EntreContos

Detox Literário.

Os Sapatos do Meu Pai (André Lima)

Aquela casa era mesmo uma acimentada penúria. Seus cômodos pequenos sequestravam o espaço do terreno, embora nunca me sentisse enclausurado. Éramos cinco que emprestávamos vivacidade àquele espaço de chão tão frio, de madeira opaca, até mesmo nos dias mais quentes. Cinco cômodos desengonçados, com algumas janelas desproporcionais e com paredes úmidas e desgastadas. Lembro-me que, ao me deitar com meus irmãos, escutávamos som de rio distante, das cambalhotas das águas perseguindo o mar, embora rio algum fosse avistado perto daquelas terras. As nervuras nas paredes me lembravam do tal rio afluentado, que se ramificava sem critérios até o teto. Quem sabe o som que ouvíamos não vinha de lá?

A primeira lembrança que tenho é dos sapatos do meu pai. Eram os arautos da felicidade quando surgiam por debaixo da portinhola. Sempre igual, quase que numa repetição litúrgica, que pensei mesmo que fosse eterna, na minha inocência de pouca idade, como num desejo incontrolável de criança: eles surgiam caminhando devagar, pé por pé, por debaixo da portinhola. Eu não via meu pai, por conta do pé-direito da casa e do ângulo em que eu me encontrava de mirar para fora da sala, via apenas seus sapatos.

Depois corria para a varanda, ainda em dúvida, uma dúvida ingênua, como se um outro homem pudesse ter a audácia de calçá-los e se fazer de pai. Mas sempre se confirmava o que mais almejava, numa injeção de sentimento desconhecido e inominável, quando o via, dobrando pelas curvas do caminho de terra, sempre do mesmo jeito: chapéu na cabeça, cigarro na boca e paletó no ombro direito.

Quando destrancava a segunda portinhola, seguia o mesmo ritual: retirava o cigarro da boca, cuspia e me olhava, como quem visse por detrás de mim. Depois caminhava pela lateral da casa, até sua oficina lá pros fundos, desaparecendo nas paredes de madeira.

É que meu pai não me olhava como qualquer bicho ou gente que tenha olhos. Era uma sensação de que seu olhar transpassava minha cabeça, não em volta ou rotação, mas como se eu fosse janela clara e ele, com seu chapéu, estivesse olhando para alguém que estivesse pairado, inerte, logo atrás de mim.

Meu pai era homem de ir e voltar. Era sujeito que viajava a trabalho, passava dias, semanas e nunca voltava em tempo menor que de uma ou duas saudades. Sempre que ia, me afligia a mim e aos meus irmãos, pouco após a partida. Como em qualquer despedida, havia sempre uma esperança fundamentada no retorno que nos alimentava e nos causava ansiedade.

“Vem aí o teu pai, no próximo sábado”, dizia minha mãe. E ele vinha, às vezes com atraso de um ou dois dias. Sempre do mesmo jeito. Os sapatos o anunciando por debaixo da portinhola, o meu sorriso, o meu sentimento, a minha angústia, os meus pés na madeira da varanda e minha constatação: era mesmo o meu pai com aquele chapéu, serpenteando na sinuosidade da viela de terra, chegando à segunda portinhola, a abrindo, tirando o cigarro da boca, cuspindo, olhando alguém atrás de mim e sumindo pela lateral da casa. Na maior parte das vezes, eu voltava para dentro, correndo atônito, alegre e ansioso, tudo junto, como se fossem três eus, talvez um deles a quem meu pai tanto fitava, gritando para meus irmãos: “é mesmo o meu pai!”.

Por vezes, me fazia esperar, quando minha mãe dizia: “vem aí o teu pai, no próximo sábado” e ele não vinha. Não pelo atraso de um ou dois dias, mas de semana ou mês. Daí a origem de um lamento profundo compartilhado por meus dois irmãos.

Em conjunto, fantasiávamos a rotina de meu pai em suas andanças, pois trazia consigo sempre itens diversos, desde rapadura, doce de coco, até um colar de conchas, uma medalha de capitão, um cabo de faca, entre outros objetos. Meu pai era sujeito alto e bonito, devia de andar por aí negociando com os reis ou lutando com leões esfomeados, dado que o cabo de faca que restou deve ter sido de um ataque felino frustrado. A lâmina até hoje deve estar quebrada no coração da fera encarniçada.

Meu irmão mais velho até me disse que, um dia, meu pai lhe contou que enfrentara um gigante de três bocas, mesmo uma só sendo suficiente para aterrorizar. E cada boca falava em um tom, de modo que o trítono de sua voz arrepiara os companheiros de meu pai que o abandonaram, fazendo-o derrotar a criatura sozinho. Era preciso coragem para lidar com essas aventuras mundo afora, mas precisava também ter o prazer de ir. Suspeito que tomou esse gosto, o de ir, pois só assim poderia voltar.

Foi numa dessas angústias por seu retorno que tive momento mais deleitante de minha vida. Ao lado de casa, vi o paletó de meu pai dependurado, lado a lado com minha jardineira infantil, repousando num fio malesticado: varal de minha mãe. Fizeram, ambos, paletó e jardineira, vir em minha mente a memória do farfalhar de bandeiras de paz. Depois, na contemplação daquela cena, só me restou a imagem do sol cortando o telhado, banhando nossas roupas, soprando o vento quente e fazendo com que meu pai e eu, dependurados, dançássemos como velhos amigos.

Dois dias depois de nossa dança, ele voltou. Vi os sapatos por debaixo da portinhola. Corri, o vi abrindo a segunda, paletó no ombro, tirou o cigarro da boca, cuspiu, transpassou o olhar em mim e seguiu em direção à oficina.

Neste mesmo dia, ele repousou na poltrona puída da sala, descansando os sapatos no sol, na entrada, como dois jacarés preguiçosos. Tive a ideia lúdica de homenageá-lo. Quis me fantasiar de meu pai, calçando os sapatos e imaginando sobre mim o seu chapéu e em minha boca o seu cigarro. E, na menção de calçá-los, ele, sentado em sua cadeira, esparramado, me fulminou com um olhar de correção, desta vez olhando de fato para mim, não mais me encruzando. Seu olhar deitou-se sobre minha superfície e eu temi, por um momento, a sua desaprovação. Logo em seguida, uma alegria, pois era o seu desolhar que mais me assolava.

Repousei de volta os sapatos no sol.

No dia seguinte, se foi, mas não tardando a voltar. Dessa vez, apenas dez dias. Mas o anunciar de sua volta havia sido diferente, pela primeira vez: eu vi os seus sapatos por debaixo da portinhola, mas vi também quatro cascos desritmados, num andar cansado. Ele trouxe consigo um burrinho de aspecto mortificado.

Tinha cara de Ananias, o tal burrinho, mas tinha trejeitos de César. Meu irmão mais novo disse que era magro demais para ser Brutus, mas não tão esquelético para ser Costela. O mastigar da própria língua lhe emprestava um aspecto circunspecto, de modo que se podia ver franzir o cenho, numa carranca que meu irmão mais velho gritou: este é Zangado! Mas, preferi me atentar às olheiras naturais, no negrume que rodeava os olhos e tinha formato, em um deles, de lágrima, de modo que o chamei de Tristonho. E, com pão duro e bolorento em mãos, o ofereci, chamando primeiro de Zangado, depois de Tristonho, o que o fez aceitar. Não tínhamos mais dúvida, era Tristonho nossa nova companhia.

Confabulei, com meus irmãos, se o burrinho não nos contaria todas as coisas que veria com meu pai, em suas andanças mundo afora, nos dando pista da profissão que desempenhava. Coisas escandalosas como parricídios, tempestades ininterruptas e pobres coitados tendo que comer barata cascuda.

Não demorou para meu pai arrumar o bicho, deu-lhe trato de gente, cuidou dos dentes, da ferradura e fez com que o pelo ficasse lustroso, mais que o piso gelado de nossa casinha. Não tardou, também, a arrumá-lo com cangalha feita na oficina, fazendo-nos entender que já se ia, num trote.

Tomei coragem e vi Tristonho sozinho, bebendo água, aguardando a chegada de meu pai. Acariciei-o atrás da orelha e perguntei: para onde vão?

E, para minha surpresa, Tristonho me respondeu com seu olhar estrábico:

“Desta vez, vamos para o além do fim da estrada, lá por onde o horizonte se deita”.

E me alegrei.

Juntamos todos próximos à segunda portinhola. Os três em fila e minha mãe se esticando para beijar meu pai, montado em Tristonho. Ele fez menção de se virar, até que dei dois passos à frente e o interpelei:

“Pai, o senhor me leva, nesse seu burrinho, lá para onde o horizonte se deita?”.

E ele, montado de chapéu e cigarro, a contraluz do sol que me ofuscava a vista de seu semblante, sorriu, afagou os meus cabelos, puxou as rédeas em manobra e se foi.

Desta vez, demorou-se por meses. Até o dia em que ouvi minha mãe soluçando, dizendo para mim: “está morto o teu pai!”. Ela mesma foi a encarregada de contar a notícia para meus dois irmãos.

O velório foi feito em casa, mas minha mãe achou melhor que fizesse a céu aberto, na frente da oficina. Poucos compareceram. Tio Juca, de Minas Gerais, alguns primos que eu não conhecia, alguns colegas de Goiás e as vizinhas de minha mãe. Era tanta tristeza que nossa casinha parecia um mausoléu de mau gosto.

E, no entanto, era um dia tão ensolarado. O sol se irradiava tão forte que até as sombras tinham cores e se via no chão o reflexo dos corpos dos presentes. Um deles, meu pai. Estava ali, suspenso numa mesa forrada, dentro de um caixão de cerejeira. Aproximei-me com cautela. Era mesmo o meu pai, lembro de ter constatado. Pensei se deveria abrir os olhos para um último olhar atravessado, mas tive medo. Não o toquei.

Nas semanas seguintes, a vizinha ficou com minha mãe, dando o suporte que precisávamos em meio ao desespero da perda. Foi numa noite de sábado, já deitado na cama, sentindo o rio distante percorrer o silêncio, que ouvi os passos pesados. Corri até a sala e avistei os sapatos de meu pai, por debaixo da portinhola. Era mesmo ele e, enquanto contornava em direção à segunda portinhola, eu gritei em aviso: “Meu pai está aqui! Ele vem vindo!”. E meus irmãos vieram me acompanhar. Eles também o viram, repetindo o mesmo ritual, abrindo a segunda portinhola, retirando o cigarro da boca, cuspindo no chão e indo em direção à oficina. Meus irmãos gritavam e acenavam, mas ele só olhava para mim. Aquele mesmo olhar transpassador.

E isso se repetiu, em noites espaçadas, sempre de mesmo modo: ou estava sentado no chão gelado da sala ou deitado em meu quarto. Avistava os sapatos de meu pai e gritava para meus irmãos. Ele cuspia no chão e me olhava, dirigindo-se para a oficina. Meu irmão mais velho pedia bênção, já o mais novo, às vezes, perguntava por Tristonho. Mas ele desaparecia na lateral da casa antes de qualquer resposta.

A vizinha desacreditava de mim e dizia, com pesar, para minha mãe: “Coitado, está, na inocência de criança, recriando o pai em sua imaginação!”. Mas só nós sabíamos o quão real era aquela imagem. Como poderia eu recriá-lo até mesmo para meus irmãos?

Na noite em que a vizinha se foi, deixando-nos aos cuidados de minha mãe, meu pai também retornou, horas depois. Pensei tê-lo visto mais cansado dessa vez, com seu paletó no ombro.

Que será que havia feito, neste espaço de dezoito dias? Será que lutara novamente com leões? Ou enfrentara o filho de Trítono, o monstro de três bocas? Eu, que sempre o via como herói imortal, receei por sua vida. Vi meu pai frágil, pequeno, magricela em cima de um burrinho e temi perdê-lo mais uma vez, de modo que a espera de seus próximos retornos ficou cada vez mais apreensiva, como se meu pai estivesse em perigo.

“Será que está montado em Tristonho dessa vez?”, perguntou meu irmão mais novo. “Certamente está percorrendo os vilarejos de terra alguma. Ou, quem sabe, Tristonho tenha criado asas? E, o burrinho alado, tenha virado instrumento de meu pai, passando como um anjo, anunciando as boas-novas que hão de vir a todos que o ouvissem?”

Meu irmão mais velho concordou, mas, deitado no chão gelado da sala, disse com uma certeza: “Hoje sei onde ele está”.

Eu também sabia. Estava nos picos altos, nas montanhas frias, tão altas que, ao caminhar, tem de se desviar dos astros. Lá onde os distraídos são pegos por um rabo de foguete.

Nos calamos e refleti até adormecer: Meu pai estava fadado a vagar pela epiderme da Terra, como um errante? Será que havia lugar para ele? Será que tinha a sensação de que não havia lugar para si?

Bom, aqui é o seu lugar, pai, entre a segunda portinhola e a oficina. Aqui, onde a luz da lua perfura o teto de zinco, salpicando o chão de estrelas. Aqui, onde os pés anunciam a cabeça, com seus sapatos-mensageiros, por baixo da portinhola.

À medida que fui crescendo, tive que, com meus irmãos, trabalhar. Logo achei ofício na construção do trilho de Santa Luzia, que levaria os trens lotados de minério. Nas noites, chegava cansado e deitava no chão frio. Era acordado pela portinhola que meu pai abria. Ele me olhava do mesmo jeito. Como poderia eu, agora, ter a idade de meu pai? Será que, mais velho que ele, eu o compreenderia?

E nas voltas de meu ofício, perto da hora dele chegar, eu apressava o passo para ver se o encontrava dobrando as ruas de terra, com seu paletó nos ombros. Agora era eu quem trabalhava e abria as duas portinholas.

Lembro-me de tê-lo citado aos meus colegas de trabalho, que o conheciam através de mim. Foi num dia quente, no horário de almoço, quando o rádio tocava e eu dancei na frente de todos. Eles se divertiram e dançaram também. Perguntaram-me, às gargalhadas, onde eu aprendera a dançar daquele jeito. E eu os respondi: foi com meu pai.

Embora ele nunca tenha dançado em vida, me ensinou através de seu paletó.

Mamãe logo morreu. Meu trabalho também havia terminado, assim fui morar na cidade e meus irmãos casaram. Separamo-nos e a casa que nos unia foi alugada para um primo distante.

Eu já era mais velho que meu pai. Decisão dolorosa de deixar a casa, mas necessária. Não o veria mais abrindo a segunda portinhola, tirando o cigarro da boca, cuspindo no chão e olhando para atrás de mim. Mas tinha que seguir adiante. Eu sentia, vez ou outra, sua presença. Pensava tê-lo visto em alguma esquina ou pelo reflexo de alguma poça d’água. Pensava às vezes ter visto Tristonho com suas asas de galináceo, mas nunca o era. Meu pai sabia como anunciar a sua chegada, por isso, eu sabia que não o veria enquanto não retornasse. Fiquei anos sem vê-lo. A saudade era sentida, como se gemesse baixinho, tal como o rio distante que eu sempre ouvia.

Eu mesmo me tornei pai, assim como meus irmãos. Respondi para mim mesmo a um questionamento que um dia me fiz: não, eu não o compreendo mais agora. O mistério de sua existência continua o mesmo.

Exatamente quinze anos após a minha saída de casa, recebi o telefonema de meu irmão mais velho informando que o inquilino havia entregado o imóvel. Decidi, portanto, retornar para averiguar as condições.

Foram quinze anos sentidos em cada passo da rua de terra. Tudo continuava a mesma coisa, inclusive eu. Abri a segunda portinhola, como meu pai. Contemplei a casinha. Vazia, fria. Ao entrar, tudo estava como deveria estar. Os móveis nossos continuavam lá, os do inquilino foram levados. As condições da casa eram as mesmas de quando saí.

Vasculhei para conferir e encontrei uma caixa velha dentro de uma cômoda. Pensei que o inquilino havia esquecido algum item, mas ao abrir a caixa, eram os sapatos do meu pai. Sorri. Lembrei-me da vez em que fiz menção de calçá-los e ele me olhou. Talvez tenha sido a única vez que verdadeiramente me olhou. Rapidamente pensei em levá-los comigo, embora nunca fosse calçar. Não fui autorizado para tal coisa.

Fui até a varanda, lá estava meu pai, pelo menos quinze anos mais novo que eu. Ele estava abrindo a segunda portinhola. Sorri mais uma vez e chorei calado. Balancei os sapatos quando ele me olhou, mas acho que não percebeu. Desapareceu na lateral da casa, indo em direção à oficina. Estava calçando os mesmos sapatos que estavam em minhas mãos.

Anoiteceu e eu decidi que ficaria por lá naquela noite, mesmo não tendo colchão. Dormiria no meu antigo quarto, mas, por ora, permaneci na varanda, debruçado sobre a cerquinha, observando o terreno. Os sapatos do meu pai ainda em mãos.

Percebi, em minha reflexão, que até aquele dia não havia descoberto a profissão dele. Tampouco me lembrava de algo que havia me dito. É que meu pai não era gente para ter profissão ou dizer “eu te amo”, meu pai era um gesto. Talvez o de retirar o cigarro da boca após abrir a segunda portinhola, mas era um gesto.

E senti saudades de dançar com ele, fazer com que girasse seus sapatos e agitasse os braços, naquela estranha sinfonia que escutávamos no varal.

Será que vivi os últimos anos evitando retornar a esta varanda? Talvez tenha esquecido os detalhes de minha infância, os detalhes de meu pai. Mas não tudo, pois a infância é morro sempre visível no horizonte.

E ali foi quando vi meu pai pela última vez. Ao olhar para cima, o vi rompendo as nuvens, bem distante, como um concorde, montado em seu burrinho agalinhado, gritando as boas-novas que hão de vir a quem quiser escutar.

Nesta noite, me entristeci quando me recordei da infância. Não por não termos montado em Tristonho e desbravado as terras ao fim da estrada; nem por não termos enfrentado leões ou o temível Trítono… Mas por não ter ouvido o que sempre quis ouvir, saindo da boca sempre calada de meu pai:

“Vá, filho, percorra os caminhos, desvie dos astros, se deite com o horizonte ao fim da estrada. Caminhe nessa vida como todos hão de caminhar, mas, por precaução, calce os meus sapatos”.

…………………………………..

Texto atualizado em 17.12.2024

Sobre Fabio Baptista

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55 comentários em “Os Sapatos do Meu Pai (André Lima)

  1. Rangel
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de Rangel

    Filho do meio, em geral é aquele meio esquecido, né?

    Por sorte, imagino que não será o caso aqui. Trata-se de um conto bem marcante, com imagens bem exploradas e uma história que, embora não seja um boom de inventidade, está tão bem escrita, que deve ficar com o pódio.

    O prontagonista do conto são os sapatos do pai. Objetos responsáveis por anunciar a feliz notícia do retorno paterno. Essa relação entre pai e filhos é construída de maneira poética e quase religiosa, como em uma cerimônia católica, em que os símbolos dizem mais que a descrição excessiva e vazia. Vejamos: sapatos como “arautos da felicidade”, “repetição litúrgica”, “olhar transpassava” (me lembra a espada que tranpassava o peito da virgem dolorosa), “seguia o mesmo ritual”. Tudo lindo!!! Isso é o que se espera de um escritor, que saiba usar metáforas e símbolos que digam mais do que a simples relação entre significante e significado.

    A autora, ou autor, conhece e sabe explorar os recursos estilísticos para desenhar no peito do leitor imagens fortes e belas, ainda que tristes. Exemplo disso é o próprio sapato, que é o pai, mas não somente o pai, o sapato é a história, é a vida, é a infância, é o sujeito que narra e, mesmo sendo tudo isso, é um sapato. Vê a potência disso? Claro que vê, por isso, o trabalho está tão bem realizado.

    Quanto a história em si, ela é simples, mas não um simples esquecível, é um simples que mostra toda a potência da simplicidade. Da beleza do cotidiano, do encantamento dos gestos, do charme da vida. Nós somos definidos muito melhor por aquilo que fazemos repetidamente, do que por nossos feitos singulares, ainda que estes sejam grandiosos.

    Uma dica: evite construção como “O acariciei atrás da orelha e perguntei: para onde vão?”. A norma culta pede para não iniciar frase com pronome oblíquo. No caso do PT brasileiro, a gente faz muito a construção com “me”, “te”, etc., mas nunca com o “o”.

    No mais, gostei de tudo. Nota 10.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado pela sua crítica. Fiquei feliz demais com os apontamentos e com a forma que você recebeu a história.

      Quanto às dicas sobre pronomes oblíquos: devidamente revisado!

  2. Victor Viegas
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de Victor Viegas

    Olá, filho do meio!

    Outro escritor para me dar trabalho. Eu acabo me repetindo ao falar que história está bem escrita, mas essa é a realidade. Você passa um tom poético e introspectivo que enriquece demais o conto. Essa mistura de elementos de memória, fantasia e realidade transmite uma escrita eficaz. Conduz o leitor para uma experiência sensorial e até mesmo emocional.

    Um grande acerto que menciono é a capacidade de descrever cenas e emoções com um lirismo que quase transforma o cotidiano em algo mítico, como em “Vi o paletó de meu pai dependurado, lado a lado com minha jardineira infantil, repousando num fio malesticado: varal de minha mãe. Fizeram, ambos, paletó e jardineira, vir em minha mente a memória do farfalhar de bandeiras de paz.”

    A repetição estruturada de certos elementos, como os sapatos do pai surgindo “por debaixo da portinhola”, contribui para o tom melancólico e nostálgico, além de marcar a relação entre pai e filho como algo cíclico e eterno. De modo geral, você escreve muitíssimo bem. Gostaria muito de ler outros textos seus. Desejo tudo de bom e boa sorte no concurso!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado, Victor, pela crítica! “Geraldine” ficará pra sempre na memória!

  3. Pedro Paulo
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de Pedro Paulo

    COMENTÁRIO: Um garoto, logo um homem, convive com a ideia do pai, depois com a memória do pai e, enfim, com o fantasma do pai. Ideia, memória e fantasma são todas palavras pertinentes à nostalgia, tema muito bem abordado neste conto. Existe mais de um trecho que destaca este conto como um dos mais bem escritos neste desafio, com uma qualidade descritiva (exemplifico com as sombras coloridas) e equilíbrio narrativo (o parágrafo divertido em que os irmãos discutem o nome do burrinho) prodigiosos. Como não poderia deixar de ser, o fluxo da leitura é um pouco atravancado pela repetição da ideia desse pai espectral cuja presença é sentida pela ausência e pela sua impressão na vida da família. Compreendo que não poderia ser muito diferente, dado que é justamente o conforto e a angústia dessa memória recorrente o que mobiliza a narração do personagem, sendo o motivo principal do conto. Bem escrito e bem estruturado, quem lê é tão tomado pela lembrança dessa figura paterna enigmática quanto o personagem. E, o que é um pouco cruel, nos acostumamos com contar apenas com a sugestão dessa paternidade, encerrando a leitura sem saber nada de concreto sobre ele. De certo modo, remete ao drama vivido por tantos brasileiros a quem a paternidade é uma ideia distante. Essa relação com a realidade ainda aprofunda o conto, conferindo-lhe mais força enquanto texto e dentro do certame. Parabéns!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Fiquei feliz demais com sua crítica, PP. E tu sabes que a admiração é mútua.

      O ritmo e o excesso de repetições foi o que mais me preocupou nesse desafio. Pensei que poderia acabar desagradando mais do que agradando, mas tive que ser fiel a toda atmosfera cíclica que eu queria criar. Foi arriscado! kk

  4. JP Felix da Costa
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de JP Felix da Costa

    Convenhamos que gostei deste conto, mas assumo que não o compreendo totalmente. A forma como está escrita é muito boa, com apontamentos interessantes. No entanto, carece de uma revisão pois tem uma série de erros e construções de frases que deveriam ser melhoradas.

    Do que entendi, temos a história de uma criança que se faz homem, e que nutre uma grande admiração pelo pai, até mesmo depois de ele falecer, mas que sente um vazio e uma estranheza na sua relação com ele porque dele só recebe silêncio e um olhar que o trespassa. Por um lado temos o amor e admiração incondicional de um filho e, por outro, um pai incapaz de demonstrar afeto e que não deixa transparecer os seus sentimentos. Não me parece que seja indiferente ao filho, apenas que não expressa os seus sentimentos e se mantém afastado. No final o filho acaba por fazer as pazes com o pai, mas com a mágoa de ele nunca lhe ter dirigido palavras de incentivo, de o apoiar na sua caminhada da vida. Tudo simbolizado pelos sapatos.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado pela crítica, JP! Você é um craque que acabou se aventurando também no Realismo Mágico nesse certame. Gostei muito de sua análise e interpretação do conto.

  5. leandrobarreiros
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de leandrobarreiros

    Esse conto é um show de qualidade técnica na construção da prosa.

    Os eventos da história não caem no fantástico. Quando isso acontece, são facilmente atribuídos ao luto das crianças. Difícil, também, não se conectar com o personagem, mesmo se o leitor não sofreu com um pai ausente. Há sempre uma certa vontade de aprovação de figura hierarquicamente superior que geralmente deixa um certo vazio. Nada como no conto mas, de novo, isso possibilita a projeção.

    Os elementos fantásticos na imaginação das crianças me lembrou alguns filmes do Guilherme Del Toro, em especial “O labirinto de Fauno”.

    Dito tudo disso, eu devo dizer que a história, em si, não moveu tanto o meu interesse na leitura. Acabei gostando do conto mais pela demonstração técnica do autor. Aliás, isso é a primeira vez que isso acontece, então parabens. Acho que foi como olhar uma partida de futebol europeu sem ligar muito pro resultado mas ainda assim apreciar o jogo.

    Sinto que a minha falta de interesse pela história se deu mais pelo seu ritmo. Ele foi gradual e sem muitas reviravoltas ou mesmo grandes pontos nítidos de tensão.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Curiosamente, esse foi um dos melhores elogios que já recebi. E vindo de um craque, fico mais feliz ainda! Obrigado pela crítica!

  6. Fabiano Dexter
    13 de dezembro de 2024
    Avatar de Fabiano Dexter

    Um conto fantástico!

    Uma leitura longa e que poderia até mesmo ser considerada repetitiva nos faz na verdade seguir lendo o próximo parágrafo, nos emocionando com as memórias que o protagonista tem do pai.

    A ideia da afeição, respeito e amor por um pai ausente, que olhava através dele quando chegava em casa é muito clara e muito bem descrita.

    Talvez a passagem do Tristonho pela história tenha sido desnecessária, podendo encurtar um pouco sem perda da qualidade ou do impacto, mas também não compromete.

    O final, com o retorno para casa para então rever o pai, mais novo que ele, enfim partir após entregar a herança, os sapatos, foi a chave de ouro.

    Adorei o conto.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado pelo comentário, Dexter! Fico feliz que tenha recebido a história tão bem!

  7. Thales Soares
    12 de dezembro de 2024
    Avatar de Thales Soares

    O que achei deste conto: Não me pegou

    Esta história me lembrou aquele desenho da Pixar, Dois Irmãos, em que o pai do protagonista e do irmão dele aparece somente as pernas e os sapatos, e eles admiram pra caramba o pai. Ai toda vez que descrevia os sapatos do pai chegando, eu imaginava aquele cara do desenho, que não tinha a parte de cima do corpo kkkk. Este conto está muitíssimo bem escrito, mas ele não me pegou muito pois não me interessei tanto pela história… achei que faltou algum climax, ou uma trama mais chamativa. O que vemos aqui é uma família que mora em uma casa simples, e um pai viajante que vai e volta, sempre seguindo o mesmo ritual, marcante para seus filhos. O protagonista vê seu pai como um herói, e acho que a parte em que ele fica imaginando o que o pai faz quando não está em casa é a melhor do conto… se o conto inteiro fosse baseado nisso, eu acharia incrível!

    O pai é meio misterioso, não conversa com ninguém, e mal olha para o filho. Tem uma hora que ele traz um burrinho pra casa, e o protagonista e seus irmãos o chamam de Tristonho. O maior problema deste conto, pra mim, é que fica muito tempo sem acontecer nada, e ele parece se arrastar… aí tem uma hora que o pai morre durante uma viagem, e não volta mais. Nessa hora eu já estava torcendo para que o conto acabasse logo, mas eu vi que não tinha chegado nem na metade ainda. Depois que o pai morre, o protagonista continua vendo o pai chegar… e essa parte eu confessor que não entendi direito… era um fantasma? Ou era imaginação do moleque? Os irmãos também veem a figura do pai, então fiquei pendendo a acreditar que era um fantasma.

    Então o protagonista cresce, fica adulta, começa a trabalhar, e chega uma hora que ele fica mais velho do que o seu pai na época que ele morreu. Aí ele se muda de casa… continua trabalhando… passa uns anos, e aí ele volta pra sua casa antiga. Na casa abandonada, ele encontra a caixa com os sapatos do pai (o pai só tinha um par de sapatos?!). Ele decide dormir por lá, e vê pela última vez o fantasma do pai. Aí o protagonista reflete um pouco sobre as coisas, e o conto termina com ele lamentando nunca ter ouvido do pai a frase: “Calce meus sapatos”. O final foi bacana, e acabou com uma frase de efeito. No entanto… a história não se conectou nem um pouco comigo. Mas admito que quem escreveu tem bastante habilidade. Acho que não gostei porque simplesmente não foi o meu estilo de leitura. De qualquer forma, desejo boa sorte no desafio!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Obrigado pela crítica, Thales! Gosto muito do seu trabalho e dos seus comentários. A escolha por esse tipo de história foi muito arriscada, acho que meu maior medo foi o ritmo não ser bem aceito pelos leitores. É truncado, repetitivo, cíclico. Tudo de forma proposital, para dar a ideia mesmo de “repetição litúrgica” eterna que foi mencionada no primeiro parágrafo.

      Quanto aos questionamentos sobre os elementos fantásticos do conto… Tu mesmo me diz e resolve o mistério!

  8. claudiaangst
    12 de dezembro de 2024
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem?

    Neste desafio, usarei o sistema ◊ TÁ DITO ◊ para avaliação de cada conto.

    Título = OS SAPATOS DO MEU PAI – Um drama familiar? Lembranças do pai?

    Adequação ao Tema = Tema proposto abordado com sucesso. Temos forte nostalgia em relação ao pai e à infância, e ainda encontramos portinholas.

    Desenvolvimento =   O conto desenvolve-se suavemente, trazendo a carga emocional em cada passagem narrada. Não há entraves que dificultem a compreensão ou cansem o(a) leitor(a). Tudo flui fácil.

    Índice de Coerência = De acordo com a ambientação e personagens criados, não encontrei interferências que prejudiquem a coerência do conto.

    Técnica e Revisão = O conto está bem escrito, revelando a habilidade do(a) autor(a) com as palavras. Belas construções de imagens, ambientação e personagens. Gostei muito de “meu pai era um gesto” e “a infância é morro sempre visível no horizonte”.

    Pequenas falhas no quesito revisão:

    […] calça-los > […] calçá-lo

    […] malesticado > […] mal esticado

    […] todos próximo > […] todos próximos

    […] E no entanto, > […] E, no entanto,

    […] ficaria por lá esta noite > […] ficaria por lá aquela noite

    O que ficou = Nostalgia, saudade dos sapatos do meu pai – quando ele ainda os calçava e estava aqui.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Claudia, você é uma lenda para mim. Acho que temos estilos que se parecem em alguns momentos. Adoro toda a forma poética que você escreve e, de certo modo, isso me ajudou a me moldar como escritor. Você é uma inspiração!

      Quanto à revisão, tudo corrigido! Exceto “malesticado”. Aí foi uma tentativa de neologismo que resolvi manter, pois sou teimoso! kk

  9. Priscila Pereira
    10 de dezembro de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Autor! Tudo bem?

    Seu conto é muito bem escrito e muito poético.

    Fiquei feliz que seu conto não tenha me tocado, não tenha despertado nenhuma nostalgia, (apesar de conter sim muita nostalgia, ela só não é a mesma que a minha) já que meu pai era muito diferente desse aí.

    Fiquei pensando no poder que os pais tem de moldar a vida toda de seus filhos e da enorme responsabilidade que carregamos. Uma frase, um olhar já teriam mudado a vida do protagonista…

    É um conto de alta qualidade, sem dúvida! Mas não me emocionou, não conversou com minha criança interior ou com meu eu atual de mãe. Mas gerou a constatação de que minha infância foi ótima, e que a da minha filha também é! ❤️

    Pra mim seu texto tem mais cuidado com cada frase e o efeito que terá do que alma e sentimento. Mas é certo que emocionou muitos, então deve ser uma percepção pessoal e você não deve se importar com isso.

    De qualquer forma é um conto muito bom!

    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio!

    Até mais!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado pela crítica, Pri! Fico feliz que tenha gostado do conto mesmo que não tenha havido identificação. Fica uma sensação de dever cumprido! Adorei os apontamentos.
      Obs.: Seu conto foi um dos meus favoritos e uma das minhas notas mais altas.

      • Priscila Pereira
        16 de dezembro de 2024
        Avatar de Priscila Pereira

        Amei o seu comentário no meu conto, obrigada 🥰❤️

  10. Mariana
    10 de dezembro de 2024
    Avatar de Mariana

    História – um homem volta para a casa de sua infância e, durante a noite, relembra detalhes de seu pai. A construção mais clássica e bem feita sobre nostalgia, pelo menos até agora, no desafios 3,5/4

    Escrita – parecia que estava assistindo um filmão clássico. Bem segura, fluída e a narrativa possui um começo e um fim (algo que parece cada vez mais difícil) Bem bom 5/5

    Imagem e título – adequados 1/1

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Obrigado pela crítica, Mariana! Fiquei feliz por essa comparação de sensações, equiparando a um “filme clássico”.

  11. Mauro Dillmann
    10 de dezembro de 2024
    Avatar de Mauro Dillmann

    Parabéns! O conto é lindo, absolutamente bem escrito, comovente.

    Certamente foi escrito por alguém que carrega boa bagagem na literatura.

    Tem uma linguagem que lembra outros tempos, uma literatura do final do XIX, início do XX.

    O personagem narrador e o personagem pai (conhecido apenas por meio das palavras do narrador) são fantásticos, muito bem construídos.

    Em alguns momentos me lembrou  a literatura de Valter Hugo Mãe.

    Muitos parabéns !!!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Mauro, muitíssimo obrigado pelo comentário!
      Quanto a Valter Hugo Mãe, não o conheço, embora já tenha ouvido falar em algum contexto da MPB.
      Teria alguma obra dele para recomendar?

  12. Felipe Lomar
    10 de dezembro de 2024
    Avatar de Felipe Lomar

    Puta que pariu!

    acabei de ler um dos textos mais magníficos da minha vida! Não sei nem por onde começar. A escrita é impecável, extremamente poética e bela. Adorna e conta perfeitamente a história emocionante das lembranças paternas do protagonista. O surrealismo com que as lembranças e a saudade são tratadas é simplesmente mágico. Emocionante!

    boa sorte. Acho que já temos o nosso campeão

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado, Felipe! Muito feliz com seu comentário! Sensação de dever cumprido!

  13. Jorge Santos
    9 de dezembro de 2024
    Avatar de Jorge Santos

    Olá, filho do meio. Eu também sou filho do meio. E o primeiro. E o último. Porque sou filho único. (Não podia deixar passar a piada).

    Enquanto filho único tive um relacionamento bastante próximo com o meu falecido pai. Mas por mais próximo que fosse, só descobri o muito que me escondia quando ele faleceu e tive de arrumar os seus assuntos. Descobri nesse momento que não conhecera nada do meu pai, porque os filhos têm uma ideia muito distorcida dos pais. E, aqui, “distorcida” vem no bom sentido, no sentido da irrelevância. O pai precisa apenas de ser pai, não precisa revelar todos os seus segredos.

    Encontrei este sentido de distorção afetiva no seu texto, na repetição de gestos que fazem parte do nosso dia-a-dia, neste caso das chegadas do pai, que os irmãos seguem com emoção, como se vivessem para isso. É desta obsessão que resulta a fragilidade da narrativa. Parece que os cinco irmãos vivem presos num quarto, nunca saindo para o exterior e não interagindo entre eles. As chegadas incertas do pai são o meu único motivo de interesse, e há muita incoerência nisso. Deveria ter sido encontrado um equilíbrio narrativo que tirasse o foco da porra dos sapatos, porque o leitor ainda vai a meio do texto e já tem vontade de vomitar ao ler a palavra sapato.

    Adiante. Gostei do final, quando o texto assume um caráter mais surrealista e o falecido pai surge ao filho. Não achei fora de tom, mas não salva o atrás referido.

    Em termos linguísticos, nada a apontar. As repetições cortam a fluidez do texto.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Fala, Jorge! Obrigado pelo comentário. Seu conto foi um dos meus top3 do desafio.

      Foi uma escolha arriscada essa repetição exaustiva, mas foi proposital. A ideia era de fato passar essa sensação de vida cíclica, como se a infância o marcasse eternamente, revivendo, repetindo… Mas consigo entender que é um ritmo não usual.

  14. Givago Thimoti
    9 de dezembro de 2024
    Avatar de Givago Thimoti

    Os Sapatos do meu pai – (Filho do Meio)  

    Resumo + Comentários gerais:

    “Os Sapatos do meu pai” é um conto dramático que conta a história de um filho que relembra seu vínculo com o pai, marcado por uma distância que, mesmo agora adulto feito, o personagem busca entender.

    Eu gostei desse conto. Está bem escrito, a história bem delineada. É um pouco frustrante, não nego, não compreender bem o porquê de pai e filho não terem uma boa conexão. Acho que o autor conseguiu transparecer bem isso durante o conto.

    Talvez, o que tenha diminuído a nota desse conto de um retumbante 10 tenha sido a sensação que tive que a história se alongou um pouco além da conta.

    Frase/Trecho de impacto:

    “Meu pai era homem de ir e voltar. Era sujeito que viajava a trabalho, passava dias, semanas e nunca voltava em tempo menor que de uma ou duas saudades. Sempre que ia, me afligia a mim e aos meus irmãos, pouco após a partida. Como em qualquer despedida, havia sempre uma esperança fundamentada no retorno que nos alimentava e nos causava ansiedade.” – escrita de qualidade!

    Adequação ao tema (0 a 3) – Avalio se o conto aborda o tema proposto de forma coerente, aprofundada e relevante para o Desafio: 3

    Nostalgia está ali, clara como o dia.

    Construção de Mundo e personagens (0 a 2) – Avalio a profundidade dos personagens e a ambientação, incluindo o cenário e como tudo interage para fortalecer a narrativa: 2

    Aqui também não tenho muito a destrinchar. O conto está muito bem construído, desde a interação entre o protagonista e o seu pai e a vida no campo, sob o viés infantil. Talvez, meu único “ah” sobre esse conto é que ele se estica demais na história. Poderia ser um pouco mais condensado.

    Ainda assim, mantenho a nota 2 nesse aspecto.

    Uso da linguagem (0 a 2) – Avalio a qualidade da escrita, incluindo o estilo, clareza, gramática e fluidez dos diálogos:  2

    Um adjetivo para definir a escrita desse conto: primorosa! Gramaticalmente, irretocável. Não encontrei nenhum deslize gramatical. Em termos de estilo, robusta e competente.

    Quero escrever assim quando crescer.

    Estrutura Narrativa (0 a 1,5) – Examino o fluxo do enredo, a clareza da introdução, desenvolvimento e conclusão, e se o ritmo é adequado: 1,25

    Bom, o conto tem aquela estrutura tradicional de inicio, meio e fim. Não brinca tanto com a linearidade. O ritmo está adequado, porém, como eu disse anteriormente e vou repetir no próximo trecho, a sensação que tive foi a que sobrou palavras para a história. O conto esticou-se um pouco demais; talvez, o melhor seria ter condensado um pouco.

    Impacto Emocional (0 a 1,5) – O quanto a história conseguiu me envolver emocionalmente, provocar reflexão ou cativar: 1,25

    Eu gostei desse conto. Para quem gosta de boa literatura, essa história enche os olhos; tem uma narrativa tocante, com uma escrita competente e bonita. É o tipo de conto que poderia ser a propaganda do grupo, sabe? Para representar.

    Pessoalmente, por outro lado, acho que ele tinha o potencial para arrebentar nesse aspecto, mas algo se diluiu durante a leitura. Por vezes, a sensação que tive foi a que a narrativa sobrou em determinados momentos. Acho que a história poderia ter sido condensada; por exemplo, embora a idealização do pai por parte do filho seja o carro chefe do conto, por vezes, sobrou demais.  

    NOTA FINAL: 9,5

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado pelo comentário, Givago! Fiquei muito feliz com suas observações.

  15. Elisa Ribeiro
    8 de dezembro de 2024
    Avatar de Elisa Ribeiro

    É uma história bonita que nos fala do afeto de um filho pelo pai. A narrativa se desenvolve como uma música, em espiral, ao redor do tema do sapato dos pais. Na minha percepção faltou algo no fecho da história, que rompesse com essa repetição do tema. Como resultado, saí do seu conto um pouco frustrada. Mas é um belo conto com momentos muito poéticos e um tom nostálgico que entrega com maestria a temática do desafio.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito obrigado, Elisa. Esse uso de repetições e narrativa cíclicas foi arriscado! Pensei muito se enviaria esse conto por esse motivo, mas acabei por me surpreender com o resultado positivo. Mas entendo perfeitamente seus apontamentos!

  16. danielreis1973
    7 de dezembro de 2024
    Avatar de danielreis1973

    Os Sapatos do Meu Pai (Filho do meio)

    Prezado(a) autor(a):

    Para este certame, como os temas são bastante díspares, dificultando quaisquer comparações, vou concentrar mais minha avaliação em três aspectos, e restritos à MINHA PERCEPÇÃO durante a leitura: a) premissa; b) técnica; c) efeito. Mais do que crítica ou elogio, espero que minha opinião, minhas sensações como leitor, possam ajudá-lo a aprimorar a sua escrita e incentivá-lo a continuar.
    Obrigado e boa sorte no desafio!

    DR

    A) PREMISSA: o tema do desafio está claramente apresentado neste conto sensível e direto, como o retorno ao lar paterno e relação entre pais e filhos no campo. Vê-se que o autor tem elementos de Guimarães Rosa (como em A Terceira Margem do Rio) e até mesmo do filme Peixe Grande (naquelas invencionices do pai do protagonista).

    B) TÉCNICA: a escrita é fluida, límpida e de excelente riqueza e escolha vocabular. A construção das memórias são excelentes, passam da fantasia infantil até a revolta com a partida/morte e a reconciliação, já como adulto”. O uso dos sapatos como extensão do pai, sinédoque da parte pelo todo, simbólica de sua caminhada pelo mundo, também é um detalhe que se destaca.

    C) EFEITO: um conto brilhante, que me fez lê-lo de novo, com admiração. Parabéns, tenho certeza que esse trabalho estará no pódio deste desafio!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Fiquei muito feliz com seus comentários porque apontou as referências direitinho. Bebi muito da fonte de Guimarães Rosa (Inclusive na introdução do burrinho na história) e o final de Peixe Grande foi algo que sempre me marcou. Inclusive, comentei recentemente sobre ele.

  17. Kelly Hatanaka
    3 de dezembro de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Oi Filho do Meio.

    Dá uma vontade de chamar esse pai de desnaturado, né? Mas daí, penso melhor e vejo que ele é um retrato de um tempo. Que, talvez todos os personagens masculinos de Mad Men tenham sido pais nesse modelo aí. Que, talvez, o pai do meu pai tenha sido assim.

    O conto é nostálgico. Uma nostalgia triste e dolorida.

    O texto fala de ausência. De uma figura paterna silenciosa e distante e que, pela própria ausência, inspirou um amor que beira a veneração. Pouco se explica e ficamos perdidos, como as crianças da casa e, como elas, simplesmente aceitamos que as coisas são mesmo assim.

    As memórias do pai se misturam com as fantasias e idealizações infantis. Fiquei pensando naquela expressão “calçar os sapatos de alguém”, que significa entender realmente o contexto do outro. O filho, no final, só queria que o pai lhe permitisse calçar seus sapatos, que o convidasse a isso. O calçar dos sapatos seria o definitivo vir a conhecer.

    Minha pitada de achismo: um texto lindo e um tiquinho hermético. Tem um sentimentalismo intenso e, ao mesmo tempo, contido, cerebral. Sutileza, que chama.

    Gostei ou não gostei: gostei muito!

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Você é outra lenda do EntreContos. Seu comentário positivo é um afago na alma, para mim! Muito obrigado pelos apontamentos. A “ausência”, de fato, é a força motriz do conto!

  18. Marco Saraiva
    30 de novembro de 2024
    Avatar de Marco Saraiva

    Este conto pega pesado, ein? Eu não estou chorando, você que está chorando!

    O pai, aqui, sempre silencioso, sempre envolto em mistério, tem um papel profundo: ele representa todos os pais deste mundo. O filho, aqui, atravessa a jornada que todo filho deve atravessar: no início, a busca da aprovação de seu pai. Então, a tentativa de entendê-lo. Conforme o tempo passa, deve, enfim, abrir mão desta imagem que ele tem em sua mente, do pai perfeito, do exemplo a ser imitado, superá-lo, de certa forma, e tornar-se um ser único. Esta jornada para tirar o pai do seu pedestal e colocá-lo em pé de igualdade – apenas um ser humano, como você mesmo o é – para mim, este é o tema deste conto. Belíssimo!

    É claro que os temas do desafio estão aqui também. A nostalgia é feita com primor, já que primeiro o leitor acompanha a infância do personagem, para então vê-lo sair de casa, e voltar muitos anos depois. O aperto no peito, nesta hora da leitura, foi forte.

    Há tanto o que dizer sobre este conto, mas acho que ele diz por si só. Não vou ficar aqui tecendo elogios pelo resto do dia! rs rs rs. Apenas queria fechar elogiando a sua escrita impecável e invejável. Estes trechos abaixo me pegaram:

    “…passava dias, semanas e nunca voltava em tempo menor que de uma ou duas saudades.”

    “É que meu pai não era gente para ter profissão ou dizer “eu te amo”, meu pai era um gesto.”

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Marco, você é uma lenda! Feliz demais pelo seu comentário. O seu conto “Dreamant” e tantos outros ficaram em minha memória…

      Obrigado!

  19. bdomanoski
    29 de novembro de 2024
    Avatar de bdomanoski

    Se o narrador contasse essa história p min, eu apenas perguntaria qual o motivo de ele sentir tanta falta desse sujeito. O conto fica na cabeça, porém sobre o enredo eu acharia mais interessante, embora saiba q não teria espaço, abordar os problemas psicoemocionais que o narrador desfrutou em seus relacionamentos futuros após ter tido essa criação. No mais, foi criativo demais a cena do menino avistando os sapatos do sujeito em primeiro lugar. Me lembrou qnd eu esperava minha avó voltar do centro imaginando o q ela iria trazer pra mim

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Bruninha, senti sua falta no desafio! Obrigado pelo comentário. Fico feliz que o conto tenha servido para reviver em sua mente uma memória tão importante!

  20. Fabio Baptista
    27 de novembro de 2024
    Avatar de Fabio Baptista

    O conto é bem muito bem escrito, constrói bem a atmosfera e os personagens. Apesar do realismo mágico, há algo que nos traz o tempo todo para o chão, visualizando essa figura do pai presente em todos os momentos, principalmente em suas ausências.

    Tenho certeza de que ficará nas cabeças do desafio e eu queria ter gostado mais, mas… não gostei. Senti uma repetição maçante durante quase toda a leitura e no final o conto pareceu ser maior do que era, me dando a impressão de ter lido 10 mil palavras.

    Só não foi uma experiência “traumática” pela competência do autor com as palavras e pelos parágrafos finais, quando a história adquire um ritmo que me agradou mais e encerra de forma bem bonita.

    BOM

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Fabio, você sempre foi inspiração para mim de um estilo que, infelizmente, persigo e não consigo atingir. Aliás, acho que você e Kelly possuem essa habilidade que tanto invejo: a de dar ritmo sem ser prolixo, a de uma escrita bonita, poética, mas num ritmo veloz.

      Foi arriscada a escolha dessas repetições, desse círculo vicioso que é a narrativa. Por vezes, pensei se não atravancaria o processo de evolução do conto. Foi uma surpresa ver a aceitação de quase todos, portanto entendo perfeitamente sua crítica.

  21. Luis Guilherme Banzi Florido
    25 de novembro de 2024
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia, amigo(a) escritor(a) do(a) Encontrecontos, tudo bem?

    Primeiramente, parabéns por superar a nostalgia do desafio de trios e entrar no portal do novo certame! Boa sorte e bora pra sua avaliação:

    Tema escolhido: nostalgia.

    Abordagem do tema: 100%. A nostalgia tingida de saudades dos tempos passados “com” o pai.

    Comentários gerais: esse conto é belíssimo. Você possui uma escrita muito rica, bela, poética, metafórica. Brinca com as palavras e significados, sem deixar o leitor cair no tédio ou cansar das palavras. A técnica é impecável, tudo lindo, gramática perfeita, ortografia, tudo. Sem falhas de revisão.

    O enredo é belo e tocante. É assim que um drama tem que ser. Pra mim, esse é o melhor drama do desafio até agora (faltam 3 leituras). Você não apela pra sentimentalismo nem dramalhão, e nos conduz pela vida do garoto e sua relação com seu pai de forma natural e magnética. O enredo funciona, tudo é bem ligadinho. Enfim, uma história belíssima. Me surpreenderei se esse conto não ganhar o desafio. Parabéns. O desfecho é belíssimo e emocionante. Contaço. Nos contos que gosto muito, o comentário fica mais curto, sinto muito.

    Sensação final: esperei ansiosamente o retorno dos sapatos do pai do protagonista, me empolguei com ele, chorei na perda do pai e vi o fantasma com ele e seus irmãos. Me encantei com a vida dessa família. Terminei com um sorriso no rosto.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Grande, LG! Esse é um dos GIGANTES do Entrecontos. Queria eu ter a capacidade que você tem para escrever horror… Por isso, muito me alegra seu comentário. Muito feliz por todos os apontamentos!

      Obrigado!

  22. Antonio Stegues Batista
    19 de novembro de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    A história de um menino que tem o pai como um personagem misterioso que frequentemente viaja e passa dias fora de casa. Ele e os irmãos não sabem o que ele faz e criam fantasias como se o pai fosse um guerreiro a enfrentar monstros. Como o homem sempre voltava para a oficina, suponho que ele constrói algo para vender em suas viagens como mascate. A história é simples, mas a escrita é ótima, a narrativa tem frases elaboradas, boa conexão e sonoridade e mesmo a repetição de “ meu pai”, não achei ruim. Porém, a narrativa se estendeu demais criando divagações desnecessárias. O encanto mudou na fase adulta do personagem menino e o final despenca para algo um tanto quanto vazio de emoções. De qualquer forma, darei uma boa nota.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Obrigado pela crítica, Seu Antonio! Fico muito feliz que as repetições não tenham incomodado. Arrisquei! haha

      Muito obrigado pelo comentário!

  23. vlaferrari
    18 de novembro de 2024
    Avatar de vlaferrari

    Bonito e tocante. Há de se considerar o lado pessoal: sonhei com meu próprio pai ontem e sobre o que ele diria sobre a série “Monstros: Os Irmãos Menéndez”, que terminei de ver ontem à tarde. Comentei a respeito do tipo de avaliação que ele faria sobre o caso. “Morte por esquartejamento, onde já se viu?” era quase um bordão para ele. E pensando nisso, fui quase obrigado a contar as repetições de “meu pai”, nesse conto: 41 vezes. Atrapalhou? Não. Mas, na minha opinião, considero um certo descuido, um receio de se aventurar em procurar ou imaginar alternativas na composição do texto. Outra coisa que chamou a atenção, foi a citação do “paletó no ombro”, que deixou mais impressões no meu “eu-leitor” do que os sapatos do título. E entendo que no protagonista também, porque é o bailado do paletó no varal que conduz as emoções em certos momentos. Viagens e saudade também. A cusparada e olhar através e além. São os ecos que ficam ressoando na mente da gente. Algumas construções soaram estranhas. Como logo no início expor que os cômodos da casa “pequenos” e “enclausurantes”, mas “sequestravam o espaço do terreno”. E então aparecem as repetições de palavras e de ideias, como “portinhola” e “inocência de pouca idade” e logo na sequência “desejo de criança”. Mas são “estranhezas” que não atrapalham o texto. Como disse lá em cima, bonito e tocante. Boa sorte no certame.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Grade, Vlad! Fiquei muito feliz com seu comentário pelo fato do conto poder ter evocado grandes memórias suas com seu pai.

      Essa questão da repetição, inclusive das palavras “meu pai”, foi totalmente proporcinal. Eu queria dar esse aspecto cíclico e repetitivo ao conto. Arrisquei sabendo que não agradaria 100% a todos. Mas fico feliz que isso não tenha comprometido a experiência!

  24. Thiago Amaral Oliveira
    16 de novembro de 2024
    Avatar de Thiago Amaral Oliveira

    E aí, Filho do Meio! Que nome apropriado!

    Gostei muito do seu conto! Você entrou tanto no personagem que pode-se vivenciar cada detalhe como uma vida real. Aconteceu com você? Copiou de alguém que conhece?

    A história é bastante tocante e muito bem construída. Permite ao leitor chegar às próprias conclusões, uma vez que podemos ver os detalhes que o narrador não nos conta. Não com palavras, pelo menos. Fica implícito que o pai era muito distante. Como o filho tinha fome de estar com ele. E todas as questões psicológicas que daí surgem.

    O que mais me marcou é a dança da criança junta do paletó do pai, e a cena subsequente com os colegas de trabalho. “Eu aprendi com meu pai”. Muito forte esse momento, numa mistura de alegria e tristeza. Temos pena, e ao mesmo tempo é divertido.

    O conto tem o peso da vida real, com suas descrições vívidas e comentários realistas. Meus parabéns pelo trabalho!

    Boa sorte no desafio.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Obrigado pelo comentário, Thiago! Ainda vou escrever sobre o processo de criação deste conto. Mas, há uma “história de família” que foi o catalisador de toda a ideia, você está correto!

  25. Thata Pereira
    16 de novembro de 2024
    Avatar de Thata Pereira

    Infelizmente eu não tenho muito o que acrescentar ao(à) autor(a). Não vi problemas com a escrita. Muito sequer com o conto.

    Como disse no grupo de WhatsApp, acho que fiquei tão anestesiada que nem lágrima no olho caiu, mas senti que queria.

    Porque a história gira em torno do tema nostalgia, mas a nostalgia para mim foi ler o conto a medida que me lembrava da pessoa e histórias do meu avô paterno, “Dutra”, com quem tive pouco tempo. Senti vontade de escrever sobre ele, as histórias que ouvi sobre ele.

    Acho que esse é o verdadeiro sentido de se escrever um conto para alguém: fazer sentir.

    Parabéns.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Muito feliz em ler o seu relato, Thata! Sensação de objetivo alcançado!

      Muito obrigado pelo comentário!

  26. Gustavo Araujo
    14 de novembro de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Que mistérios habitam a mente das crianças? Essa indagação costuma servir de mote para ótimos contos, já que a percepção que os pequenos têm com relação a fatos cotidianos é quase sempre confusa, inocente até, e quando comparada à frieza da realidade atraem de imediato a atenção do leitor.

    Quando os envolvidos são pai e filho, essa atração termina multiplicada por dez, já que a identificação é inevitável. A ingenuidade contraposta ao mundo real. É o que ocorre neste conto, que contém como mote a carência de atenção do filho do meio (e, me parece, também dos demais) em relação ao pai.

    Sim, o menino o idolatra, preenche as lacunas que permeiam sua profissão, imagina-lhe o mundo, tudo na esperança de que, após sua chegada — representada pela visão dos sapatos sob a portinhola, o cuspe, o olhar desfixado e o desaparecimento na direção da oficina — seja ele próprio notado, o que só ocorre uma vez, quando o garoto demonstra o desejo de calçar os sapatos do homem.

    Esse tipo de simbolismo é muito bem trabalhado ao longo do texto, revelando a imagem idealizada que o menino faz do pai. É a ausência do homem que impede o garoto de perceber-lhe como pessoa, restando a ele, filho, extrair o afeto de que carece de situações improváveis, como as roupas colocadas no varal.

    Há poesia latente na primeira parte do conto e isso foi o suficiente para me comover. Dá para sentir a dor do garoto em cada linha, a cada chegada e partida do homem.

    O problema é que o conto precisava continuar e essa pegada de nostalgia profunda acaba diluída na segunda metade. Sim, a admiração e a devoção ao pai ainda estão lá, mas não com a mesma intensidade. Bem, talvez a vida adulta real seja assim mesmo, talvez o tempo se encarregue de sufocar nossas lembranças mais cândidas, liberando-as somente no momento da nossa morte… Mas, aqui falamos de literatura, algo que não está necessariamente vinculado à realidade.

    De fato, essa diluição a que me referi — embora provável em termos reais — acabou tirando um tanto a força da narração, já que tudo se sucede rápido demais, a chegada do protagonista à idade adulta, a saída de casa, o casamento, os próprios filhos.

    Há um ensaio de recuperação no momento do arremate, que é quando o garoto, agora homem, retorna à casa em que cresceu e reencontra os sapatos do pai. É um momento muito bonito, mas que pode soar demasiado oportuno. Entendo — e uso — esse tipo de estratégia, que procura fechar o ciclo narrativo, mas é preciso cuidado para não parecer forçado. Se o texto é sobre os sapatos do homem, então, nada mais natural de que assim termine, mas eu teria trazido à mente do leitor, uma vez mais, a imagem das roupas no varal. Foi isso o que me tocou: o momento em que pai e filho ficaram juntos de verdade, pelo menos metaforicamente.

    De todo modo, é um texto muito bom, muito bem escrito e que deve agradar a maioria do nosso pessoal.

    Parabéns e boa sorte no desafio.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Mais um “monstro sagrado” do Entrecontos… O que posso dizer do seu comentário? Apenas agradecer. Imensamente feliz por ter conseguido acionar sentimentos e lembranças.

      A mudança sutil na atmosfera do conto foi uma escolha estratégica. Estava pensando em dar mais força à retomada. Pensei que, se mantivesse o ritmo, o final ficaria linear e não teria o impacto necessário. Acho que foi uma escolha arriscada que talvez não tenha funcionado tanto como eu imaginava…

      Mas muito obrigado por todos os elogios e apontamentos!

  27. andersondopradosilva
    11 de novembro de 2024
    Avatar de andersondopradosilva

    Os sapatos de meu pai

    Resumo:

    Filho rememora o pai.

    Comentários:

    O bom texto tem de dizer mais do que diz, ou tem de dizer de maneira não evidente, o que é praticamente a mesma coisa. É a linguagem figurada. Seu uso exige habilidade, e não é pouca. Se for para dizer só o que o texto diz, rapidamente esgotaríamos todas as listas de leitura nos atendo a um único livro, o dicionário. Pois é isso, o dicionário, o mais completo deles, o mais atualizado, por certo há de conter todas as palavras do mundo e, portanto, toda a literatura, todos os livros, todos os Saramagos, todos os Mias, todos os Raduans. Qualquer imbecil minimamente alfabetizado poderia esgotar a linguagem e suas possibilidades com apenas um livro, o dicionário. Mas a literatura, a boa, é mais do que a disposição ordenada dos vocábulos, é mais do que a justaposição matemática e protocolar das palavras, a literatura, a boa, é um pouco do que encontramos nesse conto.

    Vejamos.

    Ao falar do rio, o autor se vale de “cambalhotas das águas perseguindo o mar”. Imaginamos as águas descendo corredeiras, vencendo as pedras e a ribanceira, buscando seu destino que, sabemos, quase sempre é o mar.

    O narrador descreve trincas nas paredes a se ramificarem. As compara com o rio e seus afluentes. E se pergunta “Quem sabe o som que ouvíamos não vinha de lá?” Já aqui, para além do uso competente da linguagem, temos a insinuação do que virá no conto, um misto místico de realidade e fantasia.

    O autor fala sobre a incompreensão da morte, sobretudo no público infantil e juvenil, nestes termos “Sempre igual, quase que numa repetição litúrgica, que pensei mesmo que fosse eterna.”

    Há esmero no uso do poético em diversas passagens, como na metrificação do tempo por unidade de saudade: “nunca voltava em tempo menor que uma ou duas saudades”.

    Outra imagem especialmente poética está na cena da dança, que é retomada em “Embora ele nunca tenha dançado em vida, me ensinou através de seu paletó.”

    É próprio da figura masculina a pouca demonstração de afeto, ao menos quando afeto é tomado em termos muito estritos, como beijo, abraço, declarações. Mas há outras formas de afeto, nem sempre aceitas como tal. Sem nominar essas outras formas de afeto, o autor arremata “meu pai era um gesto”.

    Ser um gesto é uma forma de afeto, mas também pode ser romantização. Pode ser a mente infantil transformando em memória afetuosa o que era de fato apenas um gesto. Nesse caso, tratar-se-ia de saudade, de nostalgia.

    Durante o desafio, critiquei muito os textos de fantasia. Mantenho as críticas, mas este texto me fez pensar que a saudade pode ser a maior de todas as fantasias, como um pai morto infinitamente a voltar pra casa.

    A frase final é poderosa, um anseio de proteção, de cuidado que a figura paterna carrega.

    Para não dizer que não falei das flores…

    É raro um texto em primeira pessoa que consiga fazer uso competente dos pronomes, especialmente dos possessivos, especialmente os de primeira pessoa. Infelizmente, este texto é mais um dos que não atingiram tal competência. Entre meu e meus, há uns setenta e seis, sete no mesmo parágrafo. O “meu” quase sempre vem seguido de “pai” (quarenta e cinco “meu pai”). Minha: 24.

    Narrações em primeira pessoa são cada vez mais comuns. Talvez fruto de nossos tempos. Gostamos de nós mesmos. O “eu” seduz. E, de fato, o texto é bem mais imersivo em primeira pessoa, sobretudo se comparado com narradores em terceira pessoa incompetentes. Mas textos em primeira pessoa correm o sério risco de se tornarem cansativos, como deve ser cansativo explorar por muito tempo os meandros de nosso próprio umbigo (buraco que é, convenhamos, um dos menos interessantes do corpo). O texto em primeira pessoa corre o risco de fazer cansar como nos cansaria o convívio ininterrupto com nós mesmos ou qualquer outra pessoa.

    Nesse processo de tentar fazer um emprego competente da primeira pessoa perpassa a eliminação, tão impiedosa quando possível, dos pronomes, especialmente dos possessivos de primeira pessoa. Depois que o leitor entendeu que a narração é em primeira pessoa, que tudo o que virá depois pertence ou diz respeito a quem narra, cada novo possessivo de primeira pessoa se torna um fardo, um empecilho, um tropeço.

    Sobre a linguagem poética, a qual agrada na maior parte do tempo, também causa estranheza noutros momentos, especialmente quando vazada por palavras de pouco uso da língua, até um tanto pedantes, como o que aconteceu em um dos momentos mais importantes do conto, a cena da dança ‘entre pai e filho’. Nessa oportunidade, o leitor se choca com um “momento mais deleitante”. Se o autor do texto não tivesse se mostrado tão competente no uso da linguagem em tantos outros momentos, o leitor seria capaz de supor que “momento mais deleitante” teria saído do penacho de um escritor diletante tentando a proeza de ‘escrever difícil’

    Se não pelo enredo sem muita ação, se não pelos tropeços impostos pelo emprego excessivo dos pronomes possessivos de primeira pessoa, se não pela linguagem por vezes excessivamente poética, ou por todos esses motivos juntos, esse foi, dentre cerca de vinte contos lidos até aqui, o de leitura mais lenta, para o bem ou para o mal. Para o bem porque é um texto para ser lido com vagar, com atenção, com esforço e reflexão. Para o mal porque alguns excessos, decorrentes da falta de lapidação na finalização, geram engasgos (possessivos e arcaísmos).

    Ainda sobre o enredo, o desfecho não dignifica a introdução e o desenvolvimento. Há um elemento de fantasia, de sonho, no texto. E esse elemento é a saudade, a nostalgia, que fazem com que o garoto siga vendo e imaginando o pai. Esse era o quanto de fantasia o texto suportava. O pai ascender aos céus “gritando as boas-novas” que, redundantemente, “hão de vir”, excedeu o razoavelmente esperado para um texto realista.

    • André Lima
      16 de dezembro de 2024
      Avatar de André Lima

      Anderson, muito obrigado pelo seu comentário. Seu conto foi um dos meus favoritos no desafio!

      E te indiquei também como melhor comentarista. Aproveito absolutamente TUDO que foi escrito aqui.

      Agradeço pelos apontamentos!

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Informação

Publicado às 10 de novembro de 2024 por em Contos Campeões, Nostalgia e marcado .