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Detox Literário.

Libertação (Jéssica Stewart)

Isa era apenas mais uma pessoa. Era jovem, mas não se comportava como tal. Estava alheia a tudo que acontecia a seu redor, não por opção, mas por ser considerada um estorvo a todos. Queria ser aceita, importante, ao menos para alguém. Buscava ser sempre uma pessoa diferente para agradar quem estava ao seu redor. Seus esforços eram em vão.

Seu frágil coração já não aguentava tanta traição, egoísmo, falta de caráter; decidiu correr atrás das coisas boas da vida, já que acreditava com fervor que elas poderiam existir. Consideravam-na, por isso, como uma tola e aos poucos passou a se tornar invisível. Gradativamente, a menina antes feliz e radiante se viu afundando em uma tristeza densa, que a sugava sempre mais. Não havia como lutar contra aquele sentimento.

Assim foi levando sua vida, como se sua presença se tornasse um fardo cada vez maior às pessoas. Não a todos, vamos deixar isso bem claro, uma vez que possuía utilidade na vida de alguns que a usavam e deixavam quando não tinha mais serventia. Era mais um objeto, como um lápis, uma caneta ou até mesmo um travesseiro.

Não possuía ambições, queria viver um dia de cada vez. O amor não fazia parte de seu dicionário, não podia se dar ao luxo de tê-lo. Como disseram certa vez, o amor é uma fraqueza. Sabia também que se caso um dia isso fosse acontecer, não seria correspondida. Afinal, quem teria coragem de amá-la?

Aos poucos foi perdendo sua identidade. Suas músicas não a pertenciam, seu estilo não a agradava. Tornou-se agressiva, amarga. Sentia-se em um mundo diferente e às vezes confidenciava isso a algumas pessoas que logo se aproveitavam da situação.

Via em seus livros, o ápice da felicidade. Sentia falta da época em que não era rejeitada, nem marginalizada. Buscava se encontrar com o passado nas obras de diferentes escritores. Era nesses preciosos momentos que se sentia livre, próxima de seu verdadeiro eu.

Zombavam, caçoavam… e por diversas vezes, ficara sozinha chorando, refletindo o quão é horrível viver.
O espelho era seu único inimigo. Não conseguia encarar suas provocações por muito tempo. Gorda, feia, com muitas espinhas, muitas olheiras… poucos sorrisos. A falta de lábios a perturbava, assim também era com os dentes que achava grandes demais. O cabelo, sempre rebelde, era escondido por um coque rápido, apressado… deixando a mostra seus braços roliços.

Sentia-se inútil e odiava quando conseguia abrir os olhos pela manhã. Era mais um dia cruel que teria que enfrentar.
Em uma noite, cansada, deu boa noite a seus pais, colocou sua irmã com afeto na cama e fez questão de pronunciar um “eu te amo” a todos. Rezou uma prece, não por si, mas para a humanidade. Antes de se deitar, foi até a lavanderia e fez uma mistura com ervas, produtos de limpeza e formicida. Degustou a sua libertação, que desceu amargo como sua vida, e deitou-se em sua cama. Jamais acordou.

6 comentários em “Libertação (Jéssica Stewart)

  1. Gustavo Araujo
    20 de novembro de 2014
    Avatar de Gustavo Araujo

    Olá, Jessica. O conto trata de um tema muito interessante. Como o jovem se vê — ou não — aceito perante os demais. Creio, no entanto, que o assunto merecia mais linhas. Achei o conto um tanto curto para algo tão vasto e perturbador. Não é exatamente uma história, mas sim uma espécie de aviso. Quanto à escrita, achei regular, firme e segura, ainda que um ou outro erro tenha escapado. De todo modo, fico feliz que você tenha produzido algo fora do que comumente se vê por aqui. Obrigado e… parabéns!

    • Jéssica Stewart
      24 de novembro de 2014
      Avatar de Jéssica Stewart

      Olá Gustavo! Sou que quem deve agradecer pela oportunidade de ter um texto publicado aqui! Concordo que não está nos padrões de um conto e que poderia ter uma sequência de fatos que seguissem a mesma linha de raciocínio… contudo, esse texto tomou vida enquanto o escrevia e, aos poucos, tornou-se confidências minhas e daqueles que estavam ao meu redor. Gostaria de ter dominado mais a ideias, ter feito algo mais coeso, certamente. Muito Obrigada pela oportunidade!

  2. Ledi Spenassatto
    20 de novembro de 2014
    Avatar de Ledi Spenassatto

    Seu conto Jéssica tem muito a ver com a data de hoje – é o Dia Nacional da Consciência Negra – o ódio faz mais mal para quem o sente, causa doenças, danifica o espirito e maltrata o corpo. O amor, a aceitação e a igualdade enaltece, enobrece e enriquece as pessoas.
    Eu excluiria a ultima frase, ela no meu entender é desnecessária -, Jamais acordou. Deixe que o leitor dê assas a sua imaginação.

    • Jéssica Stewart
      20 de novembro de 2014
      Avatar de Jéssica Stewart

      Ledi, há uma carência crescente nos jovens de hoje. Os valores, outrora primordiais para a vida em sociedade, perdem-se aos poucos e isso cria uma lacuna, tanto no caráter quanto na alma das pessoas. Certamente, todos sofremos com isso em alguma parte de nossas vidas.
      Eu pensei muito na colocação dessa última frase, e optei por pô-la para não causar qualquer outra interpretação (apesar de que eu acho que não há outro significado para o ocorrido), e para tentar deixar um pouco poético, mostrando o quanto aquilo significava para ela (tentativa falha, ao meu ver); todavia, muito obrigada por seu comentário! Abraços!

  3. Anorkinda Neide
    20 de novembro de 2014
    Avatar de Anorkinda Neide

    Gostei! Que dó e pensar que essa é a realidade da adolescência, embora uma pequena porcentagem se entregue a tanto pessimismo.. mas mesmo assim, é preocupante essa realidade.
    Só uma correçãozinha: ‘ Suas músicas não LHE pertenciam,’
    Parabens pelo conto, pequeno e direto!

    • Jéssica Stewart
      20 de novembro de 2014
      Avatar de Jéssica Stewart

      Anorkinda, muito obrigada por seu comentário.
      Sim, é mesmo muito preocupante essa situação já que somos bombardeadas por notícias de suicídios de jovens frequentemente.
      Quanto a construção, concordo plenamente com sua correção.
      Abraços!

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Informação

Publicado às 19 de novembro de 2014 por em Contos Off-Desafio e marcado .