EntreContos

Detox Literário.

Suindara (Rangel Santos)

Por tantos anos esteve Eva acostumada a acordar à noite com o marido ao lado que demorou a se dar conta de que o homem apoiado em suas costas havia morrido quatro dias antes. Apesar da escuridão no quarto e de estar voltada para a parede, ela tinha a plena certeza de quem estava ali. Sim, por trás daquele odor de crisântemos e formol, ainda era possível sentir a fragrância mentolada da colônia do falecido esposo.

Por um momento, acreditou tratar-se de um fantasma. Em sua infância no interior, ouvia relatos e relatos de almas desencarnadas vagando entre os vivos sem a ciência de sua real condição. Porém, espírito nenhum seria capaz de afundar o colchão na justa medida que o corpo de seu marido fizera durante os últimos cinquenta anos. Logo, não se tratava algum tipo de espectro deitado ao seu lado, mas do próprio finado que, escapando da morada dos mortos, retornava para a casa.

Talvez, pensou a mulher, se alguém ouvisse sobre aquela história, julgasse racional interpretar a situação como mero surto psicótico. Não seria raro uma viúva enlutada ver ou sentir a presença de um companheiro de tantos anos poucos dias após a sua partida. Eva mesmo ponderaria assim se outra pessoa lhe relatasse semelhante experiência. A dose de medicação hipnótica para dormir reforçaria essa tese. Contudo, não era o seu caso. Ela mantinha-se lúcida. Calma até. Na sua idade, a morte já não se apresentava como algo verdadeiramente assustador. Já havia perdido os pais, uma irmã e boa parte das amizades antigas. Eliseu descobrira o câncer em metástase há pouco mais de dois anos, e ambos já tinham aceitado a sua partida desde o diagnóstico.

Assim sendo, o que fazia o marido ali? Quem o havia erguido da sepultura? Com qual finalidade ele retornava para o leito nupcial? Estaria o Diabo lhe pregando alguma peça? Bobagem, disse a si mesma, se os demônios tivessem tamanho poder, teriam hordas de cadáveres em putrefação desfilando pelas ruas. Era mais prudente pensar que aquilo fosse obra de alguma divindade bondosa. Lembrou-se dos santos evangelhos relatando os mortos despertando no dia da ressurreição do Senhor.

Ora, mas naquela ocasião, apenas os justos se ergueram. Não era esse o caso de Eliseu. Ao contrário, seu esposo não passava de um sujeito mesquinho e ambicioso, incapaz de qualquer gesto de generosidade, salvo em relação à sua mulher, a quem sempre dizia amar. Portanto, se o maldito recebera o privilégio de sair de seu túmulo não seria por sua bondade, mas por alguma punição que deveria receber.

Depois de algum tempo de reflexão, Eva ouviu o marido roncando — o mesmo barulho ensurdecedor das noites anteriores. De modo quase instintivo, esqueceu-se do medo, virou-se e pôs a cabeça do homem de lado. Hábito adquirido de tantas noites mal dormidas ao longo de décadas. Só então sentiu o gelado de sua pele. Não lhe restaram dúvidas, o corpo a sua esquerda não estava exatamente vivo, mas encontrava-se em um estágio híbrido entre duas realidades antagônicas.

Às três horas da madrugada, o despertador tocou um louvor pentecostal, fruto da previsível conversão do moribundo antes do óbito. Era o sinal para que o marido se lembrasse de tomar os remédios. Ele afastou de si o edredom, sentou-se na beirada da cama, desligou o alarme e tateou a mesa de cabeceira em busca dos comprimidos e da água. Encontrou a medicação, mas o copo estava vazio. Então, pôs-se de pé e caminhou até a cozinha. Eva ainda pôde ouvi-lo abrir e fechar a torneira. Dez minutos depois retornou, esquecendo-se, como sempre, da luz do corredor acesa.

Nesse momento, Eva havia se virado para a porta, de modo que conseguiu ver a sombra familiar se agigantando conforme o marido se aproximava. Seus passos não eram naturais, como se suas juntas estivessem em um estágio inicial de rigidez cadavérica. Antes de se deitar novamente, o homem mexeu em algum comando no celular sem ao menos retirá-lo do carregador.

Depois disso, Eliseu resmungou algo impossível de ser decifrado. Provavelmente, o rigor mortis começava a afetar os músculos de sua face. Eva permaneceu em silêncio, encolhida em seu canto, aguardando que o esposo tornasse a dormir. Como de costume, o sono não demorou e logo mais uma vez foi possível escutar o seu ronco pesado.

A mulher, então, decidiu se levantar e fugir. Fez tudo com bastante cautela, nem mesmo calçou os sapatos, evitando emitir o menor ruído. Encontrava-se já na sala quando escutou Eliseu a chamar. Dentre as sequências sonoras truncadas, a viúva conseguiu distinguir o seu nome.

— Ev… aaa!… Eee… va!

Tratava-se de um grito sufocado por toda a sorte de desespero humano. Eva se recordava bem, pois era o mesmo brado de medo que ouvira na noite de sua partida. Por mais que soubesse da iminência do seu fim e aceitasse com aparente resignação seu destino derradeiro, naquele momento, por um breve instante, a mulher enxergou o medo escondido nos olhos do homem. Pulsava atrás deles um enorme pavor diante do inesperado. Não obstante, ocultava-se neles, sobretudo, um triste lamento em se dar conta de que tudo o que havia construído se esvaneceria. Uma terrível angústia em saber que só lhe sobraria o vazio do nada. Seus setenta e quatro anos de vida seriam tragados pelo buraco negro da eternidade.

E como naquele fatídico dia, mais uma vez sentiu pena do amado. Talvez fosse isso, refletiu a viúva, tamanhos eram o medo e a desgraça do homem que foram capazes de comover a própria Morte. Deve ter existido entre os dois uma espécie de pacto funesto: a entidade, incapaz de lhe restituir a plenitude da vida, deixou-o aqui, vagando aprisionado em sua materialidade.

— Ev… a! Eeeeva! — clamou o morto como uma assombração milenar mais uma vez.

A compaixão venceu a prudência e ela decidiu atendê-lo. Voltou ao quarto, resiliente, acendeu a luz e agora, pela primeira vez desde o enterro, enxergou-o às claras. Seu rosto estava pálido e exangue; seu corpo, inchado e levemente roxeado. O castanho dos olhos se apresentava opaco como madeira sem verniz. Ao vê-la, Eliseu estendeu-lhe os braços, era apenas um velho menino em pânico pedindo colo materno. Ela foi até o cadáver e o acalentou. Depois, ele apoiou a face junto aos seios dela:

— Fr…io!

Eva o envolveu entre os braços e o aqueceu um pouco. Quando já se encontrava quase tranquilo, Eliseu se afastou. Tentou dizer algo, mas qualquer palavra parecia lhe exigir um esforço sobrenatural. Eva colocou os dedos nos lábios pedindo silêncio, deitou-o na cama e o pôs debaixo das cobertas. Foi até a cozinha e lhe preparou um caldo. Levou para ele, que tomou uma quantidade ínfima, suficiente apenas para molhar os lábios e, em seguida, dormir. Não tardou e ela também apagou na poltrona na sala.

Eva foi despertada horas depois por uma varejeira caminhando vagarosa no interior de seus lábios entreabertos. Cuspiu-a e deu-se conta de que inúmeras delas estavam lá, possivelmente atraídas pelo cheiro de carne podre vindo da casa. Agora pela manhã, o odor da morte havia tomado conta da residência. O processo de tanatopraxia já não surtia efeito. Chegou a crer que o marido tivesse partido em definitivo. Mas não, logo o cadáver caminhante surgiu na sala, muito mais inchado do que antes. Tentou dizer algo, no entanto, era impossível sair qualquer som inteligível daquela figura monstruosa.

Diante daquela coisa, a viúva sentiu ainda mais pena. Ela o pegou pelas mãos e lhe cedeu a poltrona. Preparou-lhe um café forte, mas a boca do outro não se abria para ingerir um único gole. Mais moscas chegaram e pousaram sobre ele, especialmente nos olhos, que já não conseguiam se fechar nem para uma breve piscada. Numa tentativa de resolver o problema, a mulher trancou as portas e janelas, em seguida, tampou as passagens com panos molhados na esperança de que elas permanecessem distantes do homem.

Ficaram assim, esposa e marido, fechados dentro de casa durante todo o dia. Eva ignorou qualquer ligação e respondia às mensagens recebidas com um genérico “estou bem”. No almoço, comeu apenas um pedaço de pão e pulou as outras refeições, pois o cheiro vindo do marido lhe embrulhava o estômago. Pelo meio da tarde, um sono reconfortante se abateu sobre a velha que apagou. Ao acordar, horas depois, percebeu que o esposo estava todo coberto pelas moscas. Como aquilo era possível, se todas as entradas estavam seladas?

Só então percebeu: Eliseu se transformara em um hospedeiro. Os insetos infaustos se alimentavam de sua carne e se reproduziam em seu interior. Das narinas do morto-vivo, vez ou outra, ziguezagueava uma larva para fora. Eva conteve o vômito e com um leque espantou aquelas visitas indesejadas. Repetiu esse gesto uma dezena de vezes até perceber a inutilidade, pois elas sempre voltavam, atraídas pelo banquete de carne em decomposição.

Ao anoitecer, o interfone da residência tocou. De início, Eva optara por não atender. Seria um absurdo permitir que alguém entrasse em casa e presenciasse aquela cena grotesca. No entanto, já não era possível ignorar, pois certamente a pessoa do outro lado, preocupada, chamaria a polícia. Então, vestiu-se com a primeira roupa limpa que encontrou, pegou a bolsa e saiu apressada pela porta. Era a cunhada.

— Vai sair?

Eva soltou as primeiras palavras que lhe vieram à mente:

— Estou indo à igreja.

A visitante fingiu não perceber o cheiro horrível vindo da casa.

— Nesse caso, lhe faço companhia.

Aquela maldita gentileza irritou a viúva profundamente. Como poderia sair e deixar o marido ali, sozinho e abandonado? No entanto, não havia solução a não ser seguir para a missa junto da cunhada. A celebração foi rápida. O padre, avisado pela irmã do falecido, ofertou orações pela alma de Eliseu. Ao fim, Eva explicou que estava exausta e precisava descansar. A visitante se ofereceu para acompanhá-la, mas Eva explicou que precisava de repouso e preferia ficar só.

Enquanto caminhava em direção a sua casa, Eva percebeu uma ave agourenta a seguindo. Uma imponente Suindara Rasga-Mortalha que vivia no campanário da igreja matriz. A coruja alçava voo de galho em galho, sempre pousando um pouco à frente da mulher. Em seguida emitia um silvo estridente como que invocando todas as criaturas da noite. A mulher ainda tentou espantar o animal com acenos e lhe atirava pedaços de paus e pedras que encontrava na rua. A Rasga-Mortalha, porém, continuava impassível, demonstrando sua enorme superioridade.

Sem muito o que fazer, Eva decidiu acelerar os passos e conseguiu chegar em casa rapidamente. Ofegante, atravessou a porta e se trancou. A terrível suindara logo passou a emitir seu canto de morte com ainda mais força, o que gerava arrepios na alma da mulher. Antes do primeiro passo, ela se benzeu, traçando sobre si o sinal da cruz. Só então direcionou os olhos para a poltrona na sala, mal conseguiu enxergar o marido que se encontrava debaixo de um cobertor de moscas, larvas e baratas.

Vencendo todo o nojo e repulsa, ela os afastou com o xale que trazia nos ombros. E assim, novamente pôde ver plenamente o marido. O corpo dele se apresentava ressequido como carne de gado exposta ao sol do sertão. Percebendo a antiga companheira, Eliseu tentou se mexer; todavia, não encontrando força nenhuma, terminou desistindo.

Os insetos ameaçavam retornar, quando Eva se lembrou do mosqueteiro que o marido usava nos dias de pesca. Armou a tela em volta dele e empesteou de inseticida toda a casa. Com a vassoura, juntou uma porção de bichos mortos e os lançou para fora, restando no homem apenas as moscas que dele saíam.

Após todo esse cuidado, Eva acreditou ouvir o marido implorar pelo óbito. Não, na verdade ele nada dizia. Mas ela o escutava através do silêncio, em sua mente e seu coração. Manter-se próximo de vivo exigia do homem um enorme esforço. Do homem e dela, que mais uma vez recorreu aos remédios para relaxar a tensão e induzir o sono.

Um pouco depois, Eva deixou-se cair sentada no sofá. Ainda viu algumas baratas e moscas passando por debaixo do mosquiteiro. No entanto, estava exausta e dopada demais para outra batalha, de modo que apenas deixou o corpo relaxar e a mente a guiar em qualquer direção até o sono a capturar.

Às três da madrugada, novamente, o celular cantou o hino cristão. Eva tentou ignorar, no entanto, o canto era insistente e estava programado para soar cada vez mais alto. Cambaleante, ela foi até o quarto, pegou o aparelho e desligou o alarme. Quando o relógio marcou três e dez, mais uma vez a música ligou. Era a programação para garantir que Eliseu acordaria. Cinco minutos depois seria acionado novamente. Em seguida mais uma vez… e outra… e outra…

Veio-lhe então a ideia de abrir o celular e desprogramar para sempre todos os alarmes agendados. Mas como se não sabia a senha? Mesmo com todos os anos de união, havia entre o casal um acordo de privacidade. Um limite proposto pelo marido e consentido por ela. Três e quinze e novamente o hino. Três e vinte de novo. Três e trinta… Trinta e cinco. Chega!!! Era preciso descanso, um pouco de repouso diante do absurdo. Não bastava o cheiro da decomposição, os bichos passeando em sua sala e agora ainda esse maldito louvor. Com o telefone na canhota, ela foi até o marido e arrancou com a destra o véu que o cobria e lhe apontou a câmera frontal. De imediato a tela desbloqueou.

Eva foi até o relógio e desfez toda a programação. Nesse instante, veio-lhe uma curiosidade. Um desejo de ver os segredos ocultos do homem, do seu homem. Ela foi à galeria de fotos e seus olhos se enxarcaram de lágrimas. Eram fotos dela, deles, juntos, jovens, velhos, em Paris, Salvador, na Páscoa, no Natal, no dia do casamento, nas bodas de prata e de ouro. As imagens transportaram inúmeras saudades para dentro da mulher.

Junto à saudade chegou a decisão. O marido havia voltado por medo da morte, porém agora, certamente estava tomado de arrependimento. Qualquer humano preferiria as chamas do inferno, a padecer a eternidade em estado de putrefação, servindo de alimento para toda sorte de animais abjetos. Mas ela não o deixaria ir só. Iria acompanhado, por aquela que lhe prometera fidelidade até o fim, até depois do fim.

            Repleta de determinação, Eva arrastou Eliseu pelo corredor até o quarto. Durante todo o trajeto, ela avistava a Rasga Mortalha lançando-se contra as janelas. A sombria coruja se debatia nos vidros com suas garras e com seu bico. Com bastante esforço, a mulher colocou o marido na cama. Pôs sobre ele todas as cobertas limpas e mofadas do guarda-roupa. Na sequência, acendeu uma vela e rezou três vezes a Salve Rainha.

Enquanto a velha orava, a ave do lado de fora emitia seu assovio sinistro cada vez mais forte e mais longo, invocando para ali um cortejo de bichos repugnantes que cobriam de verde metalizado, negro e marrom as paredes e o teto, outrora brancos. No entanto, nenhum deles se punha sobre Eliseu ou sobre a cama, como se antevissem o que estava por vir. Ao terminar a prece, Eva se deitou junto ao esposo, nua — como na noite de núpcias. Ela lhe deu um demorado beijo, que só foi interrompido quando a suindara finalmente venceu as vidraças, estilhaçando-as com seu corpo emplumado. No seu voo de entrada, a ave chocou-se com a vela, derrubando-a em cima do casal.

O fogo logo tomou conta do leito e Eva contemplou as chamas consumindo o cadáver de Eliseu. Em seguida, olhou para cima e viu a Rasga Mortalha os observando do alto de uma prateleira. Então, compreendeu: aquela ave não tinha vindo anunciar a morte; ela era a própria morte, retornando para reparar o seu erro. Antes de se reduzir a pó de cinzas, Eva dirigiu à inimiga um sorriso de agradecimento. Então, o fogaréu triplicou de tamanho, irradiando uma luz potente, que foi ficando mais forte, mais forte, mais forte e mais brilhante até que veio a piedosa escuridão que cobriu tudo de nada e de paz. O fim.

Sobre Fabio Baptista

Avatar de Desconhecido

25 comentários em “Suindara (Rangel Santos)

  1. Anderson Prado
    16 de abril de 2025
    Avatar de Anderson Prado

    Olá! Li este seu conto! Excelente estreia! Espero que esteja na próxima rodada! Parabéns!

  2. claudiaangst
    29 de março de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Que conto! Gostei imenso do texto, apesar de todos os horrores descritos. Só percebi uma falha: enxarcaram > encharcaram.

    Parabéns, autor(a), espero encontrá-lo(a) na série B.

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Oi, Cláudia! Nossa, verdade, deixei essa gafe passar mesmo. Obrigado pelo comentário.

  3. Bruno de Andrade
    29 de março de 2025
    Avatar de Bruno de Andrade

    Escrita: Boa. Não notei erros de revisão e há um estilo claro, definido. Há também competência para criar a atmosfera de horror e conduzir o leitor pelo enredo fantástico. Tenho poucos pontos de crítica. A eles:

    Assim sendo, o que fazia o marido ali? Quem o havia erguido da sepultura? Com qual finalidade ele retornava para o leito nupcial? Estaria o Diabo lhe pregando alguma peça?

    Pode ser uma idiossincrasia minha, mas realmente não gosto desse amontoado de interrogações. É um recurso muito fácil – e algo preguiçoso – para tentar envolver o leitor em questionamentos. Há soluções mais efetivas e elegantes.

    Com o telefone na canhota, ela foi até o marido e arrancou com a destra o véu que o cobria e lhe apontou a câmera frontal.

    Achei estranhíssima a opção por canhota e destra ao invés de esquerda e direita. Aliás, sequer havia necessidade de dizer com qual mãe a personagem estava fazendo cada ação. Mas, se a opção foi por dizer, faria mais sentido usar as palavras mais comuns. Soou como uma tentativa gratuita de usar palavra menos usuais.

    Enredo: O enredo começa muito, muito bem. A atmosfera é bem construída, a história é intrigante, a personagem nos cativa logo de início. Os elementos de terror foram bem usados. O desenvolvimento, até certo ponto, também funcionou bem, com imagens fortes sendo apresentadas. Porém, no último terço, o conto perde força. O enredo se torna mais previsível e alguns elementos, como a coruja, vão entrando de forma pouco orgânica. O final é algo anticlimático, justamente por ser tão previsível. É preciso dizer, contudo, que um final óbvio é também um final coerente. É um ponto fraco, mas não comprometedor. No fim das contas, foi uma leitura aprazível. Dos contos que li até o momento – só me restam dois -, foi o que melhor criou a atmosfera de horror. Certamente vai estar no topo da minha lista.

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      100% de acordo Bruno. Leu com bastante cuidado o conto.

  4. Felipe Lomar
    29 de março de 2025
    Avatar de Felipe Lomar

    olá,

    gostei muito! Realmente consegue criar uma atmosfera de terror. Difícil encontrar algum defeito pra comentar, tanto na escrita quanto no enredo. Acho que é bastante simbólico o sentido do conto, representando uma certa relutância em aceitar a morte de alguém amado, ou mesmo a própria morte, dependendo do ponto de vista, e a vontade se ir junto com o falecido. Acho, talvez, que o final teve um ritmo muito frenético, que poderia ser mais cadenciado. Acaba de uma forma meio abrupta

    boa sorte!

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Obrigado, Felipe. É, no final, com o tempo batendo às portas, acabei indo pelo caminho mais fácil.

  5. Priscila Pereira
    28 de março de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Sr Autor! Tudo bem?

    O começo do seu conto é bem interessante, gostei muito da proposta, e queria muito que fosse para um lado mais psicólogo, mostrando que tudo não passava da mente da protagonista processando o luto (que é o tipo de terror que eu gosto), mas o conto foi para outro lado, que foi bom também, mas não me agradou tanto.

    A escrita está muito boa, o conto está bem revisado. Tem um clima legal de terror, e algumas partes realmente nojentas. É um conto muito bom! Parabéns!

    Desejo sorte!

    Até mais!

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Valeu, Priscila! Também queria ter conseguido ir para outro lado, mas não consegui.

  6. Givago Domingues Thimoti
    28 de março de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    SUINDARA

    Esse conto é uma preciosidade! Para mim, juntou 3 gêneros num só; drama (o luto da viúva), terror (o marido retornando dos mortos) e fantasia (articular todos esses elementos, trazendo a figura da Suindara). E juntou muito bem, com uma escrita técnica muito boa, que conseguiu inserir o leitor dentro da narrativa, nos apresentando uma história cativante e simbólica (utilizar a Suindara, ou a Coruja-da-Igreja, como essa personalização da morte). Pelo que li até agora, é o melhor conto da série C.

    Parabéns pelo trabalho! 

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Valeu, Givago!

  7. Luis Guilherme Banzi Florido
    27 de março de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Falaaaaa entrecontista, tudo na paz?
    Esse conto não é uma das minhas leituras obrigatórias.
    Contaço! Achei um pouco mais drama que terror, mas os dois gêneros combinaram perfeitamente, não vi problema algum de adequação, foi só um comentário mesmo. Gostei muito da leitura, que é envolvente e muito profunda. Você construir um clima extremamente denso e melancólico, e criou imagens terríveis de body horror que funcionam sem se tornarem apelativas, o que é difícil. É triste acompanhar a degradação do homem testemunhada pela esposa, que demonstra belamente seu amor. Achei uma boa escolha ela não ter achado nada de ruim no celular dele. Seria um pouco anticlimatico se ela descobrisse uma traição ou algo assim. Achei que isso aconteceria, mas felizmente não foi o caso. Ele ser fiel e realmente ama-la dá um peso maior à situação, e conduz a um ótimo desfecho. A coruja é uma personagem excelente, também.

    Enfim, um conto grotesco, denso, pesado e triste. Pena que não avalio seu conto, pois daria um notão! Parabéns!

  8. André Lima
    27 de março de 2025
    Avatar de André Lima

    Acho que temos aqui o melhor primeiro parágrafo da competição.

    “Por tantos anos esteve Eva acostumada a acordar à noite com o marido ao lado que demorou a se dar conta de que o homem apoiado em suas costas havia morrido quatro dias antes. Apesar da escuridão no quarto e de estar voltada para a parede, ela tinha a plena certeza de quem estava ali. Sim, por trás daquele odor de crisântemos e formol, ainda era possível sentir a fragrância mentolada da colônia do falecido esposo.”

    Curiosamente, achei semelhante à estratégia que eu mesmo utilizei em meu conto (Quando o Véu se Ergueu Diante do Desventurado Hugo Benevides). O parágrafo inicial já dá o tom mórbido, indicando o tipo de leitura que teremos. No meu caso, eu redirecionei o conto do meio pra frente. Mas a curiosidade aqui foi aguçada para saber os rumos dessa história.

    A técnica que se segue a partir dali é muito boa. Embora haja algumas frases expositivas que julguei desnecessárias, como “mas encontrava-se em um estágio híbrido entre duas realidades antagônicas” e outras.

    Fora isso, o tom e a técnica apresentados são muito bons. Sinto falta, é claro, de algo mais poético (Ou mórbido) e elaborado em alguns trechos que, ao meu ver, pediam a força da linguagem, de modo que me envolvesse mais e mais, embora, é importante destacar, meu nível de imersão já estivesse excelente.

    “Tratava-se de um grito sufocado por toda a sorte de desespero humano. Eva se recordava bem, pois era o mesmo brado de medo que ouvira na noite de sua partida. Por mais que soubesse da iminência do seu fim e aceitasse com aparente resignação seu destino derradeiro, naquele momento, por um breve instante, a mulher enxergou o medo escondido nos olhos do homem. Pulsava atrás deles um enorme pavor diante do inesperado. Não obstante, ocultava-se neles, sobretudo, um triste lamento em se dar conta de que tudo o que havia construído se esvaneceria. Uma terrível angústia em saber que só lhe sobraria o vazio do nada. Seus setenta e quatro anos de vida seriam tragados pelo buraco negro da eternidade.”

    Neste trecho, o conto ganha mais força poética. Queria poder ver mais disso ao longo da história!

    Infelizmente, a partir do meio, a técnica oscila e belas passagens são substituídas por alguns clichês e construções estranhas.

    O final, infelizmente, cai no lugar comum. Toda a atmosfera criada sobre o sobrenatural, a existência do cadáver, os motivos, etc, se resolve num clichê, com a mulher “escolhendo se matar” (Sim, simbolizado pela coruja que é a própria morte em si, mas ela deita na cama e se mata com o fogo).

    Em alguns momentos, o conto ainda brilha, principalmente nos elementos escatológicos, mas faltou consistência. Faltou um final à altura do início animador. Faltou um desenvolvimento mais profundo, que explorasse mais os sentimentos da viúva, que desse sentido à presença do defunto…

    Sinto que criei expectativas demais por conta do início arrebatador e da premissa excelente. Me frustrei, confesso, com um final tão lugar-comum para uma premissa tão interessante.

    No mais, o conto acaba por atingir um status bom em minha análise, mesmo com o gosto de “quero mais”.

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Gostei do seu comentário, André. Você fez observações que concordo 100%. 90%.

  9. Alexandre Parisi
    27 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Parisi

    O conto apresenta uma abordagem macabra e poética sobre a morte, o luto e a obsessão pelo vínculo conjugal. A narrativa mescla elementos do realismo fantástico e do horror psicológico, criando uma atmosfera angustiante e ao mesmo tempo melancólica. A protagonista, Eva, não apenas testemunha o retorno de seu falecido esposo, mas o aceita com uma naturalidade perturbadora, sugerindo uma fusão entre amor, compaixão e resignação ao destino.

    A linguagem é densa e descritiva, intensificando o clima de putrefação e decadência. As imagens do corpo em decomposição, das moscas e da rigidez cadavérica contrastam com o afeto persistente da viúva, tornando a história um estudo visceral sobre a permanência do amor mesmo diante da degradação. A figura da Rasga-Mortalha, tradicionalmente associada à morte, age como um presságio inescapável, reforçando a inevitabilidade do fim.

    O desfecho é trágico e simbólico: Eva escolhe acompanhar o marido na morte, selando um pacto de fidelidade além da vida. A narrativa, portanto, explora a tênue linha entre devoção e loucura, resultando em um conto inquietante e poeticamente sombrio.

    No fim, gostei bastante do conto. A narrativa combina o horror com uma delicadeza melancólica, criando uma atmosfera sufocante e ao mesmo tempo poética. A ressurreição de Eliseu não é apenas um evento sobrenatural, mas uma metáfora poderosa sobre apego, luto e resignação. Eva, ao invés de fugir do absurdo, entrega-se a ele com uma ternura trágica, o que torna o desfecho ainda mais impactante. Além disso, os símbolos—como a Rasga-Mortalha e o relógio insistente—enriquecem a interpretação. A escrita é envolvente, com descrições vívidas que provocam repulsa e compaixão simultaneamente.

  10. Alexandre Costa Moraes
    25 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Esse conto se destaca pela excelência técnica e precisão. O enredo é sólido, conduzido com tensão crescente e atmosfera bem definida. A progressão é eficiente, embora o ritmo perca um pouco de fôlego no terço final, mas depois retoma. O desfecho é simbólico e poético, porém um pouco acelerado (a parte do incêndio). Na maestria da sua elaboração, vários pontos se destacam: uma trama direta, palavras escolhidas a dedo, ritmo sob controle e um desfecho marcante. O núcleo da narrativa explora o sofrimento familiar de um casal (a viúva Eva e seu marido recém falecido Eliseu), trazendo à tona temas como remorso, saudade e padrões familiares. A protagonista demonstra profundidade, com facetas psicológicas claras e uma jornada emocional que progride naturalmente. Apenas um ponto foi desnecessário, a passagem da cunhada acrescentou uma pista falsa na trama, mas nada demais também (só uma observação porque criou expectativa e não mudou nada). A utilização do pássaro como um sinal de aviso, falecimento e reparação é marcante e delicada. A história não possui exageros: cada elemento se encaixa, com uma escrita refinada e objetiva, que realça o que fica subentendido. É o conto do desafio com a melhor técnica de escrita e, além disso, o que mais comove com sensibilidade. Gostei muito! Boa sorte no desafio.

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Obrigado, Alexandre! Da parte da Cunhada, você está realmente certo, mas eu queria a coruja, e como essa espécia vive frequentemente em campanários de igrejas, não consegui pensar em algo mais orgânico para levar Eva até lá. Mas você está certo mesmo.

  11. Fabio Baptista
    23 de março de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    Eu pensei que em algum momento esse conto fosse descambar para o Terrir, mas (não tenho certeza se felizmente ou infelizmente) isso não aconteceu.
    O plot de cadáveres retornando para a casa onde viveram não foi muito bem explorado, na minha visão. Em parte por já fazer o morto aparecer logo de cara, sem criar nenhum suspense (como no conto clássico da pata do macaco, por exemplo), mas, principalmente, pela narrativa meio “crua” a maior parte do tempo. O primeiro parágrafo, que é o cartão de visitas de um conto, está muito confuso, truncado. Perde-se o impacto da situação.
    Apesar de alguns momentos pouco mais inspirados, como nas descrições da putrefação, a narrativa segue um ritmo pouco envolvente e repetitivo na maior parte do tempo. A aparição do pássaro traz um clima sombrio ao conto, que provavelmente seria melhor aproveitado se tivesse sido colocado desde o começo.

    Médio

    • medicação hipnótica para dormir
      medicação hipnótica???
    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Fábio, tudo bem? Obrigado pelo comentário, acheio confuso e truncado… Brincadeira. Maios ou menos. Agora sério: qual o problema de medicação hipnótica?

  12. José Leonardo
    21 de março de 2025
    Avatar de José Leonardo

    Olá, Profeta.

    Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).

    FRIACA: Do que se trata o conto?

    R.: O drama de Eva, que passa a conviver com o marido morto (cujo estado de putrefação avança penosamente).

    FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?

    R.: Parágrafos relativamente robustos, onde a ação, recordação e o sentimento de compaixão da esposa se misturam. Poucos diálogos. A narração é cronológica e não nos poupa de nada: vemos os insetos que saem de Eliseu, descrevem-se os odores do corpo em podridão. De modo geral, Profeta, gostei bastante do modo como você contou sua história e de sua prosa acessível.

    FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?

    R.: Adequado ao tema de terror (tudo o que envolve Eliseu), mas creio que a carga maior seja do gênero de drama. Temos a impressão que os personagens que interagem com Eva “aceitam” tacitamente a situação de Eliseu (um morto-vivo – mas não um Corpo-santo como vimos em contos como “A Procissão”, desde desafio) como uma anormalidade consolidada. Não é um texto que investe em carregar a atmosfera (apesar do ar estar bem “carregado” – com perdão da palavra), ou seja, não se dispõe uma gama de adjetivos e sentenças a produzir angústia/desconforto no leitor (como Lovecraft fazia, por exemplo). Ainda assim, certamente uma leitura muito boa.

    FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?

    R.: No conjunto dos elementos ora dispostos, Profeta, acredito que tem tudo para causar temor e asco em leitores mais sensíveis, sem falar na dramaticidade/angústia de Eva em face da situação do marido, sem ter como ajudar e morrendo de pena por dentro (embora tenha encontrado um desfecho que cessasse o sofrimento de ambos). 

    FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto?

    R.: Como disse, uma leitura muito boa, Profeta, que desperta em nós compaixão por aqueles que se encontram em situações piores que as nossas, independentemente de parentesco ou afinidade amorosa.

    Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Valeu, Friaca. Obrigado por comentar com tanta precisão meu continho.

  13. Augusto Quenard
    21 de março de 2025
    Avatar de Augusto Quenard

    Gostei do conto quando leio como se fosse terrir. Acho que valeria a pena investir nele mais nesse sentido, um terrir com final catártico.

    Outra sugestão que faria seria tirar um pouco de explicações, tem várias coisas que o leitor já deduz, e a explicação acaba demorando a leitura e impedindo que o leitor se envolva com o texto, que acontece mais com as insinuações do que com explicações.

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Terrir? Nossa, você é o segundo a pontuar isso. Vou pensar nisso sim. Das explicações, seria legal se um dia ler esse meu comentário, dar um exemplozinho, pois o comentário abaixo, diz justamente o contrário aí fico perdididinho rsrsrs. Mas obrigado demais.

  14. Kelly Hatanaka
    20 de março de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Ótimo terror. As coisas acontecem sem explicação e elas não fazem falta. Um homem, morto, volta a sua casa. A mulher o mantém, cuida dele como se estivesse vivo. Por fim, uma Rasga Mortalha desfaz o erro da natureza e os leva para o mundo dos mortos. Muito bom, ótimas cenas, uma narrativa bem desenvolvida.

    • Rangel
      30 de março de 2025
      Avatar de Rangel

      Obrigado, Kelly!

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Publicado às 16 de março de 2025 por em Liga 2025 - 1C, Liga 2025 - Rodada 1 e marcado .