Em Acqua Traverse faz um calor infernal. Mesmo na atmosfera sufocante desse lugarejo perdido norte da Itália, onde pessoas anseiam por uma vida melhor, Michele Amitrano, 9 anos, encontra tempo para andar de bicicleta.
Claro, e explorar os campos de trigo com seus amigos Salvatore, Antonio, Remo e Barbara, além de sua irmã, Maria.
Quando resolve aceitar um desafio ao entrar em uma casa abandonada, Michele descobre um segredo incrível demais para repartir com os outros. O problema é que isso acabará, inevitavelmente, fazendo com que ele perceba a exata fronteira que separa adultos de crianças, o limite da monstruosidade.
Tendo como pano de fundo a Itália dos anos 70, “Eu não tenho medo” é uma história curta mas pungente. Atinge o leitor de modo certeiro, tornando impossível largar o livro. Suas duzentas e poucas páginas brilhantemente escritas contêm os elementos essenciais para tornar a leitura obsessiva.
Pelos olhos de um menino de nove anos, extrai-se o valor da verdadeira amizade e a dor da decepção. Como não se comover com o sacrifício alheio? Como encarar o fato de que às vezes aqueles em quem mais confiamos são os primeiros a nos desapontar? A verdadeira face de quem nos cerca nunca é o que parece. Por trás de um sorriso há sempre intenções que desconhecemos. E essa descoberta pode ser muito dolorosa.
Tal realidade, despida de eufemismos, percebida pelo pequeno Michele à medida que o livro avança, termina por arrancá-lo do universo ingênuo que o envolve, fazendo-nos cúmplices de sua angústia, de seu esforço e de sua esperança de que tudo termine bem.
O maior mérito do autor Niccolò Ammaniti é levantar questões perturbadoras, diante da ética típica de uma criança, fazendo-nos perceber as raízes de nossa própria moralidade. É impossível não indagar a si próprio “o que eu faria no lugar do pequeno Michele?”
E o final do livro? Talvez seja um dos melhores que já tenham sido criados. Evitando estragar a surpresa, dá para dizer que Ammaniti é mestre em criar suspenses e situações que vão se tornando cada vez mais urgentes. É exatamente o que ocorre no fim de “Não tenho medo”. Página a página o leitor sente o fôlego roubado, como se as letras e linhas impressas o agarrassem pelo pescoço. E tudo termina de repente, mas de modo perfeito.
Um livro sensacional.
A propósito, o livro deu origem a um filme com o mesmo nome. Não perca tempo com ele. Aqui cabe a regra geral de que filmes são sempre inferiores nesse tipo de comparação. Neste caso chega até a ser covardia.
Não tinha visto essa resenha! Muito bom, quero ler esse livro! =)
Pois é… eu a escrevi há algum tempo, rs. Sim, não deixe de ler. Sabe aquela coisa do “que livro vc levaria para uma ilha deserta”? Então… Esse seria um forte candidato. É um dos meus “all times favorite”. Bom demais!