EntreContos

Detox Literário.

Sinais (Mauro Dillmann)

Sempre costumei escovar bem os dentes e usar enxaguatório para te encontrar na cama com a boca em hortelã. Prezo que notes a fragrância em alecrim no meu pescoço, minhas mãos e pés macios. Não que eu tenha obrigação de estar perfeita para ti, mas porque quero me apresentar assim e por ser ainda encabulada em porventura te decepcionar. Tenho consciência de que nossa diferença de idade revela minha insegurança. Depois de maior intimidade, dividimos o banheiro, tu fazendo a barba e eu hidratando o cabelo. Nosso magnetismo é cruzado.

E nossas idas ao supermercado? Tua mania de encher o carrinho de produtos fit, diet, zero, light, ou uma cerveja, um sorvete, um Doritos. “Deixa tudo comigo!”, teu grito gesticulando os braços. Ter dinheiro para pagar tudo é o melhor sentimento. O consumo próprio pago por si traz uma satisfação daquelas. Teus 27 anos e um bom emprego, como esquecer?!

Na semana anterior ao natal, nós juntos na festa da firma. Somos os mais belos sorrisos. Nos finais de semana, uma lasanha em casa. Tu, com fone, cantando enquanto a louça é lavada e o fogão, limpo: “A andorinha voou, voou / Fez um ninho na minha mão / E um buraco bem no meu coração”. Tirar o lixo, tratar os gatos e me chamar para a sesta. Toda essa ternura, esse não-sei-quê. E eu, abobalhada, cabelo preso, nunca te disse um não.

Na rua, no shopping ou no mercado, andamos de mãos dadas. Sem mais nem menos te tasco um beijo em público. Meio vermelho, me dizes: “Não escovei os dentes”. Nem ligo. Derreto quando me surpreendes, ao entrar na loja e me presentear com um creme hidratante. Ou quando me alcanças um Dramin, ou quando chega aquela caixinha de livro no meu nome. Tens conhecimento dos meus gostos e sabes me agradar.

Eu também sei do que gostas. Te vejo sentado no sol da manhã, os pés com meias pela metade, lendo “A noite”, de Wiesel, as linhas sublinhas a lápis, molhando os dedos para virar as páginas, a bala mentos ao lado e a meleca colocada debaixo da poltrona. Um movimento único de uma cena digna de inveja.

A gente canta junto. Em casa, tenho o meu encanto e não podes negar. Sei como a coisa funciona. Minha mãozinha cheia de dedos faz um gostoso bolo de chocolate com leite condensado. Num sábado chuvoso, te alertei: “Meu coração é desvairado, eu sei. Desculpa!”. Tua risada ecoou na casa e, bem humorado, devolveu, completando a música: “Meu coração é de cigano”.

Agora entendi, bem “cigano”: itinerante e aventureiro. Cheguei no limite. E essa tua distância, safado? Como te alcançar?

Disse um poeta que as afeições são como as linhas ao partirem do centro para a circunferência: quanto mais continuadas, menos unidas. Meu senso de proporção diz que é verdade, meu sentimento, que é mentira. Será que o apego ao afetivo é miséria ou pulsação viva? Recordo quanto me trazias um temaki, um cookie velvet ou uma bolacha de milho. Um dia me disseste na mesa: “Vou juntar uma grana e voltar para formar nossa família”. Hoje tenho preferido estar só a interagir com todo mundo e ando, cada vez mais, falando sozinha, sozinha da silva. A cabeleireira, cínica, me recomendou um bebê reborn. Não tenho paciência para o amor disfarçado.

Depois da tua partida mudei de vez para o litoral. Muitas vezes, caminho até a praia, subo o trapiche com a mesma empolgação e a pressa de quem escuta um samba e não resiste ou de quem teme perder de vista aquela pessoa pela janela do ônibus. Chego na orla geralmente no entardecer, quando só os pássaros e o vento me acenam. Toda vez no mesmo ponto, próximo àquela cafeteria que frequentávamos nas férias. Tu gostavas daquele café, moído na hora e servido com um copinho d’água. Bebia o café amargo e fechava os teus olhos de açúcar queimado, apreciando. E como havíamos prometido um ao outro antes da tua partida, eu paro, para que tu, do outro lado do oceano, possas me imaginar. Ali, de pé, com o celular em mãos, espero tua mensagem. Estamos ou estávamos pertos em comunicação, longe em espaço. Parece que só o mar me alcança. Faço, então, um vídeo para o TikTok, um jeito novo de empurrar com a barriga a tua ausência.

Na praia me aproximo de ti, das nossas experiências, do nosso zumzum. Guardo pouca memória do nosso começo. Do dia em que te encontrei pela primeira vez empurrando o carro para o acostamento com o pneu furado eu não esqueço. Tu choravas, não pelo pneu, mas por algum problema que a mente resolveu dramatizar. Casamos quatro anos depois. Moramos por cinco anos de aluguel numa casa com pátio no bairro Simões. Tu não gostavas do bairro, mas amavas a casa. Tinha grama, uma pitangueira nos fundos, um casal de sabiá. Nós líamos Macbeth juntos. No teu aniversário de trinta e dois, tu acordaste cedo, saiu pra caminhar, seguiu a rotina daquele sábado como se fosse outro qualquer. Eu tinha esquecido. Só lembrei depois da ligação do teu pai.

Quando o mar se agita e a sombra se alonga atrás de mim, compro uma flor branca e me aproximo da água, ouço o sal nos meus pés. Essas ações têm sido os meus dias, que chegam de poucas palavras, uma maluqueira. Rezo pra Deus, quem ouve é o Diabo. A recorrência da noite, o ir e vir, mede a vida e conta os anos. Toco na espuma, rogo proteção à natureza. Pétala por pétala, vou jogando ao oceano esses pedacinhos de mim e peço aos ventos que os levem até aí, para que recebas como um sinal do meu amor. Deito, estatelada na areia e sei que nosso reencontro está próximo.

Estou relendo as tuas mensagens de outra época, enviadas pelo Facebook. Tão bonitas, palavras escolhidas. Sempre escreveste bem melhor que eu, com meu vocabulário bêbado. Lembro daquele verão em que viajamos quase três horas para chegar na praia e ficarmos trinta minutos. Não foram só trinta, mas prefiro pensar que sim. Choveu muito. Namoramos no carro ao som das ondas. Tu tinhas raspado o cabelo e estavas com aquele tênis, presente de natal. O teu cheiro de bergamota e mandarina me embalava. Estranho, porque fora da cama eu não estava acostumada a estar contigo tão perto. Naquela ocasião tu me abraçaste, elogiaste meus dentes e disseste: vai ficar tudo bem. Eu, zonza, nunca te disse o mesmo.

Em frente ao mar o frio vai chegando, a pele arrepia, a areia me cobre, procuro me agasalhar. Perco o humor. Em casa, ligo a televisão, preciso de um barulho, ainda que irritante. Sexta-feira, seria o dia em que pediríamos uma pizza, depois um chá de boldo, um chocolate Talento e um filme. Por muito tempo acreditei na canção quando diz que temos todo tempo do mundo. Tolice. No sofá, separo objetos e papéis. Melhor queimar para reconstruir os sonhos antigos de novo.

A mente acelera, pensamentos vem e vão, uma ruindade na garganta.

Nossos familiares, visitávamos pouco. Tu nunca confiaste em muita gente. Nem nas tias que liam a coleção Sabrina e o evangelho espírita. Sentimentalismos, lições morais e falatórios passavam longe de nós. Por isso pouco compartilhaste notícias. Ninguém soube quando compramos nossa primeira máquina de lavar louça. Não sei se tu os classificavas entre vivos e mortos ou se nunca deu importância para esses contatos. Éramos nós e apenas nós. O resto era a “cambada”, como dizias. Da tua viagem, souberam apenas na semana do embarque.  

Quando tu partiste plantei uma pitangueira num vaso deixado no corredor ao lado da casa. A árvore, de crescimento lento, seria meu modo de medir o tempo. Na cozinha, abria a geladeira e com o jarro d’água preparava um suco em pó, num ritual para contar os dias porque lembrava o teu gesto diário antes do almoço. Sem consumir toda bebida, a dispensava antes de dormir, diminuindo a espera. Raios de lucidez me recomendavam parar com esse chove-não-molha. Tanto refresco no ralo me pareceu desperdício. Para aliviar a culpa passei a distribuir moedas às crianças do semáforo e deixei o tempo seguir o fluxo natural.

Eu sabia que tu tinhas insônia, dormias pouco. Eu vivia dizendo: quem pensa não dorme. Tu nunca disseste no que pensavas. Será que algo te perturbava? Será que tu merecias ser perturbado? Será que acreditavas no amor? Será que amavas? Mas tu gostavas de ritmo, de rimar palavras, nomes e sobrenomes, o sublime da poesia. Um dia declamaste o solilóquio rimado de A vida é sonho, de Calderón de la Barca. Toda vida acreditei que uma alma poeta sabe amar. Quando estávamos hospedados num hotel, tu gostavas da piscina e do café da manhã. Sentado na borda, os pés na água, aquela cicatriz, os mergulhos, os abraços, as brincadeiras de segurar o fôlego.

Voltei à praia tantas vezes, tantos entardeceres, tanta areia, tanto mar. Meus pés já não são ágeis, minha pressa serenou acompanhando os limites do corpo. Hoje sou apenas uma sombra do que fui. Ninguém correu em minha direção, nem gritou meu nome em frente à cafeteria. Tomo café com os olhos fechados tentando te ouvir, no entanto, meu pensamento é mais alto que as ondas. E às vezes mais chato que as musiquinhas dos reels. Minhas mãos estão secas, meu hálito amargo. No trânsito, me tocam buzinas, me chamam de “véia”, engulo desaforos. Meu celular não recebe emojis, minhas mensagens não são respondidas e nem as fotos são curtidas. Tenho vivido comigo mesma, será destino? No mar, pétalas brancas carregadas pela maré podem ser vistas, correndo esparsas, anunciando o meu recolhimento.

O amor cicatriza com a distância, com a ausência, com o oceano que separa as terras. Nesse tempo já fiz terapia e provei ayahuasca. Às vezes penso que o mar tem compaixão por nós. Tão bom receber esse sentimento das águas profundas. Logo eu que por muito tempo critiquei a piedade. Vejo que as correntezas juntaram várias pétalas e as ondas suspenderam formando um tapete de flores na superfície que se perde ao infinito sobre o mar. Essas flores, como as de Santo Anselmo, brilham com a luz dos pirilampos que piscam em amor no sobrevoo, tão parecido com nosso antigo magnetismo. O relógio parou e ao longe vejo uma canoa de papel, daquelas que marcam a ingenuidade da infância. Vou deixar meu celular, meu cachecol e minhas sandálias na areia e seguir a trilha do tapete. Escuto tua voz. Seguirei o caminho para te encontrar, para aonde quero estar.

Sobre Fabio Baptista

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22 comentários em “Sinais (Mauro Dillmann)

  1. André Lima
    13 de setembro de 2025
    Avatar de André Lima

    É um conto que se revela como um monólogo interior poético e profundamente nostálgico. Interessante como tudo se constrói a partir das memórias fragmentadas e sensoriais da protagonista. É uma abordagem legal. 

    A voz narrativa em primeira pessoa é íntima e confessional. Convida o leitor a entrar nos pensamentos e sentimentos da protagonista. A estrutura não linear foi um acerto em cheio.

    A caracterização do parceiro ausente, embora indireta, é muito boa. Ele é construído através dos pequenos detalhes cotidianos. Sutileza muito bem aplicada.

    Os temas centrais orbitam em torno do amor e da perda, da memória e da nostalgia, da passagem do tempo e da distância.

    A linguagem é o grande trunfo do conto. É poética na medida certa, rica em detalhes sensoriais. As metáforas são bem executadas! As referências literárias e musicais são bem integradas também.

    Embora a inclusão de detalhes como a “meleca debaixo da poltrona” ou o “vocabulário bêbado” contribua para o realismo e a humanidade da narradora, em certos momentos, esses elementos podem destoar ligeiramente da elevada sensibilidade poética que permeia a maior parte do texto. É uma questão de equilíbrio estilístico que o autor pode refinar, em minha opinião. Pois, se fosse força do estilo bem estabelecida, não veríamos como casos isolados assim.

    É um conto redondinho, bem executado, que brilha muito mais pela técnica do autor do que pela história em si.

    Faltou algo para me prender mais, para me dar mais prazer na leitura. Achei a trama pouco convidativa, mas a técnica é boa demais e acaba carregando o texto nas costas.

    Parabéns pelo trabalho!

  2. Bia Machado
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Bia Machado

    Me pegou desde o início? Não. Foi um começo meio arrastado e até entendo que esse parece ser o ritmo dado por você ao que escreveu, mas não funcionou comigo.

    Desenvolveu bem o enredo? É um texto de reminiscências da narradora. Para mim não se encaixa em sabrinesco, acho que vai mais para o lado de alta literatura, existe um cuidado com a escrita, sim, acredito ser o principal em um texto desse estilo.

    O desfecho foi adequado? O final foi sem maiores arrebatamentos, no mesmo ritmo do conto todo. 

    E o conjunto da obra? É um conto com um “ritmo único”, não há muito impacto. 

    Deu match? Considero que em partes. Não foi difícil acompanhar sua narrativa, mas algumas coisas não deram certo pra mim, eu como leitora fiquei esperando maiores explicações sobre o que aconteceu, ou algo que fundamentasse o que penso que aconteceu na história e, claro, nada deve ser dado de mão beijada para o leitor, só talvez gostaria de saber mais sobre a pessoa que partiu. Um bom conto, no meu entendimento, mas que eu não escolheria ler se não fosse pela obrigatoriedade do certame, pois prefiro outros estilos. Parabéns pela participação e boa sorte.

  3. Thales Soares
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Thales Soares

    Infelizmente eu não consegui me conectar muito com esse conto. Geralmente essas histórias que não tem uma narrativa em si, com um começo, um meio e um fim, não entram direito na minha cabeça. Tudo me parece mais uma reflexão, e um sentimento de saudades que não me atingiu.

    A protagonista relembra a relação intensa que tinha com seu parceiro. Ela descreve rituais de cuidado e momentos de intimidade doméstica. Eles parece que tinham uma conexão profunda. Em algum momento o parceiro foi embora… uma viagem? Uma morte? Não sei, acho que não possuo a sensibilidade suficiente para compreender este texto, que é de certa forma poético.

    A protagonista se muda pro litoral e estabelece uma rotina, onde no entardecer ela vai na cafeteria em que ambos frequentavam. Lá ela espera uma mensagem que nunca vem. Pra preencher a sensação de vazio, ela grava videos pro TikTok e faz um ritual de enviar sinais (o que dá nome ao conto), e pra isso ela compra uma flor branca, arranca as pétalas e joga no mar, pedindo pro vento que leve até seu amado. Então ela revê mensagens antigas de Facebook e fica pensando nos momentos felizes.

    Com o passar do tempo essa rotina vai ficando mecanica e desgastante. A narradora começa a virar uma véia (como os próprios personagens mencionam). Então ela tem uma visão final na praia. As petalas que jogou no mar formam um tapete florido sobre as ondas. Ao longe ela ve uma canoa de papel, e ouve a voz do amado. Ela deixa as coisas dela na areia e vai andando no tapete de flores em direção ao oceano. Acho que aqui, pelo que eu entendi, ela morre também.

    A história não do meu estilo, e achei que houve bastante divagação. Mas acredito que muitas pessoas do EC vão apreciar, já que está muito bem escrito. Boa sorte no desafio!

    • Mauro Dillmann
      14 de setembro de 2025
      Avatar de Mauro Dillmann

      Oi, Thales,

      Obrigado pelo comentário. Eu não costumo responder os comentários. Julgo sempre o leitor como soberano. A cada leitura, uma interpretação. E cada um lê a seu modo, a partir das suas referências, etc. Mas permita-me, responder ao seu:

      “Tudo me parece mais uma reflexão” – Sim, isso é “fluxo de consciênccia”.

      “o parceiro foi embora… uma viagem? Uma morte? Não sei, acho que não possuo a sensibilidade” – não é questão de sensibilidade ou não. O texto não diz para onde ele foi. Esse elemento não importa para a narrativa. Importa que ele foi embora.

       “e faz um ritual de enviar sinais (o que dá nome ao conto)” – Tranquilo se você entendeu dessa forma. Mas os “sinais” são muito mais do que elementos físicos e materiais. Não são, necessariamente, sinais literais. Eles são simbólicos. No conto todo a narradora (em primeira pessoa) dá sinais de que está caminhando para uma depressão profunda. Dá sinais de um suposto suicídio ao final. Mas fica subentendido, porque nem tudo pode ser dito. Quando o texto entrega tudo, fica literal e perde o encanto.

      “A narradora começa a virar uma véia” – ela não vira “uma véia”. Ela envelhece como todo mundo. Esse elemento, colocado propositalmente no conto, é para indicar a passagem do tempo, a dificuldade de desligamento de um amor perdido e também o etarismo predominante na sociedade.

      Desculpa por todas essas minhas ‘explicações’. Volto a repetir: a leitura é sua, a interpretação também. E obrigado mais uma vez.

      Um abraço.

  4. Alexandre Costa Moraes
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Olá, Entrecontista.

    Gostei bastante do seu conto “Sinais”, principalmente do tom íntimo e contido. Pequenas cenas do dia a dia revelam o vínculo do casal. O conflito é sutil, nasce da diferença de idade e do medo de perder. O arco é mínimo, mas cumpre bem a proposta. Fica um retrato afetivo com clima melancólico muito bem construído.

    Na técnica, chamam atenção os detalhes sensoriais e simbólicos. Hortelã na boca, rotinas compartilhadas, presente inesperado… As emoções aparecem em gesto e imagem, de forma limpa, sem excesso de explicação.

    O subtexto do tempo e do apego silencioso atravessa o conto com consistência, conduzindo e entrelaçando a trama. A escrita é delicada e fluida. O final, aberto e simbólico, deixa um eco bonito. Parabéns, adorei!

    Boa sorte no desafio.

  5. Jorge Santos
    11 de setembro de 2025
    Avatar de Jorge Santos

    Olá, Lady Mac. Li o seu texto, que é de uma grande ternura e narra o amor entre um casal com uma grande diferença de idades. Ele abandona-a e ela vai viver para a costa, sobrevivendo à custa de recordações. No final, vejo sinais de um possível suicídio por afogamento no mar, mas pode ser a minha imaginação a pregar-me as habituais partidas. Consegui ligar-me ao texto, quando estou numa fase da vida que se pode chamar de “meia-idade”. Olhamos para trás e vivemos um pouco daquilo que já vivemos, esquecendo que ainda há mais caminho pela frente. No seu texto estranhei a implicância com os dentes. Quando alguém diz para a mulher que ama “gosto dos teus dentes”, isso não é forçosamente uma coisa positiva. Significa que o resto não o cativa, ou ele será dentista. Estranhei também a passagem do primeiro para o segundo parágrafo. A descrição das idas ao supermercado logo a seguir ao início do seu relacionamento. Creio que faltou aqui alguma elegância, falta essa que se evidenciou um pouco ao longo do texto.

  6. toniluismc
    10 de setembro de 2025
    Avatar de toniluismc

    O texto apresenta boa fluidez narrativa e um domínio consistente de recursos descritivos, com vocabulário variado e imagens sensoriais bem trabalhadas (“boca em hortelã”, “olhos de açúcar queimado”, “cicatriz, os mergulhos, os abraços, as brincadeiras de segurar o fôlego”). A narradora conduz a memória afetiva com naturalidade, intercalando cenas concretas e reflexões, sem rupturas bruscas.

    Por outro lado, há excesso de extensão em alguns blocos, especialmente quando o fluxo de recordações se acumula sem pausas. Parágrafos longos demais, com várias ações e lembranças misturadas, tendem a gerar cansaço visual e dificultar o impacto das imagens mais fortes. Pequenos cortes e divisão de parágrafos poderiam reforçar o ritmo e dar mais espaço de respiro ao leitor.

    A consistência gramatical é boa, mas há momentos em que a construção poderia ser mais enxuta. Por exemplo, certas redundâncias (“tanta areia, tanto mar”; “tantos entardeceres, tanta areia, tanto mar”) funcionam como ênfase poética, mas perdem força por repetição excessiva. Ainda assim, o cuidado lexical é visível e há atenção ao som e cadência das frases.

    Embora a base seja a de um romance memorialístico — comum em textos de saudade e separação —, o conto se diferencia pelo modo como insere detalhes cotidianos íntimos para construir uma relação crível e multifacetada. Pequenas ações (dar um Dramin, preparar um bolo de chocolate, comprar creme hidratante) adquirem peso emocional e funcionam como marcadores de afeto, evitando o lugar-comum de um texto puramente melodramático.

    A aproximação ao mar como espaço simbólico é eficaz, mas poderia ser explorada de forma mais singular. A metáfora das pétalas carregadas pelas ondas é bonita, porém se aproxima de imagens já recorrentes na literatura romântica. O final, com a “canoa de papel” como gatilho para a travessia, é visualmente forte e deixa um rastro de ambiguidade (morte, reencontro, transcendência), o que eleva a proposta.

    O impacto é sustentado pela sensibilidade dos detalhes e pelo tom intimista, que convida o leitor a partilhar da memória e da solidão da narradora. Ao contrário de outros textos desta rodada que se apoiam na vulgaridade ou no exagero melodramático, aqui há contenção e um lirismo que se aproxima mais do romance sabrinesco elegante do que da alta literatura — mas sem cair na apelação.

    O desfecho sugere entrega e aceitação, com um misto de serenidade e dor que pode tocar o leitor. Ainda assim, a extensão excessiva em alguns trechos dilui parte desse efeito; uma concisão maior aumentaria a força da última cena e deixaria o final mais incisivo.

    Acredito que os resultados para esse texto serão ótimos, então é hora de se preparar para o próximo tema, parabéns!

  7. Fabio Baptista
    9 de setembro de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    Lembranças de um amor perdido.
    O texto é bem escrito e tal, mas não consegui me conectar com a narrativa. Sem um conhecimento prévio dos personagens, virou apenas um monólogo jogado ao vento (aliás, senti bem o clima da música “Vento no Litoral”). O que gostei foi a dúvida do que ocorreu e o final que deixa nas entrelinhas o ocorrido. Na minha interpretação, a pessoa amada foi pra longe e a narradora vai ao encontro do mar, do afogamento das angústias. Um bom trabalho, embora não seja meu tipo de conto.

  8. danielreis1973
    7 de setembro de 2025
    Avatar de danielreis1973

    Sinais (Lady Mac)

    Prezado autor(a):

    Seu texto é uma narrativa sensível e poética sobre o amor, a perda e a memória, que varia entre lembranças ternas do cotidiano compartilhado e a dor da ausência.  Tem momentos líricos bem poéticos, mostrados nas pequenas coisas – escovar os dentes, dividir o banheiro, cantar enquanto lava a louça – e ganha densidade emocional à medida que o tempo e a distância passam. Porém, seu texto me deixou com um sensação de excesso, talvez pela falta de interação e contraponto (só há um monólogo interno), e pela repetição de certas ideias e imagens (como a ida à praia, a espera por uma mensagem, as lembranças afetivas do cotidiano); também, não fica claro se o afastamento do parceiro foi por morte, separação ou outra causa (me pareceu que o “atravessar o oceano” vai além de morar no velho continente…). Também senti que em alguns momentos o texto quase parte para o excesso, como uma reclamação, e não um desabafo. Acho que poderia ganhar força com um pouco mais de concisão, reduzindo tanto a extensão quanto a intensidade das metáforas. Um conto que comove, mas que ficaria ainda mais afiado se buscasse uma síntese maior. Boa sorte!

  9. claudiaangst
    6 de setembro de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Como vai, autor(a)? Pleno(a) na criação literária?

    O título nada revela em relação à trama que será apresentada. Vou considerar como alta literatura, pois não vi traços sabrinescos no texto.

    A narrativa me fez quase cantar, pois achei a linguagem muito próxima de uma música, as palavras tecendo uma melodia particular. Prosa poética construída com pedaços de lembranças, detalhes do cotidiano compartilhado, a dor da ausência.

    Há menção à música do Legião Urbana – Tempo Perdido – como os jovens acreditam que têm todo o tempo do mundo. No geral, o conto remeteu à canção Vento no Litoral, também do Legião Urbana. Poesia e música estão sempre muito ligadas.

    Não encontrei falhas de revisão, apenas:
    • para aonde quero estar > para onde quero estar (para já é a preposição)

    O tom do desfecho é melancólico, como se a saudade e o tempo tivessem soterrado o amor. A narradora não deixa claro o que aconteceu com o marido, se ele morreu ou se apenas ficou distante.

    O conto é de uma tristeza bela, mas com um quê de poeta romântico flertando com o suicídio.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  10. Gustavo Araujo
    5 de setembro de 2025
    Avatar de Gustavo Araujo

    Dentre todos os contos que li para este Desafio (faltam apenas dois) este é o que melhor representa o que entendo por alta literatura. Digo isso devido à desenvoltura da escrita, à maneira como as palavras são costuradas e ao modo como o sentido é passado ao leitor. Há, dentre as linhas, algo de poético e, ao mesmo tempo, instigante, doloroso até.

    Temos aqui o solilóquio de uma mulher madura que, durante algum tempo, viveu um romance com um rapaz mais novo do que ela. Por algum motivo, o jovem, de coração cigano, partiu e, ao menos aparentemente, encontrou seu fim em algum lugar para além do oceano.

    O fluxo de pensamento mistura nostalgia e dor, mas também fala da felicidade por ter vivido algo marcante. Diante de todo o contexto, a protagonista parece decidida a entregar a si mesma destino idêntico àquele do rapaz. São esses os sinais.

    O conto está muito bem escrito, como já disse, mas sua força está mais presente naquilo que não se vê, nas lacunas do não dito, nos detalhes invisíveis do relacionamento. Fatos e episódios são lembrados sem que essas lembranças soem piegas ou forçadas. Há verdade no depoimento. Seria possível até imaginar que a pessoa que escreveu este texto passou, em algum momento, por essa espécie de luto, tal é a fidelidade com que reproduz as recordações, a saudade e a resignação.

    Há certa solenidade na maneira como o texto é conduzido, mas isso é quebrado em alguns momentos, p.ex, quando se fala em “tosco”, “meleca”, “safado” e “véia”. Talvez fosse interessante suprimir ou substituir esses termos por algo mais próximo do tom dominante.

    De qualquer forma, ainda que este estilo de conto não seja muito popular aqui no site, quero deixa registrada meus aplausos pelo que foi produzido. Está excelente. Parabéns e boa sorte no desafio.

  11. Luis Guilherme Banzi Florido
    2 de setembro de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia! Tudo bem? Tô lendo os contos na ordem de postagem do site, sem ter conferido quais são minhas leituras obrigatórias. Bom, vamos lá pro seu conto.

    Olha, vou ser sincero e dizer que esse conto não me pegou muito. Apesar de muito bem escrito, achei bastante monótono, excessivamente contemplativo. Mas vamos por partes.

    Começando pelo que tem de melhor, a escrita é excelente. Tecnicamente está muito bom, ótima escolha de palavras, uma dose de metáfora e linguagem poética que dão um tom melodioso ao conto. Você sem dúvida escreve muito bem.

    Por outro lado, achei que o conto perde muito no quesito enredo, que quase inexiste. O conto acaba ficando excessivamente reflexivo, o que torna a leitura lenta, o conto parece mais longo que é. Acho que a mesma história podia ter sido contada com metade das palavras, e talvez isso melhorasse a experiencia. Como está, acabou se tornando um pouco reflexivo, e eu perdi um pouco a imersão, sabe?

    Enfim, isso pode ter muito a ver com gosto pessoal, também, o que não é culpa sua.

    Também achei que você fica num limiar muito perigoso no quesito tema. Eu não manjo nada de alta literatura e sabrinesco, então não tô tirando nota de ninguém por isso, mas eu fiquei muito reticente quanto a esse conto ser alta literatura (já que não é sabrinesco). Enfim, deixa essa análise pra quem sabe de alta literatura, eu não sei.

    Desculpa se meu comentário foi um pouco duro. Não foi minha intenção detonar o conto. Só achei meio que a excelente técnica se perde num ritmo moroso e pouco envolvente, que talvez melhorasse muito com uma história mais curta. O final, ainda assim é profundo e impactante.

    Parabéns e boa sorte!

  12. Pedro Paulo
    31 de agosto de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    Primeira leitura: O primeiro a se dizer talvez seja uma justificativa quanto a existir mais de uma leitura. Alguns entrecontistas me dão a impressão de ser um itinerário comum, leitura e releitura, mas admito que não procedo dessa maneira. Não por achar errado, na verdade me parece o ideal. Mas foram poucos desafios em todos esses anos que pude participar sem estar pressionado pelo tempo e confesso mais de uma leitura prejudicada pela pressa, embora ainda julgue ter escrito bons comentários, em geral. Por outro lado, já reli contos. E com este deverei proceder da mesma maneira, pois a primeira impressão que tenho é que sua força consiste na forma e na sinceridade que a escrita – narrada em segunda pessoa e, por isso, dedicada a alguém – confere aos sentimentos compartilhados pela narradora personagem. Melancolia, luto e saudades são bem sentidos na rememoração não linear constituída no texto. Senti esmero para conferir elegância, força e tragédia como tudo é narrado, conciliando um passado saudoso com um presente sofrido. Nessa primeira leitura não entendi bem se o companheiro da protagonista morreu ou se foi ao mar e não voltou, mas senti que, independente disso, dá para encarar o conto como uma carta enlutada. E a inevitabilidade da morte é um tema universal, ao mesmo tempo em que a sua reflexão é sobre uma relação romântica cujo carinho e paixão ficam sentidos nas lembranças da personagem. Então concebo como uma abordagem bem-sucedida dos dois gêneros. O que julgo negativo é que, embora esteja bem escrito e consistente com a decisão estilística da autoria, o texto se densifica de uma maneira que o torna labiríntico e cansativo. Que seja repetitivo faz sentido quando se leva em conta que é um texto sobre alguém perdida em memória, mas não me agradou a leitura, demandando um esforço para atravessar o conto. Atribuo isso também à decisão de optar por longos parágrafos, única forma presente na estrutura textual, sem outros recursos que dinamizassem o ritmo de leitura. Talvez uma segunda imersão favoreça mais o conto para o meu juízo.

    Fiquei tão perdido quanto a personagem! 

    Segunda leitura: Realizada na releitura dos meus comentários antes de postá-los, fiz essa nova passagem pelo conto observando novos aspectos, como a sua inegável contemporaneidade pelo contexto digital a que alude, com vídeos no tiktok e reels. Para um texto com um jeitão tão denso e vagaroso, achei uma escolha curiosa que funciona para dar mais chão à ambientação. Ainda assim, senti o mesmo, com uma certa dificuldade para navegar entre os parágrafos tão intrincados de memória e dúvida e ordenados pelos sentimentos difusos da protagonista. Corrijo-me quando classifico o conto como em segunda pessoa, pois mistura a primeira e a segunda. Quando escreve para o homem de quem sente falta, notei como são presentes as interrogações, caracterizando melhor a relação entre eles ao, paradoxalmente, mostrar justamente o quanto de dúvida pairava nisso que parecia tão essencial. É um conto forte e emotivo, que em sua forma exige mais atenção para que flua bem e se notem detalhes e escolhas autorais.

    Cordiais abraços, boa sorte neste desafio!

  13. Léo Augusto Tarilonte Júnior
    26 de agosto de 2025
    Avatar de Léo Augusto Tarilonte Júnior

    Tema alta literatura..
    Enquadrei seu conto nessa categoria porque ele fala sobre saudade..
    A escolha do narrador em 1ª pessoa contribui para aproximar mais o leitor da protagonista.
    Achei a estruturação da narrativa sob a forma de relato bastante interessante.

  14. Amanda Gomez
    22 de agosto de 2025
    Avatar de Amanda Gomez

    Oi, bem?

    Um conto muito sensível sobre o luto. Pode ser de alguém que morreu ou simplesmente partiu, e a não resposta a essa dúvida é um acerto do autor.

    Uma mulher que teve no passado um relacionamento com alguém mais jovem e, sem explicações, esse relacionamento acabou. É curioso que não dá para saber se foi um relacionamento longo ou breve; o que sabemos com certeza é o quanto ele marcou essa mulher. O quanto agora, em uma nova fase da vida dela, essas lembranças a inundam com força total. Também não dá para saber se sempre foi assim, se ela sofre desde a partida ou se a atual situação de sua vida a fez relembrar, com tantos detalhes, esse amor que se foi.

    Essa ambiguidade é muito interessante. É um conto sensorial, com os sentimentos abundantes da narradora quase palpáveis. Fiquei me perguntando se realmente tudo aconteceu assim, ou se ela está idealizando, ressignificando.

    Considero o texto alta literatura, um bom mergulho dentro da mente em luto da personagem.

    Parabéns pelo trabalho. Boa sorte no desafio.

  15. Givago Domingues Thimoti
    18 de agosto de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Sinais (Lady Mac)

    Olá, autor(a)! Espero que esteja bem no momento da leitura! Parabéns por participar do Desafio EntreContos! Sempre um prazer ler e comentar o trabalho dos colegas. Espero sinceramente que, ao final da leitura, você sinta que esse comentário tenha contribuído para você de alguma forma! Caso contrário, não leve para o pessoal ou crie ressentimentos. Lembre-se que escrevi com o maior cuidado que pude.

    Sobre o tema, em relação aos demais desafios, optei por mudar alguns critérios na avaliação. Diminui para 4 critérios, dando uma nota maior para adequação ao tema (está valendo 2). A lógica será: 0 para contos sem tema, 1 para contos que tangenciaram o tema e 2 para contos que o tema aparece claro e cristalino.

    Além disso, tomando as definições sugeridas pela Moderação, eu considerei sabrinesco como aquele conto que, por mais que tenha sexo nele (embora não seja obrigatório que tenha), você mostraria tranquilamente para uma pessoa da sua família que é bem careta. Já um conto de alta literatura eu interpreto como um conto mais rebuscado, que instiga o leitor tanto nas ideias (fazendo-o pesquisar sobre algum elemento do texto)  quanto na técnica empregada (podendo ser um ou outro).

    Resumo da história

    “Sinais” nos apresenta o fluxo d e pensamentos de uma viúva enlutada e cheia de saudades de seu marido.
    Aspectos positivos e negativos

    Aspectos positivos: do ponto de vista técnico e gramatical, está (praticamente) irretocável.
    Aspectos negativos: para um conto focado em sentimentos, saudades e AMOR, senti uma apatia indesejável em relação aos protagonistas. Pena, o foco me pareceu maior para a técnica do que para a narrativa.

    Avaliação por critérios (pontuação total: 5,0)
    Adequação ao tema (máx. 2,0):
    O conto aborda de forma clara, criativa e relevante o(s) tema(s) proposto(s)? Há relação explícita ou simbólica (mas detectável) com o tema indicado? Nota: 2

    “Sinais” é um conto romântico de “alta literatura” para mim. Uma alta literatura focada bastante em ser rebuscada. Não inova muito em termos de ideias (pelo menos pelo que eu percebi). Além disso, os personagens são um tanto rebuscados, como se eles emprestassem esse ar de alta-literatura; um lê Macbeth, ela escreve de forma extremamente culta… Isso acabou mais me afastando do que me aproximando. Enfim, me pareceu um tanto artificial, mas nada que tenha pontos.

    Talvez tenha faltado outros aspectos para categorizá-la como um autêntico conto de alta literatura. Mas também, seria uma sacanagem dizer que o conto não é uma alta literatura por não preencher tudo que se espera (leia-se, as caracteristicas apontadas pelo regulamento do certame) de um conto de alta literatura, como um checklist. Bem escrito, denso, o que faz com que o leitor tome algum tempo para compreender a fundo a historia. OK!

    Correção gramatical (máx. 1,0): O texto segue a norma culta da língua portuguesa? Se sim, há erros gramaticais, ortográficos ou de pontuação que prejudiquem a leitura? Se optou pelo coloquialismo ou regionalismo, deu para sentir que foi uma boa imitação? Soou forçado? Nota: 0,9

    Bom, o conto é praticamente irretocável nesse aspecto! Parabéns!

    Único porém: palavras em itálico. Há algumas utilizações corretas, outras não. Vamos lá: 

    E nossas idas ao supermercado? Tua mania de encher o carrinho de produtos fit, diet, zero, light → Aqui seria normal, sem itálico. Não é uma palavra estrangeira… Por outro lado, temaki e cookie (red não?) velvet…

    Via de regra, marcas não são escritas em itálico. Dramim (amo!), Doritos, TikTok (sim, por incrível que pareça, TikTok não se escreve em itálico), mentos não!

    Por fim, títulos de obras famosas são escritas em itálico! Logo, A Noite, de Wiesel (A Noite é um livro escrito em 1958 por Elie Wiesel, que retrata sua passagem por Campos de Concentração durante a Segunda Guerra Mundial. O autor, na época um menino de 14 ou 15 anos, é separado da mãe e da irmã e conta o que viu e viveu nos Campos com o pai: mortes, execuções, torturas e sofrimentos.)

    Terminada minha chatice, vamos seguir em frente!

    Construção narrativa (máx. 1,0): A estrutura do conto é bem organizada (início, desenvolvimento, clímax e desfecho)? Estica demais, apertou demais? Caso tenha optado por um conto não linear, deu para entender/acompanhar a história? O estilo de escrita é adequado? A técnica chama a atenção? Há fluidez, ritmo e coesão textual? Nota: 0,8

    Um grande trunfo do conto é ele ser reduzido. Talvez eu esteja errado, não contei as palavras, mas deve ter o quê? 1.800 até 2.000 palavras? Ótima escolha. Esse conto, sem seguir a ordem tradicional de início-meio-fim, consegue situar o leitor. 

    O que chamou a minha atenção negativamente em termos de técnica são dois fatores. Primeiro, senti uma falta de fluidez nos parágrafos. É comum em textos mais sentimentais, em estilo de digressão. Mais comum ainda quando tratamos de contos com a linguagem mais rebuscada. Talvez haja algum espaço para melhora em alguns pontos, mas nada de muito grave e que mereça quebrar tanto a cabeça.

    Além disso, senti uma dissonância entre os tempos, quase um anacronismo narrativo. Uma técnica mais antiga apresentando uma história contemporânea. Todo o estilo rebuscado me remeteu a uma narrativa mais ao modelo romântico do sec XIX, talvez do Simbolismo do início do século XX. É um tempo antigo. A personagem é mais velha, mas vira e mexe o texto fala de marcas atuais, TikTok, reels, Facebook… Achei que não casou, convém ajustar.

    Impacto pessoal (máx. 1,0): O conto provoca reflexão, emoção ou surpresa? Causa uma impressão duradoura ou significativa? Nota: 0,2

    Eu não gostei muito desse conto. É um conto tecnicamente muito bom, que deve ser exaltado por sua qualidade estética. Entretanto, senti falta de um carinho maior com a narrativa. Ou, pelo menos, uma narrativa um pouco mais no pé chão. 

    O que eu não gostei? Mal comparando, é como pegar uma carta de um estranho completo e ter a sensação que fiquei sabendo da fofoca pela metade. Senti falta de um maior conhecimento do casal para que eu conectasse com a narrativa e pudesse simpatizar com o que foi narrado. O conto é focado tão somente nas emoções da personagem sem nome.

    Pelo que percebi do conto, trata-se de uma história de um casal que está separado. Ela é mais velha que ele. Ela sente saudades (dado o simbolismo da narrativa, imaginei que a morte dele está fortemente ligada ao mar, embora talvez ele só tenha ido embora) e o ato de ir na praia é mais uma de suas inúmeras ações que executa para sentir-se ligada ao parceiro. Ela se perde em nostalgia e saudades do tempo que viveram juntos.  Talvez haja, até mesmo nas entrelinhas, alguma noção de injustiça na partida precoce dele, já que ela é mais velha (muito embora não se saiba exatamente o quão mais velha).

    Enfim, são tantos talvez, tanta coisa na entrelinha, que faltou um chão firme para que o leitor pudesse ter certeza de algo. Ou, comparando com a forte ligação do conto ao mar, faltou um bote e uma bússola que desse ao leitor a sensação que há alguma terra a vista, e que não estamos acompanhando a personagem numa deriva sem norte.

    Além disso, há mais um fator que nos afasta dos personagens. São personagens que não conquistam por falta de algum elemento que proporcione uma empatia/antipatia com o leitor. São apáticos, na realidade. Não percebi qualquer sinal que os distinguisse de tantos outros casais. Até mesmo, são um tanto insossos. Gostaria de ter lido mais sobre como eram, como se conheceram, como era o relacionamento deles, como superaram a diferença de idade, quais eram seus defeitos e virtudes, o que os separou. Puts, nem nome eles têm…

    Nota final (máx. 5,0): 3,9

  16. Thiago Amaral
    15 de agosto de 2025
    Avatar de Thiago Amaral

    Um bom conto que conseguiu me emocionar.

    Aqui é interessante porque não temos exatamente uma história. Não temos começo, meio, e fim, mas recortes de um relacionamento, que não se sabe ao certo se terminou ou se está em suspensão.

    Mas os fatos e detalhes, os pequenos elementos, são contados de maneira tão tenra, tão realista, com sentimento, que formam um mosaico cujo todo causa impacto no leitor. Não causa talvez o mesmo impacto que uma história de começo, meio e fim, com revelações e clímax, mas oferece sensibilidade e aconchego pra quem gosta desse tipo de pegada.

    Ao fim, voltei para ler e entender se havia perdido alguma informação quanto ao paradeiro do rapaz. Algumas passagens dão a impressão metafórica que ele morreu e a protagonista se mata no fim. MAS acho que estou indo longe demais, já que deixa meio claro que ele fez uma viagem, mesmo.

    De qualquer forma, ótimo conto, bem estilo Mauro Dillman. Obrigado, e até a próxima.

    • Mauro Dillmannn
      31 de outubro de 2025
      Avatar de Mauro Dillmannn

      Olá, Thiago.

      Tudo bem?

      Leitura perspicaz. E ainda acertou meu conto, hen! Espertinho!

      Um abraço,

      Mauro

  17. cyro eduardo fernandes
    14 de agosto de 2025
    Avatar de cyro eduardo fernandes

    Uma história de amor bem escrita, detalhes do relacionamento cobrindo todo o conto. Carga dramática no final, trazendo uma triste desesperança.

  18. Priscila Pereira
    12 de agosto de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Lady Mac! Tudo bem?

    Seu conto é muito bonito e triste…

    Não identifiquei se ele morreu ou se foi embora, arrumar dinheiro pra família e nunca mais voltou… O conto é bem aberto, pro leitor sentir e compreender como quiser. Quando bem feito, gosto disso.

    É na verdade um conto mais pra sentir do que entender. E senti varias coisas lendo. A lembrança de um amor profundo que se foi, a espera, o envelhecimento sem platéia, o anseio pelo tempo em que ela era feliz, a rotina, tudo narrado de forma simples, despretensiosa, que me agradou bastante.

    Gostei do conto. Muito bem escrito, cheio de referências, um conto para sentir. Alta literatura com certeza. Parabéns!

    Boa sorte no desafio !

    Até mais!

  19. Kelly Hatanaka
    11 de agosto de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Olá!

    Neste desafio, vou avaliar os contos da seguinte forma: Tema vai valer 2 pontos, Forma, 2 pontos, Enredo, 3 e Impacto também 3. Como o tema Sabrinesco parece ter sido especialmente desafiador, vou dar um ponto extra para Sabrinescos bem executados. É pessoal? É. Mas os critérios de avaliação são pessoais mesmo, então paciência.

    Tema

    Alta literatura. Uma mulher fala sobre a perda e o luto.

    Forma

    Um solilóquio muito bem escrito. Em segunda pessoa, a linguagem um tanto subjetiva e poética reflete o mundo interno da protagonista e enriquece o texto. A escrita é cheia de nuances, bastante sensorial e a leitura resultante dá margem a muitas interpretações.

    Enredo

    Uma mulher fala, como se conversasse com seu marido. No começo, pensei que ela falava de abandono, que o homem tivesse partido voluntariamente. À medida que o texto avança, outros detalhes dão a entender que ele morreu. Mas, para quem está de luto, a morte também é um abandono. O final dá a entender que ela abriu mão da vida, mas pode ser apenas uma metáfora.

    Impacto

    Muito bom. Um texto rico e intenso, uma história triste, comovente e bela. Há poucos indicativos de tempo no conto, tudo parece ocorrer num grande momento presente, tive essa impressão. E, mesmo assim, minha interpretação é de que a morte ocorreu há um tempo considerável, não se trata de uma perde recente e, mesmo assim, os sentimentos são intensos e a dor, presente.

  20. marco.saraiva
    9 de agosto de 2025
    Avatar de marco.saraiva

    Um texto muitíssimo belo, poético, de uma tristeza profunda. O lamento de uma mulher abandonada pelo marido. Uma mulher que sempre esteve consciente da diferença de idades entre eles, das coisas que merecia e não merecia, consciente de si mesma. O texto mergulha em frustrações e esperanças vãs, nostalgia e uma espécie de depressão, também. O melhor aqui são as ausências que gritam alto. Apesar de a personagem jamais falar, com todas as palavras, que talvez o marido a tenha abandonado por causa da diferença de idade, a ideia paira no ar o tempo inteiro. De alguma forma as palavras saem do texto e sugerem a si mesmas na mente do leitor, sem nunca serem devidamente lidas. São as energias diferentes, esse sentimento de que o que ela vivia era algo inevitavelmente temporário, como uma bênção que a vida lhe deu antes de um fim moroso.
    No final, ainda há uma outra sugestão jamais dita, mas sempre-presente: a de que, talvez, o marido não a tenha abandonado em uma viagem literal pelo oceano… mas sim, que a tenha deixado na morte. O final, com esta ideia em mente, é ainda mais impactante: “Escuto tua voz. Seguirei o caminho para te encontrar, para aonde quero estar.”

    Um conto profundo, de uma poesia imensa, que flui redondo entre os lábios do leitor, soa bem, decidido de si. Muitíssimo bem escrito. Parabéns mesmo!

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Informação

Publicado às 2 de agosto de 2025 por em Liga 2025 - 3B, Liga 2025 - Rodada 3 e marcado .