Nauseabunda tarde aquela!
Não, contar não é fácil. Tampouco impossível. Enrolo. Sim, porque me enfastia o final da história.
Deambulando pelo Centro Velho de São Paulo seus olhos-câmera o focaram: jovem, gordo, queimado de sol, mãozonas que se agitavam desordenadas, cabelos compridos desgrenhados, olhar vítreo, peito cabeludo sob o sobretudo preto e sem mangas que lhe chegavam quase à altura dos pés.
Visão que descarrilou nela a inevitável sequência de associações que lhe eram frequentes em horas como essa: um maestro? Um padre? Um anjo? Uma barata? Um pássaro? Batman? Droga! Droga?
Seu todo sugeria antes de tudo um voo.
Foi atrás. Qual! Depois se lembrou da promessa de parar de ser tonta. Essas coisas.
Passou rápido e resfolegante por ela, deixando-lhe nas narinas um cheiro quente.
Batendo pernas no Centro vê-se de tudo. A cada esquina uma loja da China. Roupas, sapatos, farmácias, brinquedos, cosméticos, bijuterias, bancas de jornal.
E artistas de rua pra todos os gostos.
Tina fazia hora, após o expediente no escritório, como eu faço neste instante, tentando contar esta historieta: dando voltas.
O sol já se retirava, tingindo de lilás o azul do dia, quando pegou o caminho do metrô de volta a casa. Até àquele momento celebrava o feriado prolongado de Todos os Santos à sua frente, comprinhas feitas, perfumarias e bugigangas inúteis como os seus dias de escriturária.
Foi quando, passado o Teatro Municipal e entrado no Viaduto do Chá avistou a multidão que lotava os arredores. Claro, pensou. Devia ser um daqueles shows comuns no Vale do Anhangabaú.
Acotovelando-se àquele povaréu debruçou-se nas amuradas e, em meio à sangueira vermelho gritante no chão lá embaixo, ornando com a cor dos carros de bombeiros, dos quais peritos tentavam recolher a massa informe em que se transformou o seu desconhecido, reconheceu-o.
E não é que tinha realmente voado, segundo as suas surreais previsões?
Assaz! E aí?
Aí nada. A julgar pela animação, mistura de horror e esgares nervosos, daquela gente, a função ainda iria longe, entre salgadinhos, refrigerantes e falações, ambulantes e leitores de tarô.
Aquele personagem, porventura escapado de algum romance que houvesse lido, materializado vivo na sua frente, sumiu de volta a seu lugar de origem, sem mais.
Fato que não a impediu de o ver rondando o seu quarto por noites insones, nem a culpa, como se sua fosse, pelo apoderamento que ele fez possível de sua vida e morte.
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