EntreContos

Detox Literário.

Do Outro Lado da Porta (Leandro Barreiros)

I

A mensagem de texto só tinha cinco palavras.

Deixara a obra há umas três horas. Foi difícil deixar o espaço, mas agora que estava em casa, não queria voltar. Adair era otimista, mas uma mensagem do chefe àquela hora não podia ser coisa boa.

“Venha para a obra imediatamente.”

O filhinho de papai ganhou a empreiteira e não sabia o que fazer com ela. Era uma bela rainha do drama. Não duvidava que o homem se enfiasse em um vestido à noite para soltar as frangas. Maricas do caralho.

Sentiu gotas caindo sobre a cabeça enquanto pilotava a moto. Pelo menos o interior do edifício estaria seco. Nos últimos dias haviam levantado os muros e feito a laje da casa. O dono do terreno deve ter passado lá e decidido que algo não estava certo. E lá tinha ele que provar quem era o especialista.

A moto avançou por casas, ruas e vizinhanças. Não parou muito. Naquela hora da noite nem mesmo as luzes vermelhas podiam dizer-lhe o que fazer. Mas as maricas dizem, né. Balançou a cabeça e seguiu acelerando.

*

Mauricio-filho esperava do lado de fora da construção. Na mão, sustentava um cigarro como um adolescente que tentava impressionar alguém. Nos olhos, um certo desprezo.

–Ô, Mauríco –Adair disse, deixando a moto.

O chefe não respondeu. Tragou o cigarro e esperou que Adair se aproximasse. 

–Que tá pegando?

–O que tá pegando é que o proprietário passou aqui hoje.

Adair deu de ombros. Claro que era o proprietário.

–E o que foi dessa vez? A gente não tá tão atrasado e eu aposto que o caimento tá certo. Só falta estarem reclamando de parede torta, mas eu mesmo acertei tudinho na linha, pode checar.

Maurício tragou mais uma vez.

–Então está tudo nos conformes?

–Claro que tá, vamos lá, pô. Eu confiro contigo.

Maurício mostrou os dentes.

–Vem aqui comigo um instante.

Adair suspirou e os dois atravessaram o umbral da sala.

–Quer um tour? –o pedreiro perguntou, atrevidamente.

–Por favor –respondeu Maurício.

–Aqui tá a sala. O balcão da cozinha tá erguido também e a gente já recebeu o mármore, eu conferi o corte e tá tudo certo. Aqui é o banheiro e no quarto a gente já terminou, vem cá que eu mostro.

–Aqui já é o bastante –interrompeu Maurício.

–Certeza? Não quer ver o alinhamento das paredes também? –perguntou, assanhado.

–Não vai ser necessário.

–Então qual é o problema?

–O problema? Deixa eu perguntar uma coisa.

Adair se ajeitou, se preparando para qualquer questionamento torpe. Que ele tentasse, como muitos outros antes, mostrar que o pedreiro era burro. Vai tomar no cu bonito. Se bem que deve gostar, pensou.

–Cadê a porta do banheiro?

–Ahn?

–A porta do banheiro. Cadê?

–A gente só bota a porta na hora do acabamento, você sabe disso.

–Você não entendeu. Cadê a porra do espaço pra porra da porta do banheiro? –Maurício perguntou, batendo na parede.

Adair acompanhou a mão do homem. E então procurou. Parede… parede… parede… Ele e os outros pedreiros simplesmente cercaram o espaço. Talvez eu seja mesmo meio burro, pensou amargurado.

–Oxi… como?

–Boa pergunta. É o que eu tive que explicar pra porra do cliente, que veio ver a porra da obra.

–Porra, mas é só derrubar. Em meia hora eu refaço. Não precisa de chilique.

–É óbvio que o cliente vai dar chilique, tá jogando dinheiro de material fora!

Ele disse, a mão voando na parede de novo. Adair não soube se ele achava que a parte do chilique era sobre o cliente ou se estava fingindo.

–Pô, um saquinho de cimento e uns cinquenta tijolos, isso aí não é nada!

–E o cliente quer saber? Ele quer encher meu saco e eu tenho que explicar que os pedreiros da minha empreiteira não sabem que tem que deixar espaço pra porta.

Adair coçou a cabeça. Tentou lembrar quem começou a levantar a parede ali. Fizeram tão rápido quanto podiam, disso lembrava. Já haviam feito a instalação toda. Alguém comentou que o espaço era convidativo e, de fato, era. De tempos em tempos alguém estava no banheiro por motivo algum. Em verdade, ninguém queria levantar os muros da área. Mas, quando alguém começou, trabalharam juntos quase que irracionalmente. Tijolo por tijolo, cada um levantando sua própria muralha. 

–É foda –disse por fim.

–Foda é que o cliente vai voltar pra ver a porra da obra.

–Quando?

–Ele não falou.

–Tá. Segunda a gente pega, dá um gás e faz.

–Você não tá entendendo. Eu disse pra porra do cliente que a porra do pedreiro ia resolver. E você vai resolver hoje, porque se ele voltar amanhã eu não quero apurrinhação.

–Tu tá de sacanagem.

–Adair, vocês esqueceram a da porta do banheiro. O cara vai espalhar que a empreiteira é de amador. Se chegar no ouvido do meu pai…

–Olha…

–Tô olhando a parede –disse, outro tapa no concreto.  –Você é o mais velho da casa. Assume a responsabilidade igual homem, porra.

Adair abaixou a cabeça. Queria falar poucas e boas. Queria abrir a parede com a cabeça do afetado Maurício-filho. Mas também queria encher a geladeira. E pó. Davi era um bom amigo, mas sempre cobrava pelo pó.

–Sim, senhor.

–Volto amanhã e espero que você tenha feito o serviço –disse, deixando a casa.

Respirou fundo. Podia derrubar a parede em quinze minutos se realmente quisesse. E, de fato, queria. Queria ver o banheiro de novo.

A marreta estava largada no quarto. Cinco quilos de madeira e aço. Arrastou-a até a sala, o metal cantando sobre o cimento. Ia ter o tempo dele no banheiro, como os outros tiveram. Queria. Colocou a mão na parede a ser quebrada. Mediu mentalmente o golpe.

E então pensou que podia fazer isso depois. 

II

Maurício começou o maldito ritual assim que levantou. Aspirina, finasterida e dezenas de mensagem que faziam o estômago revirar. Todas do pai.

Olhei o balanço da firma…

Precisa atualizar o código .

É pra tocar a porra do negócio direito…

Não é à toa que a mãe se mandou, pensou. Deveria ter ido com ela. Levou algum tempo olhando no espelho. Cara de velho. De escroto. Estava a cara do pai. Foda-se, pelo menos ainda tenho cabelo.

O resto da manhã foi gasto com e-mails e relatórios. Precisava ainda verificar as plantas do prédio na Barra. Seria ótimo poder contar com os arquitetos, mas os funcionários só faziam merda. Como a porra do pedreiro que esqueceu da porta. Se permitiu deixar escapar um ar do nariz. Como podia ser tão burro? Visitaria a obra à noite. Graças à porra dos imbecis nem pôde ver como estava o banheiro. Escolheram o vaso certo? E o piso? Adair disse que já havia botado o piso, teria algum problema com ele?

Não.

O banheiro era perfeito. Sabia disso. Como sabia não poderia dizer. Roeu as unhas. Àquela altura o pedreiro com certeza abriu espaço para a porta.  Olhou para a planta do prédio da Barra. As medidas das salas, dos quartos… dos banheiros.

Decidiu ver a obra mais cedo. Podia ver as plantas mais tarde.

III

Diante da pilha de garrafas e lixo, Adair se erguia orgulhoso. Foram dias sozinho na obra, em trabalho ininterrupto. Mas estava feito. Quarto, sala e cozinha com reboco, piso todo assentado e mesmo o mármore repousava elegantemente sobre o balcão. Haveria algo pro frutinha reclamar? Duvidava.

Mas estava errado

–Que porra é essa? –perguntou Maurício, surpreendendo-o ao entrar.

–Tudo feito, chefinho –disse, sorrindo. –Ainda falta um acabamento aqui e ali, mas os homens podem terminar amanhã. Tá bom pra você? –perguntou.

Maurício olhou em volta. Adair notou a perplexidade no rosto do chefe e, então, a decepção.

–Tu tá de sacanagem comigo?

–Como é que é? –Perguntou se erguendo, se libertando momentaneamente do medo de ficar sem dinheiro para fugir da realidade. Dois dias de trabalho ininterrupto. Seu corpo queimava, sua mente se embaralhava e o filho da puta de viado de merda não ia reconhecer o trabalho?

O olhar do chefe, contudo, era frio e agressivo. Parecia ainda mais irritado do que dois dias antes. Ele atravessou a sala e bateu com a mão na parede.

–Por que a porra da parede ainda tá de pé?!

Adair coçou a cabeça.

–Caralho…

Em nenhum momento do trabalho hercúleo esqueceu do banheiro. Seria, afinal, sua recompensa. Abrir o umbral e atravessá-lo era não apenas uma vontade. Era a vontade. Mas ali estava a parede, imóvel, inviolável, intransponível. Como?, se perguntou.

–Tu acha que eu não vou te demitir por causa do meu pai? A porra da empreiteira é minha, agora. Minha! Tu quer ficar de sacanagem comigo?

Adair caminhou vagarosamente até a marreta e ergueu o cabo do chão. A cabeça da ferramenta repousou pesada no piso. Ele olhou para Maurício. Então, sem pressa, andou em sua direção. Nem uma palavra. Passo a passo. Estava cansado. Queria seu pó. É só isso que quero, disse. Mas, no fundo, sabia que era mentira.

Maurício viu o pedreiro indo até o canto da sala e caminhando até ele com a marreta. Finalmente, pensou. Finalmente vai quebrar a porra da parede e vou ver o banheiro! Mas logo se deu conta de que o pedreiro não olhava para a parede, mas para ele. Que os ombros do homem eram largos e, os braços, fortes. Viu que os olhos de Adair estavam mortos e cansados. E, de repente, Maurício se sentiu igualmente morto e cansado. E que a morte seria parte de sua vida.

–Se afasta –disse, dando ordem ao chefe.

Maurício deu dois passos para trás. As pernas bambas. Soltou a respiração aliviado quando o empregado se preparou para golpear a parede. Finalmente ia acontecer. Acendeu mais um cigarro.

–Te dou o maço quando acabar. Estou tentando parar –deixou escapar um breve momento de vulnerabilidade.

Adair encarou a parede e ergueu a marreta. Apertou o cabo de madeira e flexionou as costas. Tinha, ainda, um pouco de energia. Seria rápido. Os ombros eram fortes e os braços musculosos. Gostava assim. Ombros fortes e braços musculosos. Ia abrir o espaço. Queria ver o banheiro. O banheiro queria que ele o visse. Que entrasse. Então, por quê? Por que não conseguia dar golpe?

–Anda, porra! –Atiçou o chefe.

Mas Adair seguiu imóvel.

–Não consigo.

Abaixou a marreta, derrotado. Maurício tomou o objeto de sua mão e o empurrou. O pedreiro se desequilibrou e quase caiu no chão. Mas não lutou de volta. Estava envergonhado.

Maurício tinha metade da idade de Adair. E de sua força. Mas tudo bem. Tomaria um pouco de distância para criar momento. A física newtoniana estava ao seu lado. Preparou o quadril. Encarou a parede e…

e…

e nada.

O golpe não veio. O banheiro lhe chamava. Embaralhava sua mente. Fazia promessas em uma língua primitiva que ele não entendia. Mas que sabia: eram verdadeiras. Eram tudo o que queria. Não menos do que elas. E não mais do que elas. Tudo que queria estava ali dentro.

Jogou a marreta no chão, rachando um dos pisos recém colocados.

–Vou voltar em alguns dias. Quero esse banheiro aberto. Não me interessa quem vai abrir a parede. Mas eu quero ele aberto.

Deixou a casa enquanto Adair chorava no chão. 

IV

Os outros pedreiros encontraram Adair inconsolável.

–Cara, eu tenho um pouco. Quer dar um teco? –Ofereceu Davi, quebrando as próprias regras.

Aceitou e recuperou um pouco o ânimo. Em dois dias, os homens terminaram o trabalho todo. Quase todo. Discutiam sobre quem poderia ir para dentro do banheiro primeiro. Mas ninguém conseguiu quebrar a parede. 

Passaram horas dentro da casa. Alguém sugeriu que pintassem o interior. Não era trabalho deles, mas pro inferno, era isso ou quebrar a parede. No dia seguinte pintaram o exterior. Depois, os homens falavam de levantar muros no quintal, algo que nunca esteve na planta.

–Caralho, corre aqui! –Era Davi.

Correram em direção a casa. Adair liderando-os. Tinha esperança de que Davi tivesse feito o serviço, mas quando atravessaram a sala viram-no em pé diante da parede. Tremia. Só então perceberam que havia algo diferente.

–Que são esses buracos? –Adair perguntou, apontando para a parede.

–Não sei. Tava assim quando entrei –Davi respondeu.

–Tu cheirou pó?

–Cheirei –respondeu Davi.

Então tá normal, Adair pensou.

–Quem abriu os buracos? –Davi perguntou, os dentes batendo.

Os homens trocaram murmúrios. Adair percebeu que havia pequenos pedaços de cimento e tijolo para fora da parede, repousando sobre o chão.

–Vai ver foi o banheiro –disse, mais sério do que queria.

Mais discussões. A paranóia enchia a sala e preenchia os cômodos conforme os homens se afastavam e voltavam para confabular.

–Davi? –A voz de Adair cortou o som das conversas. –Davi, o que você tá fazendo?

O amigo se agachava diante da parede.

–O que você tá vendo? –alguém perguntou.

Davi olhou para eles e, sem dizer mais nada, chorou.

V

Levou uma semana e uma mensagem para que Maurício voltasse à obra.

Você precisa vir até aqui.

Adair ignorou o restante das mensagens e das ligações que fez. Que se foda. Finalmente, olharia o banheiro. Isso se conseguisse, claro, atravessar a multidão que cercava a obra.

Viu a figura de Adair de costas no quintal, abriu caminho pela multidão, ouvindo frases desconexas e orações cristãs.

É coisa do diabo! É só o diabo tentando as…

Tem que derrubar, gente! Se vocês amam…

É um presente de Deus!

É como se fosse o gato de schorodinger, aqui fora é o que não queremos, lá dentro é tudo que a gente…

Os militares…

–Que porra é essa, Adair? –perguntou, girando o pedreiro pelo braço.

Maurício vira Adair em diferentes circunstâncias ao longo dos anos. A testa estava machucada, como se atingida repetidas vezes por um golpe. Mas isso era o de menos. Pela primeira vez parecia verdadeiramente cansado.

–Perdemos o Davi.

–Como é?

–O Davi.  Vem.

Adair puxou Maurício pelo braço. As pessoas abriam passagem para o pedreiro, que detinha uma certa autoridade mística.

–Que gente toda é essa?

–O povo fala. Alguém deu com a língua nos dentes. Muita gente deve ter vindo de madrugada. Contou pros outros. Agora é isso. Até a polícia já esteve aqui.

–Polícia?

–Daqui a pouco vai ser o exército. Se bobear os americanos.

–Que porra você tá falando?

Maurício imediatamente caminhou em direção ao banheiro.

Havia alguns furos na parede lateral e uma enorme porta vermelha com maçaneta dourada.

–Vocês… instalaram a porta –Maurício disse, tocando na madeira.

–Não.

–Como não?

–Não fomos nós.

–Então quem?

Adair deu de ombros.

–Alienígenas. Deus. O banheiro. Eu não sei.

Maurício encostou a cabeça na porta. Podia ouvir… podia ouvir algo.

–Vocês estão… loucos…

Ele sabia o que havia do outro lado. Não entendia, mas sentia. Ouvia a cama rangendo e os gritos abafados sob o travesseiro… gritos de quem?

–Há esses buracos aqui, também. Você pode olhar, se quiser. Se não souber.

Maurício se afastou da porta e se aproximou da parede lateral. Não tinha coragem de atravessar a porta. Não agora. Mas podia olhar. Podia confirmar que estava errado. Que não ouviu o que tinha ouvido. Ele se ajoelhou na altura do buraco.

–Davi olhou.

Encarou Adair.

–Depois disso, ele chorou. Alguns outros olharam e fizeram o mesmo. Outros foram para casa. Não os vi mais. Quando a porta apareceu ele foi o primeiro a atravessar.

–E?

–Foi pra casa. Se enforcou numa árvore. Falei com a esposa dele. Ela encontrou o corpo. Uma hora depois de entrar na porta. 

–A esposa dele mora no Ceará –Maurício protestou.

–Eu sei.

Maurício esfregou a testa na parede, tentando conter a curiosidade.

–A filha morreu enquanto ele tava aqui no Rio trabalhando, sabia? Acho que ele só queria estar com ela.

–Você olhou pelo buraco? –Maurício perguntou.

–Olhei.

–E vai atravessar?

–Eu vou. Chorei o que precisava. Bati com a parede na cabeça de raiva. Eu neguei o que eu vi. Mas é verdade. É verdade. E eu to cansado de fingir que não é.

–O que você viu?

–Você sabe o que eu vi.

–Eu não sei.

–Não especificamente. Mas você sabe. Sabe o que o banheiro está prometendo. O que há depois da porta. As pessoas lá fora sabem. Por isso elas querem derrubar a casa. Querem que o governo as proíba de vir. Querem negar tudo.

–Você não precisa atravessar –Maurício disse.

–Não. Nem você. Mas eu tomei a minha decisão. Eu queria te chamar aqui antes. Te mostrar. Te deixar tomar sua decisão também, seja lá o que o banheiro te mostre.

–Eu não vou olhar.

–Você vai.

Era verdade. Maurício sabia. Relutantemente, olhou pelo buraco.

–Não… não… –disse, gemendo, então caiu no chão chorando. –Eu não quero, não quero isso, não quero, não, não…

–Eu sinto muito.

Adair levantou-se e abriu a porta do banheiro. Respirou fundo, atravessou e fechou a porta atrás de si.

VI

Era final de julho e as pessoas estavam em festa no bar do Tico. Homens, mulheres e todo belo arco-íris alfabético entre eles trocavam palavras apaixonadas e de alegria. O jornal noticiava que a ocupação militar estaria deixando a cidade. Depois que ativistas extremistas explodiram a “casa com a porta” nada de relevante foi encontrado. Chamaram tudo de histeria coletiva.

–Que se foda esses milico! –Gritou um homem negro de barba clara, erguendo o copo.

–Aê! –o bar comemorou em uníssono.

–Pro caralho com a Igreja da Porta, também! –Disse uma loira de olhos castanhos e pernas compridas, levantando o copo para todos.

–Aê –Concordou o bar!

–A próxima rodada o Tico disse que é na conta dele! –Disse o homem com a testa ferida, de ombros e braços fortes, usando vestido, também erguendo o copo.

O bar explodiu em comemoração.

–Mas eu não disse nada disso! –Protestou o Tico.

Mas era tarde demais. A vontade popular já havia decidido que a próxima rodada seria de graça. Quando a televisão começou a noticiar o julgamento do jovem engenheiro que matara o pai com um travesseiro, alguém desligou a televisão. Era, afinal, dia de comemoração.

Sobre Fabio Baptista

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26 comentários em “Do Outro Lado da Porta (Leandro Barreiros)

  1. Victor Viegas
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de Victor Viegas

    Olá, …… você!

    A primeira coisa que me chamou a atenção foi a falta de imagem e também pela estranha, e até mesmo criativa escolha de pseudônimo rs.  A narrativa apresenta com bastante eficácia o cotidiano dos personagens e os conflitos que emergem do ambiente de trabalho. A sua escrita utiliza diálogos muito bem construídos e descrições detalhadas para criar uma atmosfera de tensão. No entanto, há algumas oportunidades de refinamento tanto na construção da trama quanto no desenvolvimento dos personagens.

    Algumas passagens poderiam ser mais enxutas para melhor entendimento. Por exemplo, no início do texto, o detalhamento do trajeto de Adair até a obra, incluindo sua irritação com as regras de trânsito, embora contribua para estabelecer seu perfil, acaba se prolongando mais do que necessário, deixando o texto um pouco prolixo e atrapalhando a fluidez. Outra coisa é a repetição de palavras e expressões, como “porra” e “caralho”, que embora contribuam para a autenticidade dos diálogos, podem se tornar excessivas em alguns momentos. De modo geral, você escreve bem. Gostaria muito de ler outros textos seus. Desejo tudo de bom e boa sorte no concurso!

  2. Pedro Paulo
    14 de dezembro de 2024
    Avatar de Pedro Paulo

    COMENTÁRIO: Tenho certo preconceito com a divisão de um conto em seções enumeradas. Quando colocam o número e um nome do “capítulo”, minha antipatia aumenta. Aqui, esse julgamento equivocado foi vencido pela qualidade do texto, que rapidamente estabelece seus dois personagens e o confronto entre eles como uma isca para distrair o leitor daquilo que motiva o verdadeiro conflito da narrativa: a porta ou, melhor dizendo, a ausência dela, que só se apresenta em seu próprio tempo e obriga todos envolvidos na obra a sofrerem a expectativa e o mistério do que estaria por detrás, sabendo apenas que é tudo o que querem e que não querem, entregue de uma só vez pelo que quer que se esconda naquele mítico banheiro. Essa virada para um suspense mais surreal me pegou de surpresa e elevou o conto dentro do certame, tirando-o do convencional e conseguindo entregar uma história cativante entre os seus personagens. Os achei demasiadamente estereotipados, mas, o que importa mais, condizem com o tom presente na narrativa.

  3. André Lima
    13 de dezembro de 2024
    Avatar de André Lima

    É uma tentativa muito válida, original e interessante. Mas falta uma execução mais refinada, elaborada.

    Há alguns problemas de revisão que me desconectaram em alguns pontos.

    O texto tem um caráter informal que é 100% proposital, numa narrativa do cotidiano. Mas isso não significa que não possa haver uma melhor elaboração na escrita. Me parece algo cru demais para uma ideia tão grande que, para funcionar, precisaria ser muito bem executada.

    Os diálogos, as construções da cena, o suspense, os encontros na frente da porta… Tudo poderia ter sido melhor escrito, de modo a nos encapsular, nos causar ansiedade e nos arrebatar com o final.

    Falta mais maturidade para um tema tão complexo e uma escolha tão original.

    O ponto forte da trama é a criatividade. Há muita coisa boa aí que pode ser melhor lapidada. É um conto que poderia ser muito melhor do que foi.

    De todo modo, parabéns ao autor pela ousadia e pela criatividade. Um pouco de refino e tudo se acerta.

  4. claudiaangst
    12 de dezembro de 2024
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem?

    Neste desafio, usarei o sistema ◊ TÁ DITO ◊ para avaliação de cada conto.

    Título = DO OUTRO LADO DA PORTA > O título do conto já traz o elemento do tema proposto. O que há do outro lado da porta? Desperta a curiosidade de qualquer voyeur.

    Adequação ao Tema = Tema proposto abordado com sucesso: a porta está lá. Ou esqueceram da bendita na hora da construção?

    Desenvolvimento = O conto desenvolve-se a partir de um questionamento sobre o banheiro sem porta, aumenta o clima de suspense. Acho que o mistério pode ser desvendado com a frase: “É como se fosse o gato de schorodinger, aqui fora é o que não queremos, lá dentro é tudo que a gente…”

    Índice de Coerência = O enredo apresenta uma realidade tão doida, uma verdadeira experiência mental, que fica difícil definir coerência nesse contexto. Tudo certo pra mim, então.  

    Técnica e Revisão = A linguagem foi bem empregada de acordo com a narrativa construída. Diálogos verossímeis, sem rebuscamentos desnecessários.

    Algumas falhas no quesito revisão:

    Mauríco > Maurício

    […] dezenas de mensagem > […] dezenas de mensagens

    […] recém colocados > […] recém-colocados

    […] em direção a casa > […] em direção à casa (Quando “casa” significa “o prédio, a construção”, usa-se crase).

    paranóia > paranoia

    […] o gato de schorodinger > […] o gato de Schorödinger

    Quando a porta apareceu ele foi […] > Quando a porta apareceu, ele foi […]

    E eu to cansado > E eu tô cansado

    O que ficou = Uma sensação de que não entendi completamente o conto. Deve ser genial, mas me faltou capacidade cognitiva para compreender tudo o que foi apresentado – só sei que tem a ver com a experiência O Gato de Schrödinger.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  5. Fabiano Dexter
    12 de dezembro de 2024
    Avatar de Fabiano Dexter

    Gostei muito do conto. É o tipo de história que eu gosto, ainda que o texto tenha algumas falhas que ao meu ver possam ser corrigidas em uma futura revisão.

    O excesso de palavrões nos diálogos, ainda que verossímeis, acabam incomodando um pouco, ainda mais quando passam para as descrições (que em alguns momentos se confundem com os diálogos e pensamentos, inclusive)

    O uso do tema Porta foi muito bem feito e eu realmente gostei da história…

  6. Mauro Dillmann
    11 de dezembro de 2024
    Avatar de Mauro Dillmann

    Senti a linguagem do narrador muito próxima à própria linguagem dos personagens. É interessante quando os personagens ganham personalidade própria. Não é o caso.

    A história segue em um ritmo, de repente surge um “Davi” e o “pó”, soltos. O conto segue, um tanto repetitivo, a abertura ou não da porta (com diálogos pouco significativos), até modificar-se completamente.

    Em algum momento tem certa tensão, boa atmosfera e ritmo (com a cena da marreta), mas não se mantém.

    O “pode checar” na fala do personagem Adair soou estranho.  A palavra “porra”, repetida à exaustão, cansou. “deu de ombros” parece expressão desgastada e aparece duas vezes. Outra palavra diferente, forte e repetida é ‘umbral’. Na minha opinião, não vale a pena utilizar.

    Essa passagem tem um “a” sobrando: “vocês esqueceram a da porta do banheiro”.

    O conto cumpre o tema desde o título.

    Parabéns!

  7. Jorge Santos
    9 de dezembro de 2024
    Avatar de Jorge Santos

    Olá, esqueci de pensar. Terminei de ler o seu conto. Deveria fazer uma segunda leitura, mas há contos em que sinto que essa segunda leitura seria irrelevante para tentar perceber o conto. Não consigo encontrar a lógica do desfecho, a sua ligação com o resto do texto, que se arrastou penosamente com repetições e sem desenvolvimento, não permitindo que o texto atingisse o seu potencial – porque a premissa é excelente. Faltou apenas a construção da narrativa que leve o leitor até ao desfecho.

  8. Priscila Pereira
    9 de dezembro de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Autor! Tudo bem?

    Cara, que conto legal! Muito bom mesmo!

    O melhor dele é o mistério que persiste em todo o conto e mesmo no final, que não entrega praticamente nada, ainda sim é bastante satisfatório.

    Primeiro vou dizer o que entendi, depois falo mais sobre o conto… Então, parece que o banheiro era mágico, né. Por que, como, quando, não é esclarecido e não importa. As pessoas viam o que mais queriam na vida. O que elas ansiavam no fundo da alma.

    O Davi se matou pq queria rever, estar com a filha, o Adair que parecia bem homofóbico no final está de vestido no bar e o Maurício é preso por matar o pai, então pelo que entendi dentro do banheiro era a realidade que a pessoa mais desejava na vida, e se atravessassem a porta isso se materializava. É isso?

    Gostei muito da criatividade do conto e também da desenvoltura com a qual foi escrita, a fala dos personagens está muito verossímil, assim como está consistente o aprofundamento psicológico deles. Mas como já disse, o forte do seu conto é o mistério que foi mantido sem deixar cair até o final. Muito difícil de fazer tão bem!

    Parabéns pelo ótimo conto e boa sorte no desafio!

    Até mais!

  9. Elisa Ribeiro
    8 de dezembro de 2024
    Avatar de Elisa Ribeiro

    Insólito seu conto. Já perto do final lembrei do livro A hora dos ruminantes, do José J. Veiga. Eu gosto. Foi uma leitura divertida. Se há uma metáfora, não captei, o que não faz a menor diferença na minha experiência de leitura. Tema ok, revisão idem.

  10. Mariana
    8 de dezembro de 2024
    Avatar de Mariana

    História – caramba, que troço cósmico e maluco. Mas brasileiro 4/4

    Escrita – Mutarelli é você? 5/5

    Título – O título é a coisa menos inspirada e não tem imagem, mas não sou obrigada a ser justa e quero dar 10 pra esse conto 1/1

  11. danielreis1973
    7 de dezembro de 2024
    Avatar de danielreis1973

    Do Outro Lado da Porta (Esqueci de pensar)

    Prezado(a) autor(a):

    Para este certame, como os temas são bastante díspares, dificultando quaisquer comparações, vou concentrar mais minha avaliação em três aspectos, e restritos à MINHA PERCEPÇÃO durante a leitura: a) premissa; b) técnica; c) efeito. Mais do que crítica ou elogio, espero que minha opinião, minhas sensações como leitor, possam ajudá-lo a aprimorar a sua escrita e incentivá-lo a continuar.
    Obrigado e boa sorte no desafio!

    DR

    A) PREMISSA: construída a partir de uma abordagem do realismo fantástico, a história poderia facilmente ser um episódio daqueles do Além da Imaginação (aliás, vários dos contos aqui poderiam…). Isso é um elogio, e ainda mais que o autor trouxe elementos mais próximos do cotidiano como diferenciais – quem não teve um pedreiro preguiçoso na obra, né? Mas foi muito além: metaforicamente, quem também não teve medo de terminar o que começou, ou procrastinou o que tinha que ser feito? Então, mais do que um conto absurdo, a história é uma fábula sobre enfrentar fantasmas pessoais e, principalmente, sobre a interação entre motivações entre os personagens. E isso nos conduz à Técnica.

    B) TÉCNICA: a escrita prosaica, com diálogos realistas, contrasta com o absurdo do banheiro que tinha magia/fantasia própria. Um ponto a melhorar, a meu ver, é a construção dos personagens, que para mim ficaram um pouco “exagerados” nos traços e tintas: o pedreiro viciado, o filhinho de papai engenheiro novo, etc.

    C) EFEITO: o efeito final é bom, apesar do final da história me parecer um pouco apressado. Talvez com um limite de palavras maior, o autor escolhesse outro arremate. Ou não, aí é com ele. Sucesso!

  12. Felipe Lomar
    4 de dezembro de 2024
    Avatar de Felipe Lomar

    Olá,

    bem, você é um escritor com muito domínio da língua, consegue prender o leitor de verdade e tem uma escrita muito bem desenvolvida (apesar de o primeiro diálogo ser um tanto lento, mas não chega a ser ruim). O conto estava muito interessante, o suspense e o mistério da Porta estavam me prendendo mesmo. Mas achei que o final não manteve o mesmo nível. Ficou pouco inspirado, na minha opinião. Parece que o autor não soube como finalizar direito. A ideia de não explicar o mistério pode funcionar muito bem, mas aqui acho que não deu muito certo. A porta parece que mostra algumas verdades, mas o leitor quer saber o que foi visto, e como funciona. O conto “chama” isso, pela sua estrutura.

    boa sorte!

  13. Kelly Hatanaka
    3 de dezembro de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Oi Esqueci de pensar.

    Adair é pedreiro e leva bronca do chefe, Maurício, porque não fez abertura para a porta do banheiro. Acontece que, por algum motivo, ele não consegue. Há algo sobrenatural envolvendo o banheiro.

    Um conto instigante, com um toque de terror e que atende bem ao tema porta.

    A história é interessante e bem contada e os personagens estão bem desenvolvidos, têm falhas, fraquezas, dá para imaginar tudo dando muito errado.

    Uma boa história, bem conduzida.

    Porém, tem que ter um porém, né? Porém, a porta fica totalmente sem explicação.  E, no fim, ela é destruída e parece que há uma passagem de tempo: houve uma ocupação militar, surgiu uma igreja da porta. E, só então se noticia o crime cometido por Maurício. Estranho, porque as demais “vítimas” da porta pareciam agir tão logo entrassem por ela.

    Minha pitada de achismo: acho que se houvesse uma explicação para a origem ou finalidade da porta, o enredo ficaria mais interessante e fechadinho. Nem precisaria ser uma super explicação.

    Gostei ou não gostei: gostei, mas tinha potencial para eu gostar mais.

  14. JP Felix da Costa
    30 de novembro de 2024
    Avatar de JP Felix da Costa

    Este conto divide-me. Por um lado, gostei da ideia. Achei interessante o desenvolvimento e o objetivo do enredo. Alguns dos diálogos estão muito bem conseguidos. Tem personagens muito interessantes e bem construidas, como o Mauricio-filho.

    Por outro lado, a execução deixa algo a desejar. Apesar de se entender todos os pontos do enredo, algumas coisas estão algo apressadas, e perde-se muito do verdadeiro impacto que poderia ter. Posso estar errado, mas parece-me que quem a escreveu caiu num erro que eu considero fácil de acontecer, e que afeta muito uma história quando acontece. O escritor precisa ter sempre consciência que o leitor não sabe tudo sobre a história, como ele sabe, e tem de conseguir colocar-se na pele de quem lê e esquecer tudo o que sabe, porque é ele que está a criar a história, e perceber quais os passos, e qual o impacto que cada um deles terá no leitor. Para mim, isto é algo muito importante a ter atenção ao escrever uma história.

    Tirando isso, que me parece ser, talvez, de alguma falta de experiência, a história está engraçada e o conceito exposto está bem conseguido. Gostei.

  15. Marco Saraiva
    30 de novembro de 2024
    Avatar de Marco Saraiva

    Este conto está no estilinho que eu gosto. Um horror psicológico, “weird horror” como gosto de chamar. Esta ideia do banheiro como uma entidade, algo que embaralha os pensamentos de todos ao redor, foi uma sacada muito interessante. Ainda mais por ser o banheiro, de todos os cômodos. Este absurdismo fisga alguma coisa no cérebro, desperta a curiosidade. Ainda mais da forma que você fez, introduzindo o sobrenatural aos poucos, falando do absurdo como algo corriqueiro.

    A pergunta deixada no final, para mim, é a cereja do bolo. Muita gente tenta criar uma história assim, e no final tenta explicar tudo. Muito raramente isto funciona. A pergunta no ar quase sempre é a melhor opção. Está certo que o final do conto não foi dos melhores, ao meu ver. Deu para entender que, após a abertura da porta, a ideia foi mostrar a loucura. Um mundo paralelo, talvez, ou apenas mostrar o povo abraçando a insanidade – algo bem comum em contos lovecraftianos como este. Mas deixou um gostinho amargo, como se faltasse alguma coisa.

    Não sei explicar, assim como não sei explicar o que havia no banheiro. Mas mesmo que o final tenha deixado esta sensação de incompletude no peito (eu sei que é paradoxal, já que momentos antes eu falei que deixar a pergunta no ar é uma virtude… acho que estou sendo afetado pelo banheiro também!) o resultado final foi muito bom. Com certeza um dos melhores contos do desafio, e o melhor horror!

    A escrita está muito bem feita, você cria a atmosfera correta para o conto, desenha bem as cenas e os diálogos são críveis. Gostei de como a fala de Adair muda do início para o fim, conforme ele se torna cada vez mais sóbrio com as revelações por trás da parede do banheiro. Há alguns erros de digitação que acabam me tirando um pouco da leitura, mas nada de muito severo.

    Parabéns!

  16. Fabio Baptista
    26 de novembro de 2024
    Avatar de Fabio Baptista

    Meu preferido do desafio, um conto que eu gostaria de ter escrito.

    Leitura divertida, escrita leve, personagens bem caracterizados, dentro do tema. Numa primeira leitura, conforme chegava próximo do final, senti que havia promessas que não seriam cumpridas. É bem comum quando temos uma ótima premissa (aqui o mistério em torno do porquê de não conseguirem derrubar a parede para construir a porta) ficar meio sem ter para onde correr no final… tipo, deixamos o mistério, damos uma explicação estilo Stephen King, tiramos algo do… bolso… tipo Neil Gaiman? Raramente as expectativas se cumprem.

    Nessa primeira leitura, mais apressada, minha impressão foi essa, que o desfecho tinha deixado a desejar (não tinha captado que o Davi queria morrer, por exemplo). Na leitura definitiva, não que o tal do mistério tenha sido explicado (e ainda bem que não foi!), quem diabos (talvez literalmente) colocou aquela porta ali ninguém sabe. Mas entendemos o que a porta fazia e isso é tudo o que importa.

    ÓTIMO

  17. vlaferrari
    26 de novembro de 2024
    Avatar de vlaferrari

    Um primeiro trecho um pouco confuso, entre os pensamentos de Adair e as falas do narrador. Poderia criar-se uma delimitação com aspas ou mesmo com travessões. Claro que, isso se deve ao estilo do autor. Mas lembremos: “Esqueci de Pensar”, nos deixa na mão nesse quesito e o leitor tem de se virar. Foi difícil imaginar um homem com um cigarro na mão na pose de um adolescente tentando impressionar. Hoje em dia, é mais fácil criar um campo de força ao portar e fumar um cigarro do que impressionar alguém. É, aliás, impressionante para muita gente, diante de tanta propaganda negativa, ver gente fumando. Mas a despeito disso tudo, dessas impressões iniciais, e de outras cenas do conto meio estranhas e, digamos, apressadas e sem revisão, a história é empolgante. Só que não.

    O leitor via se enroscando na teia narrativa, vai se interessando, se adrenalizando com o mistério e tudo acaba em pizza, ou no caso, uma rodada grátis no Bar do Tico. Parece coisa do Thales. Estava extremamente interessante, enquanto havia o mistério de ser possível o Davi ou outro pedreiro qualquer, preso atrás da parede, passando por uma viagem de LSD, por exemplo. Ou algo elaborado com mais tempo e com um final tão interessante quanto o conto em si. Ficou broxante. Provavelmente, pelo desenvolvimento da narrativa, independente dos erros, seja bem pontuado. Mas a sensação está lá, atrás das quatro paredes sem porta, ou com a porta vermelha de maçaneta dourada. Boa sorte no desafio.

  18. Givago Thimoti
    26 de novembro de 2024
    Avatar de Givago Thimoti

    Do outro lado da porta – Esqueci de pensar  

    Resumo + Comentários gerais:

    Do outro lado da porta narra a história de Maurício, um jovem envolvido no ramo da construção, “filhinho de papai”, sem experiência prática, que enfrenta a responsabilidade de supervisionar o trabalho dos pedreiros. O narrador apresenta Maurício como alguém um tanto inexperiente e distante da realidade dos trabalhadores, mas tentando assumir uma postura de autoridade.

    O enredo se desenrola com Maurício interagindo com Adair, um pedreiro mais experiente, que tenta lidar com a situação de forma pragmática e realista. O texto é recheado de diálogos informais e expressões coloquiais, que refletem a tensão entre os dois personagens, com Maurício tentando demonstrar domínio sobre a situação, mas ainda revelando sua falta de conhecimento.

    O conto ia muito bem até o seu clímax; quando descobrem que, aparentemente, não tem como mexerem em nada naquela parede. A partir daí, o conto se enrola e a história vai morrendo devagar, sem muito sentido. Pelo menos, para mim.

    Frase/Trecho de impacto:

    Adair acompanhou a mão do homem. E então procurou. Parede… parede… parede… Ele e os outros pedreiros simplesmente cercaram o espaço. Talvez eu seja mesmo meio burro, pensou amargurado. => dei uma leve risada nisso aqui. Quem nunca passou por isso?

    Adequação ao tema (0 a 3) – Avalio se o conto aborda o tema proposto de forma coerente, aprofundada e relevante para o Desafio: 3

    Porta/ Portal estão aqui, embora seja mais sobre a falta de uma porta do que propriamente o tema.

    Construção de Mundo e personagens (0 a 2) – Avalio a profundidade dos personagens e a ambientação, incluindo o cenário e como tudo interage para fortalecer a narrativa: 0,5

    Como citei anteriormente, achei o conto bem construído até o seu clímax, qual seja, o momento que se percebe que aquela parede não permitirá que ninguém a toque. A relação dicotômica entre Maurício e Adair é, pelo menos até esse certo ponto, o grande destaque da história.

    Depois, a narrativa descarrilha, focando-se principalmente em revelar sem revelar nada. Até surge uma porta, pela qual Davi (um pedreiro que consome cocaína e oferece para os coleguinhas) consegue espiar e resolve se suicidar numa árvore em sua casa depois de atravessar o país a partir do portal. Essa porta, talvez como uma Caixa de Pandora, endoideça a pessoa que ousa espiá-la pelo fecho… Enfim, isso não foi trabalhado; ao leitor, resta assistir tudo com duas interrogações no lugar dos olhos, sabendo que a pessoa que interage com o local fica meio doidinha das ideias.

    Ah, além disso, surgem policiais (?), e num pequeno tempo, o local vira um pequeno centro de romaria…

    Enfim, são muitos elementos jogados! Ficou ao cargo desse leitor juntá-los. Não sei se isso configura que o conto foi construído. Talvez haja um fio de lógica por trás da história que esse autor desenrolou. E a julgar pela falta de pseudônimo, não sei se foi uma preocupação de quem escreveu deixar o fio lógico da narrativa tão claro assim.

    Uso da linguagem (0 a 2) – Avalio a qualidade da escrita, incluindo o estilo, clareza, gramática e fluidez dos diálogos:  0,25

    A escrita não está boa. Embora utilize uma linguagem mais simples, mais próxima daquela que empregamos no dia a dia, o conto tem alguns erros gramaticais bobos que seriam solucionados com um simples copia e cola no Chat GPT, por exemplo. Usa e abusa de palavrões (o que pode ser cansativo até para quem não tem problema com palavrões, como eu por exemplo).

    Antes de apontá-los, vou destacar o óbvio: tanto o pseudônimo quanto a falta de revisão gramatical gritam que esse conto foi feito displicentemente no limite, meio “nas coxas”. Como uma vez falaram para mim nesse grupo, e tento levar para a vida, enquanto a expectativa do autor é que o colega comentarista leia com cuidado e atenção a sua história, a expectativa do leitor é que o autor tenha feito uma revisão gramatical cuidadosa. Não é o que se observa nesse caso.

    Enfim, vamos aos apontamentos gramaticais, resumidos:

    ·      Maurício Filho = não Maurício-filho!

    ·      Falta de vírgulas para separar elementos de uma enumeração ou explicação adicional: “O filhinho de papai ganhou a empreiteira e não sabia o que fazer com ela.” poderia ser melhor estruturada como “O filhinho de papai ganhou a empreiteira, e não sabia o que fazer com ela.”, incluindo a vírgula antes do “e” para separar orações coordenadas. “Que ele tentasse, como muitos outros antes, mostrar que o pedreiro era burro.” poderia ser melhor estruturada como “Que ele tentasse, como muitos outros antes dele, mostrar que o pedreiro era burro.”, adicionando “dele” para completar a ideia.

    ·      Concordância verbal: “A mão voando na parede de novo.” A concordância de “a mão voando” poderia ser mais clara, usando “a mão voava na parede de novo”, para manter o verbo no tempo correto.

    ·      Ambiguidade no uso de pronomes: “Adair coçou a cabeça. Tentou lembrar quem começou a levantar a parede ali.” Faltou clareza em quem está sendo referido com “quem”. A frase ficaria mais clara com: “Tentou lembrar quem, entre os outros pedreiros, começou a levantar a parede ali.”

    ·      Falta de pontuação em frases com vocativo: “Maurício tragou mais uma vez.” A frase não possui vocativo direto, mas outros casos do texto apresentam vocativos sem vírgulas. Por exemplo:

    ·      “Ô, Mauríco (aqui era para ser Maurício) –Adair disse” deveria ser “Ô, Maurício – Adair disse”, com vírgula para separar o vocativo.

    ·      Concordância entre sujeito e verbo: “Maurício teve uma expressão perplexa e, então, a decepção.” A frase poderia ser melhor formulada como: “Maurício teve uma expressão perplexa, e, em seguida, decepção.”

    ·      O uso de “com” no lugar de “como”: “O balcão da cozinha tá erguido também e a gente já recebeu o mármore, eu conferi o corte e tá tudo certo.” O uso de “com” aqui pode estar causando confusão, e seria mais adequado usar “como”, mas, dependendo do contexto, uma revisão da estrutura da frase poderia evitar esse tipo de erro.

    Enfim, infelizmente, a nota baixa nesse aspecto é um reflexo direto desse e outros erros encontrados.

    Estrutura Narrativa (0 a 1,5) – Examino o fluxo do enredo, a clareza da introdução, desenvolvimento e conclusão, e se o ritmo é adequado: 1

    Tentando ser o menos repetitivo possível, o início e o meio do conto são bons. A conclusão, embora não seja apressada, aborda o desfecho da narrativa sem abordar, tipo num embromation. Enfim,

    Impacto Emocional (0 a 1,5) – O quanto a história conseguiu me envolver emocionalmente, provocar reflexão ou cativar: 0

    Bom, ler esse conto foi um baita banho de água fria, infelizmente. Bom, (ignorando a escrita) o conto começou bem, com a relação turbulenta entre chefe e funcionário. Contudo, conforme ela vai sumindo e o caso da porta vai ganhando terreno, a história vai se perdendo. Isso porque não tem explicação lógica para o terror que aquela porta esconde. OK, sabemos, como disse antes, que ela afeta fortemente que olha pelo fecho ou passa por ela. Mas, é isso. Cria-se um fuzuê que, sem eu saber por exemplo o que Maurício viu e que o fez matar o pai, ou Adair, eu não tenho como me ligar a isso. Ou seja, o grande responsável pelo clímax não me afetou em nada. E, sem isso, o conto não tem impacto nenhum.

    0.

    NOTA FINAL: 4,75 (como as regras do desafio não permitem notas com duas casas decimais, a nota será arredondada para 4,8)

  19. Thales Soares
    21 de novembro de 2024
    Avatar de Thales Soares

    O que achei deste conto: Muito interessante!

    Este é um conto sobre um pedreiro e uma porta mágica. O legal aqui é que a narrativa começa de forma bem mundana. A princípio parece apenas um slice of life qualquer. Mas então a loucura vai crescendo gradativamente, sem que o leitor perceba, e quando nos damos conta… a barata já tá voando, já tem insanidade pra tudo quanto é lado, e o caos tá reinando. Me lembrou até das histórias do Junji Ito, onde além de ter um nível de loucura crescente, o insano é apresentado de forma natural, como se aqueles elementos bizarros fizessem parte do nosso cotidiano. O autor Luis Guilherme, aqui do EC, adora produzir histórias com esse caos crescente… mas acredito que este conto não é dele.

    A história aqui conta a respeito de um pedreiro chamado Adair, que trabalha para um tal de Maurício-filho (da puta). Começamos com uma grande situação problema…… Adair construiu o banheiro e esqueceu de colocar a porta, e as paredes já estão fechadas! Parece um problema simples, mas a linha narrativa permeia por essa questão, que vai ficando cada vez mais problemática. E isso é bastante divertido!! Os diálogos dos personagens é meio toscão, mas aqueles tosco de propósito, para dar humor ao texto. E, para mim, funcionou. Não cheguei a gargalhar, mas em vários momentos eu dei um sorrisinho ao ler.

    Os dias passam, e a obra já está quase que totalmente pronta… mas ainda há aquele problema. O banheiro continua sem porta. Aqui surge o primeiro elemento mágico da história, e uma sementinha de insanidade começa a crescer na mente dos personagens. Nenhum deles consegue quebrar a parede do banheiro, para fazer o espaço da porta. Adair pega a marreta, e é interessante como a narração induz o leitor ao erro, fingindo que o pedreiro vai dar uma paulada na cabeça do chefe, mas seguindo por outro caminho. É uma quebra de expectativa usada da maneira correta, pois é sutil.

    Então Adair começa a chorar, por não conseguir quebrar a parede. Tempo depois, surge uns buracos na parede. E por fim, uma porta aparece ali sozinha. É aqui que a insanidade máxima da história começa. Senti até uma pegada meio lovecraftiana nesse momento, onde os personagens ficam horrorizados, mas nada é mostrado para o leitor, apenas é retratada a loucura nas vítimas. Davi, amigo de Adair, o fornecedor do pó, é o primeiro a ficar totalmente louco, e até se mata. Tudo isso porque ele olhou pelo buraco e depois atravessou a porta.

    Então Mauricio também decide olhar pelo buraco, movido por sua curiosidade. Aí ele começa a chorar e fica profundamente abalado. Por fim, Adair atravessa a porta… nesse momento, fiquei na esperança de o leitor ser presenteado com alguma pista, alguma descriçãozinha minima do outro lado… mas nada…. Apesar de gostar de mistério, fico um tanto decepcionado com histórias que terminam dessa forma, escondendo tudo do leitor. Acho que poderia ter dado apenas mais alguns pequenos indícios, ou vislumbres, para que o leitor pudesse imaginar algumas loucuras.

    Para concluir, a galera explode o prédio e o banheiro, a polícia e o exército se envolvem, e tudo passa no noticiário, como um surto de histeria coletiva. Vemos então Adiar, ainda vivo, num bar… e agora ele está de saia, e com uma nova vida. Ele…… mudou de sexo? Digo, estou surpreso pois parece que o inconsciente coletivo das pessoas neste desafio associou “Porta” com “Sair do armário”, e há vários contos em que o protagonista vira travesti no final, algo que não costuma acontecer em outros desafios.

    No geral, achei as ideias deste conto bastante divertidas, e a criatividade aqui investida foi alta. Achei que algumas descrições foram mal conduzidas, e a escrita aqui é um pouquinho abaixo da média… nota-se que o autor possui grandes ideias, mas ainda está se habituando com esse processo de escrita. Mas no geral, achei um conto bem divertido.

  20. Antonio Stegues Batista
    21 de novembro de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    A história de um pedreiro que esqueceu de deixar uma abertura na parede do banheiro para colocar a porta. Em princípio, achei ruim e bizarra essa ideia do autor, mas depois aparece o mistério, o surreal e as explicações. Porém, mesmo o final revelando o sentido, o mote do conto, é inexplicável um pedreiro agir dessa forma. Alguma força estranha o fez agir assim? Talvez. Achei sem graça e chato, Adair considerar o patrão um maricas, mas o final explica que o interior do banheiro revela que, as pessoas olhando pelo buraco na parede, assistam os seus próprios segredos, no caso de Adair, ele é que é o maricas e que Mauricio é um assassino. Então, tudo tem uma explicação lógica. O conto é surreal, gostei. Tem uma boa escrita e um bom enredo. Parabéns e boa sorte.

  21. Thiago Amaral Oliveira
    16 de novembro de 2024
    Avatar de Thiago Amaral Oliveira

    Parabéns pelo conto!

    Por enquanto, foi o mais divertido que li. Acho que isso se deve à maneira com que você descreve as ações. Coreografou bem tudo. Além disso, a falta de conectores, na maior parte das sentenças, traz uma velocidade maior aos acontecimentos. Parecem pensamentos rápidos, que formam o ritmo da história. Bastante interessante.

    Gosto também que, logo de início, a personalidade do nosso protagonista é bem determinada. Principalmente por sua homofobia, mas também pelo pavio curto. Tudo isso é apresentado nos primeiros instantes, logo dando cor à narrativ, que nunca é monótona. Á um bom equilíbrio entre ação e pensamento dos personagens.

    A interação entre Adaílton e Maurício é bastante divertida, bem como a situação absurda que os dois vivenciam. Talvez a personalidade de Maurício seja um pouco clichê: o riquinho com daddy issues. Mas funcionou bem, sendo explorada rápida e eficientemente em apenas um momento do conto.

    No fim, tudo acaba num tom divertido e mostra a porta como um símbolo de nossas repressões ao inconsciente. Não sabemos o que diabos aconteceu nem por que aconteceu justo naquela obra, mas a história que fica é bem boa.

    Parabéns novamente e boa sorte no desafio!

  22. Luis Guilherme Banzi Florido
    16 de novembro de 2024
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia, amigo(a) escritor(a) do(a) Encontrecontos, tudo bem?

    Primeiramente, parabéns por superar a nostalgia do desafio de trios e entrar no portal do novo certame! Boa sorte e bora pra sua avaliação:

    Tema escolhido: porta/portal

    Abordagem do tema: 100%. Uma porta misteriosa que é um portal para os desejos mais profundos de cada pessoa.

    Comentários gerais: conto excelente! Gostei muito! Os personagens são muito bem desenvolvidos desde o começo. Eu meio que senti que o conto trataria sobre desejos ocultos, não sei exatamente o motivo, mas a homofobia descarada do protagonista me fez sentir que tinha motivo narrativo, e tinha mesmo. Claro que isso não é problema de modo algum, só to mencionando. Você construiu muito bem os personagens do Adair e do Maurício pra que a narratvia funcionasse muito bem. O desfecho funciona legal justamente porque você fez esse trabalho de desenvolvimento de personagens. O mistério do banheiro vai numa crescente hipnótica, que me deixou preso à leitura. O que tem lá dentro? Uma sensação de suspense me englobou. Gosto muito desse tipo de história. Seu comentário vai ser menor que os outros, sinto muito. Isso acontece com os contos que mais gosto e sobre os quais não tenho muito pra falar. A escrita também está ótima, com um ou outro errinho de revisão. Enfim, ótimo trabalho, parabéns!

    Sensação final: dei uma espiadela pelos buracos na parede do banheiro, e do lado de dentro tava exatamente o meu desejo pra esse sabadão: ler um ótimo conto de suspense. Desejo realizado!

  23. Thata Pereira
    12 de novembro de 2024
    Avatar de Thata Pereira

    Eu estava gostando muito do conto, uma história com uma pegada cotidiana, o pedreiro esqueceu de abrir a porta do banheiro, achei essa uma forma muito interessante de tratar o tema. Gosto desses diálogos diretos, bem cotidianos. Quando a parte fantasiosa chegou, quebrou o meu romance com o cotidiano e o cômico da história, mas está tudo bem.

    A questão é: o que tem atrás da porta? Por mais que sejam dadas pistas, não há claro o que tem e isso me incomoda em bater o martelo e dizer: é isso. De começo, estava achando que a porta e os buracos eram um deliro coletivo do pessoal que usou algo muito pesado (o próprio conto fala sobre isso), mas pelo que eu entendi eles olharam pelo buraco em dias diferentes, foi isso? Isso destruiu a minha interpretação.

    Não é um conto ruim. É leve, engraçado, o cenário é muito interessante. Só não consigo concluí-lo.

  24. bdomanoski
    12 de novembro de 2024
    Avatar de bdomanoski

    muito bom. Gostei! Nota 9.5 ! 😃

    bem entretivo e fluido o texto. O autor provavelmente não soube bem o q fazer com a história q pareceu degringolar-se por conta propria, mas deu um bom final. As pessoas finalmente fizeram o q queriam fazer, foi o q entendi. Massa. Está no meu top3 de preferidos

  25. andersondopradosilva
    12 de novembro de 2024
    Avatar de andersondopradosilva

    Do Outro Lado da Porta

    Resumo:

    Porta aparece misteriosamente em parede de banheiro de casa em construção, revelando e realizando os desejos mais inconfessáveis daqueles que ousassem atravessá-la.

    Comentários:

    Com técnica, é possível escrever sobre qualquer assunto. Mas técnica não se confunde com conteúdo. Nem sempre a técnica vem acompanhada de uma grande ideia. Acontece. E a boa técnica pode escamotear a falta de conteúdo. 

    Este conto é um bom exemplo de técnica sem conteúdo.

    É claro que eu poderia dizer que o conto é sobre conflito de classes (trabalhador pedreiro versus empresário herdeiro). Sobre uso de drogas (trabalhadores usuários). Sobre fanatismo religioso e sobre crendices (adoração do povo no entorno da casa). Sobre espetacularização de tragédias (televisão noticiando a morte do empresário). Sobre a natureza humana (desejos inconcebíveis se revelando e se concretizando). Eu poderia dizer que o conto é sobre tudo isso, porque tudo isso está, de fato, no conto, mas eu estaria sendo desonesto sobre o que pensei e senti ao final da leitura, e estaria cedendo ao meu desejo de não magoar o autor.

    O que posso dizer com honestidade é que o conto é sobre uma porta que aparece misteriosamente em um banheiro de uma residência em obra. Há também buracos que aparecem misteriosamente. Quem olha através desses buracos, quem ouve através da porta e quem atravessa a porta tem seus desejos inconfessos revelados e posteriormente concretizados. Não há uma explicação para a origem da porta ou de seu poder.

    Eu me senti traído pelo autor. Senti que caí num engodo. A leitura não me levou a nada. Foi frustrante. Senti que a perda de tempo só não foi maior porque pelo menos o conto está bem escrito.

    A técnica do autor é quase irreprimível. O texto está bem revisado e o enredo é contado de maneira eficiente. O que frustra é a falta de conteúdo.

    O conto não conduz a nenhuma reflexão relevante. Ao menos não primordialmente. Tudo o que é relevante aparece apenas tangencialmente. Porque o cerne do conto é uma enorme coisa nenhuma.

    Não é realismo mágico, porque no realismo mágico o mágico se presta a metaforizar o real. E o que o conto traz transpassa o mágico e deságua no absurdo.

    Se o objetivo era ter um conto sobre porta, pode-se dizer que ele está aí. É um conto sobre a porta em si. Parece até um deboche com o desafio: era porta que vocês queriam, então toma aí a porta. Os bons contos sobre porta do desafio (ou portal, ou portão) abordaram outros temas para além da própria porta – são contos que ou emocionaram e/ou fazem pensar, convidam à reflexão, criticaram. Do Outro Lado da Porta não fez nada disso.

    Eu até poderia, como já disse, afirmar que o conto é sobre conflito de classes, uso de drogas, fanatismo religioso, crendices populares,, espetacularização de tragédias ou a natureza humana, mas, se fizesse isso, eu me sentiria um engodo, uma farsa, uma daquelas pessoas não-experimentadas em Artes que vão a um museu (especialmente de arte abstrata) e começam a extrair sentido e maravilhamento em linhas retorcidas, cores misturadas, formas geométricas e pontos largados aleatoriamente sobre a tela. Não sou desses. Se olho pra um desses quadros, no geral penso “ah, tá, legal, bonitinho; próximo” e sigo adiante pelos corredores. É uma arte que não alcanço, que pode até me transmitir alguma beleza, alguma emoção, alguma impressão, mas cujo significado pleno só seu autor poderia me transmitir.

    De qualquer maneira, não posso deixar de parabenizar o autor pela sua qualidade técnica, pela exímia habilidade na escrita de diálogos e por sua aptidão em criar e manter o suspense e de emputecer leitores medíocres como eu. Certamente se trata de um escritor que agradará a muitos, mas que, neste trabalho aqui, apresentado especificamente no contexto de um desafio literário temático, e que promove uma natural comparação entre diversos estilos e conteúdos, neste trabalho aqui o autor me desagradou.

  26. Gustavo Araujo
    12 de novembro de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Quando Bukowski encontra Matheson. Muito bom o conto, com destaque positivo para os diálogos. Tem aquela pegada suburbana de realidade nua, permeada por uma atmosfera de mistério que vai se instalando vagarosamente, até construir o grande mistério que é a porta do banheiro. O que há atrás dela afinal? Mérito do autor não transformar essa questão no mote principal do conto.

    Na verdade, pouco importa o que havia ali. O que vale, como disse, é a construção da lenda e, como tal, o efeito que isso provoca nas pessoas. A porta, nesse sentido, funciona como uma entidade sobrenatural, quase um cordeiro imolado atraindo todo tipo de gente que, mesmo tendo que pagar o preço mais caro de todos, se dispõe ao vislumbre.

    O conto é ágil, a leitura é fluida e a história é interessante, segurando o leitor na poltrona com facilidade. Isso não é pouco. Acho que este conto será bem avaliado. Não pretende encantar ou fazer o povo se emocionar, mas está bem escrito e entretém muito bem o leitor. Para quem gosta de uma boa história e só, não é preciso mais.

    Parabéns e boa sorte no desafio.

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Informação

Publicado às 10 de novembro de 2024 por em Nostalgia e marcado .