
“Como, podendo ser imortal, alguém escolhe a mortalidade?
Escuto muito isso, hoje em dia. Mas a minha resposta continua sendo:
Como, podendo ser mortal, alguém escolhe a imortalidade?
Tenho pensado muito na morte esses dias. Todos tem pavor à ela. E assim que foi possível, trataram de silenciá-la, acorrentá-la e inutilizaram-na, segundo eles, para sempre. E assim ela foi banida da nossa civilização há muito tempo.
Mas eu quero trazê-la de volta. Por que? Oras, é simples, a imortalidade é exaustiva. Pelo menos aqui nesse mundo. Não fomos criados para ela, não aqui. E se não houver mais nada além da morte? Então o nada será melhor do que a futilidade e imbecilidade que tomou conta da raça humana desde que a fonte da juventude foi achada e sua água foi engarrafada e comercializada.
No começo, só os muito ricos tinham acesso a ela, depois, quando descobriram os efeitos colaterais, como a passividade, que extinguia os assassinatos, brigas e a violência em geral (e com o avanço da medicina, nenhum acidente levava a óbito), também a infertilidade, a subserviência, a falta de raciocínio independente, então o governo decidiu que seria um bem humanitário mundial, e passou a distribuir de graça a quem quisesse.
Foi uma febre geral. Ninguém queria ficar de fora. Ninguém queria o incômodo de envelhecer e ninguém queria o horror de passar pela morte. Mesmo não tendo ideia do que pudesse acontecer depois. Podia ser infinitamente melhor, e também podia ser completamente aterrorizante. Ninguém queria pagar para ver.
Confesso que eu também me rendi a possível imortalidade por muito tempo. Bebia a água assim que meus cabelos começavam a branquear. A maioria bebia assim que nascia a primeira espinha na cara. Não existem mais mulheres, só pré adolescentes com pele de bumbum de neném.
Um dia, quando um amigo próximo apareceu aqui em casa aparentando ter dez anos de vida, me pedindo doces e querendo brincar de carrinho na minha varanda, eu vi perfeitamente, como quem tem uma revelação divina, que eu preferiria a morte a ter que passar por isso. Então parei de tomar a água.
E por que estou te contando isso? Porque eu serei o primeiro homem a morrer desde a liberação da água para toda a população. E isso com certeza entrará para a história. Então, quero deixar tudo bem documentado, e , talvez, libertando a morte, quem sabe ela não volte a reinar e leve toda a humanidade com ela?
Não, não acho que exista uma saída para a humanidade. Ela se deteriorou demais. O único modo de…”
— O que está fazendo, tio? — perguntou o menino, olhando para o senhor sentado na cadeira em frente a uma escrivaninha, segurando uma caneta.
— Estou escrevendo. Não está vendo?
— Mas cadê o celular? Dá pra escrever sem celular? Tá escrevendo o quê?
Théo largou a caneta e fechou o caderno.
— Se você não quisesse voltar a ser criança, saberia muito bem o que estou fazendo. Vai pra casa, Luca. Não temos mais nada em comum, nenhum assunto pra conversar. Meu amigo de tantos anos não existe mais, virou essa criança enjoada.
Luca simplesmente virou e saiu correndo, atravessando a porta aberta como um foguete. Théo, de certa forma, invejou a vitalidade e rapidez do amigo. Desde que parara de tomar a água da juventude, envelhecia rapidamente, um dos muitos efeitos.
Levantou com dificuldade e apoiado na bengala, foi até a porta e fechou-a devagar. Não queria que ninguém o visse. Luca era uma exceção. Ele não entendia mais nada, era só um velho menino idiota a essa altura da vida. Mas os outros, eram muito perigosos.
Arrastou os pés até a cozinha e preparou um café coado. Como antigamente. Assim que ficou livre do efeito da água, sua mente foi voltando ao que era antes e as modinhas e modernidades foram deixando de fazer sentido. Pegou o pote de biscoitos amanteigados e voltou para a escrivaninha. Tinha que terminar seu “Ensaio sobre a morte” antes que ela chegasse. Podia ser logo, ou demorar ainda. E essa era a graça da vida, não saber quando, nem como, iria terminar.
“(Não, não acho que exista uma saída para a humanidade. Ela se deteriorou demais. O único modo de…)
Acabei de descobrir que a graça da vida está exatamente na espera da morte. Em não saber quando, nem como ela virá.
E como se apresentará? Doerá? Será aterrorizante ou uma paz cada vez mais intensa até não haver mais nada? E depois?
Não entendo como mais ninguém está curioso com o que acontece depois da morte. Antigamente existia a religião. Várias. Qual estaria certa, afinal? Todas? Nenhuma? Uma específica?
Dizem que nós somos os verdadeiros deuses, agora imortais. Mas acho que é a maior baboseira que existe. Nenhum deus seria tão imbecil, infantilizado, sem propósito nenhum além de conseguir a qualquer custo a realização dos seus desejos e prazeres.
Como eu posso pensar em tudo isso? Como consegui enxergar essas coisas? Foi quando parei de tentar ser imortal. As coisas foram vindo, naturalmente. “
Théo estava cansado, uma das inconveniências da velhice. Olhou para os lotes de água rejuvenescedora armazenados no armário. Elas continuavam a chegar, e ele não queria que ninguém soubesse que não estava tomando. De vez em quando tinha vontade de voltar a experimentar o vigor da juventude, o embotar dos sentidos, a anestesia que dava nos sentimentos.
Esfregou os olhos e esticou os dedos. Comeu um biscoito, bebeu um gole do café.
“O único modo de salvá-la, seria devolver a ela seu sentido. Afinal, quando você pode fazer determinada coisa quantas vezes quiser, a hora que quiser, sem limite e sem consequência, ela perde seu prazer ou sua dor.”. Olhou para sua velha escrivaninha empoeirada, cheia de livros jamais lidos. Uma das consequências de viver pra sempre é a procrastinação compulsiva. Porque vou fazer hoje, se posso fazer amanhã? E quando o amanhã chega, a lógica se repete. É uma das coisas que fizeram a humanidade de certa forma parar de evoluir, e naquilo que progride, o faz muito lentamente.
“Não existe mais o incentivo de lutar contra o tempo, o desejo de fazer algo que perdure além de sua morte. Que é o que eu estou fazendo agora.” Por um momento deixou-se tomar por um sentimento megalomaníaco de ter o tipo de imortalidade que só existe após o último suspiro: aquele dos anais da história, onde só tem a honra de estar quem fez algo memorável.
Suas pálpebras começaram a pesar.
*
Acordou com batidas insistentes na porta.
— Senhor Theobaldo Nunes! — era uma voz feminina. Aturdido, olhou em volta e percebeu que dormiu demais. Um novo dia havia chegado. — Senhor, abra a porta!
Mais batidas. Cautelosamente, gritou:
— Quem é? O que gostaria?
— Agente Maria Ana. Tenho uma intimação para o senhor Theobaldo Nunes.
Pelos devidamente eriçados, o que mais temia, aconteceu. Descobriram-no!
Tentou analisar suas opções: fugir estava fora de cogitação. Com as insuportáveis dores nos ossos seria pateticamente alcançado em menos de cem metros de corrida.
Abriu a porta.
Deparou-se com uma moça em sua flor da juventude, vestida de uniforme preto e coque desfiado. Estava acompanhada de dois brutamontes igualmente jovens de cara fechada. Eles vestiam trajes tecnológicos que os davam um ar de cyborg. Um deles fez uma careta retorcida com a visão do velho, aparentando sentir uma mistura de repulsa com incredulidade. Os outros dois tentaram disfarçar o desconforto que sua presença mortal trazia.
Mais que rápido, a menina lhe entregou um envelope e coletou sua digital como prova da entrega.
—A partir de hoje até a data de sua audiência, o sr. está proibido de deixar a cidade. — Avisou, dando as costas e partindo com seus seguranças.
“Começou.” , pensou Théo. E passou a tarde pensativo.
*
Foram duas semanas de espera até o julgamento.
Pela confusão na entrada do tribunal, aquilo não parecia de jeito algum ser um evento ordinário. Pessoas da imprensa estavam a postos, protegidas de uma turba de curiosos através de um cordão de segurança. Todos com celulares em punho, prontos para filmar a chegada do polêmico homem que desafiou a vida. Além de que, muitos deles jamais tinham visto uma pessoa idosa antes e seria talvez a primeira e única oportunidade para tal. Como o evento havia se espalhado, Theobaldo não sabia.
Inclusive, o governo era contra toda essa propaganda midiática de seu caso, tanto que decidiram o escoltar desde casa até o tribunal, e utilizaram uma entrada secundária através de um prédio comercial anexo.
Uma das melhores coisas daquela época, e para isso até Théo tirava o chapéu, era a forma como os julgamentos e audiências eram realizados.
Juízes foram extintos há décadas, substituídos por Inteligências Artificiais programadas com arquivos de centenas de milhões de julgamentos prévios. Ainda havia a promotoria e a defesa, ambos também auxiliados pelas IAs.
Naquele caso em específico, estavam presentes representantes do governo, jurados acadêmicos e técnicos, um representante da promotoria e outro da defesa. O juíz era nada mais que um telão falante, com dois pontos como olhos, e uma curva quadriculada como boca. O design era simples e, ao mesmo tempo, assustador.
Théo sentou-se no centro da sala, impotente perante o imenso telão, acompanhado de seu representante da defesa: um mocinho barbudo e cheio de cabelo, em cujo braço estava acoplado um computador portátil.
A audiência começou com a promotoria introduzindo o caso de Theobaldo Nunes.
Os acadêmicos o olhavam com curiosidade aguçada.
Logo, todos teriam sua vez de falar, e perguntas seriam feitas e respondidas.
— Porque? — Questionou uma acadêmica de psicologia. — É apenas isso que me intriga…
— Cansei da futilidade deste mundo.
— Futilidade? — gritou um técnico da área de ciências.— Anos de estudo e desenvolvimento de medicamentos que auxiliaram a humanidade a chegar ao status que chegou são… futilidade? —sentia nojo da palavra.
— Harrumph! — Onomatopeia do representante governamental limpando a garganta cortou a conversa. — Quando nossos agentes vasculharam sua casa encontraram seu pequeno pedaço de papel, onde você admite que seu maior desejo é ganhar fama com o que está fazendo.
Théo o mirou calado.
— Porém, eu garanto a você que isso jamais vai acontecer. Nós iremos garantir que este caso vá parar debaixo do tapete. Ninguém jamais saberá que você decidiu parar de rejuvenescer, e você nunca irá influenciar ninguém. Portanto, desista imediatamente da sua resistência à água da juventude.
Uma parte dos presentes assentiu com a cabeça, entre eles, seu próprio advogado de defesa.
— Vocês não têm curiosidade? — a boca de linhas quadradas mexeu-se, simulando que falava. Era o juiz intervindo, bancando o próprio advogado do diabo. Théo arregalou os olhos.
— Perdão? — questionou o técnico.
— Para saber o que acontece depois da morte. Sabe? — instigou o juiz. Era quase como se ele estivesse aproveitando para estudar sobre as emoções humanas: aquelas que ele não conseguia sentir, como a curiosidade.
— Pra falar a verdade, sim! — Assentiu a mesma acadêmica de antes. —E se depois da morte for melhor do que a vida?
Um debate acalorado se iniciou. Théo apenas ouvia as pessoas e as IAs exporem suas ideias.
— Eis o que proponho. — disse o juiz sem nome. — Vamos realizar uma eutanásia controlada no sr. Theobaldo Nunes, e, dois minutos após sua morte, ressuscitaremos, e então, sua saciedade sobre a suposta vida após a morte cessará. E ele deverá também retornar para uma nova audiência a fim de relatar tudo que viu e viveu após a morte.
Não era bem o que Théo tinha em mente. Ele queria viver a experiência completa, com direito a não saber quando sua vida terminaria. Queria ser pego de surpresa, como era o natural. O que o estavam oferecendo era mais artificialidade.
Houve uma nova discussão na sala. A audiência já se estendia há horas. A noite já havia caído. Théo só queria fechar os olhos e dormir. Estava muito cansado.
No fim, foi dado a Théo duas opções. Receber água da juventude compulsoriamente, na veia se necessário, além de um atestado de doença mental, perdendo os direitos sobre sua própria vontade. Ou realizar uma eutanásia controlada, ser ressucitado, e voltar a tomar a água da juventude a partir deste ponto, retornando a normalidade. Théo ainda receberia visitas mensais de agentes do governo para verificar se ele estava cumprindo o acordo.
*
As mãos de Luca estavam trêmulas, e a xícara sacudia em suas mãos, quase derrubando o chá que Théo havia feito. O agora adolescente estava com feições coradas. Mal conseguia segurar o olhar de seu velho amigo. Théo sabia que ele estava escondendo alguma coisa, e tinha uma boa ideia do que era.
— Foi você, não foi? Você contou para alguém… sobre mim.
A mão tremeu tanto que o chá espirrou na roupa.
— Deixa. — Disse Théo. — Vou pegar um pano. Não saia daí.
A linguagem corporal de Luca o denunciava. Não era necessário palavras.
Quando finalmente voltou trazendo o pano, o menino havia sumido, deixando escrita a palavra “Desculpa” na agenda de Théo sobre a mesa.
Sua morte estava marcada para daqui a dez dias. Théo pensou sobre como o juiz fora razoável com sua situação, embora no fim das contas tivesse que tomar mandatoriamente o líquido. Ao menos, tinha aprendido lições valiosas sobre a vida durante o tempo em que foi da “resistência”.
Estava praticamente indiferente agora ao seu “grande plano”. Havia sido quebrantado pelos poderes da lei, e sentia-se esgotado demais para continuar teimando em ir contra a corrente. Ser rebelde é cansativo.
Théo sentiu uma tontura. Agarrou-se na quina da mesa, levou a mão ao coração. Tentou respirar, mas o ar só veio com dificuldade. As batidas estavam descompassadas. Ele estava tendo um ataque do coração. Não tinha tempo de pensar. Será que era aquilo que desejava mesmo? Morrer? Começou a pensar em coisas que ainda desejava fazer. Se desequilibrou, caiu no chão. Era chegada a hora. Ele iria morrer como sempre desejou: abruptamente.
O grande momento de finalmente descobrir o que vêm após a escuridão tomar conta.
Como será o outro lado? Alguns dos mais de cinquenta mil deuses serão reais? Haverá um inferno ou um purgatório? E se não houver nada? E se ele renascer novamente, e o fim da vida for apenas o começo de outra nesta mesma Terra? E se ele começar a se enxergar fora de seu corpo, como uma alma vagante? Será recebido por seus antepassados? E se Deus não passar de um espaguete voador? O que acontecerá? O que acontecerá?
Ele estava prestes a saber. O coração parou. Théo morreu.
*
Luca pousou a caneta e saiu silenciosamente. Sabia que Theo não o seguiria, por isso, sentou-se no primeiro degrau da escada. As lágrimas deslizavam pelo rosto. Traíra o seu amigo. Não sabia se ele alguma vez o iria perdoar, mas não conseguia imaginar a sua vida sem ele. Aquela obsessão de Theo pela morte era algo que ele não entendia. O consenso atual da comunidade científica defendia que a ideia de vida após a morte era apenas uma deturpação, pela inteligência, do instinto primordial de sobrevivência do ser humano. Uma vontade de sobreviver à própria morte. Outro fator apontado para essa mitologia era a impossibilidade de alguém simular a sensação de morte. É impossível simular a inexistência. Mas o amigo mantinha a ideia de que deveria haver algo depois da morte. Que esta não era o fim, mas apenas uma passagem ou um recomeço.
O baque surdo de algo pesado caindo lhe chamou a atenção. Assustado, correu para dentro da casa. Felizmente a porta não estava trancada. Na sala encontrou Theo tombado no chão, sem respiração. Ligou com os serviços de emergência para que ele fosse socorrido. Era caso inaudito, um pedido de socorro com tanta emergência. Isso levou a que a resposta fosse mais demorada e os paramédicos só chegaram na casa quase dez minutos depois.
Apesar da reanimação ser um sucesso, Theo foi levado para o hospital em estado de coma. A notícia correu como fogo em palha seca e a imprensa ficou hiperativa. Não só os serviços de emergência tinham sido acionados, mais de um século depois da última vez que tal aconteceu, e, mesmo essa, não foi por uma verdadeira emergência, como alguém estava em coma. Os médicos não conseguiam ocultar a sua alegria. Finalmente uma situação que se demonstrava desafiante. Pela bizarria do caso, foi pedida a imediata intervenção do tribunal. Analisados os fatos, o juiz decretou que, pela ordem natural, a sentença havia sido executada. Restava, porém, a pequena questão de que Theo deveria estar acordado, após a experiência de morte, para fazer um relato do que viu. Com base nesta sentença, os médicos propuseram realizar um tratamento intensivo experimental com água da vida para estudarem as capacidades generativas desta em relação às células cerebrais e aos neurônios perdidos pela privação de oxigênio.
Aprovado o tratamento, a atividade foi intensa no hospital. A imprensa acompanhava o processo dia após dia. O ânimo inicial foi esmorecendo com o arrastar do tempo do tratamento, que não mostrava sinais de ter resultado. O mundo se aborreceu e, aos poucos, se esqueceu de Theobaldo Nunes.
No dia em que se celebravam os duzentos anos do “dia mundial da vida”, data que comemorava o último funeral registrado em todo o mundo, mais de seis meses depois do começo do tratamento, Luca estava sentado, junto à cama de Theo, lendo um dos livros antigos que o amigo tinha em casa. Livros novos não havia, já que mais ninguém escrevia, nem se dedicava a nenhuma outra forma de arte. A sua atenção na leitura foi interrompida pela voz de Theo.
– Eu não quero morrer, Luca.
– Ainda bem que não, meu amigo. – Disse Luca, quase delirante de felicidade. Não só o amigo estava de volta, como já não queria morrer. Sentiu um peso a lhe sair dos ombros. Theo certamente iria lhe perdoar e agradecer o que fizera por ele.
– O que eu vi, Luca…
Imediatamente, Luca se ergueu da cadeira e, com a palma da mão, cobriu a boca de Theo.
– Só ao tribunal podes contar o que viste, Theo. Essa é a sentença.
Theo abanou a cabeça positivamente. Luca chamou a equipa médica e os media foram logo alertados. Theobaldo Nunes voltava a ser notícia.
*
Após ter alta do hospital, Theo foi presente ao tribunal para cumprimento do resto da sentença e relatar a sua experiência de morte. O mundo todo seguia atentamente o desenrolar dos acontecimentos.
– Senhor Theobaldo Nunes. – O juiz tomava a palavra após os trâmites iniciais do julgamento estarem terminados. – O que viu no tempo em que esteve morto?
Theo estava de pé, ao centro do tribunal, em frente ao juiz. Juntou as mãos por trás das costas e caminhou lentamente de um lado para o outro. O tribunal estava em silêncio total, todos aguardavam as suas palavras. Parou, encarou o juiz e clareou a garganta.
– Do outro lado da morte há um mundo maravilhoso. – Em toda a galeria se ouviram exclamações de espanto.
– Silêncio! – Ordenou o juiz. – Senhor Theobaldo Nunes, continue seu relato, por favor.
– Eu vi as majestosas cascatas de almas de Maiardu. Vi as planícies intermináveis de Crondanar. É um mundo de uma beleza indescritível. – Fez uma pequena pausa, durante a qual a sala ficou em completo silêncio, e continuou. – Uma beleza que eu não vi. As cascatas de Maiardu estão secas e as planícies intermináveis de Crondanar estão, lentamente, a desaparecer no esquecimento. Isso eu vi. Toda a beleza que relato me foi descrita por Jebediah Johnson.
– Jebediah Jonson, pelos meus registros, – Disse o juiz – é a pessoa cujo funeral se celebra no “dia mundial da vida”.
– Ele mesmo. A última alma a ocupar aquele mundo. – Retorquiu Theo. – Ele me contou tudo e eu vi a sua alma desvanecer pouco antes de ser puxado novamente para este mundo. – Theo virou-se para a enorme plateia que lotava por completo o tribunal e para as câmaras que transmitiam para todo o planeta. – As almas, nesse mundo, se revitalizavam, purificavam e evoluíam. Elas se tornavam melhores antes de retornarem ao nosso mundo. As cascatas de almas de Maiardu fluíam levando-as até o ponto onde reencarnavam. Mas, no nosso mundo, ninguém mais nasceu nem ninguém mais morreu. As almas correram todas, as cascatas secaram e elas ficaram paradas aguardando a reencarnação. Com o tempo estagnaram e acabaram por se desvanecer no esquecimento. Sem almas purificadas por várias vidas não há mais grandes mestres da arte nem da ciência. Esse era o processo pelo qual a nossa espécie evoluía e criava tudo aquilo que perdura e perdurará para sempre. Essa era a verdadeira vida eterna, não esta existência inexistente, esta morte em vida a que nos condenamos a todos. Existimos apenas por existir. Consumimos a nossa vida sem objetivo, sem direção, porque há sempre um amanhã. Há sempre uma nova oportunidade. Viver sem um propósito, sem subir todos os degraus da vida até atingir o seu fim, não é viver. Esta nossa vida estagnada destruiu a nossa essência. A certeza do fim é o que nos faz sentir vivos, é o que nos faz aproveitar cada segundo de cada dia, é o que nos faz desfrutar de cada momento. A certeza de não ter fim nos faz perder o valor da vida. Adiamos tudo porque há sempre tempo e acabamos consumindo os dias sempre do mesmo modo, num ciclo interminável de estagnação e inconsequência. Viver eternamente não é viver, é apenas existir. – Theo encarou a plateia que o olhava intensamente. – A nossa vontade de ascender ao patamar que criamos para colocar os deuses que antigamente adorávamos nos condenou a sermos nada, e com isso condenamos toda a nossa existência, condenamos o ciclo da vida que se renovava com a morte e condenamos o nascimento de nova vida. As planícies intermináveis de Crondanar, onde as almas se multiplicavam, estão moribundas e se desfazendo em retalhos que se perdem no esquecimento. – Fez uma nova pausa em silêncio. Abriu os braços e olhou em volta. – Todo esse outro mundo está se perdendo no esquecimento. – Soltou uma gargalhada, olhou intensamente a plateia e bateu com o punho no peito. – Eu pensei em morrer para trazer de volta a morte a este mundo. Pensei em ser imortal não o sendo. Pensei que a única forma de salvar a vida era reinstituir a morte, dando à vida significado, pois esta só tem valor quando sabemos que a vamos perder, mas não quando nem como. Quando erradicamos a morte perdemos a urgência de viver, de sentir, de aproveitar cada momento. Viver por viver, porque o amanhã sempre volta e vai ser lá que vamos fazer algo, não é viver. Mas agora não há retorno algum ao antigo ciclo da vida. Matamos a morte e já não é possível trazê-la de volta. Com a nossa soberba, e o veneno que é a água da vida, destruímos esse outro mundo e assassinamos a eternidade. Agora a morte já não é morte, porque a morte era parte da vida. – Deixou cair os braços em desalento. – O único que nos espera é o fim, isso é inevitável, e, quando ele chegar, também nós nos vamos perder no esquecimento.
Buenas!
Dessa vez farei uma avaliação mais pessoal, apontando o impacto do conto em mim.
Esse conto me deixou dividido. Adorei a primeira parte. Ele tem um tom suave, apesar das questões filosóficas, além de abordar o assunto da morte com bastante leveza, até. A morte parece mais uma esperança do que uma maldição. Achei interessante. Mas, depois disso, o conto mudou o tom, endurecendo a narrativa, tornando-a menos leve. Perdeu um pouco da naturalidade, também. Coisas como comer um biscoito e tomar o café se perdeu. A trama tomou um rumo bem diferente do que o início parecia propor. Mas não ficou ruim. Achei coeso, no geral — talvez com exceção do Luca, que, inicialmente, parecia ter a mentalidade de uma criança, acompanhando a idade do corpo, chamando Théo de tio e afins, mas, depois, parecia um adulto no corpo de uma criança. O final foi interessante, também. Adorei o pós-morte e como ele estava morrendo pela falta de fluxo de almas, pois a morte no plano terreno tinha acabado.
Não sei dizer se gostei do conto. Posso afirmar, porém, que adorei alguns momentos dele.
Interessante esse mundo onde a imortalidade é quase uma maldição, pois ela é obrigatória. Chega num ponto da vida em que tudo vai perdendo o sentido, mas a pessoa é obrigada a continuar vivendo. Penso que o texto nos convida a muitas reflexões sobre o sentido da vida, o medo da morte, mas algo que não foi explorado ao longo das três partes do conto se referem aos laços afetivos, principalmente familiares. Pais, irmãos, filhos, como seriam esses relacionamentos. Somente a amizade de Theo e Luca foi mostrada, mas nenhuma outra.
O conto foi bem executado ao longo das suas três partes, mas o corte da primeira para a segunda foi bem perceptível. Os diálogos ao longo do conto foram bem executados, mas aquele monólogo final não me agradou. Ficou um tanto teatral. Entendo que seja uma escolha estilística do autor, mas eu faria um pouco diferente.
Sem dúvidas um conto que chama a atenção pelo embate filosófico, em tempos em que a humanidade almeja vida e juventude eternas.
Num planeta de recursos finitos, é destoante se pensar que haja a possibilidade da imortalidade, sem consequências para uma parte menos privilegiada da população.
No entanto, o protagonista decide o contrário, nada contra a corrente e decide que quer morrer. Não cedeu ao canto da sereia que transformou as mulheres em “pré-adolescentes com pele de bumbum de neném” e o amigo em uma criança que já não guardava com ele nenhuma proximidade ou intimidade.
O absurdo do caso leva a história aos tribunais, a uma experiência pseudo-científica que quer descobrir o que há do outro lado.
Há uma boa continuidade entre os autores, e comprometimento com a história, ainda que seja perceptível alguma mudança de ritmo e de estilo.
O resultado é um conto que vale a pena viver.
Parabéns pela participação no desafio. Desejo sorte!
Olá, autores! Tudo bem? Primeiramente, parabéns pela participação num desafio tão dificil e maluco quanto esse!
Início: o conto inicia muito bem, trazendo reflexões filosóficas sobre vida e morte, na forma de um ensaio que está sendo escrito por um homem (o único velho de que se tem notícia), que deseja desafiar a vida eterna, trazendo de volta a morte através de sua própria. Ainda que não seja uma indagação filosófica nova (afinal, a filosofia meio que se construiu desde o início sobre o dilema de como a morte é o que faz os momentos de vida serem preciosos), o autor 1 faz um bom uso desse dilema, criando uma base muito interessante para o restante do conto. O que os demais autores vão fazer com isso?
Meio: a parte 2 destoa um pouco em estilo, abandonando a premissa inicial mais introspectiva e filosófica e mergulhando numa espécia de distopia, uma “ditadura da vida”, num estilo 1984. Isso não é um defeito, é claro. Nessa mudança, temos uma guinada no conto, e nos deparamos com o julgamento do velho, que é obrigado, num julgamento ainda mais cheio de elementos distópicos, a escolher entre ser imortal à força, ou morrer, ver o pós vida, e voltar para dizer o que tem do outro lado. Achei essa decisão um pouco ex machina, pois não me parece que uma IA teria esse tipo de comportamento. Ainda assim, o autor 2 propõe uma mudança no enredo que gera batsante curiosidade. Me lembrou o clássico do horror francês do New French Extremity “Martyrs”. Se isso vai funcionar ou não, agora depende totalmente da parte 3.
Fim: a parte 3 entrega o esperado, mas talvez com menos sutileza e elegância do que o conto pedia. Ele volta ao tom mais filosófico da parte 1, sem, no entanto, o cuidado maior que a parte 1 apresentou. Achei que o monólogo do homem diante da audiência foi um pouco anticlimático, apesar de não chegar a ser ruim. Ele é bom pelo fato de o autor ter criado uma explicação muito interessante do pós morte e dos efeitos da não-morte nesse outro mundo. Gostei muito disso. Mas, e aí é que vem meu problema com esse desfecho, achei que o monólogo não foi um bom recurso. Talvez alternar a fala do homem com as reações da plateia, com cenas do auditorio e do resto do mundo o ouvindo, e trazer algum conflito ou climax, favoreceria o desfecho. Do jeito que está, ele fala até terminar e o conto encerra. Então fica meu diagnósito final sobre essa parte: a ideia do pós morte é muito interessante e criativa, mas a técnica e forma como foi narrada acaba tirando um pouco do possível impacto.
Coesão entre os autores: o autor 1 nasceu, o autor 2 envelheceu, com direito a pêlos no ouvido e bico de papagaio, o autor 3 estava prestes a bater as botas, mas um cientista apareceu, fazendo um longo discurso sobre as maravilhas da vida eterna para convencer o homem. Quando terminou o monólogo, porém, o cara já tinha morrido fazia 3 minutos. Em outras palavras: os três autores até trabalham bem juntos, mas a parte 2 destoa em estilo da parte 1, apostando mais numa distopia ditatorial, e o autor 3, ainda que acerte no discurso, erra na dose.
Nota final: bom.
Exceto na juventude, nos eventos das grandes noitadas de porres homéricos, nunca mais me dediquei a refletir sobre a morte, reencarnação e as demais instâncias tratadas no texto. Muito apropriado e voraz, eu diria. A coesão entre os autores em tratar a narrativa como começo-meio-fim com o mesmo ritmo, foi atendida plenamente.Confesso que, na confissão de Théo, pensei que o conto tomaria outro rumo, com ele apresentando um mundo maravilhoso do pós-vida e, dessa maneira, convencendo todos a voltarem a morrer. Mas o autor/autora 3, deixa isso para a cabeça do leitor e por isso, gostei muito da estória.
Meus cumprimentos e vamos ao que interessa.
Neste desafio, usarei o sistema TÁ FEITO para avaliação de cada conto.
◊ Título = ENSAIO SOBRE A MORTE – Não sei por que, mas o título me fez lembrar um conto do Fabio Baptista com a palavra “ensaio”. Será macabro ou filosófico?
◊ Amálgama = Da primeira à segunda parte não se nota a troca de autoria. Já para a última parte há uma leve alteração que denuncia um(a) novo(a) autor(a).
◊ Fim = Os fins justificam os meios? Talvez… E a ordem dos fatores altera o produto? Permita-me começar pelo fim, observando o impacto causado na leitura.
Não sei se foi impressão, mas percebi um leve sotaque lusitano, talvez pelo uso da palavra “equipa” no lugar de “equipe”.
O desfecho traz uma longa reflexão sobre a importância da morte como contraste à vida, quase um tratado filosófico. Gostei. Who wants to live Forever? Eu não, obrigada.
Acredito que o(a) autor(a) 3 contemplou a expectativa gerada pelo(a) autor(a) 1.
◊ Entremeio = Não percebi a mudança de autoria, o que foi um mérito do(a) autor(a) 2. Introdução de novos conceitos como IA trouxe ao desenvolvimento e facilitou a condução a um bom término do texto.
◊ Início = Gostei da premissa apresentada. O tom que inspira um desenvolvimento semelhante a um debate filosófico. Prendeu minha atenção e me levou à reflexão. Distraiu minhas ideias, o que achei muito bom.
◊ Técnica e revisão = A narrativa foi construída sem muitos entraves que atrapalhassem a leitura. Linguagem objetiva, mesmo tratando de um dilema filosófico.
Citarei algumas falhas no quesito revisão:
Todos tem > Todos têm
Por que? > Por quê?
[…] me rendi a possível imortalidade > […] me rendi à possível imortalidade
pré adolescentes > pré-adolescentes
[…] percebeu que dormiu demais. > […] percebeu que havia dormido demais.
juíz > juiz
ressucitado > ressuscitado
[…] retornando a normalidade > […] retornando à normalidade
◊ O que ficou = O conto me levou à reflexão sobre a finitude da vida. Deu até um certo alívio de não ser imortal.
Parabéns pela participação e boa sorte!
Muito bom encontrar um texto que investe em dilemas filosóficos — ao menos de início. Claro, falar da morte como evento inevitável e sobre a incapacidade da humanidade em aceitá-la, bem como sobre os questionamentos que isso acarreta, não chega a ser novidade, mas diante de tantos textos adolescentes, é um alento encontrar uma argumentação mais profunda.
De fato, a parte inaugural do conto, narrada em primeira pessoa (e que depois vamos saber que se trata de um ensaio) é muito boa em consolidar as principais indagações sobre o evento mais democrático que existe e como isso nos afeta. Essas indagações, percebe-se, desaguam no dilema universal que faz da morte a razão de viver. Uma vez suprimida, a vida perde o sentido. Nesse aspecto, o texto acerta ao trazer a lume o desejo do protagonista em deixar-se morrer e as consequências disso perante a sociedade.
É onde parece se iniciar a segunda parte. Aqui, a filosofia cede lugar a uma narração mais acelerada, que se aproxima da distopia, com personagens mais rasos e unidimensionais. Talvez sejam adequados para a proposta de mostrar um mundo mais insano, mas não deixa de ser frustrante perceber que o estilo reflexivo da primeira parte é abandonado em nome de uma narração mais simplista. Não que isso seja um defeito. Como acontece em tantos outros contos deste certame, parece haver certa preferência dos autores pela diversão plana em detrimento de uma discussão mais centrada e provocativa. Questão de estilo, de preferência. Agrada a uns, mas nem tanto a outros.
Fato é que o protagonista, que havia se recusado a permanecer vivo para sempre, é condenado a morrer e a ressuscitar, tomando a água da vida, tudo com o intuito de dizer às pessoas como é a existência depois da morte. É uma ideia interessante e que serviu muito bem para levantar a bola para o terceiro autor.
E de fato, o autor derradeiro aproveita a deixa para retomar a verve filosófica lá do início e a um só fôlego despejar, numa espécie de monólogo, todas as razões pelas quais — no entender do personagem — a morte não é só desejável mas também necessária. Ficou muito bom, mas confesso que senti falta de um arremate para o conto em si, já que não sabemos a reação do pessoal que o ouvia.
Enfim, o conto não prima pela coesão, havendo certa disparidade estilística do autor do meio com os demais. Mas isso não me impediu de apreciar o texto como um todo. O trabalho final é ótimo — acima da média na minha opinião. Parabéns a todos e boa sorte no desafio.
No fim das contas, é um conto justo.
Há diversos problemas de revisão, isso me tirou um pouco da história. Há, também, um mergulho total no absurdo fantástico. Num primeiro momento, torci o nariz com algumas premissas frágeis e inverossímeis, me perguntava constantemente: um mundo onde ninguém nasce ou morre seria realmente assim?
Por fim, tive que desligar meu lado racional para mergulhar de vez na experiência absurda do conto.
Há uma conveniência narrativa estranha na primeira cena do tribunal. Tudo foi montado porque era inaceitável alguém querer morrer ou ter curiosidade sobre a morte, mas o computador, com uma simples pergunta, parece mudar todo o rumo do debate e a desconstruir todos os conceitos que foram previamente estabelecidos. Isso, para mim, foi um erro técnico. Esse convencimento poderia ter sido melhor elaborado.
Por fim, o conto bate na tecla das mesmas questões do início até o término. Isso também me incomodou. O discurso final nada mais é do que uma repetição das ideias que já haviam sido marteladas no decorrer do conto.
Mas, mesmo assim, achei uma solução criativa como tudo se deu. O desenrolar da história foi criativo.
Se eu encarar esse conto como para um público mais maduro e exigente, vou me decepcionar um pouco. Mas, se eu o encarar como uma literatura infanto-juvenil, consigo ver mais valências que defeitos.
Fico com a boa técnica, a criatividade e o mergulho no absurdo.
É um conto justo e os 3 autores fizeram um bom trabalho.
Olá, trio.
Este é um exemplo perfeito de um trabalho que parece ter sido feito por uma única pessoa. Pensar que o mesmo foi executado por três autores, sem comunicação entre eles, é notável. A premissa é interessante. Num mundo onde a morte e a doença deixou de existir, um homem decide que a morte é o único caminho, porque se deixou de dar valor à vida. Para além disso, as pessoas não envelhecem, pelo que a sociedade é composta por pré-adolescentes, incapazes de procriar, sem maturidade para chegar à criação artística. Dava um excelente filme. O único ponto fraco, se bem que percebo a intenção, foi a revelação de que, por não existirem mortes, o mundo do “depois da morte” secou. A ideia é interessante. Um conceito de conservação ambiental sobrenatural único, mas que me pareceu ser meramente acessório – se bem que primorosamente executado, de uma forma poética. Preferia que Theo tivesse revelado que não existia vida depois da morte, pelo que tinham de dar valor à vida antes da morte.
Quando saiu a primeira leva de textos, este pareceu-me um dos contos mais complicados de continuar. A primeira parte quase que esgotava a história, tendo em conta o título. Tanto este, como o dos Olhos-de-Mosca, tinham títulos que prendiam o enredo.
O/a segundo/a autor/a optou por abandonar a parte reflexiva, e muito bem, e criar mais contexto e desenvolvimento. Adiciona, dando-lhe mais ênfase, a questão da existência, ou não, de vida após a morte, à questão do dilema entre imortalidade e mortalidade que o/a primeiro/a autor/a tinha lançado na primeira parte.
Ao terceiro autor coube a tarefa de conjugar estas duas questões, mantendo coeso o conto, sem o desviar por mais algum caminho.
Apesar das falhas já apontadas noutros comentários, o conto pareceu-me ser algo metafórico. Uma meditação sobre a forma como decidimos viver a vida: conscientes da sua finalidade ou como se ela nos garantisse eternamente um novo dia.
Mais um conto muito positivo, e último que comento, a sair deste desafio, que nos leva a pausar e a pensar nas questões que levanta.
Olá, autores! Tudo bem com vocês?
Começo: Achei bem legal, interessante, os primeiros parágrafos meio estranhos, mas depois tudo faz sentido, quando vemos que o protagonista está escrevendo realmente um ensaio sobre a morte.
Meio: Mais focado na ação e no desenvolvimento da trama. Bem ágil e impulsionou a história de meio filosófica para ficção científica. Mas a revisão deixou muito a desejar, coisas simples que com um pouco mais de atenção seriam facilmente solucionadas e dariam um ar mais profissional ao conto.
Final: preferiu seguir a linha mais filosófica do primeiro autor, e o ensaio sobre a morte virou um monólogo sobre reencarnação (não é o que eu acredito, então não consegui curtir muito). Se eu tivesse finalizado esse conto, escolheria inventar um pós morte diferente dos que existem, como é ficção, aproveitaria para inovar nesse quesito.
Coesão: Achei que o conto ficou bem coeso e o que deu para ver a diferença de autores foi mais a parte de recisão do que se estilo.
Visão geral: Gostei do conto. Tem essa pegada meio fantasia e FC filosófica que eu curto.
Parabéns aos autores!
Boa sorte no desafio!
Até mais!
Olá, amigos/amigas do desafio. Cá estou eu totalmente envolvido nesse ensaio sobre a morte. Ele me fez lembrar alguns autores, principalmente José Saramago com o seu excelente “As intermitências da morte”. Que legal que ele, bem provavelmente, tenha sido inspiração para o primeiro autor… Ou não, né? Mas só sei que o conto começa de forma brilhante. As reflexões iniciais de Theobaldo naquele mundo futuro e distópico (a meu ver, claro) são ricas e bem bonitas. Fazem-me pensar e conto-lhes que como tenho 72 anos, o tema já me é bem conhecido. Acho que poderia dizer bastante íntimo. Afinal, tenho muito mais passado do que futuro pela frente. O conto é muito bem escrito. Ressalto que o primeiro autor tem um domínio das técnicas da escrita muito bom. Trata-se de alguém experimentado na literatura. Ou não? De repente, me engano e é algum novo gênio literário a nos trazer novidades… O conto perde força em seu meio. Também não achei que a maneira como o terceiro autor tratou a questão da morte, trazendo à baila a reencarnação e fazendo a história parecer durante um tempo meio espírita. Bem, trata-se de um belo conto que, ao meu modo de ver, fará muito sucesso no desafio. Desejar sucesso então aos autores/autoras fica sendo algo meio redundante. Fiquem com o meu abraço.
Olá, entrecontistas!
Eu admiro bastante ler uma estória que promove uma certa reflexão ao leitor e esta, embora tenha sido escrita por três autores diferentes, manteve, de certo modo, a vertente introspectiva começada pelo primeiro. É muito rico poder aprender por meio da leitura e vocês cumpriram este papel com maestria.
Logo nas primeiras frases o autor consegue ditar a proposta do conto e prender, efetivamente, a atenção do leitor. Afinal, é mais vantajoso ter a imortalidade ou seguir o curso natural da vida? A mensagem é eficiente, mas a escrita carece de revisão, com pequenos desvios que dificultam a fluidez do texto. “Então o nada será melhor do que a futilidade e imbecilidade que tomou conta da raça humana desde que a fonte da juventude foi achada e sua água foi engarrafada e comercializada”, a frase ficou muito longa, não deixando espaço para o leitor respirar, tente fragmentar em trechos menores e coloque vírgulas, por favor. Eu, particularmente, não sou fã de parênteses, acredito que seja uma forma pouco criativa de explicar demais algum detalhe desnecessário. Este trecho “(e com o avanço da medicina, nenhum acidente levava a óbito)” me lembrou o pleonasmo da música da Sandy & Júnior “O que é imortal, não morre no final”, pois se é imortal, é óbvio que nenhum acidente ia levar a óbito. Viu como eu julguei como um acessório desnecessário.
Talvez a minha inteligência seja muito limitada, mas eu sinceramente não entendi se a água promovia a imortalidade ou uma espécie de efeito Benjamin Button, pode ser os dois, realmente fiquei confuso. A voz da narrativa mudou significativamente, o que me causou muita estranheza, em certo momento estava escrito “Confesso que eu também me rendi a possível imortalidade” e depois, em terceira pessoa, “olhando para o senhor sentado na cadeira em frente a uma escrivaninha”, pode ser um erro de minha interpretação ou uma imprecisão na escrita.
O autor seguinte parece não compartilhar da mesma introspecção do começo da estória, mas agradeço por pelo menos dar um rumo. As frases iniciais, apesar de boas reflexões, levavam a lugar nenhum. Além disso, confesso que essas mudanças dos “porquês” estão me deixando doido rs. Com os dois últimos autores temos uma melhor dinâmica: a traição de Luca, o julgamento de Théo e a sua morte e ressuscitação. O final ficou interessante, porém, fico me perguntando “se a água faz rejuvenescer, a pessoa não morreria quando saísse da fase de infância?”, “até qual idade seria considerada essa tal de imortalidade?” e “se é imortal, morre no final?” Eu continuo com essas dúvidas, mas gostei da reflexão inicial e do desenvolvimento dos outros autores.
A consideração final é que este texto transmite a essência de uma Elke Maravilha, fala coisas profundas e de muita reflexão, mas é só passar alguns segundos que a conversa fica mais dinâmica e divertida. Boa sorte no concurso!
Olá, Victor. Acho que não ficou claro para você, mas o que está escrito em primeira pessoa é o ensaio sobre a morte que o protagonista está escrevendo e a narração está em terceira pessoa. Um abraço.
Eu entendi a reflexão no início do conto, mas a alteração de voz soou abrupta pra mim. Logo após o primeiro diálogo, onde começa a narração em terceira pessoa, estranhei essa mudança sem uma transição clara. Mas isso não tira o mérito da estória, que está bem escrita.
🗒 Resumo: numa sociedade onde a água da juventude foi descoberta, ninguém envelhece e ninguém morre. Theo decide parar de beber e é julgado pela sociedade sobre essa decisão. No fim, ele morre, é ressuscitado e descobre que sem morte, ninguém vive de fato.
📜 Trama (⭐⭐⭐▫▫): a premissa é bem interessante e instiga a leitura. Quando li o título e o começo, achei que seria realmente um ensaio, mas fiquei positivamente surpreso quando o protagonista aparece e a história ganha um corpo e é até irônica com o assunto. A parte do julgamento achei interessante, mas não curti a conclusão, com discurso final. As conclusões que ele chegou já estavam meio que implícitas durante o texto: a vida sem morte perde o sentido. Seria mais legal ver as consequências disso, tipo uma guerra civil entre os pró-vida e pró-morte 🤣
📝 Técnica (⭐⭐⭐▫▫): oscila um pouco ao longo do texto, tendo uma caída no fim. Não chega a ser ruim, mas trunca a leitura em algumas frases e fica simples demais em outras. Tem também uns porquês trocados e a pontuação no diálogo está estranha no final.
▪ Meu amigo de tantos anos não existe mais, virou essa criança enjoada. (Essa parte ficaria melhor na narração que no diálogo)
▪ Não só os serviços de emergência tinham sido acionados, mais de um século depois da última vez que tal aconteceu, e, mesmo essa, não foi por uma verdadeira emergência, como alguém estava em coma. (Frase muito longa, ficou truncada)
▪ os *media* foram logo alertados (seria uma palavra lusitana para pessoas da mídia?)
🧵 Coesão (⭐▫): a divisão entre a primeira e segunda parte eu não vi onde é, mas dá pra sacar que o autor ficou menos introspectivo e foi pra ação, com o tribunal. Já o corte da segunda pra terceira parte me pareceu óbvia: logo após a morte de Theo tem uma série de perguntas que parece o segundo autor levantando um monte de bola pro terceiro cortar. Ou será que estou enganado? 🤔 De qualquer forma, não achei tão coeso assim.
💡 Criatividade (⭐⭐▫): a premissa não é totalmente nova, mas o desenvolvimento é bem criativo sim.
🎭 Impacto (⭐⭐⭐▫▫): o discurso no fim podia ser mais subentendido e menos explícito. O textão no fim ficou muito teatral, um discurso que poucas pessoas teriam realmente fôlego pra fazer sem levar escrito. Acho que até dava pra ter algo assim, mas menor. Senti falta também dos impactos desse discurso.
🔗 Links úteis:
▪ Pontuação no diálogo (auto jabá 😀): http://www.recantodasletras.com.br/artigos/5330279
Este conto não me agradou muito. Sinto que ele tentou ser algo super filosófico (que era a proposta do primeiro autor), mas então ficou muito cartunesco e fantasioso (no momento da entrada do segundo autor), e terminou de uma forma fazendo uma crítica social (na parte do terceiro autor, obviamente). Para mim, ficou um Frankstein, não no estilo de escrita, mas sim na proposta. Mas vamos falar dele por partes:
O início é bastante reflexivo, e a história não avança muito. O autor inicial apenas mostra que agora os seres humanos são imortais, e que eles criaram uma espécie de água da juventude infinita. Só que todas a humanidade ficou burra, e a maioria do mundo agora é criança. A ideia até parece ser interessante… mas ela é repleta de furos e incoerências, como veremos a seguir.
Em primeiro lugar, o que me incomodou foi a questão de a humanidade estar indo totalmente contra à natureza, contra sua genética, contra a milhares de anos de evolução, e as consequências de tudo isso não são muito bem mostradas. Até é comentada sobre uma coisa ou outra. Mas… como seria um mundo sem sexo? Parece um questionamento bobo, mas a humanidade é movida por isso, de forma instintiva, afim de propagarmos a espécie. Só que agora a maioria da sociedade é criança ou adolescente, e ninguém mais gosta de sexo… ok… mas como é isso? Para mim, leitor, não tem nem como imaginar, porque seria uma sociedade totalmente diferente da nossa, com regras e objetivos diferentes, e isso causa um afastamento do leitor com esse mundo criando para este conto, por não compreendermos como as coisas aqui funcionam. A psicologia da humanidade deve ter mudado por completo, mas vemos apenas Theo, que é o mais próximo de um ser humano comum, da forma como conhecemos.
Theo, na verdade, é um pouco chato, e se comporta como um velho num mundo cheio de jovens, fazendo alusão a um conservador num mundo moderno e progressista. Então ele decide ficar velho e morrer. Toda essa primeira parte é bastante reflexiva, e, para mim, foi um pouco cansativa.
Quando mudou o autor, ficou bastante evidente, pois o novo autor optou seguir por uma linha mais de ficção científica. De início, eu fiquei bastante feliz, pois a história de Theo desafiando a vida já estava me cansando. Então somos apresentados a um mundo futurista, onde a Inteligência Artificial cresceu e é utilizada até mesmo em tribunais. Nessa parte da história, eu senti como se eu estivesse num mundo de fantasia, como nas histórias do Dr. Seux, por exemplo, mas de um jeito mais Rick and Morty.
Então começa uma audiência num tribunal, onde o juiz é uma tela de computador, no estilo desenho animado mesmo. Aí o julgamento segue por uma linha meio sem pé nem cabeça, diferente de um julgamento normal… e o juiz faz umas propostas, e todos discutem, chegando a uma ideia que, para mim, é totalmente inverossímel. Eles querem, de alguma forma, fazer uma eutanasia no Theo e depois de alguns minutos reviver ele, para ele contar como é o outro lado. Meu deus…..
Ok, vamos por partes. Para mim, essa ideia não funcionaria nem mesmo num desenho animado. Primeiro, estudos comprovam que o cérebro humano permanece ativo até 7 minutos após a morte. Ou seja, tudo o que Theo visse após o óbito, seria imagens que seu cérebro gerou, em seu imaginário. Segundo, mesmo que eles esperassem um dia inteiro antes de reviver Theo, corria o risco de ele acordar e ter alucinado, inventando um monte de bobagens para seus ouvintes (e é essa opção que eu acho que ocorreu ao final da história). Terceiro, é totalmente impossível fazer experimentos científicos com o pós vida… porque se houver realmente algo, é algo que vai além do nosso universo… ou seja, nem a linha do tempo seria a mesma. Então Theo poderia simplesmente aparecer num “céu”, ou numa outra vida, e na hora de voltar para nosso mundo, ele diria “Não tinhada nada”, por não se lembrar, ou por simplesmente não ser algo desta dimensão. Enfim… além desse, há uma infinidade de outros problemas aos quais tornariam completamente inviável esse experimento.
Outro grande problema que vejo no universo dessa história, e que por maior que seja a minha suspensão de descrença eu ainda não consigo engolir, é essa sociedade imortal. Além de imortal, eles também são infinitamente sortudos? Porque me parece que não existem acidentes nunca, nem de carros, nem de trabalho, e nem mesmo domésticos. Fora que o mundo é muuuito grande… e sempre tem alguém que desiste da vida, e quer cometer suicídio, mesmo com uma hipotética imortalidade. Tudo bem que aqui as pessoas estão meio que sendo controladas mentalmente pela substância do governo… mas se essa vontade aconteceu com Theo, creio que aconteceria com mais pessoas. E mais uma vez, essa sociedade que está sofrendo lavagem cerebral do governo… é muito estranha, e causa um afastamento de mim, como leitor, por uma falta maior de detalhes e explicações de como isso funciona.
Por mim, o terceiro autor entra em ação, e a história perde essa vibe de desenho animado e volta com algo mais filosófico. O ponto positivo aqui, é que o mistério do pós vida é resolvido, com direito até a um pequeno suspense quando Theo vai contar a Luca, e então o mesmo tapa a boca de Theo, dizendo “Guarde suas palavras para o tribunal”. Fiquei com boas expectativas, aguardando qual seria a explicação.
Então Theo falou… e falou…. e falou…. aí eu entendi, e minha curiosidade foi saceada… e Theo continuou falando…. e falando…. e falando. E depois falou mais um pouco ainda (ou um monte!!). Meu deus……
Eu sou contra monólogos. E esse é muito teatral, e, o pior de tudo, é exageradamente explicativo. É legal explicar as coisas para o leitor dessa forma… mas não de forma a estragar toda a graça. Eu senti que a explicação foi tão mastigadinha, dada como se fosse uma papinha na boca do leitor, que isso tirou toda e qualquer possibilidade de discussão a respeito da conclusão desta história. Em toda ficção científica (e sim, eu considero essa história, como um todo, uma ficção científica), não é muito legal sermos tão expositivos. O mistério foi praticamente escrachado na cara do leitor. A solução dada pelo autor 3, na realidade, foi admirável! Ele conseguiu pegar toda a filosofia do autor 1, e concluir a ideia, dando uma resolução. Isso foi genial! No entanto, a forma como foi apresentada, além de extremamente cansativa, deixou pouco espaço para o leitor refletir. É muito gostoso quando eu, como leitor, leio algo interessante e fico refletindo, com base na minha experiência pessoal, e pensando no que a história me disse… aqui, no entanto, eu sinto que não houve espaço para isso. Foi como se eu estivesse numa discussão em que a pessoa não deixa eu falar, não deixa eu me expressar, e eu só posso ouvir, ouvir e ouvir.
Outra coisa interessante sobre o terceiro autor, é que para resolver toda a situação, ele utilizou um artifício de um tal “Dia mundial da Vida”, comemorando 200 anos desde a última morte ocorrida, e inclusive com o nome do último ser humano a experimentar a morte. Isso eu achei um elemento muito legal, e que enriqueceu a mitologia deste universo. No entanto, se esse fato tivesse sido apresentado no início da história, pelo autor 1, essa história ficaria bem mais interessante, e resgatar esse fato agora, na conclusão, teria sido genial! Infelizmente, neste desafio é muito difícil executar esse tipo de dinâmica, devido à impossibilidade de comunicação com os outros autores.
Concluindo… as três partes, para mim, ficaram destoantes. O final quase foi incrível, mas escorregou um pouco em explicações exageradas. A história, como um todo, não me divertiu muito. Mas eu parabenizo aos três autores, por darem conta de uma história tão complicada como esta, mesmo às cegas (sem se comunicar entre si). O resultado não foi dos piores… mas não me divertiu tanto quanto eu gostaria. De qualquer forma, desejo boa sorte aos três!
Já começo avisando que não sou nenhum dos autores!
Enfim, sobre a parte dos experimentos com pós-morte, sem entrar no mérito da verossimilhança (senão daqui a pouco a Priscila vai chegar no grupo de WhatsApp dizendo “viu como o Fabio defendeu o conto dele disfarçadamente?!!”), deixo aqui uma dica de filme legal (pelo menos na minha memória afetiva é legal) sobre o tema:
https://www.adorocinema.com/filmes/filme-6341/
Reli o conto, e gostaria de dizer que na segunda leitura gostei um pouquinho mais. A primeira parte propõe uma filosofia bastante interessante a respeito de um assunto que é ao mesmo tempo misterioso e assustador. A segunda parte entra com mais ação, de forma a expandir o universo apresentado e dando continuidade à missão de morte de Theo, mas agora apresentando alguns percalços. E o terceiro autor conclui toda a ideia de forma criativa, respondendo à pergunta inicial do conto, sobre “o que há depois da morte?”.
Ainda não é um conto que me agrada totalmente, mas eu comecei a vê-lo com melhores olhos. Achei-o bom, apesar das ressalvas que eu fiz.
PS: Vlw Fábio, pela recomendação! Nunca vi esse filme. Mas gosto dos filmes que tem o Kevin Bacon.
COMENTÁRIO: O início me lembrou logo “As Intermitências da Morte”, de Saramago, mas, ao invés de desenvolver as consequências do fim da mortalidade, concebe uma sociedade que tem na infinitude a sua base. E nisto conhecemos o protagonista, o primeiro e último rebelde em séculos. Esse cenário foi desenvolvido em poucas linhas e bastou para delinear tanto o protagonista como o conflito central da narrativa, cativando a leitura. A ideia da segunda autoria de dar continuidade a esse embate ao colocar Theo diante de um julgamento me pareceu um risco considerável, já que tiraria do aspecto contemplativo da primeira parte para dar mais destaque ao elemento distópico que compõe o plano de fundo da narrativa. Assim sendo, diante de acadêmicos de várias áreas e de uma inteligência artificial, Théo é posto a julgamento e achei o desenvolvimento dessa parte muito bem conduzido, sobretudo pela reviravolta da Inteligência Artificial ser quem sugere o caminho da curiosidade. A dinâmica entre as perguntas dos acadêmicos e a ojeriza geral foi muito bem caracterizada. Enfim, o encerramento foi a parte mais fraca no texto. Chegando ao que considero negativo, vale a pena fazer a ressalva positiva de que achei o estilo similar entre todas as partes, ainda que me pareça fácil distinguir em qual trecho se alternam as autorias, mas, enquanto o estilo foi preservado, achei o desfecho fraco. Por um lado, é evidente que a autoria quis retornar à discussão filosófica sugerida no início, mas como é o monólogo-parágrafo que encerra o texto, esboçando todo um pós-vida, a segunda parte do conto me fez querer saber o impacto disso na sociedade e no próprio Theo, de modo que em conteúdo, a terceira parte se comunicou melhor com a primeira do que com a segunda. Algo que qualquer autor poderia cometer, mas que é um risco maior em um desafio como esse. Interessante.
Ainda assim, gostei do conto, fiquei intrigado até o final, apesar de ter torcido o nariz para alguns errinhos, principalmente de dois usos equivocados dos porquês em modalidades diferentes.
A primeira vez que li sobre os pseudo problemas da imortalidade foi em “As viagens de Gulliver”, que é do século XVIII.
Essa ideia é rediscutida de tempos em tempos. Recentemente teve um episódio de “Black Mirror” que abordava os mesmos problemas e as percepções parecem convergir para as mesmas críticas do personagem aqui: extraímos sentido da vida por conta de sua efemêridade.
Particularmente, eu diria: me dá duas garrafas dessa água aí.
Gostei da abertura da história, mais apropriadamente um ensaio sobre o tema. As reflexões de Théo são bem apresentadas e a recapitulação do como chegaram até a imortalidade, interessante.
A segunda parte dá um tempo com o ensaio em primeira pessoa para mover o enredo e, felizmente, introduz elementos interessantes para o mundo introduzido pelo primeiro autor. O uso de inteligência artificial para o julgamento é particularmente interessante porque dialoga com o drama de Théo sobre as pessoas perderem o seu próprio sentido no mundo.
Dito isso, eu gostaria de ter visto um pouco mais de discussão técnica versando sobre o porque Théo não poderia fazer o que fazia. Se essa atitude é vedada, parece estranho que não existam medidas coercivas em movimento que garantam a administração da droga. Por exemplo, ela está na água. O que diabos Théo tem bebido? Se há preocupação e abundância dos elementos, por que não botá-la na água da torneira também? Não estou reclamando da falta de elementos, apenas apontando que seria legal tê-las visto abordadas.
A ideia de saber o que acontece com uma simples ressurreição foi criativa, mas, também, meio nada a ver. Afinal, nada prova sobre o outro mundo já que sempre tivemos esse tipo de caso antes.
A terceira parte aproveitou bem o avanço no enredo da segunda, mas retomou o aspecto de ensaio. Eu gostei muito do monólogo gigante no final. Bem teatral e criativo, apresentando uma perspectiva sobre a imortalidade que eu nunca vi antes, como a ideia do mundo pós-vida ter sido destruído pela falta de mortes.
Todos os autores contribuíram de forma ou outra de maneira interessante.
Parabéns.
X Sensação após a leitura: não sei se gostei… acho que sim… não, não gostei, putz, acho que até que gostei, ahhhhh…
O conto propõe reflexões sobre a vida e a morte, sendo ambientado em um futuro distópico em que a fonte da juventude é encontrada e usada como ferramenta de controle por parte do governo. E meio que é só isso. E meio que isso é o suficiente. Toda a parte do tribunal, toda a ambientação, o sidekick Luca e até mesmo o próprio protagonista são meras desculpas para expor essas reflexões.
No decorrer, o “ensaio sobre a morte”, livro que o protagonista estava escrevendo e chegou a me confundir um pouco na mudança de 1º para 3º pessoa no começo, foi totalmente esquecido… as reflexões acabaram vindo diretamente do protagonista, falando no tribunal. O efeito foi o mesmo, mas quebrou a unicidade.
x Meu amigo de tantos anos não existe mais, virou essa criança enjoada.
O funcionamento da água ficou meio estranho… as pessoas rejuvenesciam? Se continuassem tomando se tornariam bebês? Em algum momento fiquei com impressão de que a água apenas estancaria o envelhecimento, no ponto em que começasse a ser tomada, mas essa juventude de Luca (inclusive cognitiva) desmente essa tese.
Aproveitando o gancho, também foi preciso bastante da tal “suspensão de descrença” para a questão de ninguém mais morrer, mesmo em acidentes.
Alguns pontos para uma revisão mais atenta:
x Théo / Theo
x Todos tem pavor à ela
x Por que?
x Porque?
x me rendi a possível imortalidade
x trajes tecnológicos que os davam um ar
x chamou a equipa médica e os media foram logo alertados
X Conclusão:
Sentimentos conflitantes. Eu gosto desse tipo de reflexões, por mais batidas que sejam. O terceiro autor deu uma desviada da ideia original do ensaio, mas, em compensação, nos ofereceu uma visão interessante do fluxo de almas secando e não haver mais retorno. Noves fora… uma boa leitura.
BOM
Olá, caro colega entrecontista!
Primeiramente, parabéns pela participação corajosa e desapegada.
Vou avaliar e comentar de acordo com meu gosto, não tem muito jeito, afinal não tenho conhecimento nem competência para avaliar de forma mais “técnica”. Ou seja, vou avaliar como leitora mesmo. Primeiro, cada parte separadamente, valendo 1 ponto cada. Depois, a integridade do resultado, valendo 3 e, por último, o impacto da leitura, valendo 4.
Começo
O começo do começo indicava um tipo de texto de que não gosto muito. Aqueles super reflexivos, em que um personagem se debruça sobre sua visão de mundo e fala sobre ele sem parar. Mas daí Luca chama Theobaldo de volta à realidade e a coisa fica boa. Gostei muito da premissa, bem interessante, e do desenvolvimento. O começo deixou as “regras” daquela realidade claras e muito espaço para a continuação.
Meio
Não dá para notar a mudança de autor, muito bom! A ideia do julgamento por IA foi muito bem concebida e o detalhe de que, enquanto os humanos se apegavam teimosamente às regras, a IA foi quem demonstrou curiosidade foi uma crítica “social” muito pertinente. Achei esta continuação excelente e deixou margem para qualquer coisa acontecer no final.
Fim
O fim do fim, tal como o começo do começo, é o tipo de texto que não gosto muito… kkkkk Mas acho que não dava muito pra escapar, não é mesmo? Gosto pessoal a parte, o discurso final ficou coerente com o personagem e espelhou o texto que o protagonista escrevia no começo do conto e, tal como a parte 2, não foi possível identificar a mudança do autor. Gostei da conclusão, Theobaldo consegue o que quer, mas isso muda sua ideia sobre querer morrer. Interessante, também, a reflexão sobre a evolução as almas e o papel da morte. Achei que o final fechou muito bem a história.
Coesão
Os autores estão de parabéns, o texto ficou muito íntegro, parece ter sido escrito por uma pessoa só. Não só o estilo, mas a personalidade dos personagens foi mantida.
Impacto
Um texto que, ao começar a ler, achei que ia detestar mas me agradou. A reflexão a respeito da finitude e da sua importância, a respeito da morte e da fixação pela juventude são muito atuais e verdadeiras. Também gostei do personagem Luca, que mostra o funcionamento da água da vida enquanto torna-se criança e adolescente, ao mesmo tempo que mantém o afeto pelo velho amigo.
Enredo: Bom conto. No futuro certa água da vida é descoberta e logo o seu uso torna toda a humanidade imortal, mansa e estéril. O tom lembra algo mais para o fantasioso, embora o cenário pudesse evocar ficção científica. O julgamento lembrou-me de uma farsa kafkaniana.
Escrita: Boa. Há alguns poucos erros (“Não era necessário palavras”, por exemplo), um “porque” junto numa pergunta e alguns acentos “comidos”, mas pouca coisa. Está bem escrito em linhas gerais e também detém bom vocabulário, sem cacofonias ou repetições desnecessárias.
Personagens: Bom. O personagem-narrador é interessante, chega a envolver o leitor com seus pensamentos e ideias. Os demais foram bem acessórios. “Luca”, por exemplo, só está na história para “trair” o amigo.
Coesão: Boa. A 1a e a 2a parte são bem coesas. O 3o autor escreveu um pouco diferente, sem tantas reflexões e usando parágrafos maiores, mas manteve razoavelmente bem o tom e a uniformidade do texto.
Resumo: Num futuro não tão distante, as pessoas tomam uma água milagrosa que as mentem jovens por tempo indeterminado. Théo, o protagonista, que escreve parte da história, começa a se perguntar se a imortalidade é uma coisa boa. Ele decide parar de beber a água milagrosa e volta a ficar velho e mortal. Sofre um infarto, morre, mas é ressuscitado para revelar o que há depois da Vida, o que é a Morte.
O texto está bem escrito, tem algumas frases interessantes, alguns errinhos sem importância. A ideia é boa, alguns questionamentos válidos, coerentes. A parte do tribunal foi bem descrita e se percebe a evolução tecnológica inclusive na esfera do judiciário. O conto começa com o gênero de Ficção Científica e termina, realmente, como um Ensaio sobre a Morte. Finaliza como uma reflexão filosófica, com uma mensagem positiva e inspiradora sobre o significado da Vida. Não sei se isso é bom, pois desviou-se completamente da ideia original, mas de qualquer forma é válido.
O Conto é bem interessante e trata de um assunto bem polêmico, mas não achei que trouxe nada de realmente novo ou apresentou algum ponto inovador. (Bela homenagem ao verdadeiro e único Deus, o Monstro de Espaguete Voador, inclusive)
Começando pela leitura do texto, achei um pouco cansativo, um pouco alongado. Há cortes de narrativas e mudanças relativamente bruscas, alterando o foco do texto e da história. Um conto mais simples e mais direto (talvez em outro desafio) ficasse melhor de ler.
A passagem do tempo é confusa, mesmo com os efeitos da Água da Vida, uma hora temos Luca criança e em outra ele já é um adolescente. Ele quer brincar mas ao mesmo tempo faz uma denuncia ao entender que vai perder o amigo.
O conto valeu pela reflexão a um tema bem delicado e soube tratá-lo de uma forma ao mesmo tempo simples e honrosa.