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Detox Literário.

Definhando (Alexandre Parisi)

Eu gostaria de começar este conto de outra forma. Talvez com uma metáfora sobre o tempo, ou uma descrição poética da chuva escorrendo pelo vidro. Mas a verdade é que não há jeito certo de falar sobre a morte. Só existem tentativas, e esta é a minha.

*

Eu a escrevi antes de perdê-la. Não exatamente como está agora, mas a essência já existia. Um rascunho, um esboço de um luto ainda por vir. O que fazer quando a ficção se adianta à realidade? Quando você escreve um final e, meses depois, ele acontece?

Voltei ao arquivo, abri-o com dedos trêmulos. Lá estava a personagem – sua voz, seu jeito de andar, até aquela mania irritante de enrolar os fios do cabelo. Era ela, viva naquelas linhas. Uma armadilha que eu mesmo havia construído sem saber. Algo em mim queria deletar tudo. Mas não consegui.

Reescrevi. Não para mudar o destino – era tarde demais para isso –, mas para torná-lo suportável. Acrescentei diálogos que nunca tivemos, risos que se perderam no tempo. Expandi os dias bons, retardei os ruins. Mas, por mais que eu tentasse, a história sempre me levava de volta ao mesmo ponto: o fim.

Fiquei obcecado. Cada releitura era um novo velório. Cada frase reescrita, um corpo exumado. O luto não tinha cheiro de flores murchas ou velas consumidas. Tinha cheiro de papel e tinta digital. O cursor piscava como um batimento cardíaco insistente, até que eu apertava ‘enter’ e ele morria por um instante.

Comecei a me perguntar se, ao escrever, eu a ressuscitava ou apenas a condenava a morrer de novo. Cada nova versão a afastava mais da realidade. Ela se tornava alguém que talvez nunca tenha sido, alguém que só existia naquela interseção entre memória e ficção. Mas então, o que era mais verdadeiro? A mulher que o tempo apagava da minha mente ou a que eu preservava nas palavras?

Eu queria acreditar que a literatura tem o poder de manter as coisas vivas. Que, de alguma forma, enquanto houvesse um leitor, ela ainda estaria aqui. Mas talvez a literatura seja só outra maneira de aprender a dizer adeus, uma despedida lenta e interminável.

A questão é: quando eu parar de escrever sobre ela, ela morre de vez?

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11 comentários em “Definhando (Alexandre Parisi)

  1. Bruno de Andrade
    29 de março de 2025
    Avatar de Bruno de Andrade

    Escrita: Difícil avaliar. É uma escrita limpa, correta. Forma algumas imagens bonitas. Dá pra perceber que o autor ou autora tem habilidade com as palavras. Mas como não tem praticamente nada sendo contado, fica um exercício algo tautológico. Não sobram muitos pontos para elogiar ou criticar.

    Enredo: Bem, como disse antes, não tem muito enredo aqui. As interrogações parecem feitas para preencher o vazio do texto, um convite para que o leitor o preencha. Não tendo muito o que contar, você jogou questionamentos. Não é um recurso que me agrada.

    Também não consigo entender esse conto como horror. Jamais o classificaria assim se o lesse fora do contexto do desafio. E comédia definitivamente não é.

    Assim, apesar da escrita correta, o conto vai para o final da minha lista.

  2. Felipe Lomar
    28 de março de 2025
    Avatar de Felipe Lomar

    olá,

    bem, assim como outros contos do certame, ele mira no terror e acerta no drama pessoal. Não passa medo ou horror, apenas melancolia de rememorar uma pessoa amada falecida. Mas está bem escrito. Dentro dessa proposta, funciona bem. Só não é terror.

    e outra, começar já mandando a letra do que se trata o texto quebra completamente o elemento surpresa. O texto ficaria muito melhor sem o primeiro parágrafo explicativo.

    boa sorte!

  3. Luis Guilherme Banzi Florido
    28 de março de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom diaaaa entrecontistaaa, tudo na paz?

    Esse conto nao faz parte das minhas leituras obrigatorias.

    Vamos lá, tenho uma coisa boa e uma ruim pra dizer. Vamos começar tirando a ruim do caminho: infelizmente acho que voce nao escreveu um terror, mas sim um drama. Nao vejo nenhum elemento de terror no conto, somente o drama de uma pessoa que perde alguem amado e precisa lidar com o luto, usando para isso a literatura. Acho que voce vai ter problemas com isso nas avaliações dos colegas da C, infelizmente. Digo infelizmente porque seu conto é ótimo. No desafio certo, poderia ficar lá nas cabeças. É uma narrativa densa e profunda, até mesmo filosófica, onde a tristeza do protagonista me contagiou como leitor. Trabalho de primeira. A escrita é sólida e a tecnica é otima. Parabens!

  4. Priscila Pereira
    25 de março de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Sr Autor! Tudo bem?

    Gostei muito do seu conto! Tão poético e com um questionamento tão profundo sobre a literatura, a arte, a morte, o fim e o luto.

    O nosso cérebro não consegue distinguir a realidade da ficção, por isso amamos tanto a literatura e a arte, por isso choramos tanto quando nosso personagem preferido morre, e nos alegramos quando ele brilha, para o cérebro é real.

    Ainda bem que não posso dar notas pra você, pq teria que descontar pontos por causa do tema… Não é um terror propriamente dito, tá mais pra uma melancolia profunda.

    A escrita está show! Ótimo conto!

    Desejo boa sorte!

    Até mais!

  5. André Lima
    25 de março de 2025
    Avatar de André Lima

    Este conto me dividiu em algumas questões. A história apresenta uma abordagem introspectiva e metalinguística sobre o luto, navegando entre memória e ficção de forma delicada. O conto não se vale de elementos tradicionais do terror, mas há sim um horror “sutil” que se impõe na relação entre o narrador e a memória da mulher perdida. O verdadeiro terror aqui não está na morte em si, mas na impossibilidade de deixar morrer, na obsessão pela reescrita como tentativa de ressurreição, no medo de que o esquecimento seja a única forma real de perda.

    A escrita é refinada, empregando um tom melancólico que se sustenta sem cair no sentimentalismo excessivo. O conto trabalha bem o uso da metalinguagem, transformando a escrita em um processo vivo, quase ritualístico, no qual cada nova versão do texto é um novo estágio do luto, uma nova tentativa de aceitação ou negação da morte.

    Gostei também da sacada do cursor do mouse.

    No entanto, se considerado estritamente dentro do gênero terror, o texto pode pecar pela ausência de um impacto mais visceral, de uma manifestação mais concreta do gênero. Sua maior força está na construção de um horror subjetivo, que se infiltra aos poucos e se manifesta mais pelo que sugere do que pelo que explicita.

    Acho que haveria formas mais elaboradas para colocar de vez este texto num “terror existencialista”. A sutileza estratégica foi arriscada. Funcionou, para mim, principalmente pela qualidade da escrita, mas fica um gosto de que o mar era muito mais profundo para ser mergulhado…

  6. Alexandre Costa Moraes
    25 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Conto introspectivo que mergulha na dor do luto através de um escritor que tenta preservar a memória da pessoa amada escrevendo e reescrevendo sua história. O texto aposta numa linguagem sensível, com boa construção de atmosfera e ritmo. A ideia central é bonita, mas idealista e simbólica em excesso, o que compromete o impacto emocional. O conto se sustenta mais como uma crônica poética do que como narrativa ficcional com virada. A personagem secundária (a falecida) não ganha profundidade e permanece como uma sombra da memória. Apesar de bem escrito, o conto é marcado pela ausência de conflito e de evolução clara, o que torna sua leitura um pouco plana. Gostei, mas não encantou. Boa sorte no desafio.

  7. Fabio Baptista
    23 de março de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    O texto é muito bem escrito, não explica contextos, mas apesar de curto permite que o leitor preencha as lacunas e assimile as reflexões do personagem.
    O tema ficou em segundo plano, mas podemos considerar que o escritor era atormentado pelas memórias da esposa(?)
    Com exceção a isso, simples e direto, vence por nocaute como deve ser.
    BOM

  8. José Leonardo
    22 de março de 2025
    Avatar de José Leonardo

    Olá, Matheus Franco.

    Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).

    FRIACA: Do que se trata o conto?

    R.: Um escritor que descreve o próprio ato de escrita abordando uma história em particular (antecipando-se a ela e durante o ato). Também pode ser lido como o ato de escrever servindo de alegoria sobre a existência.

    FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?

    R.: Um conto curto (em se tratando deste desafio). Um conto-reflexão, digamos. O autor, que não se identifica, descreve a escrita em torno de um conto que também não chegamos a conhecer o título ou a personagem, embora, em linhas gerais, dê-nos um vislumbre do que se trata. 

    FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?

    R.: Não vejo adequação ao terror ou comédia. Vejo mais como um ponto de inflexão entre a arte e a realidade. Sabemos que o autor não quer terminar a obra, pois assim também eliminará a sua personagem/pessoa real retratada. 

    A sua frase final: “A questão é: quando eu parar de escrever sobre ela, ela morre de vez?”, de maneira curiosa (coincidência mesmo), faz-me conectar com outro conto deste desafio, “Sítio Rubi Cintilante” (Oscar Vicente), especificamente com seu final também, que reproduz citação: “(…) se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ouvir, ela faz barulho?  (George Berkeley- Século XVII)”. No que concerne ao seu conto, Matheus, a árvore fará barulho (pelo menos para o seu personagem-escritor, ao menos para ele, e isso é bom).

    FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?

    R.: Conto para refletir. A pergunta é: o escritor-personagem tem medo de encerrar a história por apego à sua protagonista (ou seja, seus sentimentos definham) ou para prolongar o definhamento (dela)?

    FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto?

    R.: Seu conto não me atraiu muito, Matheus, embora esteja muito bem escrito. Não gosto de ficções que terminam com uma indagação, mas aparentemente foi o propósito do seu texto (nem aterrorizar nem fazer rir, mas fazer pensar – posso estar enganado, claro).

    Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.

  9. Rangel
    21 de março de 2025
    Avatar de Rangel

    Matheus, Que escritor maravilhoso você é. Chego a sentir raiva e um pouco de inveja de você. Raiva por estar competindo na mesma categoria que você e inveja, pois é um tipo de introdução que eu a.aria ter escrito. Você nos trouxe a história de um escritor em luto, que se encanta com a personagem que está escrevendo. Uma espécie de Pigmalião literário. O escritor passa a identificar a amada morta com a personagem que escreve desenvolvendo uma obsessão. Gostei muito! Não sei se se encaixa exatamente no tema terror, mas que é belíssimo, é. Em geral, não gosto de críticas que dizem que a história poderia virar algo maior, como se mais palavras significasse algo melhor ou mais trabalhoso, o que é falso. Dizem que Mark Twain teria enviado um carta longa pedindo desculpas pela falta de tempo para escrever uma carta menor (talvez ele nunca tenha dito isso, mas a lógica é verdadeira). Escrever pouco dá trabalho, lapidar um texto exige esforço e, por isso, me encanto com textos menores, especialmente tão bem escritos como esse. Só que no final, eu realmente esperei um maior desenvolvimento desse triângulo amoroso. Me parece que no início, o escritor está bem confuso com o que sente, sobre o distanciamento entre o real e o ficcional, sobre seu papel de criador onipotente. Só que de repente o drama é resolvido, e os detalhes metalinguísticos dão vez ao drama do luto e chega o fim. De qualquer modo, é um texto muitíssimo interessante e que senti prazer em ler. P.S ignore os erros de revisão, pois estou escrevendo no ônibus entre Ribeirão Preto e Uberlândia.

  10. Augusto Quenard
    21 de março de 2025
    Avatar de Augusto Quenard

    Gostei do estilo, perto de algo coloquial e bem fluido. E achei bonita a reflexão, bem bonita.

    Mas me pareceu que não poderia ser considerado um conto de terror.

  11. Kelly Hatanaka
    20 de março de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Um conto bonito, mas que, na minha opinião, passou longe do tema. Fala sobre a morte, sobre o luto, sobre a escrita, sobre literatura. É muito bonito, mesmo. Mas, cadê terror?

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Publicado às 16 de março de 2025 por em Liga 2025 - 1C, Liga 2025 - Rodada 1 e marcado .