EntreContos

Detox Literário.

A Forma do Desejo (Antonio Luis Mendes)

Nunca tive apreço por aqueles que desperdiçam minha tarde com relatos previsíveis. Gosto de desafios, complexidades intratáveis, que me forcem a escavar a fundo, desdobrando camadas invisíveis até expor algo que nem mesmo o paciente se atreve a encarar. Por isso, quando Cris entrou em meu consultório naquela tarde fria e cinzenta, despertou em mim um estranho e silencioso interesse que eu não sentia há meses.

Ele não preenchia o clichê dos atletas de elite: havia uma fragilidade insidiosa escondida sob a musculatura impecável, algo que transcendia os limites clínicos de meu diagnóstico inicial. A pele lívida, as pálpebras pesadas, a postura excessivamente tensa. Tudo nele gritava exaustão, menos os olhos. Neles brilhava algo febril, voraz.

1ª Sessão: 17 de julho às 10h

— Não estou dormindo direito, doutora Helena — iniciou, num timbre que denunciava constrangimento. — Acordo mais cansado do que quando deito.

Não respondi de imediato. Observar em silêncio sempre foi minha tática mais valiosa; muitas vezes, pacientes preenchem o vazio com verdades que jamais revelariam se questionados diretamente.

Cris engoliu em seco, desviando o olhar para os próprios joelhos, como quem enfrenta uma batalha interna para escolher as palavras.

— E esses sonhos… Eles não são normais.

Hesitou, dedos inquietos sobre as pernas.

— Não são normais como? — incentivei, ajustando discretamente a posição do gravador sobre a mesa.

Ele respirou fundo, exalando lentamente uma angústia visível.

— Existe alguém nos meus sonhos. Uma presença… feminina. Mas não é exatamente uma mulher. É mais forte, dominante, perfeita. Ela me provoca, me testa até o limite. E eu não consigo resistir.

Algo naquela descrição ativou em mim uma sensação peculiar de curiosidade clínica mesclada a uma sutil inquietação. Observei com atenção as expressões que alternavam entre vergonha e fascínio em seu rosto.

— Digo, eu sempre consegui controlar tudo na minha vida, doutora. Meu corpo é meu instrumento de trabalho. E agora… sinto que estou perdendo esse controle.

Anotei rapidamente em meu bloco: Paciente demonstra forte ansiedade quanto à perda do domínio corporal. Projeção psicológica manifestada em figura onírica.

Cris suspirou, parecendo aliviado pelo fim dessa breve confissão, e recostou-se na cadeira, evitando novamente o contato visual.

— Compreendo — disse suavemente, disfarçando minha habitual autoconfiança. — O que você está descrevendo pode ser uma forma sofisticada de ansiedade performática. A mente humana costuma expressar receios profundos através de imagens simbólicas.

Ele balançou a cabeça lentamente, sem muita convicção.

— É mais real do que qualquer coisa que eu já tenha experimentado. Vem lá de dentro, sabe?

Por um instante, o silêncio retornou ao consultório, preenchido apenas pelo som abafado da cidade lá fora. Naquele momento, sem saber exatamente por quê, senti uma fissura em minha objetividade profissional. Uma curiosidade que transcendia o diagnóstico.

Diário Clínico

Paciente: Cris M., 29 anos, atleta profissional. Queixas: fadiga extrema, episódios recorrentes de sonho lúcido com caráter erótico e dominador.

Hipótese inicial: ansiedade de desempenho associada à extrema exigência física. Simbolismo onírico parece indicar necessidade profunda de controle, possivelmente ligado à baixa autoestima ou ao medo de inadequação. Vale investigar mais a fundo os aspectos simbólicos da figura feminina descrita pelo paciente, buscando compreender suas origens psicológicas.

Nota pessoal: paciente exibe clara relutância em discutir determinados elementos dos sonhos, especialmente ligados à figura feminina descrita. Recomendável abordar cautelosamente para evitar resistência.

31 de julho, 3h31

Não era eu mesma.

Eu estava no corpo dela. Aquele que era força, perfeição e controle absoluto.

Sentia os músculos firmes sob a pele, cada fibra viva e pulsante. A respiração sincronizada ao ritmo daquele homem diante de mim, o meu paciente, tão familiar e vulnerável. Uma luz difusa e quente envolvia aquele cenário surreal, uma atmosfera úmida e opressiva, impregnada de desejo e tensão.

Ele tremia sob meu toque. Não havia erotismo convencional naquela troca, apenas dominação e entrega total. Meu poder sobre ele era absoluto, intoxicante, quase obsceno. Quando minhas mãos encontraram seu corpo, senti algo mais profundo que a pele: senti sua essência, sua força vital fluindo para mim como eletricidade líquida.

Liberte-se e entregue-se por completo, sussurrei numa voz que não reconheci como minha, profunda, rouca, feroz. E ele, meu paciente, obedecia como se fosse seu único propósito, seu corpo arqueado de dor e prazer indistinguíveis.

Quando acordei, estava encharcada em suor frio, o peito dolorido devido a tamanha angústia. Minha respiração acelerada dissipava aos poucos as sensações físicas daquele sonho lúcido e perturbador.

No dia seguinte, enquanto caminhava distraidamente pela calçada úmida, tentando afastar os pensamentos que ameaçavam minha sanidade, um atleta cruzou rapidamente na minha frente, correndo em um ritmo decidido e poderoso. Minha atenção fixou-se instantaneamente naquela musculatura perfeita em movimento, no brilho sutil do suor escorrendo por sua pele tensa e rígida. Sem aviso prévio, senti algo visceraldespertar dentro de mim—uma fome ardente e proibida, um desejo predatório que lembrava perigosamente o que eu experimentara em sonho.

O susto me fez parar bruscamente. Recuei um passo, sentindo a respiração subitamente ofegante, as faces ardendo num rubor vergonhoso. O atleta já havia desaparecido na esquina seguinte, mas o eco daquela pulsão ainda me rasgava por dentro, deixando uma sombra incômoda sobre tudo o que eu acreditava conhecer de mim mesma.

Tomada por uma inquietação, adentrei minha pequena biblioteca particular, em busca de algo que pudesse dar sentido à irracionalidade que me invadia. Meus dedos deslizaram lentamente pelas lombadas gastas, até se deterem num volume antigo, empoeirado, quase esquecido, cuja presença agora parecia mais que conveniente: Arquétipos da Alma: Da Psicologia Analítica à Mitologia Profunda.

Abri o livro aleatoriamente. A luz fraca do abajur espalhou-se pela página envelhecida, onde meus olhos se fixaram sobre uma breve passagem marcada há anos:

“O Íncubo e a Súcubo são figuras simbólicas da Sombra projetada em forma erótica. Mais que demônios, são expressões de desejos reprimidos, imagens arquetípicas que nos confrontam com nossos instintos mais profundos. São manifestações que ameaçam consumir não só a energia vital, mas também a sanidade daquele que não reconhece a existência destas forças ocultas dentro de si.”

Uma rajada fria de vento atravessou a janela mal fechada, arrepiando-me violentamente. Fechei o livro com força, o eco seco reverberando na escuridão do cômodo, enquanto o tremor tomava conta do meu corpo em um ritmo quase frenético. Minhas mãos ainda tremiam ao recolocar o livro na prateleira, sentindo, naquele gesto, a frágil tentativa de negar a verdade.

Diário Clínico

A ansiedade performática falha ao explicar a extensão do que ocorre aqui. O paciente demonstra padrões obsessivos que ultrapassam o alcance das categorias diagnósticas habituais. Há algo enigmático nessa entidade feminina descrita por ele. Posso afirmar que isso transcende o mero desejo sexual, infiltrando-se numa esfera que me recorda da teoria junguiana da “Sombra”: nossos aspectos ocultos, reprimidos por serem inaceitáveis ou vergonhosos.

Cris parece não apenas atormentado, mas fascinado por essa figura, que ele insiste descrever como uma personificação da perfeição física e domínio absoluto. Uma manifestação hostil de sua própria Anima? Um arquétipo feminino punitivo que desperta algo reprimido? O pensamento soa absurdo, todavia não posso negar que a ideia ecoa estranhamente em mim. Preciso ficar atenta à contratransferência.

7ª Sessão: 28 de agosto às 10h

Ele me encara com olhos que parecem ter se tornado ainda mais sombrios. Desta vez, duvido que se trate de cansaço.

— Você a descreve como perfeita — começo, cuidadosa. — Pode explicar melhor o que significa perfeição pra você?

Cris respira fundo, desconfortável.

— Ela é controle absoluto. Nada escapa dela. É força, precisão, disciplina. É tudo que eu sempre quis alcançar, mas nunca consegui.

Percebo suas mãos cerradas com força desnecessária.

— Essa perfeição que você vê — insisto suavemente — representa algo que você admira ou algo que teme, Cris?

Ele fica em silêncio, uma angústia visível em seu rosto, enquanto tenta ordenar as ideias.

— Talvez as duas coisas — admite finalmente. — Eu… sempre admirei esse controle, essa força. Mas agora, quando sonho com ela, é como se estivesse zombando da minha fraqueza, como se mostrasse algo que nunca poderei alcançar.

— E você não acha possível que ela seja uma parte sua? — arrisco cuidadosamente, sentindo-me atravessar uma linha perigosa. — Algo que você reprime dentro de si mesmo?

Ele sorri sem humor.

— Algo que eu reprimo? Doutora, o que eu reprimo não se parece nada com ela. O que eu reprimo é exatamente o contrário. É tudo que ela não é.

— Então você diria que ela representa o seu oposto?

Ele sustenta meu olhar com intensidade assustadora.

— Ela é o que eu gostaria de ser. O que eu tento mostrar ao mundo. Só que elevado ao extremo. Talvez ela seja minha punição por não ser bom o suficiente.

As últimas palavras deixaram o ar pesado. Nelas, percebo que há resquícios de alguma emoção que ele não ousa verbalizar explicitamente. Uma dor tão profunda que apenas o subconsciente é capaz de dar-lhe forma.

29 de agosto, 2h49

Percebo-me em mais uma incursão naquele universo onírico e perturbador.

Meu corpo não me pertence. É outra vez a carne daquele ser que domina absolutamente. Desta vez, porém, a sensação é ainda mais visceral, uma embriaguez de poder que me entorpece enquanto observo meu paciente ajoelhado à minha frente.

Minhas mãos se aproximam dele, segurando seu rosto, obrigando-o a olhar-me diretamente nos olhos. É então que percebo: aqueles olhos são também os meus, mas de um jeito que nunca me permiti ver. São olhos que ordenam, que subjugam, que controlam. São os olhos daquilo que sempre evitei.

— Renda-se ao que você realmente é — ouço-me dizer com a voz daquele ser que sou e não sou. — Admita. Você sempre quis isso.

Cris cede, corpo trêmulo, rendido ao poder que agora possuo. E é nesse instante que sinto um êxtase proibido, um prazer mórbido que transcende toda racionalidade.

Acordo em sobressalto. O quarto escuro, o coração em fúria. Caminho até o espelho como se fosse obrigada por uma força irresistível, buscando alguma resposta, algum sinal visível do que senti.

Meu reflexo me encara com olhos febris. Tomada por um horror silencioso, dou-me conta que aquilo que experimentei não era apenas o sonho dele. Era o meu Animus ganhando vida. Aquela força, aquela dominação… era o masculino em mim, reprimido por décadas sob o verniz do controle profissional e social, finalmente libertado.

Pior ainda: reconheço em mim uma ansiedade quase desesperada para sentir aquilo novamente.

— Meu Deus — murmuro para a imagem distorcida que sou eu. — O que você está fazendo comigo?

Deitada em minha cama, a madrugada já avançada, eu tentava em vão fugir daquele estado inquietante de alerta. O teto branco acima era um espelho vazio para meus pensamentos obsessivos. Cada minuto arrastava-se lentamente, uma eternidade de silêncio entremeado por murmúrios imaginários, ecos sutis de palavras que Cris jamais dissera.

Rolei na cama, inquieta, desesperada por encontrar repouso, por afastar aqueles pensamentos. Entretanto, já não era possível dormir sem temer o que encontraria nos sonhos. Era impossível esquecer a sensação inebriante, terrível e poderosa daquela outra identidade que me habitava. Fechei os olhos uma última vez, entregando-me a uma verdade dolorosa: eu já ansiava, quase com desespero, pelo retorno daquela presença.

E, naquele anseio insaciável, compreendi, enfim, a magnitude de minha corrupção.

Quando finalmente caí nos braços de Morfeu, o sonho chegou como um golpe inevitável. Estava sendo sugada outra vez para aquele universo escuro, tórrido e irrespirável. Meu corpo—que já não mais reconhecia como estranho, e sim como a manifestação íntima e obscena do meu ser reprimido—estava vivo e pulsante em poder absoluto.

Cris estava deitado diante de mim, vulnerável como jamais o havia visto. Minha presença pairava sobre ele, pesada, controladora, despida de compaixão. Minhas mãos se moviam por seu corpo, meu toque era pura eletricidade, exigindo dele algo que ultrapassava as fronteiras do desejo físico: rendição total.

Seu corpo estremeceu sob minha dominação, olhos fechados, expressão de abandono. E quando senti o êxtase dele se consumar, algo profundamente obscuro se agitou dentro de mim, um triunfo pervertido que ressoou como um grito silencioso de vitória.

13ª Sessão: 13 de setembro às 13h

Devido ao aumento da frequência e intensidade dos episódios oníricos, Cris pediu para fazer mais de uma sessão por semana, chegando a três na semana passada.Neste dia, ele chegou pontualmente, surpreendendo-me pela serenidade que agora parecia ostentar. A tensão, até então presente em cada movimento seu, desaparecera quase por completo.

— Estou pronto para terminar a terapia — anunciou ele suavemente, com uma calma que me desconcertou.

Minha inquietação era visível. Tentei recuperar alguma neutralidade profissional, sem sucesso.

— Algo mudou?

Ele desviou o olhar, rindo com uma ironia amarga e silenciosa.

— Doutora Helena, eu finalmente entendi o que ela queria de mim.

Não parecia assustado. Ao contrário, tinha o olhar triste, resignado.

— Cris — comecei com cautela extrema, sentindo minha pulsação acelerar estranhamente —, o que aconteceu nesse último sonho?

Ele respirou fundo, baixando os olhos, voz quase num sussurro:

— Pela primeira vez eu cedi completamente. Não resisti mais. Deixei ela… me dominar. E tive um orgasmo.

Minha respiração travou por um instante. Um calor impróprio começou a percorrer-me o corpo, traindo minha máscara profissional. Inclinei-me para frente involuntariamente, sentindo os músculos do rosto contraírem-se com uma expectativa inquieta e obscena.

— E depois disso…? — ouvi-me perguntar numa voz baixa, quase rouca, irreconhecível em sua falta de contenção.

Ele me olhou com seriedade:

— Eu acordei, e estava…sangrando.

A última palavra caiu sobre mim como um golpe brutal. Todo o calor, todo o desejo voyeurístico que se acumulava em mim congelou imediatamente. O consultório pareceu subitamente frio, silencioso como um túmulo.

— Sangrando? — balbuciei quase inaudível.

Cris sorriu fracamente, os olhos marejados:

— Eu não menstruava há anos, doutora. Não depois que iniciei minha transição.

O silêncio que se seguiu foi esmagador. Os pedaços da verdade desabavam um a um em minha mente. A revelação chegava com um peso insuportável: o que o demônio roubara dele não era apenas energia vital; era a própria base de sua identidade, expondo uma ferida antiga e traumática que ele lutara tanto para cicatrizar.

— Eu pensei que tinha deixado tudo isso para trás. Pensei que finalmente estava livre — continuou ele, o olhar perdido no vazio. — Mas ela… me mostrou que nada estava superado. Que eu nunca seria homem o suficiente. Essa era a perfeição dela. Ao mesmo tempo, era a minha punição.

Sua voz agora não passava de um sussurro frágil:

— Digamos que ela venceu. De todo modo, quem tomou a decisão de vir aqui e falar isso diretamente fui eu, então agora acho que posso fazer minhas próprias escolhas sem medo.

Depois da partida definitiva de Cris, passei dias inteiros encerrada em meu consultório, relendo obsessivamente as anotações feitas ao longo daquele caso. Nada fazia mais sentido como antes. Minha vida parecia suspensa, presa numa névoa de culpa e fascínio. Os sonhos cessaram, mas aquela presença continuava ali, dentro de mim, como uma sombra perversa de tudo aquilo que reprimi a vida inteira.

Até que uma tarde, quase um mês após a partida de Cris, a porta do consultório se abriu novamente.

Um homem jovem entrou, inquieto e frágil, visivelmente atormentado por algo ainda desconhecido. Sentei-me à sua frente, sentindo uma força obscura despertar. Reconheci imediatamente: o poder dominador e faminto daquela criatura habitava-me agora como uma segunda pele, infiltrada em meu ser, em meus impulsos.

O paciente abriu a boca para falar, porém antes que dissesse uma única palavra, uma energia irresistível já circulava pelo ar entre nós. Apoiei as mãos sobre o bloco de notas, dedos tremendo levemente de antecipação e prazer proibido. Minha voz escapou com uma suavidade sedutora e predatória que eu nunca antes havia ouvido de mim mesma:

— Então, conte-me sobre os seus sonhos.

Sobre Fabio Baptista

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38 comentários em “A Forma do Desejo (Antonio Luis Mendes)

  1. Priscila Pereira
    18 de setembro de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Oi, Luís! Li seu conto faz um tempo e vou comentar o que lembro que ele me fez sentir. Então, muito interessante sua história! Achei bem legal a premissa, já que eu costumo escrever sobre sobre a parte psicológica dos personagens. Não achei sabrinesco, mais pra um suspense mais sensual. A terapeuta foi muito bem feita, gostei da personagem, e de como ela lidou com os próprios demônios. É um conto de descoberta de algo profundo que a protagonista nem sabia que existia nela. Gostei bastante!

  2. Givago Domingues Thimoti
    18 de setembro de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Oi, Luis! Tudo bem? Vou compartilhar contigo minha impressão sobre “A Forma do Desejo”. 

    Esse conto é interessante. Confesso que comecei a escrever esse comentário sem saber se gostei ou não do conto. O que importa é que ele deixou uma impressão em mim, o que é interessante. Ele parte de um pressuposto sabrinesco, mas evolui para uma espécie de thriller psicológico meio sensual. 

    Por algum motivo, esse conto me cativou. Tem alguns fatores que contribuíram para isso: a imersão com fundo de psicologia por trás, a união desejo/medo e suas respectivas cargas simbólicas foi uma tentativa agradável. Utilizar os arquétipos de Jung para tal também. Estudei um pouco sobre ele numa matéria optativa que peguei na UnB e fiquei fascinado por sua teoria sobre personalidades e arquétipos. Sempre que é possível perceber o esmero de pesquisa por trás de um conto, é digno de nota e parabéns.

    Além disso, o conto está bem estruturado (considerando que é um conto muito denso, isso é muito bom) e beira o irretocável em termos de revisão e gramática. 

    Conforme fui desenvolvendo a leitura, eu fui percebendo que embora eu gostasse da premissa do conto, algo estava me impedindo de realmente aproveitar bastante a história. Ao mesmo tempo que essa história tem a capacidade de cativar o leitor que gosta de uma história que o instigue intelectualmente, por vezes, o conto é “”mastigado””, dando mais detalhes do que o necessário:

    “(…) enquanto o tremor tomava conta do meu corpo em um ritmo quase frenético. Minhas mãos ainda tremiam ao recolocar o livro na prateleira, sentindo, naquele gesto, a frágil tentativa de negar a verdade. => aqui eu senti que todo o contexto já me levou a entender que Helena já estava nesse estado de negação. Ou, mais lá para o final “Sentei-me à sua frente, sentindo uma força obscura despertar. Reconheci imediatamente: o poder dominador e faminto daquela criatura habitava-me agora como uma segunda pele, infiltrada em meu ser, em meus impulsos.” => todo o conto já levava a isso

    O que mais é digno de compartilhar? Ah, sim. Penso que em certos momentos, especialmente quando Helena desperta após se vê confrontada pelo demônio sexual em seus sonhos, acho que seria mais verossímil (e, pessoalmente, aproximaria mais o leitor) se ela agisse menos como uma terapeuta dentro do consultório, buscando racionalizar e diagnosticar aquele momento, e mais como alguém que também sofre e não sabe o porquê está sofrendo. Creio que, inclusive, isso que apontei de alguma forma dialoga com essa explicação racional de tudo se passa durante a narrativa.

    Enfim, espero que meu comentário agregue de alguma forma. De qualquer forma, temos aqui um bom conto.

  3. Mauro Dillmann
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Mauro Dillmann

    Um conto que envolve um paciente e uma terapeuta.

    O desejo em sonho, um homem trans.

    Duas palavras ficaram agrupadas: visceraldespertar

    Três advérbios terminados em ‘mente’ muito próximos: ‘instantaneamente’, ‘perigosamente’, ‘bruscamente’. Mas continua, o texto está cheio: ‘lentamente’, ‘aleatoriamente’, ‘violentamente’, ‘estranhamente’, ‘suavemente’, ‘cuidadosamente’, ‘explicitamente’, ‘absolutamente’, ‘diretamente’, ‘realmente’, ‘finalmente’, ‘profundamente’, ‘pontualmente’, ‘involuntariamente’, ‘imediatamente’, ‘subitamente’, ‘diretamente, ‘visivelmente’, e mais as repetições. Cansei, cansa muito o leitor, mesmo que, eventualmente, tenha sido proposital, como comentaram no grupo de whatsapp.

    Chavão: “braços de Morfeu”.

    A estória em si tem sentido, mas a forma e a linguagem pesam muito na minha avaliação. No mais, um bom conto.

    Parabéns!

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Mauro!

      Agradeço pelo tempo dispensado no último dia para deixar seu comentário.

      Anotadas as suas observações de revisão textual, como o agrupamento de palavras, a contagem de advérbios e a identificação de um chavão. Sim, tudo foi PROPOSITAL, e são apontamentos que um bom revisor faria.

      No entanto, aqui somos um grupo de escritores, e a expectativa, ao compartilhar um trabalho que levou mais de 40 dias de esforço, é receber uma leitura de escritor. Uma leitura que se aprofunde na trama, na complexidade dos personagens, na eficácia da estrutura, na ressonância do tema. Uma análise que busque a alma e a intenção por trás da obra, mesmo que para criticá-la duramente.

      A tarefa de simplesmente escanear um texto em busca da repetição de certas classes de palavras ou de expressões catalogadas é uma função mecânica. É um trabalho de catalogação que um software de revisão já faz com grande eficiência.

      A tarefa humana, artística, e que se espera de um colega escritor, é ir além dessa superfície e dialogar com a história que foi contada. Afinal, a boa escrita, como você sabe, não é apenas a ausência de supostos vícios, mas a presença de uma visão de mundo, de uma emoção que se sustenta. É isso que nos diferencia das máquinas.

      Sua frase final, “a estória em si tem sentido”, me indica que talvez essa conversa mais profunda pudesse ter acontecido. Uma pena que a sua avaliação tenha escolhido se ater apenas à superfície do léxico.

      De todo modo, obrigado.

  4. leandrobarreiros
    12 de setembro de 2025
    Avatar de leandrobarreiros

    No segundo conto que estava escrevendo eu também estava tentando explorar a ideia da Succubus de alguma forma e, interessantemente, a ideia de perfeição também apareceu no meu texto. 

    Enfim, eu gostei muito das cenas e da personagem da psicóloga. Mais do que os sonhos, achei interessante a percepção dela sobre as falas de Cris e a teorização do que poderia estar acontecendo. 

    A psicóloga, inclusive, parece uma personagem bastante original ao se descobrir cada vez mais como alguém dominante e de bases voyeristas. 

    Parece que a ideia do texto é sugerir uma espécie de transferência entre paciente e psicóloga no que diz respeito a essa dominação sexual, mas acho que na verdade a psicóloga era isso desde o começo, como vemos pela abertura do texto “Nunca tive apreço por aqueles que desperdiçam minha tarde com relatos previsíveis”. O trabalho e a relação com pacientes para ela sempre teve uma lógica de dominância. Ela está interessada apenas nos pacientes que têm histórias boas para oferecer. Ela não busca a cura deles, ou, ao menos, essa busca é secundária. O que a psicóloga quer é ser entretida. Note que o início e o final não são assim tão distantes, com a sugestão dela de querer saber logo o que o paciente havia sonhado.

    Enfim, uma história bacana. Não sei se classificaria como sabrinesco, porque eu não sei o que é sabrinesco, mas achei divertida e a estrutura é bem interessante. 

    Sobre a revelação final sobre Cris, achei interessante, mas apressada. Acho que o limite de palavras limou um pouco o possível clímax da cena. 

    Um sólido 7.5 de 10.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Leandro!

      Muito, muito obrigado pelo comentário. Fiquei genuinamente impressionado com a profundidade da sua análise da personagem da psicóloga. É uma leitura de altíssimo nível.

      Sua percepção de que ela era “dominante e de bases voyeristas” desde o começo, usando a primeira frase do conto como evidência, foi absolutamente certeira. Você foi um dos únicos leitores que fez essa conexão precisa. A história é exatamente sobre isso: o que acontece quando essa característica, que já existia nela como uma semente, é levada a uma consequência psicológica extrema. Você matou a charada da personagem.

      E essa sua análise precisa me leva diretamente à sua crítica sobre o final. A sua sensação de que a revelação sobre Cris foi “apressada” e que o clímax foi “limado” pelo limite de palavras é totalmente compreensível, se considerarmos aquela cena como o clímax.

      Gostaria de propor uma outra forma de ver a estrutura do final. A revelação sobre Cris não é o clímax da história. Ela é o catalisador final do verdadeiro clímax. É a última peça de informação que quebra as defesas da Helena e permite a transformação completa dela, a entrega total a essa natureza dominante que você tão bem identificou.

      O verdadeiro clímax do conto acontece depois daquela cena: é a descrição do estado final de Helena, já plenamente integrada com seu “eu” sombrio e poderoso, pronta para receber o próximo paciente. A história termina no clímax da personagem, não no clímax do plot twist.

      Espero que essa perspectiva sobre a estrutura do final talvez recontextualize a sua sensação de “pressa”. De qualquer forma, sua análise da personagem foi tão precisa que me deu a base perfeita para ter essa discussão de alto nível sobre o ofício.

      Muito obrigado mesmo pela leitura atenta e inteligente! Um abraço.

  5. Thaís Henriques
    9 de setembro de 2025
    Avatar de Thaís Henriques

    Adorei a estrutura e o desenvolvimento do conto. Cada palavra lida me fez ansiar pela próxima. Final me surpreendeu. Muito bom!

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Thaís!

      Que comentário maravilhoso de ler! Muito, muito obrigado pela sua generosidade e pelo seu incentivo.

      Fico especialmente feliz que você tenha gostado da estrutura, que foi uma das minhas maiores apostas no conto. E saber que “cada palavra lida te fez ansiar pela próxima” é, honestamente, a melhor coisa que um autor pode ouvir. Significa que a história conseguiu te fisgar de verdade!

      Agradeço imensamente pelo carinho e pela leitura. Fico contente que o final tenha te surpreendido!

      Um grande abraço e parabéns pelo merecido resultado positivo!

  6. Fabiano Dexter
    8 de setembro de 2025
    Avatar de Fabiano Dexter

    História

    Jovem atleta busca terapia para conseguir entender o motivo de estar desempenhando abaixo do que poderia, e daí apresenta para a terapeuta um sonho recorrente onde é feito de capacho por uma mulher poderosa e perfeita.

    A partir daí temos o desenvolvimento de um comportamento semelhante na própria terapeuta, que passa a se envolver cada vez mais com o caso e com o paciente em sua cabeça, onde a história se desenrola.

    Tema

    Um conto que flerta com o Sabrinesco, mas eu classifico como Alta Literatura.

    Construção

    Texto denso, mas não cansativo. Há uma preocupação em alinhar a história e a narrativa com o desenrolar e a mente da protagonista.

    O desenrolar da história é muito bem-feito, crescendo e chegando ao clímax no momento certo.

    Os diálogos são curtos e trazem uma veracidade que é difícil de se conseguir, onde a voz do paciente é ouvida, pois destaca dentro do que seriam as vozes na cabeça da protagonista.

    O modo como a divisão do conto foi feito não me agradou muito (relatórios, datas…) mas não atrapalhou a experiência.

    Impacto

    Um final excelente e surpreendente. A história segue um caminho e traz um final que sai das expectativas do que seria um sabrinesco, trazendo algo a mais para a história. Excelente!

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Dexter!

      Muito, muito obrigado pelo seu tempo e por uma análise tão profunda, detalhada e generosa. Ler seu comentário foi uma verdadeira alegria e um alívio.

      Fiquei especialmente realizado com a sua percepção de que havia uma “preocupação em alinhar a história e a narrativa com o desenrolar e a mente da protagonista”. Você capturou com uma única frase a espinha dorsal de toda a minha proposta para este conto. Ver isso reconhecido de forma tão clara é incrivelmente gratificante. Obrigado!

      É por causa dessa mesma preocupação que fiz a escolha pela divisão em relatórios e datas, que você mencionou não ter agradado tanto. Entendo perfeitamente que essa estrutura possa quebrar o fluxo para alguns leitores, e sua crítica é totalmente válida. A minha aposta foi que, como a narrativa era tão focada no caos interno da Helena, esses relatórios funcionariam como âncoras, como marcos “racionais” e “clínicos” que entrariam em contraste direto com a desintegração psicológica dela. Como você mesmo deve ter notado, mesmo com todas as pistas, a premissa podia ser de difícil compreensão, então usei essa estrutura como uma forma de deixar o “mapa” da jornada dela o mais claro possível, mesmo que sacrificasse um pouco da fluidez.

      O fato de que, mesmo não gostando desse detalhe estrutural, a experiência não foi atrapalhada e o final excelente te surpreendeu e agradou me deixa duplamente feliz. Significa que a história conseguiu se sustentar para além das minhas escolhas formais, o que é um imenso elogio.

      É um feedback de altíssimo nível. Mais uma vez, muito obrigado pela leitura e pela avaliação tão qualificada.

      Um grande abraço.

  7. Rodrigo Ortiz Vinholo
    8 de setembro de 2025
    Avatar de Rodrigo Ortiz Vinholo

    Confesso que fui chegando ao fim do conto achando que estava lendo uma história clichê e… o final me pegou de jeito! Excelente reviravolta! Pessoalmente, acho o estilo um pouco carregado e talvez performático, mas funcionou bem dentro da proposta. Parabéns!

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Rodrigo!

      Muito obrigado pelo seu comentário e pela sua leitura! Fico especialmente feliz em saber do seu processo ao ler o conto — a sensação de que era um clichê sendo quebrada de forma impactante pela reviravolta no final. Construir essa subversão de expectativa era um dos meus maiores objetivos, e seu feedback me mostra que funcionou. Obrigado por compartilhar isso!

      Seu comentário sobre o estilo ser “um pouco carregado e talvez performático” também é extremamente perspicaz e toca no coração da minha intenção para a voz da narradora.

      Essa escolha foi deliberada. A narradora, a terapeuta Helena, está em meio a um colapso psicológico, onde seu “eu” reprimido — uma força interna arquetípica, grandiosa e, sim, “performática” — está vindo à tona. A prosa “carregada” foi a minha tentativa de refletir essa voz interior, esse drama quase teatral que estava se desenrolando dentro da mente dela. A linguagem precisava espelhar a grandiosidade e a artificialidade desse “personagem” que a estava, aos poucos, possuindo.

      Fico muito feliz que, apesar de ser uma questão de gosto pessoal, você tenha sentido que o estilo “funcionou bem dentro da proposta”. A proposta era exatamente essa: uma narrativa cuja forma e cujo estilo fossem o sintoma da “doença” e da transformação da protagonista.

      Agradeço muito pela sua leitura e pelo feedback direto e honesto. É muito valioso!

      Parabéns para nós. Um abraço.

  8. claudiaangst
    8 de setembro de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem?

    Imagino que a intenção tenha sido criar um conto sabrinesco, mas a essa altura do desafio, não estou nem mais prestando atenção a esse detalhe técnico.

    Deixar a revelação de que Cris é um homem trans para o desfecho do conto foi uma boa ideia. O impacto foi bem maior. Talvez o título tenha relação com essa transição – a mudança de formas.

    O conto é dividido em trechos que representam as sessões, os sonhos da terapeuta e as anotações no diário clínico. Uma estratégia que visa facilitar o entendimento do(a) leitor(a).

    A narrativa apresenta alta densidade, camadas e abre para interpretações variadas. Um suspense psicológico que envolve sonhos misteriosos, intensos e bastante sombrios. Contratransferência?

    Não encontrei erros de revisão, mas confesso que não prestei muito atenção a essa parte técnica. Li por gosto mesmo.

    Um bom conto. Parabéns pela participação e boa sorte.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Cláudia, tudo bem?

      Muito, muito obrigado pela leitura e pelo comentário tão gentil e perspicaz. Fico realmente feliz que você tenha percebido a “alta densidade” e as “camadas” da narrativa, pois a intenção era exatamente criar esse suspense psicológico que te envolveu.

      Mas o ponto mais brilhante e certeiro da sua leitura, para mim, foi sua pergunta: “Contratransferência?”.

      Sim! Mil vezes, sim. Você tocou no coração do mecanismo que move toda a história. É exatamente sobre isso: o colapso das fronteiras profissionais e psicológicas da terapeuta quando o desejo e os conflitos dela são projetados no paciente.

      E isso me leva diretamente à sua interpretação do título, “A Forma do Desejo”. Sua ideia de que ele se relaciona com a “mudança de formas” do Cris é uma camada de significado que eu adorei e que é totalmente válida!

      Contudo, a referência principal e mais profunda do título é a resposta para a sua própria pergunta. A “Forma do Desejo” não é a forma física do Cris. É a forma arquetípica, a personificação do desejo masculino (o que Carl Jung chamaria de “Animus”) que estava adormecido dentro da Helena e que, através da contratransferência que você tão brilhantemente percebeu, começa a tomar forma e controle.

      A história é sobre o desejo dela ganhando uma forma literal e assustadora em sua própria mente, uma forma que a seduz e a consome.

      Espero que essa conexão final entre sua pergunta e o título enriqueça ainda mais a história para você! Agradeço imensamente por uma leitura tão inteligente e cheia de boa vontade. Foi um prazer receber seu feedback.

      Um abraço!

  9. Gustavo Araujo
    5 de setembro de 2025
    Avatar de Gustavo Araujo

    Achei o conto bem escrito, bem montado. O(A) autor(a) sabe bem aonde quer chegar e, não obstante, tem habilidade suficiente para deixar portas abertas, lacunas, para o leitor preencher. Aqui temos a história de Cris, que (saberemos apenas no fim) fez transição de gênero e que vem sendo atormentado por sonhos recorrentes com uma entidade feminina que o põe à prova, razão por que procura uma terapeuta. Pelo que se infere da leitura, essa entidade parece ser um alter ego da própria terapeuta, que se vê obrigada a lidar com seu eu racional e com seu eu onírico. Essa dualidade é o que conto apresenta de melhor, já que põe frente a frente duas características da terapeuta. No fim, vemos, prevalece a entidade, já que mesmo no mundo real a terapeuta parece dominada, ou melhor, parece ter se entregue às múltiplas possibilidades de dominação que seu eu sobrenatural oferece.

    Apesar da perícia na escrita, algo me incomodou. Há forte tensão sexual entre Cris e a terapeuta, algo que termina pouco explorado. Sim, percebe-se que nos sonhos algo acaba rolando, mas é tudo muito comedido. Talvez seja porque o(a) autor(a) tenha preferido focar no aspecto mais espiritual, mais para o lado do terror mesmo, o que é válido, mas num desafio sabrinesco/alta literatura, confesso que essa opção me frustrou um pouco. Achei rolaria algo mais ousado. Enfim, não se pode agradar em 100% todos os leitores. De qualquer forma, parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Gustavo!

      Uau. Muito obrigado por essa leitura. Tenho que dizer que, de todos os comentários que recebi, o seu foi um dos que chegou mais fundo e de forma mais precisa na arquitetura psicológica da história. Fico imensamente feliz e realizado que você tenha percebido que a entidade era um alter ego da terapeuta e que o conflito central era a dualidade dela. Você captou a essência do conto com uma clareza impressionante.

      Dito isso, sua frustração com a exploração da tensão sexual é um ponto extremamente pertinente e me leva ao coração da minha escolha autoral para o conto. E você está certíssimo: houve uma decisão consciente de manter o erótico no campo da sugestão e da tensão, sem nunca torná-lo explícito.

      Para mim, a proposta “sabrinesco” sempre foi mais sobre a emoção erótica, a atmosfera de sedução e perigo, do que necessariamente sobre o ato em si. Eu queria que a “possessão” da terapeuta fosse inteiramente psicológica e simbólica.

      Minha aposta como autor foi que, se eu descrevesse o ato sexual de forma explícita, a história se tornaria sobre um encontro físico entre duas pessoas. O terror e o estranhamento se dissipariam. Ao mantê-lo velado, nos sonhos, na atmosfera “úmida” e na tensão, a ameaça permanece ambígua, mental, e o foco se mantém no terror psicológico da terapeuta perdendo o controle de sua própria mente para uma força que é, ao mesmo tempo, aterrorizante e sedutora. O objetivo era explorar o horror do desejo, e não o desejo em si.

      Sua leitura me mostra que essa escolha tem suas consequências e pode frustrar a expectativa de parte dos leitores, como você bem disse, e é um feedback valiosíssimo. Mas ter uma discussão nesse nível de profundidade sobre as escolhas que nós, como autores, fazemos, já é um prêmio em si.

      Muito obrigado mais uma vez pela sua leitura extremamente atenta e inteligente!

      Um abraço.

  10. Jorge Santos
    4 de setembro de 2025
    Avatar de Jorge Santos

    Olá, terapeuta. Este é um conto sobre uma série de sessões de apoio psicológico a um desportista. É um conto que se adequa aos dois temas propostos, Alta Literatura e Sabrinesco. Joga com a sedução entre o terapeuta e o paciente, envolvendo conceitos não banais. O desfecho é inesperado mas demonstra algo que, numa sessão normal de apoio psicológico, deveria ser a primeira coisa a ser revelada. Isto a não acontecer revela a falta de idoneidade do paciente – o factor chave dos seus problemas é bem conhecido dele. A sua não revelação compromete todo o trabalho da terapeuta. Quanto a ela, deixa-se levar pela atração que sente, mas apenas avança no plano onírico. A ideia é interessante, mas deveria ter sido trabalhada de forma mais elegante, sem abusar das pausas para conclusões. A fluidez do texto melhoraria, e com isso o interesse dos leitores – algo importante quando nos aventuramos na Alta Literatura.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Jorge!

      Obrigado por dedicar seu tempo à leitura e à avaliação do conto.

      Fico com a impressão, pela sua análise, de que houve um ruído fundamental na comunicação da premissa do conto, e gostaria de esclarecê-la, pois toda a sua crítica e suas sugestões se baseiam nela.

      A história não é sobre o tratamento psicológico de um paciente. A única e exclusiva protagonista do conto é a terapeuta, Helena.

      O paciente, Cris, não é o foco da narrativa. Ele funciona apenas como um catalisador, um espelho para o conflito interno da verdadeira protagonista.

      Com esta premissa em mente, os pontos que você levantou mudam de figura:

      1. A não revelação do “fator chave” por parte de Cris não é uma falha de “idoneidade” que compromete a terapia. Pelo contrário, é um elemento que reforça a proposta central: a terapia em si é uma farsa, um palco para o drama psicológico da terapeuta. O problema a ser resolvido nunca foi o dele. Sua crítica sobre a “falta de idoneidade do paciente” só faria sentido se a história fosse um drama realista sobre a jornada dele, o que nunca foi o objetivo.
      2. Da mesma forma, as “pausas para conclusões” (as anotações do diário dela) não são interrupções que prejudicam a fluidez. Elas são o acesso direto à psique da protagonista, que é o verdadeiro cenário da história. A quebra na fluidez foi uma escolha deliberada para espelhar a fragmentação mental de Helena, um recurso comum na literatura que busca explorar a psicologia profunda dos personagens em detrimento de uma narrativa linear.
      3. Espero que este esclarecimento sobre a premissa central ajude a recontextualizar os pontos que você levantou. Agradeço novamente pelo seu tempo. Um abraço.
  11. sarah
    31 de agosto de 2025
    Avatar de sarah

    Caramba, terminei de ler seu conto agora e… não sei o que dizer!

    Vamos tentar… primeiro achei maravilhoso colocar no conto  as anotações da Helena, com data e horário, gostei muito desse detalhe. Foi interessante ver como ela se envolveu no mundo, ou nos sonhos do Cris e isso me fez pensar que é por esse tipo de situação que os psicólogos precisam  ir também ao psicólogo. risos. Estou rindo mas é sério. Ouvir sobre situações difíceis das pessoas, traumas, dores, fantasmas, perigos reais, enfim, deve ser complicado de lidar e separar da sua própria vida.

    Voltando ao conto, achei interessante como no final a tal presença agora estava fazendo parte da própria Helena. Parece que seja o que for a tal súcubos ali, ela deixou de atormentar o Cris pra agora fazer isso com a Helena. A revelação sobre o Cris ser um homem trans também foi bem interessante, eu não tava esperando por essa!

    Foi um excelente conto, as descrições dos sonhos e como a Helena via e sentia tudo quando estava neles foi ótima também.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Caramba, Sarah, que alegria imensa ler o seu comentário! Muito, muito obrigado. Saber que o conto te deixou assim, “sem saber o que dizer”, é um dos maiores elogios que um escritor pode receber. Significa que a história te impactou de verdade.

      Fico especialmente feliz que você tenha gostado da estrutura das anotações. E seu comentário sobre psicólogos também precisarem de terapia foi absolutamente certeiro — você captou em cheio um dos temas centrais do conto: a vulnerabilidade do terapeuta e os perigos da transferência e da contratransferência. É exatamente sobre isso!

      É você chegou tão perto, mas tão perto do coração absoluto do conto com a sua frase: “Parece que… ela deixou de atormentar o Cris pra agora fazer isso com a Helena”. É quase isso, mas com um pequeno detalhe que muda tudo e que talvez enriqueça ainda mais a sua leitura…

      A “presença”, aquele “súcubo”, nunca foi do Cris. Ele sempre foi da Helena.

      Era uma força interna dela (o que o psicólogo Carl Jung chamaria de “Animus”, a energia masculina reprimida da mulher) que foi despertada pelo caso do Cris e projetada nele. Então, a entidade não “migrou” dele para ela; ela simplesmente “voltou para casa”, para sua verdadeira origem. O Cris era apenas o espelho, e a jornada inteira foi a da Helena sendo forçada a confrontar e, no fim, integrar essa parte assustadora e poderosa de si mesma.

      Espero que esse pequeno detalhe ilumine ainda mais a história para você! Fico imensamente grato pela sua boa vontade, pela sua leitura generosa e por ter se conectado tão bem com a atmosfera do conto e, principalmente, com o drama da Helena.

      Um grande abraço!

  12. Pedro Paulo
    29 de agosto de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    O terceiro trecho do conto foi onde a leitura deslanchou para mim. Achei a introdução um pouco arrastada, repetitiva e um pouco excessiva em suas caracterizações. A segmentação em capítulos também me pareceu desnecessária e contribuiu para esse sentimento de uma leitura truncada. Os elementos dispostos até se combinam bem no final, embora a reviravolta em torno de Cris tenha me parecido um pouco forçada. Ainda há catarse, mas enfraquecida pelas primeiras partes do texto.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Pedro!

      Muito obrigado por ler o conto e por compartilhar suas impressões de forma tão honesta. É sempre muito útil entender como a estrutura e o ritmo de uma história são percebidos pelo leitor.

      Sua sensação de uma leitura “arrastada” no início e “truncada” por causa da segmentação é um ponto muito importante. Fico feliz que tenha mencionado, porque esse efeito, que você percebeu com clareza, era intencional e central para a proposta da história.

      Como o conto é sobre a jornada de desintegração psicológica da terapeuta, a minha intenção foi criar uma estrutura que espelhasse esse estado mental. A narrativa é propositalmente fragmentada — pulando entre anotações de diário, sessões, sonhos e a vida desperta dela — para que o leitor sentisse a mesma confusão e perda de coesão que a própria protagonista estava vivenciando. A “truncagem” da leitura era para ser o eco da “truncagem” da psique dela, resultando em uma catarse que só chega no final, como você bem notou.

      Isso também explica por que a reviravolta em torno de Cris pode ter parecido “forçada” para você. A história nunca foi sobre ele; a protagonista sempre foi a terapeuta, Helena. A revelação sobre Cris não é o clímax ou o objetivo final da trama, mas sim o evento externo que quebra as últimas defesas dela e força essa catarse que você sentiu. O foco da história não estava na reviravolta em si, mas no efeito avassalador que ela teve sobre a personagem principal.

      Dentro da proposta de fazer algo mais próximo da Alta Literatura, a minha prioridade foi a ressonância entre o tema e a forma (dei sinais com o título, pseudônimo e o tipo de discurso escolhido), mesmo que isso sacrificasse uma fluidez mais convencional. A ideia era criar uma experiência imersiva no caos interno da personagem, não apenas contar uma sequência linear de eventos.

      De toda forma, seu feedback é extremamente válido, pois me mostra o quão eficaz (ou não) essa escolha estrutural foi para o leitor e onde a experiência pode ter sido mais enfraquecida do que eu pretendia.

      Agradeço muito pela leitura atenta! Um abraço.

  13. Kelly Hatanaka
    19 de agosto de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Eu não avalio esta série, então, me permito avaliar como leitora, de forma mais livre e bem pelo meu gosto pessoal. Desculpe alguma coisa.

    Tema

    Um pouquinho de alta literatura com zero de romance.

    Considerações

    Um conto bem escrito, interessante, sobre uma terapeuta tratando um homem com sonhos perturbadores. Ela começa a participar do sonhos e percebe-se possuída por um sucubus, ou algo do tipo. Após o fim do tratamento, ela continua a sentir essa presença enquanto trata outros pacientes. É uma história interessante, mas que deixa muito em aberto. Cris descobre o que os sonho queria dele e termina a terapia. Pelo que entendi, o sonho queria puni-lo e dizer que, apesar da transição, ele nunca seria homem o bastante. Ele fica aliviado e sai da terapia. Estranha essa decisão de sair da terapia, justamente quando ele descobre que tem tal assunto não resolvido.

    Depois de Cris, o sucubus continua dominando a terapeuta. Mas, com que objetivo? Tradicionalmente, sucubus são demônios que transam para roubar a energia vital da vitima. Porém, não foi isso que aconteceu com Cris, que pareceu aliviado quando se entregou a ela. Enfim, gostei, mas sinto que não entendi muito bem, alguma coisa me escapou.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Kelly!

      Primeiramente, gostaria de lhe das os parabéns pelo merecido título! Muito, muito obrigado pelo seu comentário, de verdade. Agradeço especialmente pela sua honestidade e pela sua última frase. Você não imagina como isso é valioso e gratificante para um autor!

      Você tem toda a razão, uma peça fundamental lhe escapou, e a falha foi totalmente minha em não ter deixado isso mais claro na condução da história.A peça que faltava é a seguinte: o conto não é sobre a jornada de Cris. A única e exclusiva protagonista da história é a terapeuta, Helena. Cris é apenas o gatilho.

      A entidade que você, de forma muito perspicaz, identificou como uma “súcubo” não é um demônio externo do folclore tradicional, mas sim um conceito da psicologia de Carl Jung chamado “Animus”: a personificação da energia masculina que existe no inconsciente da mulher. O que vemos na história é a jornada aterrorizante de Helena sendo confrontada e dominada por uma parte poderosa de si mesma que ela sempre reprimiu.

      Com essa “chave”, suas dúvidas se resolvem:

      1. Por que Cris saiu da terapia? A decisão dele parece estranha porque a terapia nunca foi para ele. A “punição” que o sonho deu (“você nunca seria homem o suficiente”) não era uma mensagem para Cris, mas sim o Animus de Helena se manifestando através dele. Cris sai da terapia aliviado porque, para ele, a sessão cumpriu seu objetivo superficial. Ele não precisava resolver nada mais porque o problema nunca foi dele; ele era apenas o palco onde o drama interno de Helena se manifestou.

      2. Qual o objetivo do “súcubo”? O objetivo dessa força que continua com Helena é o ponto central da história: a integração. O Animus não quer roubar a energia vital dela como um súcubo tradicional; ele quer se integrar à consciência dela, forçá-la a aceitar essa sua parte masculina para que ela se torne uma pessoa mais completa e poderosa, mesmo que o processo seja destrutivo para sua antiga identidade.

      Espero que essa explicação faça a peça que faltava “clicar” no lugar! Fico imensamente feliz que, mesmo com essa peça-chave faltando, você tenha gostado e achado a história interessante. Isso é um grande elogio!

      Agradeço imensamente pela sua leitura, pela sua curiosidade e pela sua honestidade!

      Um abraço.

  14. marco.saraiva
    19 de agosto de 2025
    Avatar de marco.saraiva

    Aqui acompanhamos Cris na sua jornada terapêutica para livrar-se de uma versão feminina que ainda o dominava. Seu medo de “nunca ser homem o suficiente” por ter transicionado de mulher para homem era tão forte que, em sua mente, uma mulher perfeita, “ideal”, o atormentava. Foi apenas quando Cris deixou-se dominar completamente que entendeu o seu papel masculino e pôde conciliar o seu passado com o seu futuro.

    No meio disto tudo, acompanhamos também a Doutora Helena, que após algumas sessões com Cris acaba tendo ela mesma sonhos lúcidos que se comunicam com o drama de Cris. Ambos tem caminhos um tanto diferentes, ao meu ver: enquanto Cris segue uma busca para livrar-se de uma sombra do passado, Helena parece ter que lutar contra os seus próprios demônios, que a impedem de ser uma terapeuta completa, “lutando constantemente contra a contratransferência”.

    O conto tem um ritmo bom, apesar de ter um fechamento um pouco anticlimático. Parece que a história inteira foi feita ao redor da revelação de que Cris é trans, e uma vez que o detalhe foi revelado, a história se vê como resolvida, e o conto caminha para o final. Não acho que o tema ou o objetivo da trama deveria ser esse, mas a leitura me faz achar que era esta a intenção do autor, e para mim isso tira um pouco do impacto.

    Por outro lado, gostei particularmente de um subterfúgio que o(a) autor(a) usa para fazer alusão ao sexo sem narrá-lo diretamente. O primeiro sonho de Helena, o mais “quente”, por assim dizer, não revela os detalhes do ato sexual, mas logo em seguida ela acorda “encharcada“, e anda pela calçada “úmida” e vê um atleta com pele “tensa e rígida“. São pequenas alusões ao tema, sem abordá-lo de frente. Gostei 😄

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Marco!

      Muito obrigado por tirar um tempo para ler e comentar, mesmo não sendo um dos seus contos obrigatórios. Sua perspectiva é muito valiosa.

      Fico especialmente feliz que você tenha notado a forma como tentei construir a sensualidade através do subtexto (“encharcada”, “úmida”, “rígida”). É o tipo de detalhe que a gente como autor torce para um leitor atento perceber, e você pescou isso com uma precisão cirúrgica. Obrigado por isso!

      Sua análise da trama e a sua sensação de um final anticlimático são superinteressantes, porque elas partem de uma premissa que me mostra exatamente onde a minha escrita pode não ter sido clara o suficiente. Você leu a história como a jornada de Cris, com Helena sendo uma coadjuvante importante. E, se a história fosse essa, sua crítica ao final faria todo o sentido do mundo.

      A “chave mestra” para o conto, no entanto, é que ele nunca foi sobre o Cris. A história tem uma única e exclusiva protagonista: a Doutora Helena.

      Cris não é o paciente a ser curado; ele é apenas o catalisador, o espelho que aciona o conflito interno dela. Aquela “versão feminina ideal” que o atormenta não é uma sombra do passado dele, mas sim a manifestação do Animus dela — a força masculina do inconsciente dela, que foi projetada na figura do paciente. A jornada terapêutica que vemos é uma farsa; a verdadeira transformação é a da terapeuta, que se desintegra e renasce ao ser confrontada por essa força.

      É por isso que o final pode ter parecido anticlimático para você. O clímax da história não é a revelação sobre o Cris — isso é apenas um detalhe da trama, uma “casca”. O verdadeiro clímax é a integração final dessa força por parte de Helena, a resolução do conflito dela. A história termina quando a jornada da verdadeira e única protagonista se conclui.

      Espero que essa “chave de leitura” talvez reorganize as peças para você e mostre por que a história continuou após a revelação sobre Cris!

      É fascinante ver como uma mudança de foco no protagonista altera toda a percepção da estrutura.

      Agradeço imensamente pela sua leitura atenta e inteligente!

      Um abraço.

  15. Anderson Prado
    18 de agosto de 2025
    Avatar de Anderson Prado

    Olá, autor.

    Autor, não se chateie, mas seu conto não me agradou.

    Julguei que você empregou um número exagerado de lugares comuns literários, expressões e construções que, em razão de sua excessiva repetição na história da literatura, soam batidas, reveladoras de pouca criatividade: “engoliu em seco”, “batalha interna”, “balançou a cabeça lentamente, sem muita convicção”, “por um instante”, “naquele momento”, “atmosfera úmida e opressiva”, “eco seco”, “ritmo quase frenético”, “ar pesado”, “acordo em sobressalto”, “grito silencioso”, “a última palavra caiu sobre mim como um golpe”, “silencioso como um túmulo”, “balbucio quase inaudível”, “olhos marejados”, “uma única palavra” etc.

    Em se tratando de sabrinesco, eu poderia relevar a simplicidade da linguagem e do estilo, mas, em havendo contos sabrinescos ricos em linguagem e criatividade, julgo justo distinguir uns e outros.

    Nota 2.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Anderson!

      Obrigado pelo tempo dedicado à análise e pela franqueza.

      Sua avaliação levanta uma questão de ofício muito interessante para nós, escritores: a tensão entre a busca por uma originalidade vocabular absoluta e a eficácia da comunicação com o leitor. Agradeço por focar 100% de sua análise nesse aspecto do texto.

      Eu vejo essas expressões que você listou como as ferramentas na bancada de um carpinteiro. Um martelo, um serrote, um prego. São ferramentas comuns, testadas e aprovadas, usadas há séculos por todos os artesãos. Um escritor não é julgado por inventar um novo tipo de prego a cada frase, mas sim pelo móvel que ele constrói com as ferramentas que tem à disposição. O valor não está na ferramenta em si — se ela é comum ou rara —, mas na estrutura, no design, na emoção e na função da obra final.

      Sua análise se concentrou inteiramente nas ferramentas, o que é um exercício válido de estilística. Senti falta, no entanto, de um comentário sobre o “móvel”: a trama psicológica, a construção da personagem, a validade do arco narrativo e o impacto do plot twist. Afinal, é na construção da história que reside, a meu ver, a verdadeira criatividade do autor, e não na recusa de usar expressões que o leitor reconhece.

      Por fim, sobre sua menção ao tema “sabrinesco”. A proposta do desafio era, por definição, criar “emoção erótica sem ser vulgar”. A meu ver, o caminho mais eficaz para atingir esse objetivo emocional e sensorial é justamente através de uma linguagem clara, que use expressões e imagens que ressoam universalmente com o leitor para construir a cena. Uma prosa excessivamente original ou hermética correria o risco de intelectualizar o momento, quebrando o exato tipo de imersão e de emoção que o próprio tema propunha. Eu já fui ambicioso o suficiente trazendo conceitos da psicologia e da espiritualidade para discutir questões de ética e impulsividade, algo que aparentemente você ainda precisa aprender.

      De todo modo, agradeço novamente pela sua perspectiva focada no léxico.

      Um abraço.

  16. cyro eduardo fernandes
    13 de agosto de 2025
    Avatar de cyro eduardo fernandes

    Conto rebuscado, denso e criativo. As descrições dos personagens e dos sonhos são detalhados na medida certa, evidenciando a complexidade e os desejos.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Cyro!

      Muito obrigado pelas suas palavras gentis e pela sua leitura. Fico imensamente feliz que você tenha captado a atmosfera “densa” e a “complexidade e os desejos” dos personagens. Era exatamente essa a sensação que eu queria provocar no leitor.

      Para ir um pouco além, essa “complexidade” que você sentiu tem um nome, e foi a grande inspiração para o conto: o conceito de “Animus” do psicólogo Carl Jung.

      É a ideia de que existe um arquétipo masculino vivendo no inconsciente de uma mulher. Toda a história, incluindo os sonhos detalhados que você mencionou, foi a minha tentativa de retratar a jornada de uma mulher sendo confrontada por essa força interna, por esses “desejos” que ela mesma não entendia e que a transformaram por completo.

      Sua sensibilidade como leitor captou a essência emocional disso, mesmo sem precisar dos termos técnicos, e fico muito grato por isso.

      Um grande abraço!

  17. Mariana Carolo
    11 de agosto de 2025
    Avatar de Mariana Carolo

    História: Eu sou do time dos freudianos, hehehe… Bem, uma terapeuta passa a se entregar a algo que não entende, enquanto se sente fascinada pelo seu paciente. Admito que o plot twist me surpreendeu, mesmo que a resolução dele tenha me deixado mais interrogações do que devia… Por que a Súcubo mostrou que ele nunca seria homem o suficiente? Como isso o auxiliaria em suas escolhas? Pela questão da terapia, acredito que o autor quis produzir uma alta litertura com toques eróticos… 1,25/2,0

    Escrita: Eu não sou a maior fã deste nicho de “literatura apimentada”. Não consigo me conectar, por mais que esteja bem escrito e o seu texto é seguro. A narradora não é a personagem mais simpática, mas é bem construída. Gostei da divisão com descrições das sessões e análises da terapeuta, mas faltou ética para ela heheheheh1,5/2,0

    Impacto: Eu tive de ler duas vezes. Foi interessante a obrigação de me aventurar em um gênero que não é a minha praia. Mas não, não rolou. 0,5/1,0

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Mariana!

      Antes de mais nada, meus parabéns pela sua merecidíssima vitória na Série B! Fico muito feliz por ter um feedback de alguém com a sua qualidade de escrita e agradeço imensamente pela honestidade e pelo tempo dedicado, especialmente por ter lido duas vezes.

      Achei genial você começar com “Eu sou do time dos freudianos”, porque isso me deu a chave para entender exatamente onde a história não conectou com você. E a “culpa” é minha: eu construí um conto 100% junguiano, e essa mudança de referencial faz toda a diferença na interpretação.

      Suas perguntas sobre a “Súcubo” e a ajuda a Cris são o ponto central disso. Permita-me oferecer a “chave junguiana” da história:A “entidade” que você percebeu não era uma Súcubo externa com a missão de ajudar o Cris. Na verdade, ela é o Animus da própria terapeuta — o arquétipo do masculino que, segundo Jung, habita o inconsciente de toda mulher. O conto inteiro é sobre a jornada dela, não a dele. O Cris é só o gatilho que desperta essa força interna, reprimida e selvagem que ela desconhecia.

      Respondendo diretamente às suas perguntas: a manifestação não estava mostrando ao Cris que ele “nunca seria homem o suficiente”. Ela estava mostrando à terapeuta a natureza e a potência avassaladora do masculino que existia dentro dela. A jornada não era para auxiliar nas escolhas dele, mas para forçar as escolhas e a transformação dela. A falta de ética que você brincou era o sintoma dessa completa dissolução do “eu” profissional dela em favor dessa força arquetípica.

      Com essa chave, entendo perfeitamente que a história continue não sendo a sua “praia” em termos de gênero, e respeito totalmente! Sua honestidade sobre isso é muito apreciada. Minha intenção era usar a “casca” do erotismo apenas como veículo para explorar esse conflito psicológico interno e a desconstrução da personagem, que como você bem notou, era muito bem construída, mesmo não sendo simpática.

      Agradeço imensamente por ter se aventurado fora da sua zona de conforto e por ter me dado um feedback tão honesto, que me permitiu ver essa possível falha na comunicação do meu referencial teórico. É uma lição valiosa.

      Grande abraço e mais uma vez, parabéns pelo seu excelente resultado!

  18. Léo Augusto Tarilonte Júnior
    4 de agosto de 2025
    Avatar de Léo Augusto Tarilonte Júnior

    Tema alta literatura.Enquadrei seu conto nessa categoria porque ele fala sobre alguns assuntos profundos: insegurança, relações de poder, possessão. São todos temas interessantes, mas por causa da limitação de espaço foram abordados com superficialidade.A fluidez da história foi prejudicada pelas inserções do diário terapêutico.Até que uma tarde, quase um mês após a partida de Cris, a porta do consultório se abriu novamente.Essa passagem sugere que a terapeuta atende apenas um único paciente e não vários.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Léo!

      Muito obrigado pelo seu tempo e por ter se engajado com os temas do conto. Fico feliz que você tenha percebido a intenção de trabalhar dentro de uma proposta de “Alta Literatura”, abordando conceitos complexos como poder, insegurança e possessão.

      Gostaria de comentar os pontos que você levantou, pois eles tocam no coração da minha proposta como autor.

      1. Sobre a “Superficialidade” dos Temas: Você toca num ponto crucial sobre o formato do conto: a limitação de espaço. Minha abordagem para lidar com isso foi trabalhar esses temas mais pela sugestão e pelo subtexto do que por uma exploração exaustiva. A ideia era que a “possessão”, por exemplo, fosse sentida na atmosfera e nas ações da terapeuta, em vez de ser longamente dissecada. O conto funciona como um vislumbre de um abismo, e não um mapa completo dele, deixando muito para ser preenchido pela interpretação do leitor.

      2. Sobre a “Fluidez” e o Diário: Entendo perfeitamente sua percepção de que as inserções do diário quebraram a fluidez da narrativa principal. Essa quebra, na verdade, foi uma escolha deliberada. A intenção era criar uma dissonância, tirando o leitor do fluxo da sessão “real” para mergulhá-lo no fluxo de consciência caótico e cada vez mais distorcido da terapeuta. A perda de fluidez da narrativa era para espelhar a perda de controle e de sanidade da própria personagem.

      3. Sobre a Passagem da “Porta do Consultório”: Agradeço por apontar como essa frase pode ser lida de forma literal. A intenção aqui foi puramente simbólica e focada no ponto de vista da personagem. Naquele momento, o foco narrativo estava tão intensamente na expectativa da terapeuta pela volta de Cris que, para ela, simbolicamente, nenhuma outra porta importava. Não significa que ela não tivesse outros pacientes, mas que, em seu estado de obsessão, o universo dela havia se resumido àquela única possibilidade.

      Agradeço mais uma vez pelo seu feedback. São essas diferentes leituras que nos ajudam a entender como nossa escrita impacta os outros e onde podemos ser mais claros ou mais eficazes em nossas intenções.

      Um abraço!

  19. Antonio Stegues Batista
    4 de agosto de 2025
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    O Duplo na literatura, já foi explorado por diversos escritores, O Médico e o Monstro, de Robert Lois Stevenson, O Retrato de Dorian Grey de Oscar Wilde, O Duplo, de Dostoiévski. É um tema que dá margem para várias histórias, sempre com um conceito diferente. Você escritora com pseudônimo Terapeuta, conseguiu criar uma dessas histórias com uma trama interessante, o duplo onírico. A doutora Helena é um personagem interessante e é assustadora a sua transformação no decorrer da consulta com o personagem Cris, aliás, esse nome já encerra a duplicidade, serve tanto para homem como para mulher. É um conto que mistura erotismo e terror psicológico muito bem escrito. Parabéns e boa sorte.

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Uau, seu Antonio. Fico até sem palavras. Muito, muito obrigado por essa leitura de uma profundidade e sensibilidade raras.

      Você ter conectado a história à tradição do “Duplo” literário de mestres como Stevenson e Dostoiévski é a maior honra que eu poderia receber. Foi exatamente nessa fonte que bebi para construir a narrativa, e saber que essa conexão ficou clara para você é a validação de todo o trabalho.

      Fico especialmente feliz que você tenha centrado sua análise na jornada da Dra. Helena. O conto sempre foi sobre a transformação assustadora dela, sobre o terror psicológico que se desenrola dentro de sua própria mente, e sua leitura captou isso em cheio.

      E o fato de você ter notado a duplicidade no nome “Cris”… simplesmente sensacional! Foi um pequeno detalhe que plantei com essa exata intenção, e é incrivelmente gratificante quando um leitor o descobre.

      Sua leitura foi um presente. Mais uma vez, muito obrigado pelo seu tempo e pela sua análise tão generosa e inteligente.

      Grande abraço!

  20. Luis Guilherme Banzi Florido
    3 de agosto de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia! Tudo bem? Tô lendo os contos na ordem de postagem do site, sem ter conferido quais são minhas leituras obrigatórias.

    Um conto surpreendente, devido ao plot Twist inesperado e impactante. Devo admitir que o conto não me pegou de cara. Achei que o primeiro parágrafo é um pouco forçado, com ela dizendo que não gosta de ouvir histórias entediantes e tal. Achei um pouco demais, como se o conto fosse ser bastante pretensioso, o que acaba não se concretizando, felizmente. A técnica e a estrutura de dividir o conto em anotações de sessão funcionam muito bem, me deixando curioso. Os saltos temporais deixam a duvida sobre o que aconteceu no meio tempo, como a situação evoluiu naquele período. Outro ponto positivo é que você me enganou bem. Achei que teríamos um romance clichê e água com açúcar da protagonista com o paciente, o clássico romance proibido. Felizmente isso não acontece, e você subverte essa expectativa com um ótimo plot Twist. O momento que fala da menstruação é sensacional, arrebatador! Por outro lado, preferia que a historia tivesse acabado ali. Seria o desfecho perfeito, sem necessidade de explicações, apenas aquela informação nova pra digerir. Com certeza eu ficaria pensando no conto por um longo tempo, ligando os pontos do meu jeito. Como está, isso me é negado. Você explica tudo e me diz até mesmo como a dra. vai seguir a vida. Isso me frustrou um pouco, preferia ser provocado a refletir e tirar minhas conclusões. De todo modo, isso não estraga o conto, é claro, só acho que tirou um pouco do brilho e do impacto que poderia ter. No geral, um conto que começa não chamando atenção, cresce bastante ao desenrolar, apresenta mistério e sedução de forma sutil, tem um ótimo plot Twist, mas perde em impacto ao se estender demais. Parabéns e boa sorte!

    • toniluismc
      14 de setembro de 2025
      Avatar de toniluismc

      Olá, Luis! bom dia!

      Muito obrigado por dedicar seu tempo a uma leitura tão atenta e por um feedback tão detalhado e construtivo. De verdade.

      Fico genuinamente feliz que a estrutura das anotações tenha funcionado para você e, principalmente, que a subversão da expectativa e o plot twist tenham te surpreendido. A sua reação ao momento da revelação (“sensacional, arrebatador!”) me deixa especialmente satisfeito, pois era exatamente o ponto de virada emocional que eu buscava.

      Sua crítica sobre o final é especialmente interessante e me fez pensar bastante. Entendo perfeitamente o seu desejo de que a história terminasse no clímax, no momento da revelação, deixando o resto para a interpretação. É um ponto de vista totalmente válido e que, sem dúvida, daria uma força imensa àquele momento.

      A minha escolha em estender a narrativa um pouco mais foi uma decisão deliberada para tentar amarrar o conceito central que, talvez pela sutileza, não tenha ficado tão evidente. Como você brilhantemente percebeu, a história nunca foi sobre um romance clichê. Na verdade, ela nunca foi sobre o paciente.

      A referência a Jung no início era a chave: o conto é uma alegoria sobre o “Animus”, o arquétipo do masculino que habita o inconsciente feminino. O paciente e sua jornada de transição não eram o foco, mas sim o catalisador, um espelho que ativou o Animus adormecido e reprimido da terapeuta. A verdadeira “transição” era a dela.

      O final “explicativo” foi minha tentativa de mostrar a consequência dessa jornada psicológica: não apenas a revelação do seu “eu” masculino, mas a sua integração. Ela não “vira homem”, mas aceita e integra essa força interna, planejando viver de forma mais autêntica. A ideia era fechar o arco da terapeuta, mostrando a resolução do conflito que era o verdadeiro motor da história desde a primeira linha.

      Mas sua perspectiva é valiosíssima e me mostra que talvez existisse uma forma de transmitir essa integração de maneira mais sutil, confiando mais na inteligência do leitor para “ligar os pontos” após o choque. Agradeço imensamente pelo empurrão para refletir sobre isso.

      Grande abraço!

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Publicado às 3 de agosto de 2025 por em Liga 2025 - 3A, Liga 2025 - Rodada 3 e marcado .