EntreContos

Detox Literário.

Quando o Véu Se Ergueu Diante do Desventurado Hugo Benevides (André Lima)

Quando o desventurado Hugo Benevides se deu conta de sua consciência, naquele extenso gramado pelo qual caminhava, tomou conhecimento também do futuro inevitável que estava diante de si, nos próximos minutos: “eu vou matar meu pai”, pensou em lamento. A constatação, naquele instante, carregava um aspecto de resignação mais que de tristeza. Pobre Hugo Benevides, que se rendia sempre ao fato inexorável de que teria, quase que numa frequência ditada por um sádico homicida cósmico, que matar seu próprio pai, a quem com tamanha intensidade amava.

Era ladeado pela loura mancha solar no topete das gramíneas daquela propriedade que o caminhar derradeiro se dava. Pai e filho, pareados, num passeio fúnebre de passos apressados, em direção por onde o sol aponta, naquela manhã de céu estranhamente rosado. O olhar de Hugo era ininterrupto, encarroçado pelo pai, embora olhasse naquela vez mais por pena que por amor. O sujeito parrudo coçou a testa e disse com seu vozeirão:

“Não sei se é o alimentador ou o elevador de grãos que está entupido”. Deu um espirro, como sempre daria, ao ser encontrado pelo aroma dos araçás próximos dali. “Pode ser até que o milho tenha ressecado. Vamos dar uma olhada no alimentador. Depois subo lá no topo do silo para averiguar se o milho fez uma crosta”.

“Não suba, não, meu pai”, disse sem ser ouvido. “Pois assim vou te matar”.

Ao chegarem na escotilha inferior, o menino mirou o céu, vendo se erguer à sua frente o titânico silo metálico, parecendo uma imensa chaminé de um navio fantasma, com uma imponência fria e silenciosa. Talvez o gigantismo da construção fosse um impulso de sua memória para retratar a crueldade daquela manhã. Poderia ter trezentas mil toneladas, caído do céu e incrustado à força da gravidade, como uma imensa unha cortada de um deus desastrado.

Pai e filho observaram as engrenagens do silo e ligaram o sistema de escoamento. Nada além de um tremelique na fuselagem e um arranhado constante aconteceu.

“Não acho que seja o elevador, tampouco a rosca sem-fim”. A voz do pai se esforçava para vencer o som das engrenagens. “A válvula de escoamento está emperrada. Se pudéssemos forçá-la um pouco… Mas, antes, vou averiguar se houve ressecamento. Ao meu sinal, você vai forçando devagar a válvula, mas se estiver muito emperrada, apenas desista”.

O menino se viu encorajado pela natureza do pai, queria lhe provar a bravura e a inteligência, como se ele mesmo fosse o engenheiro que havia construído aquelas máquinas barulhentas. De tal modo, enquanto o pai subia pela escada externa, macucou, com raiva de si pela condição de criança, seu plano de execução. O pai debruçou-se sobre o parapeito do silo, observando as toneladas de milho logo abaixo, e ordenou que o sistema de escoamento fosse novamente ligado, num grito abafado. O menino, por sua vez, na escotilha inferior, deu partida no sistema e tentou mover a alavanca teimosa. No primeiro crecar das engrenagens, percebeu que precisaria da força dos heróis para que mexesse para onde devia, e, simultâneo ao grito do pai que pensava em dizer “tudo bem, deixe esta porra para lá, desligue que vou descer até o milho”, tomou coragem e deu um pisão a toda força na alavanca, que desemperrou e foi além dos limites, fazendo com que a rosca sem-fim e a trava de segurança se arrebentassem, também com o peso do que a estava atravancando. O silo deu um solavanco como cavalo arredio, fazendo o pai, a meio-corpo da parte de dentro, cair por sobre a superfície sólida do milho. O pino de segurança rolou por debaixo das engrenagens e, com um som estridente, como se sacudissem uma pedra numa gigantesca panela de cobre, os grãos que estavam empacados desceram num vórtice de sucção, apressadamente, de maneira que as pernas do azarado sentiram que o solo agora se comportava como areia movediça, fazendo-o descer surpreendentemente rápido, esmagando os ossos do joelho e torcendo um dos pés, dobrando-o de modo que o calcanhar encostasse na panturrilha.

O urro de dor estremeceu o silo mais que as próprias engrenagens e o pobre Hugo entendeu tudo o que havia acontecido, assustadoramente, numa fração de segundos. Estendeu a mão e puxou de volta a alavanca, que agora, emperrada em sentido contrário, fazia força para retornar à fase de escoamento. Quando reuniu todas as forças que tinha para atravancar o sistema, o silêncio da máquina esfriou o ambiente, restando apenas o gemido do pai.

“Filho, o papai está enterrado até o umbigo. Vá chamar ajuda”. Berrou. O filho soltou a alavanca, num ensaio, embora soubesse o que se sucederia. O sistema voltou a funcionar, a máquina rugiu e as engrenagens rodopiaram, tudo em um segundo eterno, fazendo o pai descer mais uns centímetros e deslocar a bacia. “Meu Deus, meu Deus”, pensou, “o que faço?”. “Papai, a trava de segurança caiu por baixo do maquinário, se eu soltar a alavanca, o senhor afunda mais”.

“Consegue alcançar com o pé?”. O pai já demonstrava dificuldade para respirar. Enquanto arfava, as toneladas de milho resistiam ao movimento do seu tórax. O filho estirou-se com a perna, chegando ao limite, como se fosse a corda de um violino, esticado, mas ainda lhe faltava tamanho. “Não…”, disse, chorando.

“Escute, filho. Você vai ter que ser rápido. Solte a alavanca e corra para alcançar a trava. Vai ter que fazer isso em poucos segundos, senão papai vai morrer”.

No ato de coragem, Hugo soltou a alavanca e se lançou por baixo das engrenagens, alcançando o pino, mas sendo golpeado violentamente por uma corrente pesada, na base de sua coluna, tendo também as pernas esmagadas por um pistão. O pai desceu em descarga, sentindo os ossos se comprimirem e o cheiro dos araçás se confundirem com o milho e o inferno metálico que o circundava, sendo esmagado com um dos braços implorando socorro, apenas com alguns dedos para fora do soterramento, quando o sistema novamente empacou.

O menino despertou dessa lembrança onírica como despertara semanas depois do acontecido, com as pernas destroçadas e os movimentos comprometidos. Deitado numa cama imunda, num quarto isolado, a cerca de cinquenta metros da casa principal. Naquela solidão opressora, claustrofóbica, viu-se acompanhado de Doutor Heitor Bracamontes, que acendeu um charuto e repousou o isqueiro no topo de sua barrigona.

“Teve o sonho de novo com o seu pai esmagado, não é, moleque?”, perguntou entre os tragos. E, com esforço monumental, o menino se virou de lado, deitando com a têmpora naquilo que um dia fora chamado de travesseiro. Ficou em silêncio, tentando recuperar os sentidos e acalmar os galopes do coração, enquanto ouvia o fumar do gordo, sentado numa poltrona velha, ao lado.

“Senhor Bracamontes”, violou o silêncio da madrugada. “Como é morrer? Dói?”.

O homem revirou os olhos para cima, como quem tentasse lembrar de algo, antes de dizer: “Não sei. Não me lembro de como morri, tampouco da causa mortis. Só me lembro, com muito esforço e sem muita certeza, de que estava no meu consultório. Porque eu sou médico, sabia?”. Sim, ele sabia, já ouvira essa pergunta algumas outras vezes nesses meses de isolamento, em que o fantasma gorducho aparecia. “Sei o que está pensando, moleque. Um médico que fuma. É o que mais existe por aí, se quer saber”. Não era nisso que estava pensando. Pensava na morte como quem pensa na vida, com o mistério da passagem, o medo, mas também o desejo de mudar a realidade, de mergulhar no silo do desencarne e ser esmagado pelo nada absoluto.

Era na companhia dos mortos, em sua escuridão de quarto, no seu injusto degredo, que o desventurado Hugo Benevides, sendo agora um inválido, estava fadado a passar o restante de sua vida. Acordado por vezes na madrugada pelos choros de Clarisse, que lamentava as dores de cabeça e gritava, sem ser ouvida, a não ser por Hugo: “Ela me deu um tiro! Socorro! Alguém me ajude! Minha cabeça explodiu!” Ou apenas fungava num choro de cachorro, com a cabeça entre os joelhos, no canto do quarto. Era ali, no seu covil, que apenas decidia se dormiria de lado ou de barriga para cima, sentenciado em julgamento extraordinário pela mãe, culpabilizado eternamente pelo esmagamento do pai, cumprindo sentença desproporcional ao coração de criança, deitado sem forças, observando o mofo e sentindo os ácaros, imaginando se por trás daquelas cortinas fechadas haveria uma janela aberta.

E, por vezes espaçadas, recebia a visita de seu carrasco, do demônio inominável que fazia daquele quarto o seu purgatório, na tentativa de purificar o pecado do parricídio. Vinha com seu cheiro de inseto, torcendo as madeiras do chão pelo qual caminhava, fazendo o batuque das mãos que apoiavam nas paredes, do lado de fora, fazendo sentir sua presença mesmo distante, contornando ainda o caminho até chegar à porta, girando por fim a maçaneta, lentamente, como na tortura da expectativa, fazendo girar sem som, embora mesmo de olhos fechados, apertados pelo temor, o menino pudesse presumir que a porta se abriria. Na primeira revelação de sua silhueta, Hugo sussurrou: “Pai?”. Mas não o era, mesmo que lhe trouxesse a lembrança e a agonia do esmagamento, fazendo-o ver o que não havia visto na fatídica manhã de céu rosa, seu pai soterrado, a fuselagem cantando em desafino e os olhos vidrados na tentativa inútil de estufar o peito. O incômodo físico e a lembrança o faziam sofrer, mas sentir, também, que merecia mais do que o sofrimento que lhe era ofertado, como se ainda caísse sobre si uma misericórdia bem irônica.

Clarisse, às vezes, mostrava lucidez e o acompanhava nos momentos de reflexão. Por vezes, ele dizia: “Duas noites atrás, você estava aos prantos, gritando por socorro”, e ela sorria tímida, afirmando que não se lembrava. E nos momentos de tristeza, que eram muitos e quase todos, Hugo Benevides questionava se tinha sobre si o pó de um chapéu abandonado. Se nesse escanteio, estaria surrado e puído, deitado sobre aquela cama fétida. Numa noite, Clarisse foi quem apareceu, mexendo nos cabelos cor de mogno, assobiando despretensiosamente. O menino, portanto, fez a mesma pergunta que um dia fizera ao Doutor Heitor Bracamontes. E ela lhe disse que “morrer é como um novo despertar. Como emergir de um lago, tão rápido quanto um tremor”.  E ele se animou com a resposta, mergulhando no devaneio da espera do próprio fim. Quando ela o interrompeu, dizendo o que sempre dizia: “Você se parece muito com meu filho, Hugo. É quem mais anseio encontrar”.

E lhe contou que fora amante de um homem, a quem nutria paixão irrefreável, e que a esposa descobriu de seu envolvimento e deu-lhe um tirambaço na nuca, covardemente, no que caiu e sentiu os sentidos se indo, primeiro a visão, por último a audição, assim como a consciência se esvaziou, num sopro fraco, mas constante, suficiente para, em um momento, apagar uma vela. E que simplesmente despertou ali, naquele quarto, como ele, e que não se lembra de onde está, nem para onde vai quando não se encontra ali, como se dormisse, num sono abrupto, para logo despertar por lá novamente. Conseguia, por vezes, ir para fora do quarto, limitada pelo terreno em volta, vendo a casa principal e contava, sem compromisso e compaixão, que a mãe de Hugo havia formado uma nova família, embora nunca fosse superar a morte do marido, mantendo o menino trancafiado.

Diariamente, Hugo era alimentado por uma criada que destrancava o quarto e repousava o prato de comida em sua cama, deixando-o apenas com um olhar pesaroso após trocar a sua fralda. Até o dia em que ela chorou baixinho e lhe sussurrou no ouvido: “Pobre menino, você não é culpado de nada. Não me responda, pois sua mãe não permite que conversemos e não posso me demorar. Mas eu, um dia, vou te tirar daqui, um dia vou te libertar. Pobre menino, você não é culpado”. E ele apenas chorou baixinho, sem direito a resposta.

Com a curiosidade sobre o além-vida, desejava, é claro, que apenas desaparecesse, que nem lembrança se tornasse aos que permanecessem vivos. E disse, numa das madrugadas em que Bracamontes fumava: “Por que o senhor está aqui? O que te prende a este quarto?”. E o médico não sabia o que responder. “Confabulo até hoje sobre minha morte, moleque. Como poderia saber o que se passa atualmente? Imagino que tenha sido um trauma súbito, rápido, só assim para não me recordar de nada. Tenho a curiosidade sobre a morte, como você, mas ao mesmo tempo tenho medo de descobrir o que me levou. Parece que espero, até hoje, o beijo na têmpora que minha filha me dava quando me despedia para trabalhar”.

O menino lhe contou que Clarisse adormece quando não está lá. E o gorducho suspirou. “Eu também adormeço, mas ao contrário de Clarisse, eu sonho. Sim, até os mortos sonham. Quer dizer, eu vejo o que é tão real quanto este quarto. E sei que o que vejo me foi prometido, embora não saiba explicar como e o porquê”.

Após um trago, continuou: “Eu vejo uma cidade chamada Sempiterna. Mas ainda é dia, ensolarado, e sei, sem saber como sei, que só poderei ir para lá quando anoitecer. A terra que me é prometido o descanso eterno, a todo instante, em meus delírios oníricos, um dia anoitecerá. Assim como eu anoitecerei também, e também serei noite para sempre. É uma terra que se estende torta sobre o planalto, tal como as curvas de um rio, e sopra um vento forte. É lá onde a chuva escorre sobre a minha cabeça e, de repente, eu escorro sobre a chuva, escoando por todos os cantos daquela cidade, podendo, por fim, desfrutar de tudo aquilo que me foi reservado”.

Dito isto, Hugo percebeu que a noite estava em si desde as manhãs de sua vida.

“Quando a noite chegar…”, Bracamontes refletiu, “descansarei em Sempiterna, deitado numa rede, carregado a brisamar, no favor eterno. Entrarei naquele lugar tão perto e tão distante, que se aproxima e se afasta simultaneamente, em vertigem, enquanto o observo nos meus sonhos… mas por enquanto, sigo na espera do cumprimento da promessa, embora eu vá me esquecendo de quem fui, sabendo apenas, dia após dia, quem sou”.

E o menino adormeceu, com a sensação de que almejava Sempiterna tanto quanto a redenção de seu passado. E sonhou com a cidade. Desejava adentrar por seus muros tortos, seja qual fosse o tempo, seja qual fosse o dia, seja manhã, madrugada ou noite, sem esperar como Heitor, invadindo os limites, seria mesmo um invasor, obrigaria o futuro a aceitar os seus termos, tal como o passado o obrigou a aceitar que era um parricida, para percorrer aquelas vielas que nunca eram retas, para deslumbrar os arranha-céus e aquelas construções maravilhosas, naquela terra com cheiro de baleia cachalote e de brisamar, naquele fim de mundo, onde o sol o beijaria atrás das orelhas. Estaria por lá a todo tempo e poderia ser cantor, enquanto Bracamontes deitaria em sua rede e Clarisse leria um livro para seu filho. Poderia cantar, num sopro rouco, o prenúncio da manhã dos novos dias, ou, quem sabe, ao anoitecer, se tornasse um passarinho e pousasse em uma estrela, cintilando a madrugada com uma canção de ninar.

Foi quando Sempiterna se tornou escombros, com cheiro de mijo e enlodada, com a visão de seu pai, o esmagado, que fora encontrado com milho dentro dos ouvidos e do nariz, com a bacia retorcida e os órgãos esparramados; quando sentiu a presença de seu carrasco-demônio, arranhando as paredes e sussurrando o que parecia ser uma prece diabólica em seus ouvidos, sentia a presença, como se estivesse deitado atrás de si, perfurando sua nuca com os olhos, tremendo, mas esperando o seu toque, naquela madrugada tão solitária como as outras e novamente adormeceu, tendo revivido o dia em que entrara na escotilha do silo. Mas, antes de amanhecer, despertou, sentindo-se mais sujo que o quarto, com a certeza de que nunca seria redimido e que não haveria futuro para si.

E lá estava Clarisse, olhando-o só como um fantasma poderia.

“Eu quero morrer, Clarisse. Quero desaparecer para sempre”.

“Não diga isso, meu filho…”

“Não sou seu filho, Clarisse. Tenho que lembrar sempre, mas você foi morta enquanto estava grávida. Você nunca o viu. Eu sou Hugo, o desgraçado, o que vive pela espera da morte…”

E ela chorou, mas de um modo que nunca havia feito antes.

“Acho, pequeno Hugo, que estou esperando, assim como você”.

Ele percebeu que a morte é uma espera, assim como a vida. Mas pensou que, se fosse homem feito, teria coragem e viveria como seu pai, do fruto do seu trabalho, tendo uma passagem digna pela existência, podendo acreditar como Heitor, ter fé na noite etérea, mas, ao contrário, estava sentenciado a ser eterna criança, encarcerado em si.

“Eu só queria que não houvesse além. Que eu simplesmente morresse e desaparecesse. Por que minha mãe não me mata? Por que fico aqui, sofrendo, sem nunca me redimir?”

“Eu estarei aqui com você, meu filho… Eu te amo. Queria poder te evitar o mal… Pobre Hugo…”

“O demônio que me pune, por que não me mata? Seria porque os mortos não podem de fato me tocar? Seria porque são criações do meu isolamento e não podem de fato me matar?”

Clarisse balançou a cabeça, num lamento profundo:

“Oh não, pobre Hugo, ele não é um demônio e não está morto. Não é um fantasma, entende? Pobre Hugo… Meu filhinho. Eu queria poder fazer algo…”

Foi quando o véu se ergueu diante do desventurado Hugo Benevides e ele compreendeu. Recordou-se da noite passada, assim como das outras em que sentira o hálito quente daquele demônio em sua nuca. Percebeu que não sonhava, mas sim que era um desmaiado por conta do terror de sua presença, por não suportar que fosse punido de forma tão severa.

O pequeno Hugo Benevides entendeu que vivia uma eterna espera, nesta repetição infinita de uma busca sem resposta que, afinal, é a própria vida e, aparentemente, também a morte.

Sobre Fabio Baptista

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13 comentários em “Quando o Véu Se Ergueu Diante do Desventurado Hugo Benevides (André Lima)

  1. Thiago Amaral
    30 de março de 2025
    Avatar de Thiago Amaral

    Esse comentário pode ser um pouco enviesado por eu fazê-lo sabendo já da autoria. Mas vim aqui porque havia prometido, rs.

    Gostei muito do começo. A ideia inicial, do assassinato do pai, já torna a trama interessante por mais de um motivo. O primeiro é não sabermos a razão de ele matar o pai. Li o conto pensando que era algum tipo de desafio inconsciente, alguma concorrência freudiana na cabeça do menino, o que não o impedia de sentir culpa depois. Ao ler os comentários de alguns colegas, porém, fui convencido que poderia ser uma espécie de pessimismo e preocupação com a própria imperícia, talvez, o que torna tudo ainda mais trágico. A verdade, de qualquer forma, é que esse mistério (ao menos o é pra mim) está muito bem montado. Vemos aqui as questões filosóficas do fatalismo, como se a morte do pai fosse o desejo de um universo caoticamente cruel. Mesmo assim, há espaço para outras interpretações. Visualizo André um autor famoso, e intelectuais discutindo se Hugo Benevides quis ou não quis, teve culpa ou não teve, assim como fazem com Capitu.

    Sem dúvida, a parte mais impactante é o acidente (?) do pai. Aqui eu senti o terror, até me contraindo fisicamente com a tensão e a ótima técnica pela qual você narrou sua morte lenta e dolorosa, com os órgãos se destruindo em riqueza de detalhes.

    O restante do conto é menos impactante, mas também cheia de elementos interessantes. Aqui cabe discutir adequação ao tema, e o Fábio já disse tudo que eu penso sobre o seu conto. Assino embaixo o comentário dele, pra não me prolongar. Mas devo dizer que admiro sua escrita poética e filosófica nessa parte, onde ficamos mais reflexivos e sonhadores. Talvez, para manter o terror, caso desejasse, alguns sentimentos negativos mais fortes poderiam ter sido narrados para balancear a esperança e sonhos dos personagens.

    O final não me impactou muito, e até fiquei meio em dúvida sobre qual foi a descoberta de Hugo Benevides. Foi que o demônio era na verdade o sentimento de culpa mesmo, como comentaram? Só entendi que o menino não mais estaria vivo, o que faz sentido. Mas não me surpreendeu tanto.

    Antes de finalizar, gostaria de dizer também que curti seu estilo de escrever nesse conto. No sapatos do pai e no dos aliens acho que comentei que poderia ser você tentando engrandecer artificialmente o texto, mas achei que calçou bem nesse aqui. Ao invés de me deixar desconfiado, me ajudou a curtir a história. Será que é porque ela é mais fantástica por natureza? Não sei. Mas combinou aqui.

    Em resumo, André, curti demais seu conto. Foi meu preferido dentre todos os seus que li agora (Sapatos, Aliens, e Supernova). To curioso pra ler mais coisas suas futuramente.

    PS.: Pensando aqui se me alonguei demais pra te agradar e porque disse que meus comentários são pau de cachorro. Mas não, acho que porque seu texto é rico e interessante, mesmo. Melhor que muitos da A!

    Parabéns, cara.

  2. Felipe Lomar
    29 de março de 2025
    Avatar de Felipe Lomar

    olá,

    Esse texto foi cansativo de ler. Tem um ritmo moroso, cheio de devaneios e rodopios que pouco avançam. O vocabulário rebuscado é quasi-poético que contrasta com a cena de fazenda também contribui para isso. Bem, o menino parece ser preso em um ciclo eterno de desolação, sem saber se está vivo ou morto. Seus únicos amigos são os fantasmas do doutor e de Clarice, que já estão plenamente mortos, ao contrário dele. É confuso e o texto não se dá o trabalho de explicar. Achei que a cena inicial poderia ser melhor aproveitada, já que acidentes em silos são prato cheio pro terror, pois são realmente terríveis. Mas acaba que o texto já maior parte do tempo não passa nenhum sentimento de terror, apenas de melancolia. É uma tragédia onírica e sobrenatural. Tem habilidade na escrita em si, mas peca na narrativa.

    boa sorte.

  3. Luis Guilherme Banzi Florido
    29 de março de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Falaaaa entrecontista. Blz?

    Esse conto nao faz parte das minhas leituras obrigatorias.

    Um conto bastante denso e desafiador. Não é o tipo de leitura que vai funcionar de forma leve e despreocupada. Você precisa se envolver, imergir e se conectar para que ela funcione. Acredito que para alguns leitores que querem sempre ler algo direto e explícito, o que acontece às vezes aqui no EC, pode ser uma leitura que não vai funcionar. Não sei sobre os leitores da série C, pois não sei quem são, mas você corre esse risco. Sobre o conto em si, somente alguém que escreve muito conseguiria escrever algo assim, pois o enredo nos coloca numa teia em que a trama se desenvolve de forma fragmentada e confusa, mas numa confusão planejada. As falas e narrações também são complexas e pouco lineares, causando um estranhemento que em muito condiz com a condição de sofrimento e duvida do protagonista. Eu demorei um pouco pra entender o que tava acontecendo, mas quando consegui me conectar, foi uma otima experiencia. É triste e pesaroso acompanhar a punição injusta que o menino sofre por algo que nunca teve a intenção de fazer. Sinto como se ele estivesse num purgatorio, seja no sentido literal, seja um purgatorio em sua propria mente corroida pela culpa e destruida pela reação da mãe. O pobre menino revive em ciclo, numa verdadeira representação do inferno, o momento de sua destruição. Triste e trágico. E aqui entra algo que pra mim acaba prejudicando um pouco e que pode te custar pontos, dependendo da visão dos outros leitores: acho que o conto fica perigosamente num linear entre terror e drama. Existem elementos de terror ali, mas se eu particularmente tivesse que dar nota pra esse conto, eu me sentiria numa encruzilhada. É um otimo conto, e existe o terror passado pelo menino, mas ao mesmo tempo sinto que o conto se encaixaria melhor num drama. Não sei, teria que decidir na hora se fosse dar nota. Do jeito que está, sendo apenas um leitor casual, gostei muito e achei uma experiencia densa e marcante. Parabens!

  4. Bruno de Andrade
    29 de março de 2025
    Avatar de Bruno de Andrade

    Escrita: Passaram vários erros de revisão, sobretudo no uso das preposições. Não vou me ater a isso e não é uma questão que vai pesar na minha avaliação. Mas fica a observação para um olhar mais atento.

    O que realmente me incomodou na escrita, porém, foi, bem, a escrita em si. Entendo a escolha por um estilo mais formal, mas o texto comete excessos que o deixam pesado, arrastado. Vou listar alguns dos problemas:

    O conto é muito adjetivado, sem dar nenhum espaço para que o leitor possa chegar às suas próprias conclusões.

    Assim, a cama é imunda – e depois fétida -, a solidão é opressora e claustrofóbica, o silo tem uma imponência fria e silenciosa é por aí vai.

    Algumas metáforas simplesmente fazem pouco sentido. Exemplos:

    parecendo uma imensa chaminé de um navio fantasma

    Por que a chaminé não pode ser de um navio comum?

    chegando ao limite, como se fosse a corda de um violino, esticado, mas ainda lhe faltava tamanho

    Como se fosse a corda de um violino? As cordas de um violino são sempre muito esticadas?

    No primeiro crecar das engrenagens, percebeu que precisaria da força dos heróis 

    Força dos heróis? Que heróis?

    como uma imensa unha cortada de um deus desastrado

    Nem sei o que comentar.

    Outras imagens são simplesmente desgastadas, como o segundo que se torna eterno ou o silêncio da madrugada sendo violado.

    Há também um excesso na descrição dos atos dos personagens. Veja esses exemplos:

    “Consegue alcançar com o pé?”. O pai já demonstrava dificuldade para respirar. Enquanto arfava, as toneladas de milho resistiam ao movimento do seu tórax. O filho estirou-se com a perna, chegando ao limite, como se fosse a corda de um violino, esticado, mas ainda lhe faltava tamanho. “Não…”, disse, chorando.

    No ato de coragem, Hugo soltou a alavanca e se lançou por baixo das engrenagens, alcançando o pino, mas sendo golpeado violentamente por uma corrente pesada, na base de sua coluna, tendo também as pernas esmagadas por um pistão.

    Repare como as frases destacas são desnecessárias. Você pode apostar um pouco na capacidade de interpretação do leitor, sem precisar esmiuçar cada ação.

    Por fim – e o que mais me incomodou -, há uma tentativa de transformar todos os acontecimentos em algo grandiloquente. Veja esse parágrafo:

    Ao chegarem na escotilha inferior, o menino mirou o céu, vendo se erguer à sua frente o titânico silo metálico, parecendo uma imensa chaminé de um navio fantasma, com uma imponência fria e silenciosa. Talvez o gigantismo da construção fosse um impulso de sua memória para retratar a crueldade daquela manhã. Poderia ter trezentas mil toneladas, caído do céu e incrustado à força da gravidade, como uma imensa unha cortada de um deus desastrado.

    São diversos reforços para dar a ideia de grandeza para a situação. Mas são tantos, em tão pouco tempo, que é impossível não sentir a mão do autor pesando na narração. Acaba gerando o efeito contrário. Não parece que estamos diante de um cenário grandioso, mas de um cenário que o autor quer nos forçar a acreditar que assim o é.

    E essa sensação perpassa todo o texto, que apela para esse tipo de adjetivo. O esforço é monumental, a sentença é desproporcional, o julgamento é extraordinário.

    Mais uma vez: você não deixa nenhum espaço para que o leitor participe da jornada. Além disso, essas adjetivações são um atalho: é muito mais fácil você dizer como o leitor deve se sentir, do que conduzi-lo pelo texto de uma forma que faça com que ele efetivamente se sinta dessa forma. Muito mais fácil, mas também muito mais pobre.

    Enredo: É um tanto desconexo. Começa com a história de Hugo pressentindo que assassinará o seu pai e segue para um cena interessante – ainda que um pouco confusa – do que acontece no silo. Então há um corte abrupto, sem uma conclusão satisfatória para a questão do pressentimento – de onde ele veio? por que Hugo acreditava tão piamente nessa sensação? -, entram novos personagens e o conto passa para um cenário mais etéreo, quase surreal. Mas não há mais nada efetivamente acontecendo, parece mais uma descrição de uma espécie de purgatório ou mesmo de um inferno. Não há uma construção muito eficiente desses novos personagens, seus arcos particulares não têm nenhuma conclusão e mesmo Hugo passa apenas a ter a função de sofrer – muito – e se lamentar.

    Conclusão: É uma história triste, mas senti pouco de horror. Com uma escrita e um enredo tão arrastados, foi uma leitura tortuosa. Mas fica claro que foram opções do autor, não falta de perícia com a escrita. Não funcionou para mim, mas certamente vai funcionar com outros leitores.

  5. José Leonardo
    28 de março de 2025
    Avatar de José Leonardo

    Olá, Véu.

    Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).

    FRIACA: Do que se trata o conto?

    R.: O tema do trauma. Hugo Benevides presenciou a morte horrível do pai (inclusive teve ferimentos graves na tentativa de salvá-lo do acidente) e disso passou a ser assaltado por lembranças e fantasmas como que remoendo a culpa. Mas será que é um vivo que está sendo visitado pelos mortos?

    FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?

    R.: Véu, o seu é um dos últimos contos deste desafio EC que comento. Vejo que sua prosa é bem requintada, usa-se de expressões e comparações rebuscadas (“rococós”, digamos, por causa do trato que você dá às palavras). Confesso, contudo, que certo excesso no seu estilo me fez parar e recomeçar essa leitura várias vezes. Acho que meu maior problema foi com o trecho a seguir:

    “Era ladeado pela loura mancha solar no topete das gramíneas daquela propriedade que o caminhar derradeiro se dava.” 

    Ele é tão poético quanto truncado… Não é que seja de difícil compreensão, mas estando logo no segundo parágrafo tende a pausar a leitura do leitor médio (meu caso), que vai ter de pensar melhor na frase em meio ao contexto da história. Não é demérito do autor; apenas um pequeno obstáculo à leitura (de alguns leitores, dentre os quais me encontro). E ainda tenho a impressão que ocorreu um deslize de revisão aí nesse “topete”…

    Por outro lado, toda a cena do acidente ocorrido com o pai de Hugo foi muito bem descrita (aqueles dedos para fora do maquinário, que dão o desfecho da tragédia ocorrida, ainda estão na minha memória quase que como se tivessem diante de mim).

    FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?

    R.: Tem elementos claros que se adequam ao tema “Terror”, como o dos fantasmas e o do demônio obsessor, se bem que a participação dos fantasmas nesta histórias pendem para motivos de drama do que de horror… A certa altura, cheguei a pensar que se tratava de um torpor do protagonista, a ilusão de uma mente combalida. Isso até que o véu se erguesse diante dele… 

    FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?

    R.: A cena da morte do pai é a que mais me atraiu no seu conto. Os demais acontecimentos e narrações, embora escritas com uma verve de “Alta Literatura”, não me atraíram tanto.

    FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto?

    R.: Sentimentos conflitantes sobre o seu conto, Véu, entre uma cena marcante de morte pavorosa e os demais aspectos do texto (demasiado rebuscado para um enredo relativamente simples de se desenvolver – não me refiro à prosa, à técnica em si, mas às possibilidades que o(a) autor(a) tinha para contar de forma mais fluida essa estória). Ainda assim, um trabalho de ourives se eu fosse analisar só pela prosa.

    No fim, fiquei com a sensação frustrante de que poderia ter gostado mais do seu texto (frustração comigo mesmo, não para com o(a) autor(a), certamente).

    Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.

  6. Alexandre Parisi
    27 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Parisi

    Esse conto explorou com maestria a dor do luto e o peso da culpa na infância. A narrativa é intensa e cheia de simbolismos significativos. A imagem de Hugo enfrentando o ato fatídico de “matar o pai”, mesmo que indiretamente, incorpora um entrave psicológico profundo que ressoa com o tema de conflitos familiares.

    A construção do seu tormento, provocada pela repetição dos eventos traumas, é fascinante, quase como um ciclo onírico sem fim. Detalhes vívidos, como o peso do silo sobre o pai, transmitem uma impressão visceral e carregada de sensação. O uso da matéria – o milho, com seus significados de fertilidade e morte – contrapõe-se de forma tocante ao desfecho sombrio da narrativa.

    O diálogo interno de Hugo com o Dr. Bracamontes e Clarisse traz carne aos sentimentos de um menino imprisionado numa angústia que beira a desespero, o que gera uma empatia imediata. A interação entre a expectativa e a realidade da morte é uma reflexão grande sobre a vida e sobre o quanto vivemos num limbo entre nossas escolhas e as imposições do destino.

    No entanto, alguns trechos podem ser mais breves, já que o prolongamento da dor em certos momentos pode tirar um pouco do ritmo soberano da tensão. Apesar disso, uma obra densamente rica com um mergulho em sombras humanas que perfeitamente nós acompanhamos.

  7. Priscila Pereira
    27 de março de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Sr Autor! Tudo bem?

    Que conto triste, misericórdia!

    A escrita aqui brilha mais do que o enredo, que é simples, mas interessante, muito bem construído.

    A forma como uma criança precisa lidar com a culpa e a desesperança foi descrito cuidadosamente. As conversas com os fantasmas ficaram ótimas também!

    O final é bem aberto, podemos dar vários significados, o que mais gosto é que o menino também está morto, e o “demônio” que vem atormentar ele é a culpa. Acho que isso seria menos pior do que a outra opção, que seria ele estar vivo e quem atormentava ele também ser uma pessoa de verdade. Acho que aí seria insuportável.

    Ótimo conto! Ótima escrita! Parabéns!

    Desejo sorte!

    Até mais!

  8. Givago Domingues Thimoti
    25 de março de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Positivo: estilo de escrita muito bom. História excelente.

    Negativo: vi pouca aderência ao gênero do terror (eu daria 2,5), assim como poucos elementos de fato do terror; acho que o conto flerta bem mais com o drama do que o terror em si. 

    Aqui, eu não tenho muito o que falar. Está muito bem escrito, do ponto de vista gramatical. Só tirei 0,5 ponto porque percebi algumas repetições de termos em alguns trechos (queísmo, especialmente)

    É um estilo de escrita muito bom, meio verborrágico demais para o meu gosto (mais para os adjetivos em especial),

    mas eficiente e bonito. Comparando a uma comida, é tipo um doce exagerado no açúcar por vezes. Precisa de uma água para descer e atenuar o ardor no pescoço. Por vezes foi um pouco exagerado “Pobre Hugo” e tornou essa ideia já batida, sendo que a narrativa já dava uma ideia de porque ele é um pobre coitado. 

    Acho também que por ter alguns parágrafos grandes (eu li no celular, então pode ter afetado isso), por vezes o ritmo da leitura foi caindo aos poucos.

    O conto está muito bem estruturado; início meio e fim, a partir de uma lembrança do menino e até o seu estado atual. Ele não se dá conta de quem são os fantasmas que o acompanham, especialmente Clarisse, mas o leitor,’com uma leitura atenta, saca o que aconteceu. Isso é muito difícil de se fazer.

    O conto está bom e eu gostei. Acho que o exagero nas descrições por vezes acabou me jogando fora da leitura. Mas a narrativa está muito boa, de uma forma geral. Infelizmente, senti falta de elementos de terror. Acho que o demônio que o acompanha (que eu interpretei como a culpa ele carrega por causar a morte do pai) mais para o elemento dramático do que para um elemento de terror; seria bom mesclar mais um pouco, materializando-o deixando mais frequente na história 

  9. Alexandre Costa Moraes
    25 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Conto com um estilo mais lírico e sombrio. História bem construída, com ambição poética e viés existencial. Mistura drama rural com elementos fantásticos e alegóricos, abordando o trauma de uma criança que se sente culpada pela morte do pai e vive enclausurada com seus fantasmas e dúvidas. A narrativa é complexa, densa e por vezes confusa — especialmente nos trechos que abordam a cidade de “Sempiterna” e aos espectros que visitam o menino. Algumas vezes me perdi em qual esfera as coisas aconteciam. A técnica de escrita é sofisticada, com uma prosa marcada por comparações originais e longas questões filosóficas. Só não foi melhor porque o impacto emocional acabou se diluindo na falta de foco narrativo. A estrutura poderia ser mais enxuta para manter a potência da história. Mesmo assim, achei um conto audacioso e sensível, que deixa marcas. Gostei! Boa sorte no desafio.

  10. Fabio Baptista
    24 de março de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    O conto é muito bem escrito e cria com bastante competência uma atmosfera onírica. Com outro tema essa seria a maior virtude, mas aqui foi o calcanhar de Aquiles. Discutimos muito no grupo sobre o terror ter a “obrigação” de causar medo e obviamente não é bem assim, mas o que sobressaiu aqui foi a sensação de sonho e não de inferno.

    Um pesadelo que se repete (e o inferno é a repetição), fantasmas que torturam psicologicamente, cada um a seu modo. Sim, há elementos suficientes para enquadrar no tema, mas o que quero dizer é que, pela qualidade técnica empregada, é possível imaginar que o autor teria plena possibilidade de puxar a coisa para um lado mais assustador.

    Faço essa crítica me sentindo o ferreiro que usa espetos de pau, porque o meu próprio conto talvez tenha sofrido do mesmo mal. Há uma cena terrível (suficiente, na minha opinião, para mais do que enquadrar no tema), mas o restante da narrativa parece conduzir em outra direção. Aqui, a cena terrível aparece logo no começo: o pai sendo tragado pela máquina de milho. Descrição perfeita e angustiante de uma realidade crua que, curiosamente, ofusca o terror dos fantasmas que aparecem depois.

    O drama do pobre Hugo, contado com um toque de conto de fada, é mais uma fantasia triste do que um terror. A menção a Sempiterna reforça esse sentimento. Nesse ponto, me lembrou bastante aquele filme do menino robô… Inteligência Artificial?… pausa pro Google… isso, A.I. do Spilberg, em que o menino busca uma cidade assim.

    Algumas construções de frase ficaram bonitas nesse clima de conto de fadas, mas algumas frases e expressões destoaram um pouco na minha opinião:

    em direção por onde o sol aponta

    gigantismo

    sentiu os sentidos se indo

    Apesar do comentário talvez dar outra impressão, gostei bastante do conto e da narrativa.

    MUITO BOM

  11. Augusto Quenard
    21 de março de 2025
    Avatar de Augusto Quenard

    Gostei muito do estilo do texto. Acho que daria para enxugar um pouquinho. Também, as falas do pai acho que ficaram um pouco cultas demais, contendo explicações para o leitor.

    Sobre o enredo, a parte que mais me pegou foi mesmo quando eles estão ali no meio do acidente. Achei muito legal. Acho que o que segue, toda a parte da relação com os fantasmas e sua descoberta, poderia ser bem mais breve, pra gente sair do conto ainda com o efeito da tensão que há na cena do acidente.

  12. Rangel
    20 de março de 2025
    Avatar de Rangel

    Olá, Véu!

    Você nos apresentou um drama complexo, envolvendo culpa e “assassinato paterno”. O menino Hugo está preso na sua cama-purgatório, remoendo a morte trágica do pai, cercado por espíritos que parecem pouco saber sobre o que de fato significa morrer.

    Devo confessar que seu conto foi bastante difícil para mim e fico com receio de ele estar além do que eu tenha conseguido compreender. Primeiramente, eu o achei muito adjetivado. É seu estilo e respeito isso, mas é que em alguns momentos eu achei que você pesou a mão e os adjetivos não traziam informações novas e me deixaram uma sensação de cansaço. Vou dar alguns exemplos: 1. o conto começa com “Desventurado Hugo Benevides” (amei o nome), porém, no mesmo parágrafo segue com “Pobre Hugo Benevides”, tecnicamente desventurado e pobre não são sinônimos, mas ali não traz uma informação realmente nova. Ok, quando li o parágrafo, achei interessante é verdade, mas esse recurso vai se repetindo ao longo do texto beirando a exaustão, num esforço em imprimir no leitor a exata sensação que você pretende, numa linguagem belíssima, cheio de recursos “adjetivescos”, mas que não acrescenta tanto. Veja outras passagens: “loura macha solar”, “lembrança onírica”, “delírios oníricos”, “Pobre Hugo”, “Desventurado Hugo” (essas duas construções aparecem duas vezes), “Pequeno Hugo Benevides”, “Eterna espera “… Veja que inclusive há uma predileção por inverter a ordem mais comum do português trazendo o adjetivo para antes do verbo, como no inglês, ou nas traduções do inglês para o português brasileiro. 2. O segundo motivo que me incomodou no conto foi a linguagem meio filosófica meio poética que predomina o tempo todo, não apenas no narrador, mas nas personagens, sem grandes diferenciações entre elas. Mesmo as falas do menino ficaram meio assim, com esse tom de épico e shakespeareano. Olhe: “Pobre Hugo Benevides, que se rendia sempre ao fato inexorável de que teria”, diz o narrador. “Oh não, pobre Hugo, ele não é um demônio e não está morto”, diz Clarice; “Eu sou Hugo, o desgraçado, o que vive pela espera da morte…”, diz a criança; “Assim como eu anoitecerei também, e também serei noite para sempre”, diz Bracamontes. Veja como tudo é dramático e teatral, como se cada fala precisasse ocultar algo grandioso sobre a morte e a vida.
    Mas claro, digo isso, mas gosto de deixar registrado a qualidade da sua escrita, o cuidado com os detalhes na revisão, uma única parte ficou pendente, mas de modo geral é de um cuidado e esmero exemplar. A história em si também tem uma pegada edipana à la Freud que eu gosto muito e sempre me interessa. Quero dizer também sobre a belíssima imagem que você escolhei, minha favorita aqui.
    Boa sorte!!!

  13. Kelly Hatanaka
    20 de março de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Um conto muito forte. É um terror aterrorizante, sem sombra de dúvida. Há fantasmas, mas o verdadeiro demônio é essa mãe que pune cruelmente o filho por uma perda. O clima é angustiante e pesado, do início ao fim. Alguns trechos extensos tornaram a leitura, por vezes, cansativa, mas o resultado final é muito bom!

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Publicado às 16 de março de 2025 por em Liga 2025 - 1C, Liga 2025 - Rodada 1 e marcado .