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Detox Literário.

Não posso conhecer você (Marcos Perini)

Já faz algum tempo que lhe conheci. Foi algo totalmente casual, bem sabemos. Ambos estávamos navegando pela Internet, vendo informações interessantes, banais e até mesmo tolas. Eis que numa determinada rede social deparei-me com seu perfil. Achei diferente, peculiar. “Bem, é mais um ser humano neste imenso e vasto mundo”. Enganei-me. Tive de pular para outra aba do navegador, a fim de responder um tuíte que um amigo acabara de enviar. Em pequenos momentos é que grandes acontecimentos acontecem. Já era tarde e, ao deparar-me com os ponteiros do relógio, saltei em direção à cama, na tentativa de minimizar os efeitos posteriores pela falta de sono. De um sono bom, diga-se de passagem.

No dia seguinte, após longas e cansativas horas de trabalho refugiei-me na fortaleza dos meus aposentos. Voltando à velha rotina de ler e-mails, procurar ofertas em sites de compras, comentar alguma citação no Facebook e verificar o saldo bancário, deparei novamente com seu perfil. Já dizia o ditado “coincidências não existem, apenas o inevitável”. Resolvi observar mais detalhadamente e não pude evitar: apreciei o que vi. Não. Acredito que não foi amor à primeira vista. Até porque essa situação está ficando cada vez mais escassa neste ambiente virtual. Minimamente, comecei a seguir seus posts e seus comentários. Em outras palavras, estaria praticando uma ação “stalker”.

Com o passar do tempo, acabei conhecendo um pouco mais sobre você e resolvi fazer o primeiro contato, adicionando-lhe às minhas redes sociais. Em menos de um mês de “análise” você já fazia parte de um círculo de minha vida. Então, inesperadamente, você retribuiu. Espantei-me e tive um surto duplo: de felicidade e de tristeza. O que faria agora? O que seria adequado? Qual o comportamento esperado? Ninguém poderia responder minha angústia e limpar minha mente de todos os pensamentos insanos. Bem, entre eles havia alguns racionais. Pelo menos foi assim que agi. Com a devida calma. Externamente, óbvio.

Após algumas semanas nosso contato havia se tornado bem mais concreto. Conhecíamos e compartilhávamos gostos musicais, cinematográficos e gastronômicos. Discutíamos, igualmente, cada ponto destes assuntos, uma vez que nem sempre concordávamos com a posição do outro. Percebíamos afinidades em muitos aspectos, ainda que houvessem divergências pontuais sobre determinados temas. O importante: aprofundávamos cada vez mais nessa relação de amizade, cujo futuro era incerto e indefinido. À medida que nossas conversas se ampliavam, juntamente com nossa amizade, acresciam-se os meios pelos quais mantínhamos contato.

Definitivamente, estávamos cada vez mais próximos. Qual seria o próximo passo? Naturalmente, o contato físico. O primeiro. Aquele que definiria “nosso futuro”. De repente, uma sensação gélida percorreu meu corpo. Não fazia ideia da minha reação ao lhe encontrar pessoalmente. A dificuldade de sair do comodismo construído conversa após conversa acertou minha mente em cheio. Estava acostumado com a sensação de ansiedade – quase mórbida – ao esperar para falar com você. Havia, com certa razão, habituado-me ao ouvir a notificação do Whatsapp alertando-me que você havia me mandado uma mensagem.

O que eu faria com essa paixão platônica que houvera delicadamente moldado aos padrões que tanto desejava, como se fosse um bonsai digno de grande prêmio? Não, não estava certo. Eu tinha que manter tudo assim, como se não pudesse mudar nunca. E se você não gostasse de mim? E se você me descartasse como um objeto qualquer, como certas pessoas outrora fizeram? Não posso correr o risco de lhe perder, pois lhe desejei assim para mim. Quero nossas conversas diárias e nossas risadas soltas. Nossos diálogos sérios sobre a política e sobre a complexidade humana. Ou sobre o pastel de queijo daquela famosa feira.

E, pensando assim, cheguei à seguinte conclusão: para manter-lhe sempre comigo, não posso conhecer você.

Já faz algum tempo que analiso aspectos da minha vida. Obviamente que o lado sentimental tem se exaltado e chamado minha atenção em demasia. Pensei muito a respeito e tive a certeza que não poderia conhecer você. Agrupei um amontoado de motivos, talvez deveras emotivos, mas que certamente foram cruciais para minha tomada de decisão.

Contudo, agora tenho em minha frente uma nova barreira. Um obstáculo a ser derrubado. Primeiro preciso entender a razão que me fez optar em querer manter-lhe sempre comigo. Em palavras simples, você foi o resultado de tudo aquilo que eu desejei em alguém, fruto de precioso e delicado molde produzido ao longo do tempo e no decorrer de nossas agradáveis conversas. Temi conhecer-lhe pessoalmente pelo medo da negativa, da recusa dolorosa que me entristeceria por dias intermináveis. Temi pelo medo do descarte.

Este impasse foi criado por mim e alimentado por todos os traumas e pelas experiências passadas. Percebi, então, o óbvio: se não posso lhe conhecer, por que deveria continuar nutrindo esse sentimento por você? Uma análise mais lúcida de nossas conversas permitiu-me observar que eu me apaixonei. Neguei, mas tenho a convicção que nutri um grande sentimento romântico. Que fui eu quem se apegou. Você? Não. Talvez nem metade do que eu sinto – ou senti. Seria melhor não quantificar.

Ponderei as ações futuras. Continuar, como se nada houvesse acontecido? E tudo o que já conversamos, seria jogado ao vento? Este foi o primeiro pensamento que veio à mente quando vislumbrei a barreira. Se 1. não posso lhe conhecer e 2. não darei continuidade ao sentimento que tenho por você, acredito com veemência que o próximo passo é o afastamento.

Abrindo um parêntesis para falar sobre tecnologia, vivenciamos uma era na qual as pessoas estão virtualmente mais próximos umas das outras. E não vejo problema algum nisso, na realidade é excelente. Todavia, quando se passa por atribulações amorosas, qualquer contato visual com a pessoa amada representa uma bomba em um campo minado, pronta para explodir a qualquer momento. Logo, quanto maior o número de redes sociais em contato, maior a quantidade de hectares a caminhar.

Voltando ao assunto anterior e, considerando tantos condicionais, percebi que o mais razoável a se fazer é cortar relações. Há quem prefira um processo lento, de modo a minar conversas e reduzir aos poucos os acessos às redes sociais. Outros preferem de maneira abrupta, com direito a exclusões e bloqueios tempestivos.

Caberá uma análise mais profunda sobre qual medida adotar, mas o resultado será o mesmo: afastar-me de qualquer sentimento afetivo que nutri por você. Nada mais direi senão “adeus”.

Um comentário em “Não posso conhecer você (Marcos Perini)

  1. PePe
    27 de julho de 2016
    Avatar de PePe

    intenso e intenso.

E Então? O que achou?

Informação

Publicado às 2 de março de 2015 por em Contos Off-Desafio e marcado .