A velhice me trouxe bem poucos prazeres, a maioria deles um tanto mórbidos. Um de meus preferidos tem sido acompanhar a morte e o velório dos amigos. Não que lhes queira qualquer mal. É que os fatos se impõem, e a morte chega sempre ao arrepio dos desejos. Assisto a todas as partidas sem que minha pouca fé e nenhuma filosofia permitam extrair qualquer sentido.
A morte mais recente foi a de Vicente. E não foi uma morte qualquer. Deu show. Brilhou.
Primeiro, um urro enorme, coisa gutural, de assustar qualquer vivente. Fosse à noite e teriam achado se tratar de fantasma, assombração, coisa de outro mundo.
Mas foi de dia, sob sol inclemente.
O calor fez parte do espetáculo, da morte de Vicente e também do velório naquela sua sala apertada e quente. No enterro, ainda teve o sol desapiedado na hora de baixar o caixão à cova. Que espetáculo, que lindeza! Parentada, amigos e curiosos todos ali reunidos e Vicente de conluio com o sol, castigando.
Tornando ao que matou o amigo, teve aquela coisa toda do urro medonho, da mão no peito, do gesto dramático digno da melhor ópera italiana. Depois, tombou.
Ao estatelar no chão, o som oco do crânio se partindo de encontro aos paralelepípedos da rua tornaram o evento indelével da memória da ilustre plateia. Não bastasse, Vicente, que nunca foi dado a reinados, logo foi coroado por uma mancha circular vermelha e quase perfeita. O que havia pra vazar, vazou.
Lamentei meu amigo não ter morrido em dia de festa ou cortejo cívico, com todo vilarejo a lhe ver brilhar.
Tudo aconteceu em um domingo ensolarado de verão, ali pelo fim da tarde, à hora em que as gentes começavam a deixar as casas quentes em busca de algum frescor. Velhos e adultos se sentavam às portas das casinhas quase todas iguais, diferentes apenas na cor. Crianças corriam e gritavam. E jovens namoricavam às janelas trocando olhares gulosos.
Vicente saiu de casa sem adeus, tchau ou até logo. Não se despediu de ninguém, no que deu sorte, pois não se conformaria se morresse deixando à viúva e aos filhos o conforto da despedida.
Estava a caminho do bar, onde me encontraria pra nossa caninha diária.
No meio do caminho, infarto fulminante seguido de traumatismo cranioencefálico, tudo devidamente atestado pelo médico em papel com selo do governo. Era muita lisonja pra um homem tão chulo: fulminante, atestado, óbito, traumatismo, cranioencefálico. Davam ao Vicente mais importância morto do que tivera em vida.
Enfim, morreu. Do quê, pouco importava. O médico e o escrivão é que cuidassem dos termos difíceis. Ao Vicente, cabia morrer e se fazer enterrar, livrando-se dos vermes da vida pra se entregar aos vermes da morte.
Quando tombou na tarde quente de verão, teve o prazer de interromper as conversas enfadonhas dos velhos, as brincadeiras irritantes das crianças e os namoricos indiscretos dos jovens, três das coisas que mais detestava.
Seu único lamento deve ter sido morrer com a garganta seca, sem uma última dose da malvada. Foi a penitência que lhe coube da danação coletiva. Expiou seus pecados.
As crianças gritaram e correram pra colo seguro. Os velhos protegeram os olhos dos pequenos os estreitando contra o peito enquanto vigiavam por sobre as cabecinhas os últimos estertores do meu amigo. Os jovens, incrédulos, aperceberam-se de que, apesar de suas primaveras, haveria um outono.
O médico papa-defuntos apareceu em dois tempos abrindo caminho por entre a multidão, que conteve a respiração enquanto pulso e pescoço eram apalpados. Com expressão de absoluto e mais insincero pesar, o médico balançou a cabeça negativamente, e a multidão voltou a respirar, resignada.
De repente, o bloco compacto ao redor do defunto se abriu pra deixar passar a viúva descabelada e de avental ainda atravessado no peito, gritando um longo e desesperado nããããããão. Jogou-se ao lado do corpo, lambuzando-se toda de sangue.
A ópera seguia. Vicente teria se surpreendido com o talento da esposa.
Lembrados de que tinham pernas e pra que serviam, logo apareceu a dupla de órfãos – rede e sofá finalmente se viram livres de seus fardos. Abriram espaço através da multidão, pegaram a mãe pelos braços e a levaram pra longe do espetáculo sangrento que os abominava. A mulher se fez arrastar, enquanto gritava e se debatia. Juro, já não a imaginava mais capaz de tamanha energia.
A notícia da morte se espalhou rapidamente. Parentes distantes e próximos foram avisados sem que a viúva e os órfãos sequer chegassem perto do telefone. Nisso, confesso, surpreendi-me com a dedicação dos vizinhos.
O coveiro logo bateu à porta da casa. Queria saber pra quando seria a cova. Ficou acertado que o enterro se daria no dia seguinte, às dez.
O comandante da guarda também apareceu. Como a noite caía, queria saber o que fazer do defunto. Convenientemente, veio acompanhado do dono da única funerária da cidade.
A família escolheu um caixão ordinário.
Vicente foi banhado, costurado e colocado em roupas limpas, mas, quando voltou pra casa, não passou pela porta estreita. Homens foram mobilizados e o féretro com seu defunto entrou pela janela.
Vicente foi colocado no meio da sala e o velório começou oficialmente.
Estavam lá a esposa frígida, os dois filhos inúteis, os parentes ausentes, os vizinhos curiosos e os estimados companheiros de copo.
A viúva esteve todo o tempo ao lado do finado: debruçava-se sobre o caixão, chorava, beijava e gemia o seu nããããããão. Vicente ganhou mais beijos nas pouco mais de doze horas de velório do que nos últimos quarenta anos de casamento.
Os órfãos ladeavam a mãe e serviam água, café requentado e biscoitinhos.
Apesar da noite que avançava, o calor seguia indecoroso. Apenas o defunto não suava. As mesmas toalhinhas que secavam as lágrimas, secavam também o suor. Uma ou outra matrona secava as axilas e o decote, sem pudor das sensibilidades.
À meia-noite, o recinto estava cheio, e não parava de chegar gente. Foram improvisadas cadeiras e bancos por toda casa, inclusive no quintal e na rua. A cada tio velho que chegava escorado por primos dos quais ninguém lembrava direito, os presentes se entreolhavam desconfiados e inquisitivos pra saber quem cederia o assento, até que quem se julgava mais jovem e vigoroso se levantava a contragosto e deixava o velho sentar.
Os jovens falavam de si, as crianças gritavam e corriam, adultos e velhos falavam do falecido, que foi revelado ali, na hora derradeira, um homem bom, decente e que morria jovem. Um ou outro, mais empolgado, acusou Vicente de ser trabalhador. No fundo, fiquei envaidecido pelo amigo.
Surgido se sabe lá de onde, um camundongo atravessou a sala, se embarafustou entre as pernas e enveredou pra rua, arrancando gritos, risos incontidos e olhares furiosos dos que não riram contra os que riram.
Com o avançar da noite, a multidão começou a se dispersar. No meio da madrugada, restaram a viúva, os órfãos e uns tios velhos dormindo contra os próprios peitos ou com as cabeças encostadas às paredes e as bocas desdentadas abertas. Houve quem se acocorasse nos cantos e, até, na cozinha, enquanto um dos pequenos acabou dormindo ao relento, esquecido na rua.
Quando o vermelhão do sol iluminou o horizonte, os convivas começaram a acordar com músculos e ossos doloridos.
A hora do enterro se aproximava. Estavam todos impacientes. A noite fora longa. Ansiavam por se livrar do defunto e retomar suas trivialidades. Ninguém dizia, mas naquele momento o morto era um estorvo.
Começaram duas revoadas até a casa: uma de gente, outra de moscas. Pra horror dos presentes, os insetos escaramuçavam o véu que recobria Vicente e encontravam caminhos até a boca entreaberta do morto.
Foi com alívio que viram o padre chegar. Encomendaram pais-nossos, ave-marias, credos, hinos e água-benta.
De repente, dentre os primos distantes, apareceu um pastor. Pra birra do padre, o mesmo povo das rezas orou com fervor em meio a muitos e exaltados améns.
Assegurada a salvação da alma do defunto, era dada a hora de fechar o caixão. A viúva berrou, chorou e tentou impedir o prosseguimento dos trabalhos. A multidão se assanhou, fazendo o espetáculo atingir seu ápice.
Havia gente em cada centímetro da casa, no quintal e na rua. Uns se debruçavam sobre os outros pra não perder nada.
O par de órfãos tentava em vão conter a mãe. As viúvas presentes vertiam lágrimas por seus saudosos maridos e tentavam consolar a mais nova integrante do clube.
Encorajado pela dose matutina, afinal era dia de enterro, ousei pedir licença à multidão e sair em socorro do amigo. Fomos nós, seus companheiros de bar, que fechamos o caixão.
Passamos Vicente novamente pela janela e encaramos o sol cru a impedir cortejo e novas despedidas. Seguimos direto pro cemitério, onde o coveiro, enfadado, se apoiava na pá nos assistindo, trôpegos, chegar.
Baixamos o caixão ao solo e o coveiro pôde finalizar seu trabalho. Foi com alívio que os presentes viram a última pá de terra pôr fim às penitências do velório.
Com repulsa, assisti toda aquela gente se afastar e finalmente deixar meu amigo Vicente descansar em paz. E eu, logo eu, que não sou dado a filosofismos, fiquei ali parado e pensando que velório mesmo é velório de pobre. Não que já tenha estado em velório de rico, longe de mim, mas os vi aos montes na televisão. Segundo me consta, é cemitério gramado e arborizado, gente vestida de preto, óculos escuros, e nenhuma lágrima.
No final, achei justa a despedida do amigo. A viúva incontida, a presença dos parentes distantes, o braço forte dos amigos, padre e pastor disputando a alma do defunto, e a gente toda do lugar rezando e orando com fé pela salvação do estimado finado, vendo em Vicente qualidades de que até ele duvidaria.
Um conto divertido sobre o momento pelo qual todos haveremos de passar — ativa ou passivamente. Cheguei a pensar, no início, que o protagonista/narrador discorreria sobre diversos causos de amigos mortos, mas acabou que o conto focou só no pobre do Vicente. Isso me frustrou um pouco, para ser bem honesto, e acabou impactando na minha leitura. Senti que a narrativa ficou um tanto arrastada, apesar do conto ser comparativamente curto em relação aos demais textos do desafio. Mas, ao acabar a leitura, meditando sobre o que havia lido, percebi que o conto funciona bem se visto como uma comédia de costumes. Não que faça rir de maneira incontida, mas porque permite a visualização clara das pessoas, de suas manias, enfim, dos estereótipos que surgem nesse tipo de situação. A parte técnica dispensa comentários, já que se sobressai a excelência, o bom uso das palavras e as construções inspiradas que dão à história um jeitão de causo.
Enredo/Plot: 1/1 – Um enredo que podemos classificar como simples (porém aqui não há nada de simplório) e acho que isso foi bom, porque quem escreveu pensou em apenas uma linha narrativa, que foi a morte e o que se sucedeu com o amigo morto, todos um cenário descrito de todos que ficaram depois que o Vicente se foi.
Criatividade: 0,8/1- É preciso muita criatividade para narrar tantas situações em menos de 3.000 palavras, sem cansar, mas confesso que me decepcionei um pouco quando cheguei ao final do conto e: cadê? Cadê uma reviravolta, algo surpreendente, algo que pudesse me tirar da zona de conforto da leitura fluente? Claro, obrigatoriamente um conto não precisa de um twist, mas aqui eu digo sobre a leitura que fiz, a impressão de que falta algo no final para que ele fosse à altura do restante da narrativa.
Fluidez narrativa: 1/1 – A leitura pra mim fluiu bastante, até chegar ao final e saber enfim que não ia ter surpresa, mas foi uma leitura que me prendeu até o final. Um conto escrito por alguém que sabe narrar. Personagens que, embora não tenham fala direta, passam uma sensação de terem sido bem planejados.
Gramática: 0,9/1 – Uns detalhezinhos de nada que passaram na revisão.
Gosto/Emoção: 0,8/1 – Eu gostei até o final. E, no final, não aconteceu nada que me surpreendesse. Mas foi uma leitura agradável, que apesar de não ter um senso forte de comédia, tem certamente sua dose de humor, a narração e prendeu à história. Só faltou esse “algo mais” que eu gostaria de ter lido nesse final. Foi muito bom de ler. De negativo, nada de mais pra mim.
Buenas, Amigo!
O conto está bem escrito. Sim, está sim. Mas onde está o terror? No desejo mórbido do narrador? Na cena da morte do Vicente? Morte não é sinônimo de terror. O terror está muito mais na construção geral do texto. No tom da narrativa, na ambientação, na atmosfera, nos detalhes dos personagens, na premissa. É um conjunto desses fatores que determinam se o conto é terror ou não.
Toda a narrativa do conto indica que ele não é um terror. E tampouco uma comédia.
Se o conto focasse no desejo mórbido do narrador, e não na morte de Vicente e em todo seu processo funerário, mostrando sua decadência moral, como indo profanar um túmulo ou até matando alguém, para conhecer a morte sob outras perspectivas, poderia ser um ótimo conto.
O terror está nos detalhes. No ambiente sombrio e desesperançoso, na crescente tensão, nos medos ou horrores por detrás da mente dos personagens. É necessário construir uma atmosfera sem interrupções. A cena do rato, por exemplo, é anticlimático. Ele destrói qualquer construção de tensão que tenha acontecido anteriormente.
Não é um conto ruim. Achei a leitura chata, pelo meu gosto pessoal, mas não dá pra negar que possui qualidade técnicas. Mas está longe de ser um bom conto para esse certame.
Abração!
Olá, Amigo!
A despedida de Vicente, contada em forma de conto, gerou algo que poderia até se passar por crônica, fosse um caso real, pois é muito semelhante a um par de velórios que já compareci.
Acho que o texto é muito bem escrito. O autor optou por uma linguagem bastante coloquial, e acho que até por isso tenho essa sensação de que se aproxima de uma crônica, e o panorama geral, de linguagem e ambientação, dá uma imagem bem nítida para o leitor.
E eu entendo que o conto tenha tentado se enquadrar dentro da comédia, mas com pouco, ou até nenhum, sucesso. Estamos lendo sobre a morte, uma morte bastante trágica até, repentina, com uma fratura, sangramento. E grande parte do conto gira em torno exatamente desse fato e do estabelecimento do personagem, que não é uma figura divertida, e nem teve uma vida engraçada. É uma figura bastante real de do brasileiro de uma cidade pequena, agrária, rural. Sinto, mas realmente não consegui encontrar a comédia aqui.
É bem escrito. Tenho a impressão de que ele ficaria muito bem enquadrado em outro desafio. Mas, para mim, não é o caso aqui.
É isso. Boa sorte no desafio!
A rima – recente/Vicente/vivente/inclemente – foi proposital?
Um bom conto, mas… Cadê o terror? Cadê a comédia?
O texto, a meu ver, lembra muito um esquete, trazendo de forma cômica o falecimento do personagem Vicente, muito bem explorado do início ao fim do conto.
Apesar de riqueza de detalhes, faltou aqui um pouco mais de originalidade. O famoso “enterro de pobre x enterro de rico” é tema corriqueiro e aí se vê que o(a) autor(a) não trouxe muita inovação.
Chamo atenção também para alguns trechos onde existe certa contradição entre o narrador e as palavras que são utilizadas para contar a história. Foram utilizadas algumas expressões cultas que destoaram da narrativa.
Por fim, foi um texto que fez rir, portanto, cumprindo seu papel, principalmente para quem já esteve em velórios parecidos com o do conto (como já estive). Parabéns!
Gostei bastante! Há voz do autor, é breve, sem muitas arestas, com um narrador interessante. Também é bem escrito. Um dos pontos fortes são os detalhes, que deram realismo às cenas.
📜 TRAMA (⭐⭐▫▫▫): homem descreve em detalhes a morte, velório e enterro de seu amigo de pinga. Quando a história começou, achei que seria sobre várias mortes e não apenas uma. Acabou que, apesar da ótima descrição, das cenas bem construídas, não acontece muita coisa no conto. Achei que faltou trama, no fim das contas.
📝 TÉCNICA (⭐⭐⭐⭐▫): como adiantei, é a técnica que carrega o conto. Apesar de pouca coisa de fato acontecer, é muito saboroso acompanhar a morte, velório e enterro do amigo do narrador.
🎯 TEMA (⭐⭐): o tom bem humorado faz com que o classifique como comédia.
💡 CRIATIVIDADE (⭐⭐▫): dentro da média do desafio.
🎭 IMPACTO (⭐⭐⭐▫▫): achei o conto divertido, dentro da proposta apresentada, mas a ausência de uma trama maior para me apegar me deixou um gostinho de que faltou algo.
Olá, Amigo.
Gostei do conto, em especial do cinismo do narrador e das boas descrições. É engraçado às vezes e um bocado brutal também.
Apenas achei o enredo simples: Vicente morreu de repente e acompanhamos os eventos posteriores a sua morte através dos olhos de um amigo de copo.
Contudo, é muito bem escrito, é um conto maduro e muito bom. Talvez a limitação das 3000 palavras tenha obrigado o(a) autor(a) a ser parcimonioso com conflitos e acontecimentos que alongariam a história.
Abraços e boa sorte no desafio!
Seu conto tem ares de passar na década de 40, ou 50, ou no mínimo, numa cidadezinha pequena. É um causo sobre a morte, funeral e enterro de um tal de Vicente, beberrão e cheio de parentes distantes, e com amigos fieis de cachaça. Não vou dizer que não se encaixa em nenhum tema, mas é bem fraco na comédia – na minha visão. Há sim partes engraçadinhas, mas é isso. Vicente parecia um sujeito pra lá de normal, de modo que não houve material para trabalhar uma comédia um pouco mais irônica, ou entusiasmante. Um causo de cidade pequena ou das antigas. Seu conto poderia ser um trecho de um livro parecido com os clássicos brasileiros. Porém, necessitaria ter mais ação, aprofundamento nos personagens, ou um plot mais elaborado para ser uma história mais completa. O autor possui boa técnica e dá para notar que é fluente em português, escrevendo gramaticamente correto e bem pontuadamente.
Puxa, na minha opinião, fugiu do tema. Não há terror, nem comédia.
Um bom conto que narra tudo o que ocorre em um velório e enterro. O morto que se enche de virtudes, os familiares que parecem sofrer mais do que dá pra acreditar, etc. É bom, mas senti falta de algo mais.
Olá, “amigo”. O seu texto está extremamente bem escrito, mas achei que o desenvolvimento foi quase inexistente. Em poucos textos o título se ajusta de forma tão completa a um resumo. “Aqui jaz um homem bom”. Primeiro ele morre, depois é sepultado. Aparentemente, foi um homem bom. O texto está, como já referi, escrito de forma excelente. Os pormenores e a elegância da escrita estão patentes em todos os pormenores. No entanto, a excelência da forma não esconde a fragilidade da trama, praticamente inexistente e completamente fora do tema, muito triste para cómico e pouco impactante para terror.
É legal o contraste entre a morte e o sol, a tragédia na luminosidade da cidadezinha. O que une essas duas coisas é o domingo, que paradoxalmente representa um fim e um começo. Dá pra relacionar isso tudo com a intenção de humor do narrador, que confessa buscar prazer na morbidez, como se pretendesse recuperar a leviandade da juventude, ao pensar na morte. E é bem isso que não me convenceu: essa leviandade parece ter nascido da saúde. Será que esse narrador passou alguma vez perto da morte? Ou está naquele estágio do riso, o primeiro estágio, quando a pessoa entrou em choque?
Gostei da narrativa da morte, do velório e enterro do Vicente.
Boa técnica mas carece de terror.
Excelente! Humor de primeira, divertidíssimo e, entre o grotesco e o sutil, caracteriza a tudo e a todos muito bem. A história se permite ser lida quase como um filme que é assistido, preenchendo a imaginação sem esforço. As críticas de costumes são ótimas, todo o absurdo da história, também.
Estou organizando os meus comentários conforme irei organizar as minhas notas, buscando levar para o autor a visão de um Leitor regular e assim tentar agregar algum valor. Assim a avaliação é dividida em História (O que achei da história como um todo, maior peso), Tema (o quanto o conto está aderente ao tema), Construção (Sou de exatas, então aqui vai a minha opinião geral sobre a leitura como um todo) e Impacto (o quanto o produto final me impactou)
História (1,5)
Este conto parte de uma premissa bem simples, de um homem contando sobre a morte, velório e sepultamento de Vicente, um de seus amigos.
Mas a simplicidade acaba aí, pois o conto é extremamente fluido, bem escrito e divertido na medida certa. Conseguimos até mesmo ver esse amigo contando a história, com sua personalidade e visão sobre o mundo e, principalmente, sobre o amigo.
Tema (1,0)
Humor inteligente, leve e bem escrito.
Construção (1,5)
O relato leve e agradável tem pequenas tiradas de humor dentro da narrativa e que ajudam não apenas a tornar a leitura mais leve, mas também a dar uma personalidade ao narrador.
Você lê do início ao fim com um sorriso no rosto.
Impacto (1,0) Espero que um dia, quando eu me for, eu tenha um amigo para fazer um relato como esse feito para o Vicente. Adorei.
Ótimo conto. Suspeito que seja do Mauro Dillman, que sempre escreve nesse estilo e temas.
E, aqui, ele mais uma vez faz o que faz de melhor (me desculpe se não for dele kkk): pega personagens e situações do cotidiano e passa um olhar bastante engraçado e certeiro sobre cada um deles.
Cada parágrafo, cada frase, tem algo especial, um comentário perspicaz, uma observação engraçada. Não há momento cru, onde simplesmente acontece algo sem significados; todos estão providos de significado.
Assim, o conto é bastante redondinho, gostoso de ler. Um bom causo.
O parágrafo final me soou um pouco brusco demais no ritmo e no jeito, mas encerrou bem, colocando um resumo dos acontecimentos.
Vou tentar escrever mais assim no futuro.
Boa sorte no desafio!
Olá, Amigo.
Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).
FRIACA: Do que se trata o conto?
R.: A inversão de atitudes e opiniões das pessoas sobre um defunto recente. O ônus da velhice. Melancolia.
FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?
R.: Amigo, sua prosa não tem exageros, é direta e concisa em vários pontos, e mesmo assim guarda imagens e expressões poéticas de alta magnitude. O próprio tom do texto é de melancolia pura mesmo com um narrador que não esconde seu descontentamento em face das atitudes e opiniões falsas dirigidas ao amigo falecido. O de cujus em si não é poupado pelo narrador, ainda que este lhe tivesse em alta conta – tipo da amizade sincera que dá ainda mais pena quando acaba por falecimento.
FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?
R.: Com a devida vênia, não vejo aqui adequação aos temas do desafio. O conto transitou por uma fotografia real, está despido de elementos de terror e/ou comédia. Ainda assim, é uma prosa deliciosa de se ler, sem emperiquitamentos, sem diálogos, dispondo-se a nos mostrar como um defunto, por pior que seja, vira um santo ou um ícone para a família e pessoas próximas, ao passo que dessas recebe um reconhecimento (por vezes falso ou tardio). O narrador é sutil e melancólico, sim, mas consegue ser sarcástico e – em certos momentos – lírico. É como a voz de quem está cansado de viver, exceto pela diversão de desfrutar de poucos prazeres (como descrito no conto).
FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?
R.: Como dito anteriormente, o conto a meu ver não se enquadra nos temas propostos. Adicionalmente, porém, posso destacar o temor de se chegar à altura de vida do narrador com tanta melancolia e escassez de satisfações que venham a justificar a continuidade da vida. Para mim, é evidente que o personagem-narrador está em vias de “morte em vida”.
FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto, inclusive sobre a nota?
R.: A prosa é bela e sensacional, porém há a questão da inadequação aos temas. De qualquer modo, Amigo, registra-se sua bela prosa e o talento para a escrita, a secura que pulsa. Nota: 3,2.
Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.
Este conto foi muito bem escrito. Ele combina humor negro, crítica social e uma narrativa envolvente. Contudo, o humor ácido acabou fazendo eu perder o foco, daí que a culpa é reconhecidamente do leitor.
A crítica social, embora presente, não é panfletária; ela emerge naturalmente da narrativa, através das observações do narrador e das reações dos personagens.
Portanto, considero que este texto comprova como o humor pode ser usado para abordar temas sérios e complexos, provocando o riso e a reflexão ao mesmo tempo.
Parabéns ao Amigo!
Opa! Neste texto, o autor nos presenteia com uma narrativa deveras humorística, leve, num estilo peculiar que remete a bons escritores da literatura brasileira. O que chama atenção é o foco narrativo: o narrador-personagem dá as caras e conduz habilmente a linha dos acontecimentos relacionados à morte do amigo Vicente, emprestando sua pessoalidade à interpretação dos fatos. A verossimilhança e interesse vêm daí, pois sentimo-nos apegados ao narrador, um cachaceiro da cidadezinha, tal qual Vicente. Quem nunca trocou umas ideias com os tiozões de bar da esquina? Ou não tem um na família? Pois então.
É um escrito simples, uma narração-descrição que conta com um humor inteligente e suave. Algumas construções atiçaram minha atenção e fizeram-me erguer o canto dos lábios: “Ao estatelar no chão, o som oco do crânio se partindo de encontro aos paralelepípedos da rua tornaram o evento indelével da memória da ilustre plateia.”; “Enfim, morreu. Do quê, pouco importava. O médico e o escrivão é que cuidassem dos termos difíceis. Ao Vicente, cabia morrer e se fazer enterrar, livrando-se dos vermes da vida pra se entregar aos vermes da morte.”; “Lembrados de que tinham pernas e pra que serviam, logo apareceu a dupla de órfãos – rede e sofá finalmente se viram livres de seus fardos.”; dentre tantas outras passagens. Gostei demais! Tudo foi muito bem construído.
Sob o aspecto da crítica construtiva, creio que o texto ficou com cara de crônica. Nesse sentido, poderia haver um pouco mais de desenvolvimento de personagens, ação, enredo, para dar os ares de um conto, e demover o teor um tanto jornalístico. Afora essa observação, repito, está tudo em ordem! Parabéns!
Estou lendo os contos na ordem em eles aparecem publicados e estou surpreso com o nível da boa escrita dos participantes. Neste conto, encontramos uma narrativa que combina um humor sutil com uma observação perspicaz sobre os hábitos e costumes em torno da morte. O assunto, embora não seja agradável, é parte integrante de todos, o que nos leva a refletir sobre algumas passagens comuns neste passamento obrigatório. O autor opta por um tom que lembra um pouco às crônicas de costumes, onde um narrador em primeira pessoa – um senhor de idade avançada – observa os acontecimentos com uma mistura de ironia e resignação.
A história retrata o falecimento e o velório de Vicente sob um olhar que, embora não diminua o peso da morte, extrai dela uma graça amarga, realçando as contradições e teatralidades do luto. O texto no traz uma realidade que pode ser verdadeira, sim: muitas pessoas só recebem reconhecimento e são alvo de discursos emocionados depois que partem. Esse olhar crítico, porém, leve, permeia toda a narrativa e ressoa com o pensamento de muita gente.
A escrita é fluida, corre lisa, envolvente e muito bem construída. Os diálogos e descrições se integram de forma natural, criando um retrato vívido da situação. O conto consegue mesclar bem a irreverência do narrador sem cair na frieza ou no exagero cômico, tornando-se uma leitura prazerosa e reflexiva ao mesmo tempo. Gostei também.
Boa noite!
Meu comentário aqui é apenas como um leitor descompromissado, cansado demais para estudar, desperto demais para dormir. Ver a concorrência faz bem (como eu já estou conformado com a ida à série B, vou transformar a viagem na mais prazerosa possível). Então, nem seguirá meu humilde modelo organizado. Freestyle total!
Eu adoro contos com pegada do cotidiano. Para mim, sempre revelam algo peculiar sobre o autor/a autora. Ou, acabam nos revelando algo sobre nós mesmos. Aqui, já me conquistou (embora eu não possa dar notas).
Aliado a isso, a escrita, em termos de técnica me agradou muito. Talvez até me deu uma dica de quem tenha escrito. Uma escrita muito boa, extremamente competente que teve apenas um desvio ali num “pra” quando devia ser “para”. Não sou chato com coloquialismo, veja bem; mas o pra destoa demais de algumas palavras rebuscadas e uma linguagem padrão em sua maioria. Como meu avô costumava dizer, não há de ser nada não! Se eu votasse, provavelmente esse figuraria em um dos contos com melhor técnica. Vou até deixar ele salvo para textos que leio para aprender.
Dito tudo isso, eu também preciso destacar que, enquanto texto de comédia, por mais que se encaixe no gênero (um narrador personagem irônico, satírico), senti que faltou graça. Faltou um pouco de tempero, algo que conquistasse. Impacto bem baixinho.
No mais, é um bom conto, que terá melhor sorte com outros leitores. Obrigado pela contribuição!