Pisque duas vezes. Respire. Não se esqueça de respirar. Deixe que cada batida do seu coração aconteça, mesmo que cada uma tenha um ritmo próprio, que seja uma composição desordenada. Mas pelo amor de Deus, não fique vermelha. Não deixe o calor que você sente nas pontas dos dedos se espalhar rápido demais. Controle o seu pulso, mantenha as mãos cerradas, não toque o rosto dele. Não deixe a barba dele pinicar sua palma, não deixe sua pele sentir o rosto dele contraído em um sorriso sem piedade.
Pisque de novo, mantenha os olhos hidratados, e respire. Para você não correr o risco de desmaiar, de ficar ai desacordada, tão indefesa quanto todas essas garotas que você aprendeu a detestar. A invejar. Sinta o ar preencher o seu pulmão, mas ignore o cheio do perfume dele. Não se deixe embriagar pelo cheiro do cabelo recém-lavado dele. Não se deixe embebedar pelas palavras que ele exala tão descuidadamente, sem preocupação de como elas podem te atingir. Essas palavras que te queimam, que te iluminam, que te deixam iluminar, no curto prazo. Essas palavras tão vazias quanto o ar que propaga incêndios devastadores. Palavras que não vão chegar a lugar nenhum a longo prazo.
Mantenha uma respeitosa distância, fuja dos braços deles. E, se ele sem querer acabar te abraçando, se você não puder evitar se perder nos braços dele, se ele falar algo no seu pescoço enquanto mexe no seu cabelo, não se esqueça de respirar. Mas não se deixe envenenar por um momento de delicadeza, pela doçura da sua presença, pela alegria repentina e desconcertante que esse coração descompensado te provoca. Não se iluda pelas canções que ele te dedica, nem pela voz dele, nem pelo seu toque quente. São todos subterfúgios, irrealidade, faz de conta. Pisque de novo e tente tirar seus olhos dos olhos dele, dos olhos dele que sorriem todas as vezes que a sua boca sorri. Dos olhos escuros dele, que te tragam, que te aprisionam. Não se deixe prender, não se deixe perder pela maneira como os olhos dele te buscam na multidão. E não de motivo para essa multidão cuidar da sua vida, falar da sua vida, tornar sua vida uma novela da vida real. Sussurros, indiretas, sorrisos irônicos. Se afaste disso, se afaste dele. Esconda os braços numa manga longa para que ele não veja que cada vez que chega perto você se arrepia. Ponha firmeza no seu corpo, se alimente, se mantenha forte, para que ele não te pressinta trêmula e use seu desequilíbrio contra você.
Porque no meio da noite, quando você estiver sem ar, quando seu coração quiser bater mais rápido que a velocidade da luz, quando as lembranças não te deixarem dormir e, se finalmente permitirem, voltarem mais tarde para incendiar os seus sonhos, você vai se lembrar que está sozinha. Que o toque dele nunca esteve tão distante, que seu sorriso nunca foi tão pálido e que a verdade dura e fria é que não existe nada entre vocês. Nada que ele não faça com outras, por outras. Nada que tire o sono dele. Nada que represente algo mais além de uma amizade doentia. Um lado perdidamente apaixonado, um lado irreversivelmente indiferente.
Porque quando você observar ele olhar da mesma maneira para outras garotas, muitas como as indefesas que você despreza, vai doer. Vai doer muito. Seu coração vai desacelerar até os batimentos ficarem tão fracos que é difícil decidir se realmente estão batendo. A respiração vai ficar penosa, o ar subitamente pesado, pegajoso, quase sólido. E a sua capacidade de manter-se distante te vai paralisar e você vai decidir que mexer-se é complicado demais e que a imobilidade é mais confortável. Mas, parada ou em movimento, seu corpo sempre vai parecer que se está despedaçando em um milhão de partículas e a sensação é a de morrer um pouquinho por dentro.
O que será que acontece depois? Você deveria olhar no fundo dos olhos dele, ainda surpreendida pela capacidade que eles têm em te desestabilizar. Mas já vai estar mais forte, mais preparada para fingir melhor, para se segurar. E olhando para sua alma de menino, você poderia dar o seu sorriso mais egoísta, aquele que muitos já te acusaram de ser incrivelmente bonito e incrivelmente devastador.
– Você sabia que se uma escritora se apaixonar por você, você nunca mais vai morrer?
E saboreie a primeira vez que ele vacilar, a primeira vez que você vai estar no controle. Acompanhe o sorriso dele escorregar, a surpresa varrer seu rosto perfeito e deixar à mostra os milhões de defeitos que sua mente distorcida resolveu ignorar.
Depois escreva sobre ele, porque você é uma escritora e você está apaixonada. Fale sobre o jeito como ele se veste, sempre despreocupado, sempre rápido demais, exatamente da mesma maneira como ele dirige, sem nenhuma suavidade, com uma pressa para sair do lugar que é a mesma pressa que define o seu pensamento ágil e suas conversas inteligentes. Fale sobre o seu cabeço negro e como você gosta de despenteá-lo. Fale sobre a barba escura e dura que preenche seu rosto e escapa para o pescoço. Descreva suas mãos pequenas e que estão sempre quente demais, e como você se sente derreter todas as vezes que ele te toca o rosto e pergunta se está nervosa.
Deixe que ele seja sua inspiração para um milhão de histórias de amor, viva nelas todas as versões de finais felizes que puder imaginar e se contente em ter a sorte de poder se sentir amada, mesmo que unilateralmente. E quando finalmente estiver plena, viva, intensamente preenchida por um sentimento que, mesmo sendo de mentirinha, te faz sentir bem, deixe que a lembrança dele se esvaia. Se gaste até desaparecer. Guarde as histórias para você ou divida as melhores com os demais, deixe que outros se inspirem e se apaixonem como você se apaixonou, como você, que deixou seu coração nas páginas e pode finalmente viver a vida real com mais tranquilidade. Se separe desse amor, se desprenda, saiba se dividir em duas. A que caminha, trabalha, come e se mexe todos os dias, essa precisa se abster. A que está em seu interior, a que você pode moldar e mudar, essa pode viver essa emoção, inflar como um balão que, no lugar de ar, tudo que tem é sonho. Cheinha, cheinha, até que o clímax final estoure e ela flutue, subitamente vazia, subitamente cansada desse amor irreal. E vai voltar ao normal. A parte apaixonada vai se juntar à parte lógica, sua versão pacífica, que se manteve à parte, que acompanhou esse amor juvenil com um leve interesse, mas sem nenhuma inveja. Porque ela sabe que são poucas as vezes em que a gente ama alguém com toda a força do nosso ser, com cada suspiro, com cada rastro de pensamento e ideia, como se amar o outro fosse a própria essência da vida, a única opção, tão biológico quanto respirar. Mas que são ainda mais poucas as vezes que duas pessoas se encontram e se deixam encontrar dessa maneira e vivem eternamente juntas na intensidade de seus corações. Porque amar alguém com toda a sua força não é suficiente para estar com ele para sempre.
E quando as duas se fundirem, uma paciente e feliz, uma cansada e curada, você vai voltar ao seu eixo e ele já não será nada mais além de uma memória bonita para colocar em um potinho de vidro e guardar na sua coleção de amores platônicos, romances proibidos e corações partidos.
Essa é a história do meu amor nº 17. Outro dia fiz uma lista dos homens que já amei e me dei conta que a cada vez que choco meu coração contra a parede, fica mais fácil de dizer “eu te amo”. As palavras saem mais fácil, como se minha boca estivesse maleável, moldada por esse som doce e terrível que significa um mundo em tão poucas letras. Não há nada mais louco e mais interessante que dizê-las. Me pergunto quando vai chegar minha vez de estar na lista de alguém e ouvir essas palavras em outra voz que não a minha.
Ótimo conto! Intimista ao extremo, cheio de boas reflexões e passagens. Sei que estou sem muita moral para falar de textos concisos, mas eu teria encurtado só um pouquinho esse aqui. Além disso, alguns probleminhas que poderiam ser limados numa revisão mais apurada, mas nada que comprometa.
Destaque especial para essa frase aqui:
“Porque amar alguém com toda a sua força não é suficiente para estar com ele para sempre.”.
O final, conforme comentado pelo Gustavo, foi muito bom.
Parabéns!
Oi Fabio! Obrigada pelo comentário! Sei o que você quer dizer, às vezes é difícil saber parar haha! Se quiser me mandar os probleminhas de revisão que você achou, seria muito útil! Meu e-mail é regianefolter@outlook.com. Abraço!
Oi, Regiane!
Vou postar aqui mesmo, como costumo fazer, ok?
Como disse, nada que comprometa:
– ficar ai desacordada
>>> aí
– fuja dos braços deles
>>> dele
– não de motivo
>>> dê
– vai estar
>>> “estará” ficaria melhor
– Fale sobre o seu cabeço negro
>>> cabelo
– suas mãos pequenas e que estão sempre quente demais
>>> quentes
– As palavras saem mais fácil
>>> “fáceis”, ou… “com mais facilidade”, ficaria melhor
Gosto muito, muito mesmo desses textos que abordam o lado psicológico do personagem. Que faz com nós, leitores, sejamos sugados para a mente em conflito, em que nunca há certeza de nada, em que nada é o que parece. E mesmo numa questão simples — neste caso, uma abordagem tipicamente adolescente — a autora conseguiu nos tornar cúmplices dos dilemas da protagonista. O parágrafo final, aliás, arremata com maestria a narrativa. Muito bom.
Oi Gustavo! Obrigada pelo comentário, feliz que você gostou! Me identifico muito com esse tipo de texto, geralmente é mais fácil pra mim escrever dessa maneira