EntreContos

Detox Literário.

Contágio e Transformação (Rodrigo Vinholo)

Ela dorme, eu não.

Mesmo ao seu lado, meu pensamento a coloca com uma distância enorme, inalcançável. Não porque a sinta desconectada, mas justamente o contrário: ao sentí-la mais próxima do que nunca, não sei se a reconheço, e nem a mim. A pouca distância tira tudo de foco.

Encaro o corpo que já conheço tão bem. O sono profundo tão diferente de todos os anos insones que ela passou até chegar aqui. Ela está em paz, e eu deveria estar, e estou, mas justamente por isso, a tranquilidade e o sono me fogem.

Procuro no rosto tranquilo sinais de quem ela foi, sinais de quem é e, de um modo estranho, mas natural, sinais de quem eu sou. Eu não sei nomear as diferenças, mas mesmo nessa expressão relaxada, elas estão lá.

Eu me levantaria, me olharia no espelho, procuraria em meu rosto o que há dela, com a mesma certeza de que encontraria… mas não posso, não arriscaria perturbar seu sono. Não depois de tanto tempo sem tranquilidade. Arranhar essa paz seria uma agressão, um crime. Além do mais, não sei como eu iria encará-la com estes meus pensamentos.

Ela dorme de bruços. Eu durmo de costas. “Decúbito dorsal”, ela me disse certa vez, e o termo, que sempre me confundia, se entalhou em minha memória porque foi ela quem disse. Essa posição me permite a distância de encarar o teto como se ele fosse um quadro em branco, um espaço para meus pensamentos se projetarem, interrompido apenas pelo ventilador de teto, que gira preguiçosamente, agitando o ar morno.

Desde que notei o quanto ela mudou por minha influência, meus dias têm sido confusos. Me pergunto o quanto ela mudou por minha culpa, por minha causa, graças a mim, para se adaptar a mim… Culpa, causa, graças, cada variante à primeira vista sinônima da anterior, encontra sob uma análise próxima um significado fundamentalmente diferente. E junto de todas elas, há sempre a chance de que ela tenha mudado por conta própria… ou, talvez, toda mudança seja por princípio por conta própria.

Em nível racional sempre compreendi que mudaríamos. As adaptações de rotina, de hábitos, são fundamentais a qualquer relacionamento humano, e ainda mais para um amoroso. Eu observei, esperei, trabalhei para que isso ocorresse. Imaginei que estivesse emocionalmente pronto, e desse as boas-vindas para isso. Mas as pequenas coisas me pegaram de surpresa.

Pergunto ao teto, com a minha mente, no silêncio da madrugada: “Será que eu não queria isso?”

O teto não responde, claro. O ventilador desenha uma letra “o” contínua a partir das pontas das pás. Sigo uma delas com o olhar e o efeito se vai por um instante. Ela não é um círculo, ele não existe fisicamente, é apenas uma conclusão, uma observação. Ele é um efeito emergente de seu movimento.

Penso que na verdade eu queria, sim, isso. Queria a mudança, mas o desejo e expectativa estavam longe da realidade, como em geral estão. Por isso as pequenas coisas pesaram mais. Por isso a impressão não era de um desenvolvimento, mas de um contágio.

Eu a contagiei comigo. Quando conversamos, vejo minhas palavras repetidas por ela. Vejo minhas ideias, gestos e hábitos. Uma escolha de senha do computador se parece com a minha, uma compra do mercado é traçada por algo que apresentei. Mesmo no que não é meu por essência ou afinidade acaba refletindo minha presença, minha identidade. Penso nas escolhas que ela não teria feito se não fosse o que vivemos juntos.

O contágio a transformou. Ela se diz mais feliz, e eu acredito nela, mas isso surge como um peso inesperado, como uma responsabilidade que nunca me julguei capaz de atender. Quem sou eu para contagiar alguém? Quem sou eu para transformar alguém? Quem sou eu, acima de tudo, para influenciar a felicidade de outra pessoa?

Ergo a mão esquerda e a admiro contra o teto. Na pouca luz, consigo ver a forma da aliança em meu dedo anelar. Eu queria isso, queria tudo que isso representa. Eu sinto alegria verdadeira pelo que consegui. Pelas circunstâncias que nos uniram, pelas decisões que ela fez, que eu fiz, e que fizemos juntos. E nisso eu sei que o sofrimento vem porque talvez eu não me sinta digno. Eu não confie em mim como um exemplo a ser seguido, alguém a ser amado. O que sinto como contágio nela parece uma invasão.

Depois de anos juntos, depois de tantas mudanças, essa percepção chamou minha atenção não através do que ela faz, mas através de outras pessoas. O comentário de uma amiga sobre um maneirismo dela que eu sabia como meu. Reconhecer esse eco me paralisou por alguns momentos, e me colocou em uma jornada obsessiva.

Dia após dia, noite após noite, passei a observar quem ela era e quem se tornou. Vi todos pedaços grandes e pequenos que ela agregou, e procurei minha influência no curso de sua vida. Parte de mim me diz que meu medo é porque, ao não me sentir suficiente, eu tenha medo de torná-la pior, ou de não conseguir apoiá-la, se ela depender de mim. Outra parte me diz que penso que não sou digno, mas ao tê-la me reconhecendo como tal, caio no paradoxo que surge de confiar nela apesar disso contradizer minha própria percepção.

Com a mão baixa, tento focar no teto, e os pensamentos seguem em ciclo, no mesmo giro do ventilador. Como uma sombra emergente, a culpa toma meu peito e aperta minha respiração por um instante. Tento colocá-la em palavras, e outra vez minha mente questiona o teto, mas agora com novas dúvidas: “Não há nada dela em mim? Eu não mudei por ela? O que é pior: se eu nunca tiver mudado por ela ou, tendo mudado, eu não reconhecer?”

A ideia de invasão parece muito mais ofensiva se ela não tiver me alterado. Consigo conviver um pouco mais com um intercâmbio, mas uma colonização parece uma agressão indigna. Parte de mim, aquela que é preocupada demais com dignidade, diz solenemente que, se for verdade, não é assim tão inesperado.

Penso nas escolhas que fiz, nos interesses que aderi, no que construímos juntos de formas mais ou menos literais, e isso quase me conforta, quase me consola, mas não parece suficiente. Não imagino que consiga estar à altura. Posso estar contagiado, colonizado, transformado, mas o tanto que a invadi não se compara.

E então percebo algo, e a culpa dobra: eu, eu, eu, eu… Minha auto-estima baixa é espelho de um egoísmo intenso. Não consigo encarar que a transformei, nem que ela quis estar transformada e está bem com isso, porque não respeito a mim mesmo. A possibilidade de que eu seja uma influência sempre leva a uma conotação negativa, e em paralelo minha necessidade de me ver como incompetente coloca a régua de absorção da influência dela como alta demais, ao ponto de criar uma miopia na minha própria autoanálise.

Me pergunto se isso faz sentido. Pergunto isso ao teto. O ventilador gira.

Ela se mexe na cama, um ajuste de braços e cabeça. Fala alguma coisa, mas não compreendo. Foi o meu nome? Esse som que eu, egoísta, mais gosto de ouvir, dito pela voz que mais gosto de escutar? Presto atenção para ver se ela me procura, se quer conversar comigo, e com certo alívio vejo que ainda dorme.

Eu teria medo que ela enxergasse meus pensamentos em meu rosto. Que não compreendesse, como eu não compreendo, ou que compreendesse mais que eu, e descobrisse algo pior, algo imperdoável.

Mas ela disse meu nome. Com o silêncio, percebo que a palavra resmungada era um chamado inconsciente, e isso demonstra que contagiei até seus sonhos.

Ela segue em paz. Ela dorme, confirmando a derrota da insônia que foi o sofrimento de sua vida por tanto tempo. Isso é um bom sinal. Essa vitória veio apesar de mim… ou talvez com minha ajuda. Por mais que eu tente procurar mais maneiras para me agredir, por esse momento consigo me conformar com essas dificuldades e contradições. Se em minha incompetência eu a auxiliei a se tornar melhor, a se sentir melhor, talvez haja alguma dignidade em mim.

E talvez exista mais dela em mim do que eu possa imaginar. Só o fato de estar na minha mente nessa madrugada já diz um tanto sobre isso. Fecho os olhos, e sinto meus músculos se soltarem. Levo a atenção para o calor do corpo próximo ao meu, e me lembro do quão relaxante essa presença sempre consegue ser.

Antes de minha consciência mergulhar na escuridão, penso que pela manhã preciso dizer que a amo. Sempre digo isso, e sempre o faço com verdade, mas nas mesmas palavras, nesta noite, sinto que encontrei novas formas e significados.

Sobre Fabio Baptista

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20 comentários em “Contágio e Transformação (Rodrigo Vinholo)

  1. Bia Machado
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Bia Machado

    Me pegou desde o início? Não. É um tipo de conto que não me atrai para a leitura. Na primeira tentativa terminei achando que não entendi o que quis passar, na segunda consegui ler compreendendo melhor e na terceira vez consegui fazer uma leitura que me satisfez como leitora, não que eu tenha gostado, mas agora posso dizer que não desgostei. Não sei se isso é compreensível, mas para mim conta bastante e fico feliz por ter insistido.

    Desenvolveu bem o enredo? Há um enredo nessa narrativa, mas para mim ele não foi bem desenvolvido porque serviu apenas como base para as reflexões do personagem. 

    O desfecho foi adequado? Um final sem Twist, no mesmo ritmo que foi todo o conto. Não me anima como leitora. 

    E o conjunto da obra? Ao que se propôs penso que está adequado, o autor ou autora certamente entregou o que queria, em sua intenção de escrever algo em alta literatura, digamos. Está bem revisado, deixou escapar pouquíssima coisa na revisão. 

    Deu match? Não, para mim foi ok na terceira leitura, mas não me conquistou. Faltou texto ou algo a mais no enredo para que eu gostasse do conto, mas parabéns por ter escrito seu conto e boa sorte no desafio.

  2. Alexandre Costa Moraes
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Olá, Entrecontista. Gostei do seu conto “Contágio e Transformação” pelo estilo e aposta no fluxo de consciência como base narrativa. É uma noite de insônia com o narrador ao lado da esposa e ficamos presos aos pensamentos dele. É íntimo, circular, insistente. Quase não há ação externa. A escolha funciona para retratar a madrugada sem fim e a culpa que lateja.

    Sobre o título, achei interessante essa ideia de contágio entre parceiros. Ele se vê refletido nela, como se hábitos e manias passassem de um para o outro. Acredito que esse “contágio e transformação” entre o casal acontece de fato.

    Sobre o texto, a voz narrativa é confessional. As repetições e os detalhes criam a atmosfera. O barulho do quarto. A respiração dela O ventilador, o teto… A mão na aliança. Tudo isso ajuda. Porém, em alguns trechos o ritmo fica tedioso e angustiante  o que parece proposital por se tratar de um momento de insônia. Achei que funcionou bem nesse sentido.

    Como melhoria, quem sabe uma mistura no andamento (como uma cena curta e um gesto inesperado intercalados) daria um ritmo mais fluido (algo para quebrar essa corrente de pensamentos o tempo todo). O final também ganharia força com uma imagem mais enigmática, ao invés de uma fala explicativa. Mas enfim, são apenas sugestões.

    No geral, gostei do conto. Achei bem escrito, introspectivo e coerente com a realidade. Não é um sabrinesco raiz (acredito que está mais para Alta Literatura), mas isso não influenciou a nota.

    Boa sorte no desafio.

  3. Thales Soares
    12 de setembro de 2025
    Avatar de Thales Soares

    Devo confessar que, apesar de bem escrito, o estilo deste conto não muito do meu agrado, pois ele não apresenta uma história em si, já que não há nada acontecendo… ele apresenta apenas uma discussão filosófica sobre um tema que, para mim, foi um pouco desinteressante.

    O narrador está deitado, com sua namorada dormindo ao seu lado, enquanto ele a está observando. Então ele começa a refletir sobre a estranheza de vê-la, e sente uma distância paradoxal gerada pela proximidade extrema. Ele então começa a procurar vestígio de quem ela era e de quem ele se tornou. Com isso, a linha narrativa é mergulhada num turbilhão de pensamentos, onde ele reconhece que a namorada assimilou seu jeito, suas falas, suas ideias e hábitos… algo que ele considera como se fosse uma espécie de “contágio”, o que dá nome ao conto. Essa percepção gera uma crise de identidade e uma certa angustia, com ele se questionando a respeito desse poder de transformação, se sentindo indigno dessa influência.

    A discussão aqui apresentada, para mim, não tem muito fundamento… não consegui sentir, de fato, a importância que o protagonista está dando para esse assunto tão natural. Talvez, pelo menos na minha visão, a discussão perdeu muito de sua força pois ela é gerada por um único personagem, e não possui um contraponto. Um debate onde vemos apenas um único lado, não tem tanto impacto. Senti o mesmo, por exemplo, quando assisti o filme do Coringa (que não tem nada a ver com o Coringa, mas tudo bem)… pois aquele filme mostrava uma discussão sobre uma vítima da sociedade que se tornava um vilão… mas a discussão acaba por ser muito rasa, porque faltou o Batman, ou seja, faltou um contraponto. Aqui também. Faltou… sei lá, a namorada acordar, e então os dois começarem a conversar, o cara explicar pra ele a respeito desses pensamentos, e ela dizer “Mas calma, isso é bom, porque vejá só…”, e então termos o segundo lado do debate, tornando-o completo e mais enriquecedor.

    Mas como não tivemos esse contraponto… o clímax acabou por ser algo interno do protagonistas. Uma espécie de epifania mental, onde ele percebe que sua obsessão em analisar a própria influência negativa é, na verdade, um ator de “egoismo intenso” marcarado de baixa autoestima. Ele se dá conta de que está menosprezando a agência dela e a felicidade que ela claramente sente. Então ela resmunga algo dormindo, e ele acha que contagiou até mesmo os sonhos dela. Mas parece que isso é o contraponto da história, e faz com que ele questione sua perspectiva inicial.

    Por fim, observando que ela continua dormindo em paz, o protagonista encontra um momento de tranquilidade. Ele conclui que sua incompetencia a ajudou a ser mais feliz e aceita que talvez haja mais dela nele do que ele possa perceber. A história então termina com ele finalmente relaxando, sentindo o calor do corpo dela, e decidindo que no dia seguinte dirá que a ama, mas agora com um significado mais profundo.

    O final foi até bacana, apesar de o conto inteiro ser apenas um cara que tá com dificuldade de dormir, tendo uns pensamentos aleatórios. A coisa que mais me desagradou neste conto é a forma como tudo foi apresentado ao leitor… sem uma linha narrativa clara, fazendo com que a gente se perca nos pensamentos do protagonista, de uma forma pouco fluida. Mas no geral, é um bom conto de alta literatura. Boa sorte no desafio!

  4. Jorge Santos
    11 de setembro de 2025
    Avatar de Jorge Santos

    Olá. Acabei de ler o seu conto. Normalmente, prefiro histórias com arcos narrativos impactantes. O seu conto encontra-se no extremo oposto. Parece um daqueles filmes onde tudo se passa através de uma sequência de olhares, sem nunca nenhuma personagem sair do sítio. E, mesmo assim, gostei. A forma como está escrito prende o leitor. A descrição das sensações da personagem está feita de forma elegante e fluída. O facto do conto ter uma reviravolta no final, algo que é importante em qualquer conto e completamente inesperado neste conto em particular, adiciona qualidade ao texto.

  5. danielreis1973
    7 de setembro de 2025
    Avatar de danielreis1973

    Prezado autor(a):

    Taí um texto profundamente introspectivo, filosófico e emocionalmente denso. É o tipo de conto que fala de questões universais (amor, mudança, identidade, culpa, egoísmo, reciprocidade), mas numa abordagem muito íntima, quase confessional. O texto é potente, mas exige do leitor uma atenção que nem todos estão dispostos a dar – e pode ser tanto uma força quanto uma fragilidade. Eu, particularmente, interrompi a leitura em alguns momentos, para retomar depois e tentar entender melhor. Um ponto que me cansou um pouco foi que a narrativa mergulha tanto no ponto de vista do narrador que acaba sendo excessivamente autocentrada (“eu, eu, eu, eu…”). Senti falta do contraponto, da versão dela da história. Assim como sinto quando leio Clarice Lispector, seu texto me fascina e ao mesmo tempo me parece complexo demais para um entendimento completo, mesmo depois de várias leituras. Boa sorte no desafio!

  6. toniluismc
    6 de setembro de 2025
    Avatar de toniluismc

    O conto mostra uma preocupação clara com a correção gramatical e a fluidez da leitura. A pontuação é bem usada para criar pausas reflexivas, o ritmo é contínuo e controlado, e há uma tentativa visível de manter o tom introspectivo.

    No entanto, o vocabulário é limitado. A repetição de termos como “culpa”, “transformação”, “contágio”, “mudança”, “dignidade”, “egoísmo”, acaba esgotando os recursos de abstração. A reflexão, apesar de honesta, não é acompanhada de uma variedade sintática ou lexical que permita à linguagem evoluir junto com o pensamento.

    Há também um desequilíbrio entre forma e conteúdo: o estilo tenta parecer sofisticado, mas se apoia demais em estruturas simples e repetitivas. Isso cria uma sensação de que o texto poderia ter ido mais longe, mesmo que o tema seja profundo.

    A proposta de refletir sobre o impacto subjetivo que causamos no outro — especialmente dentro de uma relação amorosa de longa duração — é promissora. Há uma inversão interessante: enquanto o esperado seria alguém se emocionar com o quanto mudou por amor, aqui temos um personagem inquieto por ter mudado o outro, como se tivesse invadido algo sagrado.

    O problema é que essa ideia, embora rica, é explorada de maneira circular, como se o autor tivesse medo de dar um passo adiante. O conto evita qualquer materialidade: não há um gesto, uma cena concreta, uma lembrança específica que enriqueça essa introspecção. Fica tudo no campo da cognição — um pensamento que leva a outro pensamento, mas raramente a uma imagem ou a uma ação.

    A metáfora do ventilador e do teto como espaço mental é simpática, mas também não se desenvolve além da função inicial. Poderia haver mais experimentação formal ou sensorial para dar vida ao que, no fim, se resume a um monólogo quase ensaístico.

    O conto tem um impacto moderado. Pode ressoar com leitores sensíveis a relações longas, ao envelhecimento dos vínculos e à autocrítica persistente. A ideia de que o eu lírico se culpa até pela felicidade da parceira é dolorosa — há uma melancolia que o texto consegue comunicar.

    Entretanto, a falta de tensão narrativa e de desenvolvimento emocional concreto limita a força dessa melancolia. O que temos é um fluxo de consciência, quase ensaístico, sobre um tema valioso que não encontra imagens de suporte. O leitor é convidado a mergulhar na mente do personagem, mas o mergulho é raso porque o texto hesita em deixar o pensamento escorrer para a carne — para o gesto, para a cena, para o erro.

    O final tenta trazer uma nota de alívio e reconciliação, mas soa previsível. Não há uma transformação narrativa, apenas uma acomodação. Isso limita o impacto.

    De todo modo, é um belo texto, então parabéns e continue escrevendo!

  7. Gustavo Araujo
    5 de setembro de 2025
    Avatar de Gustavo Araujo

    Não enxergo exatamente um conto aí, mas um texto muito bem escrito emulando um fluxo de pensamento. Algo próximo de Clarice Lispector, talvez, que conduz o leitor pelos labirintos de uma mente contraditória, um tanto insegura, repleta de paradoxos. É alguém que, ao admirar a mulher que dorme a seu lado, recorda aspectos de sua relação, o antes e o agora, fazendo uma autoanálise acerca de influências que um e outro se provocaram mutuamente. Transformações, manias, pensamentos que se mesclam. O que é voluntário, o que é fruto do plantio insidioso de uma ideia, de um sentimento? Não dá para saber e ao nosso narrador, vítima de insônia, só resta deixar-se levar pelos devaneios hipnóticos provocados pelas pás do ventilador de teto. Percebe, no entanto, sua boa sorte. Parece reconhecer algo como superação de uma fase difícil. Está, pode-se dizer, feliz.

    Enfim, não é um texto fácil de digerir. Requer entrega, demanda atenção. Mas não deixa de ser interessante, afinal é uma história de amor, ainda que contada por meio de reflexões não lineares. Ótimo trabalho.

  8. Luis Guilherme Banzi Florido
    2 de setembro de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia! Tudo bem? Tô lendo os contos na ordem de postagem do site, sem ter conferido quais são minhas leituras obrigatórias. Bom, vamos lá pro seu conto.

    Esse é um conto bastante reflexivo. Passamos por uma jornada interna na mente do (a) protagonista, que está passando por uma especie de crise interna, que pode ou nao afetar seu relacionamento. A duvida sobre isso, sobre se ele vai ficar tão encanado a ponto de deixar isso atrapalhar a relação, que parece estável e segura, permeia o conto todo, mantendo um tipo de misterio que funciona bem. Fiquei o tempo todo pensando “pootz cara, para de ficar procurando pelo em ovo, voce vai acabar estragando a relação por causa de paranoia sem sentido” hahahaha. O desfecho mostra que eu felizmente estava errado, e que, após uma jornada de auto compreensão em plena madrugada, o protagonista encontra paz em si mesmo e, ao contrário do esperado, isso na verdade fortalece os laços com a amada. Isso me deixou aliviado e causou uma sensação de bem estar. Um mérito grande seu, que me envolveu nos sentimentos do protagonista a ponto de me causar preocupação, ansiedade e alivio. Bom trabalho!

    A escrita é muito boa. Pensaria que é da Clau, mas acho que entreouvi que esse conto tá na B, então pode nao ser dela. Eu fiquei com medo de achar esse conto muito chato, no começo, pois temi que fosse cair num caminho excessivamente reflexivo, que seria cansativo, mas voce, como ja falei acima, soube conduzir a manipular minhas expectativas e me fazer torcer pelo casal, e isso é merito todo seu.

    Um trabalho bem bom, parabens!

  9. claudiaangst
    1 de setembro de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Como vai, autor(a)? Pleno(a) na criação literária?

    Fluxo de consciência do narrador que observa a amada dormindo.

    A linguagem empregada revela um tom introspectivo, provocando reflexões quanto à influência que o homem exerce sobre a mulher e se o contrário acontece também. Contágio ou invasão? O(A) autor(a) nos faz questionar o quanto um casal está sujeito a se transformar com a convivência.

    Acredito que o ventilador de teto seja uma metáfora relacionada a um ciclo que nunca tem fim, à aliança entre o casal, ou algo assim.

    Alguns lapsos de revisão foram detectados:

    • sentí-la > senti-la
    • Eu não confie em mim > Eu não confio em mim
    • apesar disso contradizer > apesar de isso contradizer (sim, fica estranho, mas é o correto. Recomendo mudar a construção da frase)
    • auto-estima > autoestima
    • Me pergunto > conforme a norma culta, não se deve iniciar uma frase com pronome oblíquo, mas acho que é possível pensar em licença poética aqui.

    Não percebi um teor propriamente sabrinesco no conto, portanto, vou considerar que o tema abordado tenha sido alta literatura.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  10. Pedro Paulo
    31 de agosto de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    Um excelente conto espiralado, desenvolvido nas reflexões do personagem sobre a pessoa com quem tem um relacionamento de longa data. Nesse constante pensar nela acabamos sabendo mesmo é da pessoa que narra, como é de praxe e, assim, vê-se a persistência repetitiva e destrutiva de sua insegurança e da autodepreciação. A personagem não sabe bem quem é, acha que está na outra e teme que seja isso, pois trata a si mesmo como um vírus. Sua única redenção é a possibilidade de ter feito bem à amada, em uma conclusão trágica. Não acho justo criticar o conto por ser repetitivo, pois a verdadeira narrativa é justamente a cíclica dos tormentos da protagonista e a cada volta há um detalhe a mais que é incluído e informa. Mais ao final é esboçada uma catarse quando se cogita a participação mais ativa da outra personagem, mas – e acho que foi acertado – opta-se pelo suspense e ela segue dormindo. O verdadeiro arremate é que a personagem que narra também adormece e redescobre nesse olhar para si a partir da outra, uma nova possibilidade de amar. Uma que talvez passe por si mesma.

    Achei que foi uma ótima aplicação de um conto introspectivo em que a história contada é a do que se passa na cabeça da personagem. Assinalo ainda um flerte com sabrinesco ao fazer do romance e do carinho o plano de fundo desse mergulho.

    Rodou, rodou.

    Cordiais abraços, boa sorte neste desafio!

  11. Fabio Baptista
    24 de agosto de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    Reflexões em uma madrugada insone, sobre causas e efeitos dos relacionamentos de longo prazo.
    Acredito que a elucubração e mesmo o formato mais denso, sem diálogos ou mesmo uma trama mais evidente credite o conto no tema alta literatura.
    Honestamente eu não gostei… li duas vezes e não consegui me conectar aos pensamentos do personagem em nenhuma delas.

  12. Amanda Gomez
    22 de agosto de 2025
    Avatar de Amanda Gomez

    Oi, tudo bem?

    Um conto sobre aquelas divagações tão recorrentes sobre a vida, enquanto se espera o sono chegar.

    Conforme eu lia, acabei concordando com várias coisas que o personagem dizia. É muito real e causa identificação, porque acho que todo mundo acaba tendo esses questionamentos. Aqui, no caso, temos um homem que claramente precisa de terapia para melhorar a autoestima. Pela falta de amor próprio, ele se vê na mulher e teme contagiã-la consigo mesmo. O medo, nesse caso, parece ser o de começar a desgostar dela, justamente porque ela é o que ele mais ama.

    Casais que vivem muito tempo juntos acabam realmente se fundindo: adotam hábitos um do outro, o modo de falar, de pensar… e isso é o que se propõe em uma relação. O problema aqui é que ele se odeia um pouco mais do que deveria.

    É um texto muito longo. Confesso que fiquei curiosa em saber o número de palavras, porque apesar de soar interessante e trazer identificação com esses devaneios noturnos, a leitura acaba se tornando cansativa. Fica aquela sensação de “ok, cara… vai dormir”.

    Textos em fluxo de consciência, contínuos, costumam provocar isso de alguma forma.

    Imagino que a proposta seja de alta literatura. Deve ser, já que eu me sinto incapaz de dizer o que é ou o que não é. Fora do desafio e de seus temas, eu diria que se trata de um drama contemporâneo.

    Há, sim, uma certa beleza no dormir depois desses pensamentos, encontrando conforto e sabendo que amanhã a vida vai continuar sem preocupações com isso.

    Parabéns pelo trabalho e boa sorte no desafio.

  13. Léo Augusto Tarilonte Júnior
    19 de agosto de 2025
    Avatar de Léo Augusto Tarilonte Júnior

    Tema alta literatura. Enquadrei seu conto nessa categoria, porque ele fala sobre autoconsciência, idealização de si e do mundo. A escolha do narrador em primeira pessoa reforça a ideia do fluxo de consciência. Não entendi muito bem a relação do título com o conto. Houve algumas repetições de palavras próximas, seria importante ter atenção a este fato. Eu pessoalmente considero o uso do vocábulo coisa muito geral. Ele sempre pode ser substituído por outros vocábulos mais específicos e mais bem empregados.

  14. André Lima
    18 de agosto de 2025
    Avatar de André Lima

    Muito interessante a narrativa em forma de devaneio poético/meditação introspectiva. É uma prosa que se assemelha com o conto FILHA DE DEUS, escrito pelo Cyrino, Claudia e eu, o que me faz desconfiar que este aqui possa ser de autoria do Cyrino (Mas acho que ele não está participando).

    É um texto denso, carregado, de difícil avaliação e enquadramento. Há características de Alta Literatura no texto por conta de sua profunda introspecção e análise psicológica. O conto é um mergulho na mente do narrador, que, observando sua parceira adormecida, debate-se com questões existenciais sobre sua identidade, sua influência no outro e seu próprio valor.

    A narrativa transcende uma simples história de relacionamento para abordar a natureza da mudança, a responsabilidade sobre a felicidade alheia, a busca por dignidade e autoconfiança, e o paradoxo entre a percepção de si e a visão do outro.

    A escrita emprega metáforas potentes. Gosto do estilo do autor. São frases que embora não mergulhem de vez num tom mais poético e lírico, consegume formar boas imagens e causar reflexão. O ritmo é ótimo e faz com que o leitor consiga sentir os questionamentos do protagonista, pois somos convidadso a testemunhar as ansiedades, as dúvidas e as contradições do narrador em tempo real, sem filtros.

    Apesar da intensa turbulência interna, há um movimento para um momento de aceitação e paz ao final. Gosto dessa conclusão.

    Como crítica negativa, vejo eu o texto pedia uma voz mais potente, mergulhada na introspecção com mais poesia do que o que foi apresentado. De resto, é um texto impecável.

    Parabéns pelo trabalho!

  15. Givago Domingues Thimoti
    18 de agosto de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Contágio e Transformação (Gomez)

    Olá, autor(a)! Espero que esteja bem no momento da leitura! Parabéns por participar do Desafio EntreContos! Sempre um prazer ler e comentar o trabalho dos colegas. Espero sinceramente que, ao final da leitura, você sinta que esse comentário tenha contribuído para você de alguma forma! Caso contrário, não leve para o pessoal ou crie ressentimentos. Lembre-se que escrevi com o maior cuidado que pude.

    Sobre o tema, em relação aos demais desafios, optei por mudar alguns critérios na avaliação. Diminui para 4 critérios, dando uma nota maior para adequação ao tema (está valendo 2). A lógica será: 0 para contos sem tema, 1 para contos que tangenciaram o tema e 2 para contos que o tema aparece claro e cristalino.

    Além disso, tomando as definições sugeridas pela Moderação, eu considerei sabrinesco como aquele conto que, por mais que tenha sexo nele (embora não seja obrigatório que tenha), você mostraria tranquilamente para uma pessoa da sua família que é bem careta. Já um conto de alta literatura eu interpreto como um conto mais rebuscado, que instiga o leitor tanto nas ideias (fazendo-o pesquisar sobre algum elemento do texto)  quanto na técnica empregada (podendo ser um ou outro).

    Resumo da história

    “Contágio e Transformação” é um conto que nos apresenta o fluxo de pensamento de uma pessoa durante a insônia dela, questionando os limites subjetivos de si e do outro, baseando-se principalmente em suas inseguranças e dúvidas.

    Aspectos positivos e negativos

    Aspectos positivos: como uma pessoa ansiosa, acho que foi uma boa digressão psicológica, apesar do aspecto técnico.
    Aspectos negativos: execução técnica ruim. Conto mal revisado e com algumas passagens muito confusas.

    Avaliação por critérios (pontuação total: 5,0)
    Adequação ao tema (máx. 2,0):
    O conto aborda de forma clara, criativa e relevante o(s) tema(s) proposto(s)? Há relação explícita ou simbólica (mas detectável) com o tema indicado? Nota: 1

    “Contágio e Tranformação” tenta ser um conto de alta literatura. Em termos de escrita e técnica, creio que ele deixa a desejar. Se a alta literatura exigisse apenas linguagem rebuscada para encaixar uma narrativa como desse gênero, esse conto zeraria nesse aspecto.

    Entretanto, o que eu percebi foi uma tentativa de fazer uma digressão psicológica, acompanhando o fluxo de pensamentos de uma pessoa questionando os limites de sua subjetividade e do outro dentro do relacionamento. Por perceber alguma profundidade, provocando alguma reflexão, eu diria que esse conto esbarra no tema, não o tangenciando completamente.  

    Então, nota 1!

    Correção gramatical (máx. 1,0): O texto segue a norma culta da língua portuguesa? Se sim, há erros gramaticais, ortográficos ou de pontuação que prejudiquem a leitura? Se optou pelo coloquialismo ou regionalismo, deu para sentir que foi uma boa imitação? Soou forçado? Nota: 0,2

    Esse conto não está bem revisado gramaticalmente. Pareceu, às vezes, escrito como nós falamos. Durante a leitura, por diversas vezes, alguns deslizes gramaticais atrapalharam a fluidez. Muitas repetições de termos, alguns erros de concordância verbal, vírgulas mal posicionadas… 

    Vamos ver:

    “Mesmo ao seu lado, meu pensamento a coloca com uma distância enorme, inalcançável. Não porque a sinta desconectada, mas justamente o contrário: ao sentí-la mais próxima do que nunca, não sei se a reconheço, e nem a mim. A pouca distância tira tudo de foco.”

    • “Colocar”, nesse trecho, tem o significado de pôr num lugar, sendo um verbo transitivo direto, o que pede um objeto direto (sem preposição). Ao complementar com a preposição “com”,  quebrou a concordância. Desnecessária essa preposição.
    • Erro de concordância verbal em “Não porque a sinta desconectada…”. O trecho anterior está no presente do indicativo, referindo-se ao pensamento do personagem. No trecho seguinte, o “a sinta” dá uma sensação de terceira pessoa. O certo seria “Não porque a sinto…”
    • “Sentí-la” está incorreto — o acento no “i” não existe nesse caso. O correto é “senti-la”, porque o verbo “sentir” no infinitivo perde o acento na mesóclise/próclise/ênclise.
    • “e” ficou meio redundante. Convém remover

    ”Eu não confie em mim como um exemplo a ser seguido, alguém a ser amado. O que sinto como contágio nela parece uma invasão.” → “Eu não confio…

    “Minha auto-estima” = Com a atualização da Gramática, o hífen de autoestima sumiu!

    Culpa, causa, graças, cada variante à primeira vista sinônima da anterior, encontra sob uma análise próxima um significado fundamentalmente diferente.” → problema de concordância. Quem que encontra? Culpa, causa, graças ou cada variante? Dependendo da resposta, o verbo flexionaria no plural (encontram). Foi um trecho que ficou confuso…

    Construção narrativa (máx. 1,0): A estrutura do conto é bem organizada (início, desenvolvimento, clímax e desfecho)? Estica demais, apertou demais? Caso tenha optado por um conto não linear, deu para entender/acompanhar a história? O estilo de escrita é adequado? A técnica chama a atenção? Há fluidez, ritmo e coesão textual? Nota: 0,3

    Considerando que é um conto com digressão psicológica, com imersão no fluxo dos pensamentos, era de se esperar uma estrutura menos tradicional. Por outro lado, o autor/ a autora optou pela segurança. Boa escolha!

    A escrita aproxima-se do jeito que falamos, embora, como eu falei anteriormente, o conto tenha essa pretensão de encaixar na alta literatura. Há, no entanto, algumas dissonâncias; falas rebuscadas, ideias mais complexas expostas de um jeito pouco inspirado → “Procuro no rosto tranquilo sinais de quem ela foi, sinais de quem é e, de um modo estranho, mas natural, sinais de quem eu sou. Eu não sei nomear as diferenças, mas mesmo nessa expressão relaxada, elas estão lá.”

    Observa-se alguns coloquialismos, alguns vícios de linguagem. Por exemplo, a mania de colocar “e” para adicionar uma nova ideia a todo momento: “E então percebo algo, e a culpa dobra: eu, eu, eu, eu… Minha auto-estima baixa é espelho de um egoísmo intenso. Não consigo encarar que a transformei, nem que ela quis estar transformada e está bem com isso, porque não respeito a mim mesmo. A possibilidade de que eu seja uma influência sempre leva a uma conotação negativa, e em paralelo minha necessidade de me ver como incompetente coloca a régua de absorção da influência dela como alta demais, ao ponto de criar uma miopia na minha própria autoanálise.”

    Tem algumas construções que achei confusas:

    “O teto não responde, claro. O ventilador desenha uma letra “o” contínua a partir das pontas das pás. Sigo uma delas com o olhar e o efeito se vai por um instante. Ela não é um círculo, ele não existe fisicamente, é apenas uma conclusão, uma observação. Ele é um efeito emergente de seu movimento.” → O quê? Perdi alguma coisa? Ela quem? Ele quem?

    Muitas repetições gramaticais, feitas para reiterar algo que já estava muito claro. Isso cansa a leitura e a torna pouco fluida:

    • “Encaro o corpo que já conheço tão bem. O sono profundo tão diferente de todos os anos insones que ela passou até chegar aqui. Ela está em paz, e eu deveria estar, e estou, mas justamente por isso, a tranquilidade e o sono me fogem.” → muita repetição. OK, entendo que às vezes é uma estratégia, mas durante a leitura do conto foram várias vezes.
    • “Ela dorme de bruços. Eu durmo de costas. “Decúbito dorsal”, ela me disse certa vez, e o termo, que sempre me confundia, se entalhou em minha memória porque foi ela quem disse.”

    Por fim, uma última observação sobre técnica de escrita. Para um conto de digressão, eu achei o texto muito descritivo. Aqui, creio que seria melhor ter mostrado mais, ao invés de falar/explicar para o leitor o que está acontecendo (o velho clichê do EC, show!Don’t tell!). Na minha opinião, esse conto brilhou mais quando estava tentando mostrar algo, não descrevendo o que está acontecendo. Confie um pouco mais na intuição do leitor, deixando as ações e pensamentos do personagem levarem a história e revelarem a essência. 

    Impacto pessoal (máx. 1,0): O conto provoca reflexão, emoção ou surpresa? Causa uma impressão duradoura ou significativa? Nota: 0,5

    Esse conto precisa de um certo tempo para maturar dentro do leitor. Primeiramente, ele é severamente prejudicado por esses erros gramaticais. Por se tratar de um conto de “alta literatura” (em aspas porque eu não sei se gosto muito desse termo), espera-se que sua escrita seja quase irretocável. Infelizmente, nesse ponto, “Contágio e Transformação” deixa um pouco a desejar. É sempre preciso revisar gramaticalmente o texto que apresentamos ao leitor e senti que faltou isso. Realmente, não gostei do fator técnico.

    Agora, em termos de história, esse é um conto com potencial. Ele pode lorescer com uma boa lapidação. Um aspecto positivo desse conto é que eu consegui me identificar com a digressão do personagem e acompanhá-la. Costumo dizer que um dos sentimentos mais difíceis de se explicar, tanto para si quanto para o outro, é a ansiedade. Seja intencionalmente ou não, creio que o autor/ a autora foi feliz nesse ponto. O fio de pensamento do protagonista é típico de um ansioso; nem sempre lógico, muitas vezes partindo de impressões permeadas de baixo autoestima e focadas em si.

    Além disso, também senti um protagonista factível, crível. Imperfeitamente humano. Não é perfeito. É um tanto egocêntrico (eu, eu, eu, eu…). Pensa que influencia sua esposa e que nem por um momento é influenciado por ela. Inclusive, achei interessantíssimo essa problemática do conto. E me peguei conversando com o protagonista como se fosse um amigo, argumentando e o consolando. Ora, se fosse tão contagiante, influenciador e manipulador desse jeito que pinta, muito provavelmente não estaria preocupado com isso.

    Resumindo, um bom trabalho em termos de narrativa, com uma personagem complexa e instigante, mas com uma execução ruim, aquém das expectativas.

    Nota final (máx. 5,0): 2

  16. cyro eduardo fernandes
    14 de agosto de 2025
    Avatar de cyro eduardo fernandes

    Conto de boa técnica e bastante reflexivo. A narrativa torna-se um pouca enfadonha, arrastada.

  17. Kelly Hatanaka
    11 de agosto de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Olá!

    Neste desafio, vou avaliar os contos da seguinte forma: Tema vai valer 2 pontos, Forma, 2 pontos, Enredo, 3 e Impacto também 3. Como o tema Sabrinesco parece ter sido especialmente desafiador, vou dar um ponto extra para Sabrinescos bem executados. É pessoal? É. Mas os critérios de avaliação são pessoais mesmo, então paciência.

    Tema

    O conto está dentro do tema alta literatura.

    Forma

    Um fluxo de pensamento de um homem apaixonado que não gosta de si mesmo e que questiona o quanto de si influenciou a esposa. É um bom texto, bem escrito e revisado. Se há erros, não notei.

    Enredo

    Pois é. Não há um enredo, propriamente dito. O conto inteiro é um fluxo de pensamento, que não sai dos arredores do umbigo do protagonista. Tendo a concordar com ele, sobre seu egoísmo e baixíssima autoestima. Este estado de espírito, essa preocupação incessante a respeito do quanto de si foi para o outro, do quanto de si é bom ou ruim para o outro, do quanto ele influenciou o outro, do quanto essa influência mudou a vida do outro é, ao mesmo tempo, um sinal de egocentrismo e de insegurança, uma estranha forma de megalomania, que atribui a si mesmo um poder irreal.

    Impacto

    Para ser muito sincera, não sou muito fã de fluxos de pensamento. Gosto, mas até a página 2. Depois, acho difícil manter a atenção. Como disse, o conto está muito bem escrito, claramente o autor é alguém que sabe muito bem o que faz. Mas, o resultado foi um tiquinho cansativo. Fiquei pensando no que poderia melhorar. Acho que seria bom ver o que fez dele essa pessoa egocêntrica, insegura, megalomaníaca, ou então, cenas do relacionamento dos dois, para poder confrontar a imaginação dele com a realidade. São só palpites, descarte se achar bobagem.

  18. Priscila Pereira
    9 de agosto de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Gomez! Tudo bem?

    Seu conto é muito simples, mas com reflexões muito profundas. Eu sou casada há 17 anos e nunca pensei sobre essas mudanças que se dão como contágio, colonização… Como cristã meu objetivo era, como diz a Bíblia, não ser mais duas pessoas e sim uma. E vi ano a ano isso se tornando realidade em meu casamento, os dois se tornando uma só pessoa. E isso é maravilhoso! Só quem tem um casamento abençoado por Deus sabe como isso é incrível. Então eu entendo o dilema do seu personagem, mas não me identifico com ele.

    Vamos ao seu conto em si… Está muito bem escrito, é curto e direto, sem ser desnecessariamente maçante e cansativo. São reflexões sinceras e verossimeis, escritas com sinceridade de sentimento. Apesar de não me identificar com as dúvidas do personagem, achei que eram muito válidas. Traz uma reflexão legal. Gostei do conto!

    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio!

    Até mais!

  19. marco.saraiva
    4 de agosto de 2025
    Avatar de marco.saraiva

    O conto se passa inteiro em um momento – aquele momento de terrível lucidez quando a mente se recusa a mergulhar no descanso do sono. Aqui não há nomes – e nem precisamos deles. Os personagens são “eu” e “ela”, uma abordagem interessante, por que, aqui, “eu” pode ser tanto mulher quanto homem.O conto inteiro é um mergulho na mente conturbada do(a) narrador(a), que sofre de terríveis conflitos emocionais e de uma auto-estima que bate na sua cabeça com um martelo. Para o narrador, que se vê como alguém de pouco valor, ver o reflexo de si mesmo na mulher que ama é sentir-se “contagiando-a” com a sua doença. O narcisismo aqui também é pungente: aos olhos dele, ela não mudou por escolha própria, por achar melhor ser quem é, mas sim por “culpa dele”, por “influência dele”. Ao mesmo tempo, ele tem dificuldades em ver o quanto ele mesmo mudou graças a ela. Mesmo diante de todas as evidências – de como ela agora dorme mais tranquila, de como ela parece ser feliz ao seu lado, de como eles estão agora casados – ele tem grande dificuldade de ver o seu valor naquilo tudo.

    Seguem reflexões mil sobre justamente este bate-e-volta consigo mesmo, um empurra-e-puxa de culpa e não-culpa. “Ela está pior por minha causa”, “Ela está melhor por minha causa”, “Eu sou melhor com ela”, “Ela é melhor sem mim”. É como se o conto inteiro fosse um grande exercício psicológico e um mergulho dentro da psique de alguém que está a descobrir o seu próprio valor e o valor do seu relacionamento na sua vida.

    O conto tem tantos detalhes e nuances que não vou listá-los todos aqui, mas, no geral, os questionamentos são muito válidos e interessantes, e o personagem criado neste pouco espaço me parece vivo e único na própria personalidade. Um estudo de personagem, eu diria. Parabéns!

    Quanto à técnica: o conto é bem escrito, apesar de a leitura ser um pouco arrastada em alguns momentos. Acho que não tem como escapar: é um conto de reflexões, não é como se muito acontecesse.

    Gostei da leitura!

  20. Thiago Amaral
    4 de agosto de 2025
    Avatar de Thiago Amaral

    Um conto reflexivo, íntimo, mais dissertativo que uma história.

    Talvez pelo outro tema possível ser o Sabrinesco, essa Alta Literatura toma como tema o amor e as inseguranças trazidas por um relacionamento de longa duração. Já se foi o romance sabrinesco do passado, e agora as coisas ficaram um tanto profundas.

    Nosso protagonista anônimo está deitado na cama, refletindo sobre parte da natureza de um relacionamento, que é a forma como cada parte da relação afeta, influencia e muda a outra. Nosso narrador, por talvez se levar a sério demais, e com certeza por falta de autoestima, como ele mesmo admite, se preocupa com as mudanças que possa ter ajudado a parceira a sofrer.

    Esse é um conto arriscado, pois as questões levantadas podem parecer pessoais demais, herméticas demais, para alguém que não tenha interesse ou não consiga se identificar com o que está sendo exposto. A autoria deveria estar ciente e pronta para isso, pois escreve talvez para um nicho.

    Gostei da imagem do ventilador, bom símbolo para as voltas que a mente de nosso herói (e as nossas também) dão nessas noites insones de madrugada. A letra O também é símbolo interessante para os fantasmas mentais que criamos com essas voltas, como as ideias de mudar nossos parceiros e parceiras para o mal, ou nossas paranoias e baixa autoestima.

    Confesso que não fui fisgado pelos pensamentos aqui demonstrados. Consegui compreender como uma mente tão preocupada com si possa também, diante de tamanha autoimportância e autonegatividade, perder o sono pensando na influência que possa estar causando em alguém. Inclusive, já fui um tanto masturbador mental quase nesse nível. Porém, pra mim, a essa altura, o que aqui se discutiu me soou mais como preocupações em demasia e, por isso, o tema não me cativou tanto.

    No entanto, o conto me fez refletir sobre sua forma, sobre se esse tipo de narrativa funciona ou não, enfim, foi uma boa experiência num sentido meta.

    Obrigado pela contribuição, e boa sorte no desafio.

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Informação

Publicado às 2 de agosto de 2025 por em Liga 2025 - 3B, Liga 2025 - Rodada 3 e marcado .