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Zelinda – Conto (Regina Ruth Rincon Caires)

Feito fogos de artifício espocando em noite escura, trazendo um misto de medo e encantamento, assim era Zelinda. Talhada para esbarrar na tênue fronteira do imponderável. Cabocla faceira, sem rédeas. Era a caçula de oito filhos, a sexta menina. Concebida ao acaso, no desgoverno da vida, não carregava qualquer tristeza. Não era muito de pensar. Acho que nem pensava.

Zelinda encantava mais do que amedrontava. Vivia cercada de olhares, de prosas, de ralhas. Nunca ficava esquecida, não vivia pelos cantos. Ao contrário, era centro. Esbanjava vida, irradiava alegria, acabava com o silêncio da vila. Isso só foi ficar claro depois do ocorrido.

Eu, apesar de bem mais nova, espoleta em exagero, perdia terreno por quilômetros para Zelinda. Com ela, não havia páreo. De voz estridente, pele morena, cabelos anelados quase a lhe roçar a cintura. Fios que nunca viam pente, sempre em desalinho; tinham a cor dos olhos, castanhos-acobreados. Lindos olhos, acesos feito labaredas. Esguia, vivia metida em vestidos sempre frouxos, herdados das irmãs mais velhas, e que lhe davam um ar de constante desmazelo. E chinelos surrados, quase a saírem dos pés, compunham o semblante de Zelinda.

Arredia à escola, depois de muita repetência e já sabendo escrever o nome, largou de vez. Também já nem se ajeitava mais nas carteiras do grupo escolar. Era moça feita. Distraída demais para conseguir um emprego, não se acomodava. Restava-lhe serviço nas colheitas no entorno da vila. Fazia isso, mas a ocupação era pouca. Na capina, não se encaixava. Como não rendia na lida, sitiante algum se interessava em combinar serviço com ela. Isso só foi falado depois do ocorrido.

O pai, nordestino de nascimento, na vila era o “faz-tudo”. Vendedor de galinhas, amansador de cavalo, negociante de boi, empreiteiro de obra, pedreiro. Bastava ser chamado, lá vinha o Seu Zé apetrechado com seu chapéu de couro. A mãe, sertaneja mirrada, de semblante crispado, era dada a benzimentos. A vila toda acorria às passadas de ramo de Dona Lindinalva. E ainda era parteira! O nome de Zelinda, sem muita opção de escolha depois de tantos filhos, foi o ajuntamento dos nomes dos pais.

Era família de pessoas honradas, todos trabalhavam. Zelinda era a mais protegida, tinha a escora de carinho dada aos caçulas. Viera para desfrutar desse aconchego. E desfrutava. Mesmo sendo vista como descompromissada, doidivana, não era. Apenas, feliz, só isso. Passava, indelével, pelas agruras da vida. Não se prendia a tristezas. Se existiam, e existiam, não a fisgavam. Era imune, etérea.

Naquele canto do mundo, a vida corria sem grandes surpresas. As alegrias eram reservadas a nascimentos, poucos casamentos. Aniversário quase não era comemorado, a não ser com uma missa em ação de graça. As tristezas, sentidas, mas pouco faladas, eram traduzidas apenas no choro em algum velório, que também era raro por ali. Vila de poucas ruas, todos sabiam tudo sobre todos; ninguém escapava do crivo de olhos nem sempre bem-intencionados.

Dos namoros, dos adultérios, dos estapeamentos, das brigas de boteco, tudo era falado na surdina. Todos sabiam, mas só se comentava entre quatro paredes.

Quando acontecia de calhar um namoro que não era de gosto da família, a vila ficava em polvorosa. Virava um burburinho, uma expectativa velada. E sempre acabava da mesma maneira. O casal fugia. Passava um dia fora, costumeiramente abrigado por um familiar mais distante. Quando voltava, a moça sempre avexada, a situação criava um mal-estar, percebia-se a vontade do pai atracar no pescoço do genro. Vontade que só era abrandada pela certeza de que a mazela seria remendada. Do casamento ele não escaparia. E os casamentos eram realizados e mantidos, independentemente de vontade.

Zelinda era impetuosa, sem modos. De gargalhada franca, deixando à mostra todos os dentes, cabeça jogada para trás, o som ecoava longe, animava parte da vila. Talvez por isso, apesar de pretendida por muitos moços dali, era evitada. O candidato se resguardava, temia a lida com aquele espírito indomado. A recomendação vinha de casa: era sinônimo de perigo.

Um dia, apareceu na vila o coletor de impostos. Os moradores, acostumados com o velho Doutor Afonso, ficaram admirados com a aparência quase imberbe do novo servidor. Chamava-se Augusto. Não aparentava mais de quarenta anos, bem vestido, dirigindo um carro impecavelmente novo. O costume era hospedar-se no único hotel da vila.

À noitinha, os hóspedes, quase sempre mascates e motoristas, ajeitavam-se nos bancos da praça. Ali conversavam, acendiam seus cigarros, planejavam a nova rota a percorrer. E não faltavam os olhares furtivos para as moças da cidade. Tudo muito discreto, segredo velado.

E foi assim, sem saber, que Zelinda conheceu o amor. De início, nem percebeu o interesse do novo coletor. Foram meses sem que erguesse os olhos e sorrisse para o estranho. Ela era irrequieta, mas trazia um migalho de lerdeza. Tinha inocência, alma de criança.

Augusto passava pela vila de dois em dois meses. Foram tantas as investidas que, por fim, conseguiu conversar com Zelinda. Sempre que voltava, trazia presentes. Perfumes, bombons, tecidos… Ela ficava encantada, tudo era novidade, luxo que não conhecia. Não namoravam; ele nunca falou disso e ela nem entenderia.

Dona Lindinalva achava tudo muito estranho, procurava esconder os presentes para que o marido não percebesse. Só não conseguia abafar o cheiro dos perfumes que Zelinda, descontroladamente, usava. Não tinha hora ou lugar, o excesso ardia até nos olhos. Com o tempo, até o pai percebeu.

Pela vila, o murmurinho corria solto. Estava se avolumando de tal maneira que extravasava as quatro paredes. E chegou aos ouvidos do Zé Cearense. Foi um quiprocó. Zelinda conheceu, pela primeira vez, a mão pesada do pai. Naquela casa, nunca as preces foram tão clamadas como naqueles dias. Dona Lindinalva passava os dias implorando a intercessão dos santos, pedindo a proteção de Deus.

Nem todas as sovas e todas as rezas conseguiram separar Zelinda do encantamento dos presentes. Contava os dias para encontrar Augusto. Os encontros eram furtivos, cuidadosamente tramados. E foram tantos… Isso foi falado depois do ocorrido.

Certo dia, os olhos diligentes da mãe perceberam que os vestidos frouxos estavam se ajustando. A filha estava mais encorpada, ainda mais bonita. Nem deixando que seu coração se alegrasse com aquela formosura, a realidade a puxou pelo estômago. Sentiu um calafrio, uma gastura, um desassossego; de cria ela entendia bem. Ainda que a própria Zelinda não soubesse, estava prenha.

Outra quizumba foi formada. Desta vez, a mão pesada do pai não foi sentida. Dona Lindinalva não permitiu.

Zelinda, de início, ficou assustada; mas, com o passar dos dias, a barriga não parecia lhe apoquentar, ria do mesmo jeito, andava por todos os cantos. Descompromissada, falante, sem rédeas, faceira. O pai, calado e inconformado, esperava a volta do coletor de impostos. A espera levou meses, ninguém ouvia falar de Augusto. E, embora sentisse falta dos presentes, Zelinda nunca ficava triste.

A gravidez ia tão avançada que Zelinda já não podia correr. Formosa, tendo o encanto de uma borboleta, moldada por uma graciosa lerdeza, não se inteirava com o preparo de qualquer roupinha para o filho, não tinha qualquer tino da responsabilidade que se formava no seu ventre.

Naquele fim de tarde, Dona Lindinalva percebeu que, apesar de estar quase escuro, Zelinda não voltou para casa. Com o coração apertado, fincou pé na soleira da porta, olhando a rua. A noite caiu, e ela não chegou.

Quando Seu Zé entrou pelo portão, percebeu a agonia nos olhos da mulher. Atordoados, todos da casa saíram em busca da menina. Em pouco tempo, a vila toda procurava por Zelinda. Não sobrou casa que não fosse visitada. E nada de notícia. Absolutamente nada.

Começou um falatório de que o carro do coletor de impostos havia passado por ali. E assim cresceu a suspeita de que Zelinda tinha partido com Augusto. Antes tivesse…

A madrugada já ia alta quando Dona Lindinalva ouviu abrir o portão. Num pulo, estava na porta. Era Seu João da Botica. Um caminhoneiro tinha encontrado Zelinda. Estava jogada na beira da estrada, morta.

A dor dilacerante daquela família nunca foi esquecida. Era um choro engolido, um fincar de espinhos em ferida aberta.

Zelinda fora esfaqueada no ventre. Morreu mais o filho, cortados pela mesma lâmina. Estava imensa. Colocada no caixão, a barriga transbordava na altura. Parecia que era chegada a hora de parir. Antes fosse…

A dor maior, aquela que marca o pensamento para a vida inteira, foi quando, no momento em que o caixão deixava o casebre, não foi possível colocar a tampa. A estrutura de ripas de madeira revestida de pano roxo não cobria a imensa barriga. Nessa hora, Dona Lindinalva não resistiu. Pôs-se a gritar. Urrava feito uma alucinada, maldizia o Criador, se arranhava. Ali, naquele momento, deixou a sua sanidade, os seus benzimentos, o seu ofício de parteira. Pelo resto de seus dias, arrastou-se, ensandecida. Seu Zé desacorçoou.

Zelinda foi enterrada com a tampa do caixão apenas escorada, sem lacrar. E isso ficou gravado na memória do povo. Partiu sem presentes, sem compromisso, sem saber por que partia.

O malfeito não foi apurado; era o costume. A prova da autoria do martírio morreu com ela. Apenas suas retinas testemunharam a figura do algoz. Augusto nunca mais foi visto, virou lenda.

Na vila, mesmo depois de mais de meio século, as dúvidas ainda perduram. A dor não foi esquecida. Espalha-se por entre as casas. Sobrevoa, silenciosa. Talvez procure se juntar, mais acima, ao som das gargalhadas espalhafatosas de Zelinda.

21 comentários em “Zelinda – Conto (Regina Ruth Rincon Caires)

  1. Sílvio Vinhal
    30 de março de 2024
    Avatar de Sílvio Vinhal

    Tive o prazer de conhecer Zelinda e a brilhante escrita de Regina Rute Rincon, que se tornou uma amiga querida, antes mesmo de ter conhecido o Entrecontos, que aliás, conheci a convite dela. Sua escrita é um manifesto da verdade brasileira, testamenta nossas memórias de país num alinhavado genuíno, elaborado e ao mesmo tempo cândido, que nos envolve e nos acalenta, nos transporta para o palco da narração, nos tornando não apenas leitores, mas parte do enredo. Sua narrativa, como poucos, consegue nos colocar na cena de uma forma muito sensível.

    Zelinda, por fim, acaba sendo apenas mais uma mulher cancelada, vítima de um crime impune. Esse conto poderia ser o primeiro capítulo de um romance policial. Deixa em aberto uma série de possibilidades, embora, o primeiro pensamento seja culpar Augusto. Regina Rute Rincon – abram alas para o talento e a força dessa escritora!

    • Sílvio Vinhal
      30 de março de 2024
      Avatar de Sílvio Vinhal

      *pedoe-me pelo erro na grafia do seu nome: Regina Ruth Rincon. Na hora não percebi e depois não consegui corrigir.

      • Regina Ruth Rincon Caires
        4 de abril de 2024
        Avatar de Regina Ruth Rincon Caires

        Muito obrigada pela leitura! Nada a perdoar.

        Que bom saber que gostou do texto! Bom ter conhecido você…

        Abraço…

  2. rubem cabral
    27 de março de 2024
    Avatar de rubem cabral

    Olá, Dona Regina.

    Gostei bastante do conto: as descrições são muito eficientes, fazem a gente criar uma imagem mental e sensorial da cidadezinha e dos personagens. Infelizmente, como o conto já anunciava, Zelinda teve um final trágico e sem apuração do crime, feito muitas Zelindas ainda hoje sofrendo no interior do Brasil.

    Abraços!

    • Regina Ruth Rincon Caires
      4 de abril de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires

      Que bom saber que gostou! Obrigada pela leitura!

      Abraço…

  3. fabiodoliveirato
    26 de março de 2024
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas, Regina!

    Sua escrita é muito sensível, além de extremamente cuidadosa e um tantinho poética. Gosto dela. E o tema deste conto é de suma importância. Vai além da tragédia. Mostra como a cultura brasileira, como a justiça, é branda diante da violência contra a mulher. Zelinda foi apenas mais uma que acabou na beira da estrada. Todos sabem quem é o algoz, mas ninguém aponta o dedo. Fica apenas o burburinho. Não mudou muito. Apenas ficou mais exposto. Mesmo com câmeras e povo mais atento, são raros os dias que a mídia não divulga um caso semelhante. Qualquer um pode tirar a prova: basta ir no YouTube, acessar o canal do Cidade Alerta ou Balanço Geral e rolar a tela. Tem dias que são noticiados mais de três casos de feminicídio ou tentativa. Imagina quantos não caem no esquecimento, igual o caso de Zelinda, quantos são ignorados pela mídia e sequer noticiados no jornal local.

    Os personagens são meio estereotipados, mas casa bem com a mensagem do conto. Zelinda é a personificação da mulher que é alvo fácil desse tipo de predador. Doce, inocente, amável.

    Continue escrevendo, Regina.

    • Regina Ruth Rincon Caires
      4 de abril de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires

      Verdade. O feminicídio é uma praga que vem de longe. Eu tinha esperança de que, com a evolução dos tempos, essa violência seria extinta. Triste sentir que não.

      Obrigada pelos elogios! Obrigada pela leitura!

      Abraço…

  4. Priscila Pereira
    25 de março de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Dona Regina! Tudo bem?

    Gostei muito do seu conto! Muito gostoso de ler e imaginar. Sua Zelinda me lembrou da Remédios, a Bela, de Garcia Marques. Tão linda, tão cheia de vida e tão desprovida de intelecto talvez por isso mesmo podendo ser tão feliz. Pena que o destino das duas não foi o mesmo.

    O final trágico de Zelinda foi anunciado aos poucos no texto, mas quando enfim veio não deixou de ser chocante. E o desconhecimento de quem poderia ter feito uma atrocidade dessas com a pobre e o descaso da comunidade em descobrir combinou muito com o ar meio surreal que eu vi no conto ( com certeza por causa da associação com a personagem do Garcia Marques)

    Talvez tenha passado meio despercebido que a narradora também é uma personagem que conta suas lembranças e não um narrador onisciente. Gostei desse pequeno detalhe.

    Ótimo conto, como sempre! 💖

    Até mais! 😘

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      25 de março de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

      Obrigada pela leitura! O que pode ser visto hoje como descaso da comunidade, era o costume à época dos fatos. Não havia polícia especializada, nem advogado, tudo era muito incipiente. A segurança na cidade se resumia a um jipe e um milico, mas, com a vida pacata do lugar, a segurança servia mais para transportar algum doente para centros maiores. Parece um lugar insólito, né?! Mas tudo foi real. Obrigada pela comparação com personagem do Garcia Marques, será que ele não ficaria ofendido?! Obrigada, muito obrigada pelas boas palavras. Abração…

  5. Antonio Stegues Batista
    24 de março de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    Seu conto está bem escrito, com frases elaboradas, um linguajar caboclo isso porque o caso é contado por uma irmã de Zelinda, que permanece invisível, mas é a testemunha da tragédia na família. Certamente é um conto que agrada pela leitura fácil, pela riqueza de detalhes, pela escrita refinada e construção de personagens. Só achei que a senhora usou de muitos adjetivos para descrever Zelinda, mas isso não impede que eu lhe dê nota 10.

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      25 de março de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

      Obrigada pela leitura e pelos elogios! Você tem razão, sou um saco sem fundo quando lido com adjetivação. Acho que é o jeitão da madeira, viu?! Menino, e nem dá tempo de mudar… Obrigada por comentar! Abração…

  6. Angelo Rodrigues
    24 de março de 2024
    Avatar de Angelo Rodrigues

    Olá, dona Regina,

    Tive um enorme prazer ao ler o seu conto. Gosto muito dessa temática telúrica, pé no chão, onde, de fato, a vida acontece de verdade.

    A narrativa tem um jeito cadenciado, rimoso, na lenta lida dos dias. Um pouco no sentimento de que a vida é algo abafado, suado, mesmo quando as coisas vão bem.

    Um história em que não se tem pressa para descrever as personagens. A mãe, o pai, Zelinda. Todos. E todos parecem pertencer exatamente ao ambiente em que estão, ao tempo que ocupam no mundo, levando a vida adiante, onde a vida parece ser empurrada como se empurram as sombras com a ponta dos pés ao se caminhar.

    Uma história contada do princípio ao fim sem permitir ao leitor arriscar um desfecho. Sem afrouxar a condução. Se triste ou dadivosa, não sabemos. Se feliz ou trágica, também não sabemos. E fica por conta de dona Regina dizer aonde queria chegar. E chegou. É uma história que cabe perfeitamente na época e no ambiente em que todos se inscrevem. Os nomes, os utensílios, os preconceitos, a forma de narrar. Tudo absolutamente bem conjugado para contar a história de Zelinda e seu trágico fim.

    O conto é conduzido como pretendido, sem perder a mão das personagens e o caminho da história.

    Parabéns, dona Regina, mais um ótimo conto para o EntreContos. Invejável o seu modo de escrever, de contar uma boa história. A de Zelinda.

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      25 de março de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

      Que bom que o conto te agradou! Acabei de responder pro Gustavo sobre o desfecho do texto. Realmente é uma memória chocante que guardo da minha infância. Consigo divisar nitidamente aquela barriga saliente acima da borda do caixão, você acredita? A morte realmente aconteceu, e a partir dessa memória tentei ambientar o conto de acordo com a minha vivência. Acho que deu certo. Obrigada pelo comentário tão bem construído, obrigada pela leitura tão completa. Abração…

  7. Gustavo Araujo
    23 de março de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Ah, Dona Rê… Como é que a Sra faz uma coisa dessas com a gente? O conto começa com aquelas descrições primorosas de um interior imaginário, com aquela atmosfera cálida, de gente simples, em que se sobressai uma espécie de “Gabriela”, que aqui atente pelo singelo nome de Zelinda. Sim, está tudo ali, convidando o leitor para esse povoado tão conhecido como distante, de regras claras mas não escritas, onde a pobre Zelinda, ao que parece, cede aos encantos de um coletor de impostos, um homem que passa por ali sazonalmente, engravidando, para horror dos pais, especialmente para horror do pai.

    Nada nos prepara para o desfecho terrível. Porque navegamos por águas como as do universo jorge-amadiano, pensamos que algo diferente vai ocorrer. Só que não. A realidade nos estapeia a cara e o impensável acontece. Leitores nós ficamos indignados, queremos uma resposta. Quem foi? Quem foi? O pai? O coletor de impostos? A ausência de solução no conto nos coloca no mesmo patamar da mãe, desesperada por saber que a solução desse crime bárbaro nunca virá. Nunca. Porque mesmo num Brasil como o que vivemos hoje, mesmo numa capital, crimes horrendos ficam sem solução. Que dirá num Brasil interiorano, de cinquenta anos atrás, onde a honra e a vergonha eram lavadas com sangue…

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      25 de março de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

      Gustavo, obrigada pela leitura! Desfecho triste, né? Mas foi o que realmente aconteceu. É uma das memórias mais chocantes que tenho da minha meninice: aquela barriga saliente acima da borda do caixão. Minha vila foi um riacho de histórias, mas algumas cabeças-d’água me assustaram. Obrigada pelo comentário! Abração…

  8. Kelly Hatanaka
    23 de março de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Uma lindeza este conto, uma narrativa em formato de causo, construído com uma escrita belíssima, onde nada sobrea, nada falta.

    A história termina sem um fechamento e, assim, partilhamos da indignação da família, reforça o gosto da injustica. A sugestão é que o assassino tenha sido Augusto. Mas a riqueza narrativa permite outras possibilidades. Pode ter sido algum desafeto de Augusto, talvez ele tivesse outra família, enfim…

    Um conto lindo, cheio de emoção e tragédia.

    Parabéns.

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      25 de março de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

      Obrigada pela leitura e pelo comentário tão atencioso! Verdade, é uma história que deixa o desfecho aberto para o leitor “encontrar” o assassino. Eu acho que foi Augusto… Abração…

  9. Marco Aurélio Saraiva
    23 de março de 2024
    Avatar de Marco Aurélio Saraiva

    Eu estou fazendo algumas pesquisas para o meu livro, que se passa em épocas mais remotas do passado, e tenho visto o quão diferente era a vida antigamente, sem toda a conexão que temos hoje, sem a tecnologia, os milhares de olhos e câmeras observando tudo, gravando tudo. Era uma vida mais simples, mas também era uma vida cruel. Você passou bem a angústia da mãe quando não viu a filha voltar para casa. Não tinha telefone, não tinha whatsapp. Um assassino à solta, sem uma câmera na estrada, uma placa de carro, uma investigação policial. Um feito horrível desses era só um fato da vida; às vezes acontecia, e não havia o que se fazer a respeito.

    Regina, você escreve bem para cacete. A leitura tem um tom bem brasileiro, tanto na escolha de palavras, quanto na ambientação. Coisa boa, esse conto! Apesar de um tanto triste.

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      25 de março de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

      Marco Aurélio, obrigada pela leitura! É verdade, o texto é um tanto triste. A vida antiga era muito diferente, era realmente privada. Mas, para as mulheres, hoje é muuuuuito melhor, pode acreditar! Obrigada pelos elogios! Abração.

  10. Givago Domingues Thimoti
    23 de março de 2024
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Olá, tudo bem?

    Dona Regina, a senhora tem um talento com as palavras… Quero escrever igualzin quando crescer hahaahahahah

    A (triste) história de Zelinda é conduzida com muita maestria, contada de um jeito primoroso, como uma velha história de uma cidade pequena, contada de geração em geração com o objetivo de passar algum ensinamento. Muito me lembrou as escrevivências de Conceição Evaristo.

    A sensação que tive foi a de terminar a leitura desse conto com gostinho de bolo de fubá bem docinho, amargado pelo café. Não foi nem leitura não, foi uma contação de história no final de tarde. É uma narrativa gostosa, até a reviravolta abrupta, triste, trágica, mas real.

    Augusto me lembrou muito o personagem principal do livro da Conceição Evaristo, que saía pelo interior do RJ, MG e SP (cidades que a malha ferroviária na qual ele era condutor tocava) conquistando as mulheres com mimos e aquele papinho-xaveco. A única diferença entre os dois é que o maquinista era esse carismático “romântico incurável”, viciado em amar, enquanto Augusto beira a monstruosidade violenta que vemos todos os dias nos noticiários.

    ”Zelinda” é um daqueles contos preciosos e raros que encontramos dentro do EC. Dona Regina, obrigado pela preciosidade!

    Até a próxima.

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      24 de março de 2024
      Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

      Givago, obrigada pela leitura! Nem sei como lhe agradecer por tantos elogios. Muito obrigada!

      E eu, quando crescer, quero ser gentil como você!

      Fiquei muito feliz com seu comentário…

      Abração…

      Responder

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Informação

Publicado às 23 de março de 2024 por em Contos Off-Desafio e marcado .