, 8.388.608, 16.777.216, 33.554.432, 67.108.864, 134.217.728, 268.435.456, 536.870.912, 1.073.741.824… no terceiro mês alcançaremos o bilhão… e logo depois serão 2.147.483.648, 4.294.967.296, 8.589.934.592. Com uma iteração de três em três dias, sempre dobrando os resultados, serão necessários três meses e nove dias para que o planeta inteiro caia na mais absoluta insanidade! Gilson e sua família viverão num mundo dominado pelo caos!

— Tá bom, então já escolhi! — disse Gilson, entusiasmado.

— Hm?

— O primeiro alvo. Já selecionei.

— Ótimo! E quem vai ser?

— Cristina — respondeu, com um sorriso maléfico, revelando que sua decisão não fora totalmente imparcial.

Reinaldo abriu um sorriso ainda maior e não conseguiu conter-se, soltando uma gargalhada. Gilson, pensando no dinheiro que receberia, foi contagiado pela risada e começou a gargalhar também. Ambos riram até quase perderem o fôlego.

— Excelente escolha! Nada como fazer um trabalho bem feito e ainda se divertir durante o processo.

Com uma caneta tinteiro, Gilson assinou a papelada entregue por Reinaldo. Seus olhos se arregalaram ao ver a quantidade de dígitos no valor de seu pagamento. Sentiu-se verdadeiramente sortudo por receber uma recompensa tão grande por um serviço aparentemente tão simples.

Reinaldo deu um último gole na taça de vinho do diretor e exibiu novamente um sorriso de orelha a orelha, revelando dentes afiados, que mais pareciam presas. Gilson, sem prestar muita atenção nesse fato, levantou-se, ajeitou o colarinho da camisa, colocou a caixa de madeira de volta na sacola e partiu para sua visita com Cristina.

*

Enquanto confirmava o endereço no GPS, Gilson virou a última rua à esquerda e não conteve um sonoro “uau!”. O novo endereço em muito diferia da antiga casa de classe média baixa que havia visitado antes.

Cristina agora morava numa luxuosa casa que, segundo o tablet, tinha custado três milhões de reais. Isso somado aos custos do carro de luxo, mobília, viagem para Fernando de Noronha e demais gastos inconsequentes significava que restava à mulher pouco mais de 300 mil reais. “Alvo fácil”, sorria ao imaginar os próprios gastos inconsequentes num futuro próximo.

Tocou o interfone e foi recebido por um… mordomo? Um homem vestindo um smoking e gravata borboleta apareceu. Ele se movia numa estranha marcha pontuada por reverências e ostentava um pomposo bigode enrolado. Pigarreando com exagero, anunciou num sotaque que pretendia ser francês:

Madame Cristine o esperrá ná sale de visite, Monsieur Gilson — a última palavra o surpreendeu: não havia anunciado seu nome ao chegar. Sentiu um incômodo. “Então é para isso que ela matou todas aquelas pessoas?”, indignou-se o homem, numa hipocrisia que teria arrancado outra gargalhada de Reinaldo.

Seguiu o mordomo, ziguezagueando entre sebes frondosas, uma fonte de mármore e, para estupefação de Gilson, até mesmo pavões. Cristina o aguardava numa elegante poltrona verde musgo, segurando um coquetel com três guarda-chuvinhas e uma azeitona.

— Bem vindo à minha humilde residência, Gilson querido. Estava aguardando sua visita ansiosamente — os olhos sagazes fixaram a sacola na mão dele. Sorriu satisfeita. — Bom, vamos cortar as formalidades, minha nova vida custa caro e eu preciso apertar alguns botões — gargalhou, sendo imitada de forma espalhafatosa com alguns segundos de atraso pelo mordomo, que recebeu um olhar de censura da patroa.

— Bom dia, Madame Cristina — respondeu, provocador. — Sinto dizer que minha visita não seja pelo motivo que você imagina.

Mas ela não parecia escutá-lo, e Gilson percebeu, tarde demais, que ela tinha se preparado para essa ocasião: prontamente, estalou os dedos e dois homens armados entraram apontando pistolas para ele.

— Hoje, não haverá distrações nem choradeira. Anda, me passa logo essa caixa antes que os meninos precisem espalhar seus miolos pelo meu tapete Beni Ourain.

Gilson foi empurrado agressivamente de cara no chão por um capangas, enquanto outro puxava a sacola com violência. Sem dúvida, a mulher apertaria o botão. Inúmeras vezes. Mas isso contaria como função cumprida? A Carta Magna da empresa claramente estipula que o serviço só é considerado concluído quando o operador lê as diretrizes e explica os prêmios e consequências do aceite. Reinaldo não parecia um funcionário padrão do RH, mas ainda assim…

— Não! Você não está entendendo! Você está prestes a fazer uma burrice! Essa caixa não é como…

— Calem-no! Agora vejamos.

Retirou cuidadosamente a caixa de dentro da sacola de couro, atribuindo a ela um cuidado e devoção que certamente nunca tinha destinado a nenhum ser vivo. Colocou-a sobre a mesa de centro.

Gilson viu os olhos da mulher brilharem intensamente, algo que só tinha visto nos olhos de Reinaldo — e talvez nos seus próprios, quando recebeu a oferta.

Reinaldo! Será que ele consegue ler pensamentos? — o homem começava a pensar de forma delirante. — Reinaldo, estou numa enrascada. Por favor, me ajude.”

O interfone tocou, sobressaltando todos.

— Você veio acompanhado? — Perguntou irritada, conferindo a câmera da entrada. — É melhor atender, Pierre, e dispensar esse homem logo. Não queremos surpresas.

O mordomo tirou o telefone do gancho, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, uma voz gutural, que não parecia vir do aparelho, retumbou pela sala.

Bonjour, Madame Cristine — diferentemente do mordomo, a pronúncia do homem era impecável. — Perdoe a interrupção, mas estou entrando. Por favor, não espalhe os miolos de meu funcionário pelo seu valioso tapete… ainda — uma zombaria, ainda que discreta, marcou o final da frase.

O som do portão abrindo ecoou pelo silêncio sepulcral que dominava a sala. Até mesmo Gilson parecia ter se esquecido de tentar escapar. Cristina olhou irritada para Pierre, que devolveu seu olhar como quem diz “mas eu nem apertei nenhum botão”.

Segundos depois, Reinaldo fez uma reverência à porta e entrou.

— Muito prazer. Pode me chamar de Reinaldo. Por favor, peça que seus funcionários se retirem — seu olhar bastou para que os três corressem para a porta de saída, mas o homem os interrompeu: — não para esse lado. Por gentileza, vão para o quarto no andar de cima.

Após os passos atrapalhados desaparecerem acima, Reinaldo olhou calmamente ao redor, sorriu, e pediu calmamente:

—  Por favor, senhora, ouça o que meu funcionário tem a dizer. Enquanto isso, vou tirar um cochilo em seu confortável sofá do hall do segundo andar — sem esperar resposta, subiu as escadas.

A mulher levou alguns segundos para se recuperar da estupefação. Chacoalhou a cabeça algumas vezes e olhou para Gilson, que agora tinha recuperado a caixa e a segurava a uma distância que considerava segura.

— É mole? — voltou a sentar na poltrona, fixando o olhar nele. — Bom, parece que você tem algo a me dizer antes que possamos começar com a ação, certo? — Apontou o sofá do lado oposto, convidando-o a sentar.

Tentando se recuperar do choque e massageando o pescoço, Gilson se acomodou, respirou fundo, endireitou a postura e falou com a maior calma possível, colocando a caixa no seu lado da mesa.

— Dessa vez, tenho uma proposta diferente. Essa caixa não é como a outra. Dessa vez, não há recompensa — a mulher baixou as sobrancelhas, olhando desconfiada. — Você vai ficar com essa caixa, porém não deve abri-la. Sim, você entendeu bem, não há botão desta vez.

— Por que não devo abrir?

— Porque se o fizer, seus maiores medos vão ser libertados, todos de uma vez, e para sempre. Vai ser um pesadelo sem fim.

— O que eu ganho com isso?

— Nada, não há prêmio nem recompensa. Apenas uma vida miserável de sofrimento e angústia.

A mulher aquiesceu por alguns segundos. Então, uma ideia pareceu lhe atingir, e ela sorriu.

— E o que você ganha com isso?

— P-perdão? — Pego de surpresa, Gilson gaguejou.

— Você ouviu bem. Então eu abro a caixa, liberto horrores e medos. Provavelmente você vai me dar uma saída ainda pior, pela qual eu vou implorar quando não aguentar mais. Mas você mentiu. Existe recompensa, mas não para mim.

Gilson não esperava por essa. Seu silêncio parece motivar Cristina, que continuou.

— Você sorriu.

— Desculpe?

— Você sorriu. Quando eu apertei o botão naquele dia. Você gostou, seus olhos brilharam de prazer — ela agora sorria com escárnio. A visão apavorava Gilson, e ela parecia perceber e se animar ainda mais.

— E-eu… eu não… eu só…

Mas ela não ia perder a oportunidade.

— Você se convence com sua falsa moralidade. Mente para si mesmo. Você entrou em pânico quando me viu apertando o botão várias vezes, não é? Ficou com medo de mim, ou de si mesmo? Minha crueldade visível era uma ameaça à sua pretensa civilidade? Me ver me deliciando com o dinheiro fácil te fez olhar pra dentro de si próprio, não é?

A mulher gargalhou, uma risada sem alegria e cheia de ódio. Gilson agora só conseguia balbuciar frases desconexas, encolhido contra o sofá.

— Você é um inútil, um hipócrita, um covarde. Você deve ter adorado quando teve a oportunidade de voltar aqui e destruir minha vida, não é? Você tem família? Tem coragem de olhar nos olhos deles e fingir que é uma pessoa decente? Você me dá nojo.

Uma risada baixa e aterradora começou a ecoar no andar de cima. Momentos depois, ouviu-se o barulho de um corpo caindo no quintal, vindo da direção do quarto do andar de cima. Em seguida, um segundo barulho, e logo depois um terceiro.

Gilson agora chorava vigorosamente. Seus soluços se misturavam aos gritos alucinados de Cristina e ao riso sádico que vinha de cima.

— Abra a caixa, seu verme medroso! Abra, antes que eu suba e pergunte ao seu patrão o endereço da sua família. Abra antes que eu force sua esposa, ou talvez filhos, ou mãe, a abrí-la.

Mais gaguejos altos, um riso estridente que parecia fazer tremer a mobília. E gritos, gritos odiosos carregados de rancor. Essa sinfonia diabólica fazia os ossos de Gilson vibrarem. A imagem de Julia e Mariana veio à sua mente, mas era uma imagem distorcida e maligna. As duas estavam deitadas aos seus pés, enquanto ele contava dinheiro, pisando em seus defuntos empapados de sangue, o mundo queimando à volta. Ele ria até perder o fôlego.

Incapaz de suportar, levantou-se, pegou a caixa na mesa e olhou diretamente nos olhos incandescentes de Cristina. No fundo deles, via fogo e destruição. Então, num movimento brusco, se jogou para o lado, pegou uma das pistolas que tinham sido abandonadas às pressas, mirou em Cristina e atirou. Então atirou na própria cabeça.

Cristina, no entanto, não foi atingida. A bala passou a centímetros de seu pescoço, quase milagrosamente. Pensando nisso, ela sorriu. Palmas começaram a ecoar no andar de cima, e Reinaldo desceu lentamente as escadas, sorrindo satisfeito e olhando profundamente nos olhos de Cristina.

— Sente-se, Cristina. Esqueça botões e caixas. Eu tenho uma proposta melhor.

Sobre Fabio Baptista

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26 comentários em “As Sombras Crescem e Consomem (Leandro Barreiros, Thales Soares e Luis Guilherme)

  1. Fabio D'Oliveira
    30 de setembro de 2024
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas!

    Dessa vez farei uma avaliação mais pessoal, apontando o impacto do conto em mim.

    Aqui está um conto que me surpreendeu positivamente. Assim como aconteceu em Barbosa, a trama chamou minha atenção desde a primeira parte, apesar de não ter sentido vontade de continuar. Achei criativo e ousado, duas coisas que gosto. E acho que foi um dos melhores contos quando se trata da continuidade. Cada autor trouxe algo novo para a narrativa, mantendo o fluxo criativo no mesmo nível. Para mim, esse é o maior mérito deste conto.

    Certamente, um dos melhores do desafio e que me agradou bastante.

  2. Givago Domingues Thimoti
    23 de setembro de 2024
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Boa noite aos autores!

    Enquanto os contos da Área OFF não chegam, eu vou comentando os do desafio. Esse conto é bastante interessante e diferente. Lembra muito o filme A Caixa. Brinca com o mito de Pandora. Está bem escrito e com uma coesão melhor do que alguns contos que li no desafio. Pontos para os autores. Pelo menos até aqui, foi o que mais entregou entretenimento para mim, junto com Geraldine.

    Críticas: bom, tem algo na narrativa que ao mesmo tempo me agrada e me desagrada. Curioso, né? Acho que tiveram alguns elementos que eu não comprei: Cristina é uma sociopata (a tela escura que não dá para manchar de preto?) ou apenas extremamente gananciosa? Gilson, trabalhando nessa corporação, sabendo do intuito do teste da caixal (e tendo uma parcela considerável de ganância, considerando que ele já havia participado uma vez daquele teste) não se viu sendo manipulado duas vezes pelo mesmo teste e, agora, como a cobaia? Enfim, essas coisas e mais algumas soaram estranhas e inconsistentes e me desagradaram.

    No mais, eu gostei da narrativa. Provoca o leitor a pensar, de uma forma madura, por vezes cômica e até escrachada. Mas provoca a pensar. E eu sempre gosto disso quando bem executado. Percebi dois grandes frontes, por assim dizer: é um eterno teste, tanto Cristina quanto Gilson são testados por todas as suas atitudes. Isso faz a gente duvidar de muita coisa que foi escrita. A segunda coisa que me agradou foi essa crítica à ganância e prepotência da humanidade. Reinaldo sabia mexer bem todos os personagens a partir disso e os três autores souberam demonstrar isso.

  3. Renato Puliafico da Silva
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Renato Puliafico da Silva

    Bem interessante trazer o mito da Caixa de Pandora e a ambiciosa Cristina, capaz de fazer qualquer coisa por dinheiro. Tem um toque de humor negro, que eu gosto bastante. Os diálogos são bem dinâmicos. Algumas passagens soaram meio confusas, principalmente na transição de autores. E um finalzinho em aberto, bem mais apropriado do que qualquer conclusão escolhida pelo autor.

  4. Sílvio Vinhal
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Sílvio Vinhal

    Texto escrito com boa coesão, bom entretenimento. Percebi alguns errinhos de concordância, porém, nada que uma revisão mais acurada não possa corrigir.
    Embora o início lembre um certo filme, há desfechos inesperados e que movimentam a trama, mantendo o interesse do leitor até o fim.
    A reunião do fantástico com alguma dose de terror e humor negro, funcionaram na trama.
    O final ficou em aberto, porém, é bem perceptível o que vai ser proposto à Cristina. O nome seria, também, uma ironia? Claro que sim!
    De um jeito ou de outro, a grande revelação é que o mundo está mesmo perdido.
    Enfim, um conto coeso, bem escrito, que garante diversão.
    Parabéns pela participação no desafio, boa sorte!

  5. Victor Viegas
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Victor Viegas

    Olá, Frankensteiners!
    Me lembro de um filme, A caixa, que explora exatamente o tema deste conto. A escolha entre uma grande quantidade de dinheiro e a vida de alguém. Acho tão triste alguém como Cristina que decide escolher o dinheiro e persistir nesse bem material tão superficial como a vida não significasse nada e fosse completamente substituível. Gostei do conto e me fez refletir bastante sobre como anda a humanidade, o que é um ponto positivo.  Nos dias atuais, com a superficialidade de nossas relações interpessoais, é muito possível que existam muitas Cristinas. A escrita está fluída e coesa, gostei bastante. Parabéns pelo Frankenstein! Boa sorte!

  6. rubem cabral
    18 de setembro de 2024
    Avatar de rubem cabral
    • Enredo: bom conto. Parte do conhecido conto da caixa e seu dilema moral, mas com humor negro, já que Cristina é uma tresloucada sem noção e só com ambição. A 2a parte, com a introdução do personagem Reinaldo foi bacana, embora a caixa de pandora parecesse um dispositivo de destruição global. Achei esquisito O Gilson ter escolhido justo a Cristina para entregar a caixa, pois ela sabia, sem dúvidas, que Gilson não blefava. Logo, não abriria a caixa nem que o inferno congelasse. O final foi divertido, com a possibilidade da Cristina ser um novo arauto do mal.
    • Escrita: boa escrita, eficiente em contar a história e sem soluços.
    • Personagens: bons. Cristina, Gilson e Reinaldo são bem construídos.
    • Coesão: muito boa. Eu não li parte nenhuma deste conto antes e não sei onde as partes se encaixam.
  7. Pedro Paulo
    16 de setembro de 2024
    Avatar de Pedro Paulo

    COMENTÁRIO: Um excelente conto filosófico! Ou, ao menos, é como o li. Beneficia-se de não assumir um tom ensaístico, fazendo subtender suas ideias por meio da trama e seus personagens, com bom uso das artimanhas da narrativa. O primeiro trecho já é evidência desse bom trabalho narrativo, quando conhecemos protagonista e antagonista julgando que sabemos quem é quem para, em seguida, haver uma subversão em que funcionário e dona de casa trocam de lugar, ela assumindo o lugar de maníaca e ele, curiosamente, de uma vítima, dentro do que o limite da hipocrisia nos concede. Aí o mérito é uma boa caracterização dos personagens, com Gilson assumindo a responsabilidade indireta por uma chacina, mas também sendo o funcionário intermediário insatisfeito com a qualidade do próprio trabalho e pressionado pela gerência, o que inspira uma empatia estranha direcionada ao assassino. A introdução do terceiro personagem, tirado do folclore alemão (um dos nomes me era familiar, mas assim o google me confirmou), nos traz ainda uma nova dimensão, um mal absoluto que não nos permite as dúvidas sobre os papéis dos personagens no início do texto, mas acrescenta mais uma camada ao enredo. Aqui a caracterização também é magnífica, dos trejeitos, às ações e, principalmente, no diálogo entre Gilson e Reinaldo, finalizado em gargalhadas descontroladas que contribuem para a bem-vinda dose de caricatura à qual o texto recorre em alguns momentos, como quando retornamos a Cristina. O embate final, em que Gilson reencontra Cristina, encerra o conto num ponto alto. A estrutura é a da jornada do herói, mas aqui é de um vilão: Gilson tem seu primeiro embate em um terreno que julga ser vantajoso, perde e é forçado a se recolher, no que conhece uma nova figura que o equipa com uma ferramenta mais sofisticada, impelindo-o a um novo encontro com sua rival… mas, de novo, e sem perder a surpresa, Cristina ganha a melhor sobre Gilson, rapidamente deduzindo o seu intuito e o forçando a olhar para as sombras que tentava ignorar… e a mergulhar nelas, deixando para Reinaldo o triunfo. Quanto ao debate filosófico a que me referi no começo deste comentário, o conto trabalha muito bem o alerta da banalidade do mal e da moralidade da ambição. Um dos melhores que li neste certame, a coesão perfeita me fez esquecer a condição de três participantes, a ponto de quase deixei de tocar nesse ponto. Li aqui um equilíbrio entre o explícito – enredo, personagens – e implícito – a discussão filosófica. Muito bem!

  8. Luis Guilherme Banzi Florido
    15 de setembro de 2024
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Olá, autores! Tudo bem? Primeiramente, parabéns pela participação num desafio tão dificil e maluco quanto esse!

    Início: uma reimaginação do conto clássico de Richard Matheson, o autor inicial nos apresenta Cristina, que, impiedosamente aperta o botão num rompante de fúria, tentando ganhar o máximo possível antes que o homem a interrompa. O conto começa num tom muito bom de humor, muito bem escrito e fluido. Gostaria de ter continuado esse conto. Começou muito bem, mas para onde isso vai?

    Meio: o meio faz perfeitamente a função esperada do autor 2: ele desenvolve o enredo de forma imaginativa e inesperada. O segundo autor emula muito bem o estilo do primeiro, e só posso deduzir que a mudança de bastão acontece nessa guinada de autores. Quando eu li a parte 1, estava preocupado que o conto acabasse seguindo um caminho muito previsível e perdesse força, mas o segundo autor foi muito bem em manter o interesse e inserir novos elementos que deixaram a história ainda mais maluca e interessante: Reinaldo, um excelente personagem, Gilson e sua moral duvidosa, a caixa de Pandora… onde tudo isso vai dar?

    Fim: o terceiro autor, que provavelmente assume as rédeas na visita à casa de Cristina, também emula perfeitamente os anteriores. A história recebe sua guinada final que, para meu gosto pessoal, é impecável. A sordidez de Cristina, já construída anteriormente pelo autor 1, a falsa moralidade de Gilson sendo exposta e explorada por Cristina, o sadismo diabólico de Reinaldo, tudo culminando num desfecho excelente. Gostei muito do humor do final, com o mordomo puxa saco e as tiradas.

    Coesão entre os autores: o autor 1 ofereceu a caixa para um inocente. O autor 2 apertou o botão, sedente por dinheiro. O autor 3 foi atropelado por uma capivara errante no centro de São Paulo. Em outras palavras: a coesão entre os três autores é perfeita, e por mais que seja possível identificar as mudanças de autor, isso se deve unicamente às guinadas e inserção de novos elementos, o que não representa nenhum problema, é claro. Fora isso, o tom e a escrita seguem sem mudanças e a coesão funciona muito bem.

    Nota final: excelente!

  9. Jorge Santos
    15 de setembro de 2024
    Avatar de Jorge Santos

    Olá trio.

    Estamos aqui perante um trabalho fabuloso, de uma coerência notável. Três autores com experiência que construíram um texto fluído, que prende o leitor. O conto está completo, como manda a sapatilha, como se diz aqui em Portugal. Significa “seguindo as regras”. Mas vai mais além. O conto tem uma boa dinâmica, as personagens estão bem caracterizadas, não não lineares, em especial “Cristina”, que é um ser maléfico e sem escrúpulos ao nível de Darth Vader.

  10. vlaferrari
    13 de setembro de 2024
    Avatar de vlaferrari

    Os trechos: “Mirou em Cristina e atirou. Então, atirou na própria cabeça” e “no entanto, não foi atingida”, na minha opinião, estragaram a estória. Reinaldo, por acaso, teria sobrenome começado pela letra “F’? Algo como Randall Flag? As semelhanças com o conto de Matheson (ao menos na premissa), deram grandes esperanças de uma nova visão da coisa toda, mas achei maçante. Coeso, de certo modo. Não dá para (ao menos para mim) perceber que foram três autores.

    Voltando ao entendimento de erro em manter Cristina viva: frustrar os planos de Reinaldo, ora bolas. Nota-se a tentativa do segundo autor em transformá-lo em protagonista, ao expor sua ganância por números. E eu e essa minha mania de encontrar caminhos alternativos, torci para que o desfecho fosse a derrota do “bicho-papão”. Talvez por isso, achei que o conto foi estragado.

    • Autor 01
      13 de setembro de 2024
      Avatar de Autor 01

      Boa. Você pegou a ideia. De fato, Randall Flag poderia ser um dos muitos nomes de Reinaldo.

  11. Fabio Baptista
    13 de setembro de 2024
    Avatar de Fabio Baptista

    X Sensação após a leitura: Algo desconexo, mas divertido

    X Citações pro bem e pro mal:
    x botou a mão no joelho
    deu uma abaixadinha?

    x Ultimamente tenho me chamado de Reinaldo.
    Frases de impacto não precisam ser extremamente elaboradas, às vezes uma tirada inteligente dentro do contexto é o melhor caminho. Esse aqui é um ótimo exemplo.

    x verá aranhas no cereal matinal, televisão, e até mesmo no meio das pernas da esposa.
    não sei se foi o melhor exemplo…

    x 4.294.967.296, 8.589.934.592.
    Essa parte dos números foi desnecessária, impossível não pular esse trecho depois de captar a ideia.

    X Conclusões:
    O começo desse conto me deu medo… medo de que a história continuasse muito igual ao conto clássico da Caixa. Mas, felizmente, logo veio a ótima subversão.

    O ritmo narrativo se manteve praticamente inalterado nas 3 etapas, os autores estavam em boa sintonia nesse quesito. Mas houve uma falha de continuidade, pelo menos entendi desse modo, que prejudicou parte da experiência. Tenho a impressão de que Gilson entrou na história como uma potencial próxima vítima das caixas e não como um funcionário do Reinaldo como ele acabou se tornando.

    Porém, o que mais me incomodou durante a leitura foi não ter conseguido comprar a ideia da caixa de pandora. Tipo… que apenas por curiosidade e por ser do contra alguém a abriria. Esse efeito é potencializado pelo fato de que, entre todas as pessoas do mundo, Gilson foi escolher justamente aquela que sabia que as caixas funcionavam de verdade. Talvez algum incauto pudesse pensar “ah, esse cara de caô, vou abrir essa porra e não vai dar nada”, mas não a Cristina… ela saberia que não era blefe e Gilson deveria pensar nisso, acima de qualquer sentimento de vingança.

    Bom, essa foi a parte chata que eu precisei comentar para manter a coerência dentro do desafio, mas no meu gosto pessoal eu prefiro ler contos divertidos assim, mesmo que com esses “furos” do que alguns mais elaborados e amarrados que acabam ficando maçantes.

    BOM

  12. Antonio Stegues Batista
    12 de setembro de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    A ideia de um objeto realizar desejos de fortuna e poder, está presente em vários épocas e lugares na história da literatura, anéis, taças, pedras preciosas, lâmpadas e também maldições como a caixa de Pandora, a história do rei Midas, etc. O conto é baseado no livro de Richard Matheson, A Caixa. Aqui, a caixa oferecida a Cristina tem o mesmo objetivo, o mesmo efeito. Não entendi muito bem, onde mais adiante diz que o homem é Gilson, o mesmo que Reinaldo, um emissário do infernos, oferece uma caixa diferente que vai libertar alucinações com objetivo de o mundo se tornar um caos, todo mundo louco. Aqui a parte meio frágil do enredo, para não dizer, confusa, Reinaldo oferece e Caixa das Alucinações para Gilson oferecer a Cristina que está à beira da falência. Chantageado por Reinaldo, o Maléfico, Gilson é mostrado como alguém que não tem nada a ver com super poderes, é um homem comum que entrou na história como que por simples acaso. No final, Reinaldo, o Diabólico, vendo que o plano A e B fracassou, oferece a Cristina, o plano C.

    Achei que faltou conexões claras e certas nas ideias dos 3 autores.

  13. Leandro B.
    11 de setembro de 2024
    Avatar de leandrobarreiros

    *Toda e qualquer crítica refletem mais um ponto subjetivo meu do que qualquer outra coisa. Outro leitor pode achar o oposto.

    Achei que a história funciona estranhamente bem. Estranhamente porque parece que alguns elementos foram trocados, mas no fim da meio que certo.

    Temos uma subversão que acontece não no final, mas no início da história, que parece tentar equilibrar fantasia, bom humor e fluidez. Por conta de alguns comentários, achei que o conto tomaria demais do clássico “A caixa”, mas a mudança é até bastante rápida.

    Os outros autores conseguiram manter a fluidez da história, mas fiquei um tanto confuso com Gilson sendo o senhor da caixa do começo, que pra mim estava mais para o Reinaldo. A história guina para a ideia de que Gilson faz parte da tal empresa e sua relação de preocupação com a família parece ser meia deixada de lado. Gostei, contudo, da ideia de que a empresa têm vários artefatos diferentes, o que casa com a sugestão de Reynaldo de que ele teve vários nome ao longo da história.

    O autor final foca um pouco mais em ação e retoma, nas últimas linhas, a preocupação de Gilson com a esposa e filha, o que salvou parte da sua caracterização.

    Não sei como me sinto quanto a Cristina tendo preparado tudo para a chegada de Gilson, contudo.

    Apesar de sentir que a coisa puxou demais para a ação, a fluidez é mantida. O final é especialmente bom por conta das últimas linhas que o autor criou, que acabaram dando um impacto bem positivo na história como um todo.

  14. Fernando Cyrino
    10 de setembro de 2024
    Avatar de Fernando Cyrino

    Olá, pessoal, puxa, que história vocês me trouxeram!!! Gostei muito do que li. Um conto muito bem construído. Alta criatividade do primeiro autor e dos outros dois que seguiram seus passos e construíram juntos uma bela obra. Muito bom o trabalho em equipe. Cristina que pela ânsia de ficar rica mata todos à sua volta e que volta a se encontrar com Gilson e este lhe traz uma segunda proposta. Só que agora não há recompensa. Só desgraça: a libertação de todos os medos e angústias. Meu Deus, que coisa pesada. E aí acontece a reviravolta que gostei muito e que foi propiciada pelo terceiro autor. Bravo! Ficou bem legal o fechamento do conto com a surpresa no final. Uma história fantástica, com muito boa coesão, uma narrativa cheia de criatividade e que merece bastante sucesso no desafio. Meus parabéns à equipe que a escreveu. Fiquem com o meu abraço.

  15. claudiaangst
    9 de setembro de 2024
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem? Sem mais delongas, vamos ao que interessa.

    Neste desafio, usarei o sistema ◊ TÁ FEITO ◊ para avaliação de cada conto.

    ◊ Título = AS SOMBRAS CRESCEM E CONSOMEM – Título enigmático e com um toque poético. Ou será um prenúncio de terror? Ih, só sei que nada sei. Melhor ler logo o conto e descobrir do que se trata.

    ◊ Amálgama = Não deu para perceber onde aconteceram os cortes, pois foram devidamente emendados sem deixar vestígios.

    ◊ Fim = Os fins justificam os meios? Talvez… E a ordem dos fatores altera o produto? Permita-me começar pelo fim, observando o impacto causado na leitura. Então, o fim ficou bom, mas senti falta do tom divertido da primeira parte do conto. E além disso, notei um quê de sermão no discurso da Cristina sobre a hipocrisia de Gilson. Tudo bem, ela estava com a razão, mas…

    E o barulho dos corpos caindo do andar de cima? Três barulhos, ou seja, três corpos atirados no quintal. De quem? Os dois capangas e o mordomo?

    Cheguei a pensar que tudo não passava de uma armadilha armada pelo demoníaco Reinaldo em conluio com Cristina, mas se fosse isso, ele não faria a proposta final, não é mesmo?

    ◊ Entremeio = O foco narrativo recai em Gilson, que se revela o sujeito da caixa assassina. Não entendi isso muito bem, pois ele tinha sido apresentado como um pai preocupado com o pouco dinheiro disponível para presentar a filha no Natal. O perfil do personagem na primeira parte não orna com esse Gilson mais humano. E aí surge Reinaldo com uma nova caixa que libera os medos de quem ousar abri-la. A narrativa continua ágil, com diálogos simples e de fácil compreensão.

    ◊ Início = Acho que fiz uma besteira e devo ter lido o começo desse conto quando foi liberado. Aí agora que li o conto por inteiro, minha memória soou o alerta de “já lido” e fiquei procurando os arquivos possivelmente violados em minha mente. Como o Gustavo comentou que havia ligação com o conto de Richard Matheson (publicado aqui no EC, na seção de Clássicos), fui lá verificar. Mas não, o que havia grudado na minha mente foi a passagem hilária:  “— Sua família, sua maluca! — gritou o homem, ainda tentando alcançar o objeto místico. Seus protestos, contudo, eram recebidos com grunhidos e contorcionismo da mulher que tentava proteger o artefato. Quantas pessoas já haviam sido? Ele perdera a conta.” Portanto, desculpe-me pela desconfiança, devo ter lido (sem querer) a primeira parte e pensei em reprise.

    Isso posto, devo dizer que a premissa do conto ficou bem interessante, pois esperei uma reação diferente da Cristina após saber da morte do marido, e ela, lindinha e faceira, só queria saber se ainda poderia ganhar mais dinheiro. Dane-se a família, quem precisa de amigos ou vizinhos? E lá foi ela tocando o terror, digo, apertando o botão. Ficou divertido esse início. Logo depois surge o Gilson [acredito que ainda inserido pelo(a) primeiro(a) autor(a)] que deu a impressão de ser menos psicopata, mas…

    ◊ Técnica e revisão = O conto é narrado na terceira pessoa, com muitos diálogos, o que agiliza a leitura. De fato, o texto construído a seis mãos é muito fácil de ler, pois não apresenta entraves de linguagem. Apenas percebi que a escolha de tom mudou de um(a) autor(a) para outro(a). O começo estava divertido, aí deu uma reviravolta criando um suspense e terminou em tragédia/terror.

    Houve poucos deslizes no quesito revisão:

    Aprendera há muito tempo > Aprendera havia muito tempo

    […] neste natal > […] neste Natal

    Essa é parte divertida > Essa é a parte divertida

    […] esse tal “Caixa de Pandora” > […] essa tal “Caixa de Pandora”

    […] um trabalho bem feito > […] um trabalho bem-feito (“Bem-feito” é a forma correta quando o termo é empregado como adjetivo)

    […] sua visita com Cristina > […] sua visita a Cristina

    Bem vindo > Bem-vindo

    […] por um capangas > […] por um capanga

    Repetição muito próxima de “ainda”

    […] abrí-la > […] abri-la

    ◊ O que ficou = Uma dúvida quanto à tal proposta feita por Reinaldo. Foi uma boa leitura, facilitada pelos diálogos e a falta de uma densidade que exigiria mais envolvimento do leitor.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  16. André Lima
    9 de setembro de 2024
    Avatar de André Lima

    Um conto divertido, mas que foi confuso para mim. Não entendi muito bem, numa primeira leitura, os papéis de Gilson e Reinaldo na história. Isso ficou bem confuso para mim, tive que reler e, confesso, ainda não entendi muito bem.

    Há uma mudança de tom bem brusca. O conto se inicia como um texto humorístico e termina apenas com salpicos de um humor negro. Geralmente, tenho gostado das mudanças de tom nos textos do desafio, mas aqui não me convenceu.

    A força do conto, para mim, está na ironia que o permeia desde o início. Ora, o próprio ponto inicial é uma sátira do conto “A Caixa” e, nesse sentido, os outros 2 autores tiveram boa habilidade de manter uma coerência narrativa (temática), embora o tom tenha se transformado, a história está amarrada e o tema foi bem explorado.

    Eu fiquei muito dividido com esse conto. Ora gosto, ora nem tanto. No fim das contas, há boa técnica e uma trama interessante.

    Mas a mudança de tom foi de um extremo a outro… Isso, para mim, comprometeu um pouco a sensação final da leitura.

  17. bdomanoski
    9 de setembro de 2024
    Avatar de bdomanoski

    Quesitos avaliados: Entretenimento, Originalidade, Pontos Fracos

    Entretenimento Definitivamente um dos começos que eu mais gostei. Estava acompanhando esse conto, junto com alguns outros, desde a primeira fase. Se pudesse dar uma nota separada, seria 10 pra primeira parte, 10 pra segunda. A terceira parte, porém, foi a que menos me agradou. COmo li separado tudo, conforme iam postando, acabei achando que a segunda parte casou 100% com a primeira, mas a [ultima ficou um tanto destoante. Mas os dois primeiros autores estavam numa sintonia ímpar. Ficou perfeito , clap clap clap

    Originalidade Vi no grupo do whatsapp comentando que foi inspirado em uma outra história. Bem, eu não conhecia, e, portanto, achei original. Ao menos no sentido de que não é algo que vemos todo dia.

    Pontos Fracos Não gostei da mudança da personagem Cristina, de uma mera gananciosa sem empatia, para uma assassina doidivanas. Não curto muito, também, quando a saída que o autor acha é simplesmente sair matando todos os personagens. Isso não me agrada, e é visto abundantemente em filmes e séries também, uma das razões de essa saída fácil já ter cansado. AH, outra coisa que não me agradou é que achei que acabou não continuando totalmente a proposta do segundo autor. Fiquei curiosa pra saber: como seria isso do mundo ir morrendo exponencialmente, mas infelizmente, o rumo tomado fugiu disso.

    • Autor 3
      9 de setembro de 2024
      Avatar de Autor 3

      Oi, Bruna! Obrigado pelo comentário!

      Só queria dizer que achei engraçado você dizer que a Cristina mudou de “gananciosa sem empatia” para “uma assassina doidivanas”, sendo que na parte 3 ela não matou ninguém, enquanto na parte 1 ela matou 65 pessoas ahuahuahuahuahua.

      Eu entendi seu ponto e nem quero discordar disso nem te convencer, só achei curioso e engraçado. Na minha mente, ela sempre foi uma assassina maluca (afinal, na primeira oportunidade, ela matou conscientemente e a sangue frio 65 pessoas conhecidas!!!, inclusive membros da própria família!!!… não me surpreende, portanto, ela se revelar uma sádica maluca.)

  18. Gustavo Araujo
    7 de setembro de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Gostei muito do começo. Da agilidade, da subversão do conto do Richard Matheson (publicado aqui no EC, na seção de Clássicos), no momento em que a atmosfera soturna dá lugar à comédia. Diálogos fáceis e fluidos, com a personagem Cristina mandando qualquer ato de bom-mocismo às favas — o que importa é ficar rica apertando o botão da caixa, mesmo que morra todo mundo. No final, acho que a maioria das pessoas pensa como ela kk

    Então surge Gilson, o homem-família que tinha tudo para ser a próxima vítima do homem da caixa. É aí que algo estranho acontece no conto: Gilson chega para trabalhar — e até fica espantado com a confusão de tiro-porrada-e-bomba de que ouve falar, mesmo em um lugar caótico como São Paulo. Mas então muda o autor do conto e Gilson não é mais a próxima vítima e sim um dos algozes, alguém da turma da caixa, sendo, aliás, quem atormentou a pobre Cristina.

    O tom da narração muda um tantinho. O humor fácil cede lugar a explicações. O tom descritivo toma conta e isso freia um tanto a fluidez do texto. Não que esteja mal escrito — ao contrário — mas é perceptível a mudança de alinhamento em relação à primeira parte.

    Ultrapassada a licença poética, ou melhor, deixado de lado o plot hole do papel de Gilson, seguimos com a missa. Vem a ideia de caixa de pandora. Gostei. Boa sacada essa de brincar com a tendência humana em desviar-se do caminho. O personagem Reinaldo, que espanta o Chefe de Gilson no restaurante é um tanto enigmático — é alguém da empresa, mas nem Gilson, nem o chefe o conhecem. Parece um ser sobrenatural, mas também é alguém dado a pecados mundanos, como perceberemos na parte final da história.

    É aí que Cristina reaparece. Não com aquelas características divertidas do início do conto, mas alguém mais maléfica, que verbaliza a maldade. Não curti muito essa mudança nas características dela, mas creio que era necessário tratá-la assim para o arremate. De fato, nessa terceira parte — que também está bem escrita e que também mantém o afastamento do clima fácil da primeira parte — percebe-se a boa habilidade do autor em finalizar a trama. Claro, foi conveniente a subida de Reinaldo para o segundo andar da mansão para dormir (!) enquanto tudo se resolvia, mas tirando isso, ficou bem costurado.

    A coesão do conto ficou boa, se pensarmos que os autores não puderam se comunicar. Talvez seja uma das melhores do desafio. É um bom trabalho afinal de contas, mesmo com os furos, mesmo com as mudanças repentinas do roteiro. Parabéns a todos e boa sorte no desafio.

  19. Fabiano Dexter
    5 de setembro de 2024
    Avatar de Fabiano Dexter

    Primeiramente parabéns para os autores!
    O primeiro teve uma boa ideia, uma história com inúmeras possibilidades e muito bem escrito, que foi muito bem desenvolvido pelos demais autores até uma conclusão que conseguiu sair do óbvio, ainda que não completamente inesperada.
    O conto, como foi escrito, coube muito bem na proposta do Desafio de modo que a história não ficou corrida e nem foi necessário nenhum tipo de “enrolação” em nenhuma das partes. Mérito para os três autores que souberam cumprir os seus determinados papeis sem prejuízos à história ou aos outros autores.
    Pode até ser que o estilo da história, que cai muito bem em meu gosto para o Humor Negro, me faça ter uma predileção, mas salvo uma pequena mudança no de desenvolvimento da história onde Gilson seria uma possível vítima e se torna o “fornecedor original” da caixa, deixando o tal Diretor e seu projeto meio perdidos na história, assim como o fato de Cristine saber quem era Gilson e seu nome, mas mais nada sobre a sua familia. (E Reinaldo, ao que tudo indica, apenas a está conhecendo ali)
    No mais ficou tudo bem encaixado, inclusive no estilo da narração, misturando descrições e diálogos.
    É uma história que eu gostaria de ter escrito ou, no caso deste desafio, participado.

  20. JP Felix da Costa
    4 de setembro de 2024
    Avatar de JP Felix da Costa

    Este conto surpreendeu-me. O humor negro, o desenvolvimentos dos personagens, o final, tudo entregue no peso e medida certos, fazem desta história uma das melhores que li até ao momento. Se não fosse aquela pequena incongruência do Gilson, que a principio tudo indica ser uma potencial vitima, e depois transforma-se no homem da caixa, diria que este conto fora escrito por um autor e os seus dois perfis falsos. No entanto, desculpo totalmente este pequeno deslize do Gilson porque a história teve tudo a ganhar com ele.

    Não nego que o conto se enquadra numa temática e numa forma de contar histórias que me agrada. Mesmo assim, isso não seria suficiente para ter uma opinião positiva sobre o mesmo. A temática está bem explorada e os três autores conseguiram manter o nível de inicio ao fim, não defraudando nenhuma expetativa criada ao longa da leitura.

    Excelente.

  21. Kelly Hatanaka
    3 de setembro de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Olá, caros colegas entrecontistas!

    Primeiramente, parabéns pela participação corajosa e desapegada.

    Vou avaliar e comentar de acordo com meu gosto, não tem muito jeito, afinal não tenho conhecimento nem competência para avaliar de forma mais “técnica”. Ou seja, vou avaliar como leitora mesmo. Primeiro, cada parte separadamente, valendo 1 ponto cada. Depois, a integridade do resultado, valendo 3 e, por último, o impacto da leitura, valendo 4.

    Começo

    Começou bem. Um estranho oferece a Cristina uma caixa, dizendo que a cada vez que ela apertar o botão, ela ganha 100 mil reais e alguém próximo morre. Subvertendo as expectativas, ela aperta o botão várias vezes, sem pensar, sem remorso, sem preocupação que não seja receber o dinheiro. Premissa interessante e uma linguagem direta e divertida.

    Meio

    Gilson, o estranho, vai depois a uma reunião em que Reinaldo lhe apresenta outra caixa, que libera os medos de quem a abrir. Enquanto a primeira caixa apela à ganância das pessoas, esta nova caixa apela à curiosidade e ao egoísmo. Não percebi mudança no autor. A passagem de autoria foi perfeita, manteve-se o mesmo tom e as ideias foram sendo desenvolvidas sem atropelamentos.

    Um meio muito bom!

    Fim

    Ai, que alegria. Um conto bom, que começa bem, tem um bom desenvolvimento e fecha bem. Mais uma vez, não percebi a mudança de autor. Mesmo tom, mesmo ritmo, as ideias sendo desenvolvidas de forma coerente. Muito bom. Cristina se mostra muito pior do que o imaginado. Reinando que se cuide, ou ainda vai levar uma puxada de tapete.

    Coesão

    Coerentissíssississimo, aleluia! Parece ter sido escrito por uma pessoa só.

    Impacto

    Alto. Gostei muito. Uma leitura divertida e bem escrita, além de conter uma crítica muito pertinente a respeito do ser humano, dos tempos atuais, do mundo. Excelente!

  22. Thales Soares
    1 de setembro de 2024
    Avatar de Thales Soares

    Achei o conto, no geral, bastante interessante. Ele possui um tom de humor negro, mostrando um aspecto mais macabro e ao mesmo tempo divertido. Mas vamos falar parte a parte:

    De início, o conto começa com um plot manjado. Não me lembro onde vi essa situação clássica pela primeira vez, mas acredito que tenha sido num filme do Netflix (apesar de eu não me lembrar de muitos detalhes). Aqui, no entanto, o autor aborda a questão de uma forma mais descontraída, colocando a personagem Cristina numa cena hilária apertando uma infinidade de vezes esse botão do capeta.

    Em seguida, é mostrado um pouco mais a respeito da vida pessoal de Gilson, com sua esposa e duas filhas. Aí entramos na empresa do capeta, onde vemos os relatórios sobre caixas e suas consequências. Gilson parece que vai tomar uma bronca do chefe, mas então chega um personagem que aparentemente está no mais alto escalão, e manda o chefe de Gilson embora, com algum tipo de ameaça misteriosa. Esse momento da história eu achei bem interessante, pois me lembrou algo no estilo Monstros SA, só que misturado com Família Adams, onde vemos uma empresa macabra trabalhando com caixas demoníacas. Bem sinistro, mas tudo apresentado de forma descontraída e natural.

    Aí me parece que entra o segundo autor, onde Reinaldo se apresentada e explica para Gilson a respeito de sua caixa de Pandora. O diálogo entra os dois é fluido e mantém a narrativa com seu estilo descontraído. Então vemos que Reinaldo é realmente muito diabólico, pois ele faz cálculos matemáticos dignos do capeta, e tudo de cabeça. Essa parte da história me remeteu um pouco à lenda da origem do jogo de Xadrez, onde o inventor do jogo pede para o rei pagar 1 grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro, 2 grãos pela segunda casa, 4 grãos pela terceira, 8 pela quarta, e assim sucessivamente. Parece que vai dar uma quantidade baixa, mas o resultado passa dos trilhões, e é impossível de o rei pagar sua dívida. Enfim… essa parte intermediária é boa, mas achei que tem muitas explicações, duas caixas, e um monte de pormenores que, talvez, pudessem ser um tantinho mais resumidos.

    Por fim, entramos no ato final, quando Gilson escolhe novamente Cristina como sua vítima. O autor final nos apresenta uma mansão, onde Cristina mora, e ela até possui um mordomo com sotaque francês. Nessa parte, a história ganhou uma guinada, e ficou ainda mais divertida. Gilson descobri que Cristina é ainda mais maluca do que ele inicialmente imaginava, e então um monte de loucuras de sucede. Ela gastou todo o dinheiro que ganhou com a primeira caixa, e está desesperada por uma nova. Gilson pede a ajuda de Reinaldo… e quando Reinaldo aparece, ele está todo doido e macabro. Várias pessoas morrem, um monte de doideira acontece, a bagunça desenrola de forma desenfreada nessa mansão.

    Aqui, em meio ao climax, vemos a parte mais interessante da história. Gilson se dá conta de sua hipocrisia. Ele mesmo parece ter sido corrompido durante sua empreitada, o que me parece justificar o título da obra… e quando ele se dá conta de que as sombras estão crescendo e o consumindo, de tudo o que ele está fazendo em troca de uma possível aposentadoria, ele comete suicídio. A insanidade crescente desencadeia nesse bom desfecho, dando uma acalmada quando Reinaldo ressurge e, dispensando Gilson (que está morto), oferece uma proposta para Cristina.

    Me diverti durante toda a leitura e dei algumas risadas. Os três autores escreveram bem, e conseguiram mesclar tudo num único estilo, parecendo que foi o mesmo autor criou essa obra. Parabéns aos envolvidos.

  23. Priscila Pereira
    1 de setembro de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, autores! Tudo bem com vocês?

    Começo: Interessante usar a premissa de um conto clássico de uma forma mais escancarada e meio voltado para o estranho ainda que bem humorado. Achei bem legal.

    Meio: aqui achei muito estranho o Gilson ser o cara da caixa do começo, pq até então, eu tinha entendido que ele seria a próxima vítima do cara da caixa e não o próprio. Achei esquisita essa transição, meio forçada, como se o autor 2 não tivesse entendido o que o autor 1 começou. A personalidade do cara da caixa não combina com a personalidade do Gilson e sim com a do Reginaldo mesmo, então ficou muito estranho essa quebra de expectativa.

    Final: interessante a questão moral envolvida na caixa de Pandora e todo o desenrolar do final, meio estranho e nonsense. A Cristina acabou sendo mais esperta do que eu esperava e deu a entender que ela e o Reginaldo estavam mancomunados, mas aí na frase final quebra também essa expectativa.

    Coesão: O estilo de escrita está bem coeso e homogêneo, mas foi prejudicado pelo que mencionei no meio.

    Visão geral: Gostei do conto, achei a trama ágil e interessante, a questão moral foi bem explorada mesmo que de uma forma meio sarcástica. Um bom conto!

    Parabéns aos autores!

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  24. Leo Jardim
    27 de agosto de 2024
    Avatar de Leo Jardim

    🗒 Resumo: Gilson trabalha numa empresa do “capeta”, que faz testes de maldade com as pessoas. Um dia ele conhece a ambiciosa Cristina, que resolve apertar o botão para ganhar dinheiro em troca da morte de todos que conhece (67 mortes!!!). Depois Gilson tem uma nova oportunidade, dessa vez com a caixa do medo e, mais uma vez, Cristina se mostra muito mais maldosa que ele, fazendo ele se suicidar e despertando a atenção do Reinaldo, um chefe dos infernos.

    📜 Trama (⭐⭐⭐⭐▫): uma trama meio louca, que parte de uma premissa bem interessante e que já tem um ponto de virada logo no início (acredito que no fim da primeira parte): Cristina sai no tapa pelo poder de matar e enriquecer. A continuação (não sei exatamente onde foi o corte) se desenvolve com a aparição de Reinaldo, o chefe infernal, e continuou no mesmo ritmo interessante da primeira, brincando com a burocracia do mal. O encerramento se mostrou pra mim no mesmo nível de porra-louquice, e encaixou as peças. Uma boa história 🙂

    📝 Técnica (⭐⭐⭐▫▫): não chega a se destacar por si própria, mas também entrega com eficiência a trama. Daquelas técnicas “transparentes”: faz o serviço sem aparecer.

    ▪ Não eram os heróis desta era aqueles que concentravam tudo o que podiam? (achei essa frase confusa)

    ▪ A parte em que Reinaldo faz as contas fica bem chato. Tive que pular aquele montão de números (acho que todo mundo fez isso)

    🧵 Coesão (⭐⭐): percebi mais ou menos três partes da história, mas não sei exatamente onde foram os cortes. Um bom trabalho de coesão.

    💡 Criatividade (⭐⭐⭐): um ponto forte do conto.

    🎭 Impacto (⭐⭐⭐▫▫): gostei da história e sorri em diversos momentos. Apesar do fim com tiros e suicídio, não chegou a ser muito impactante nem imprevisível, mas gostei do resultado final.

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Publicado às 9 de julho de 2024 por em Começo, meio e fim e marcado , , .