Parado aqui na porta da minha choupana, fitando a imensidão do céu, tenho visto o mundo se transformar.
Sentei nesta soleira há muito tempo e nunca mais levantei. A não ser uma vez, quando peguei doença e me carregaram para dentro. Mas depois voltei e aqui estou como sempre, espiando a estradinha de terra.
Enquanto isso o sol nasce, o sol se põe, e tudo vai mudando.
Os morros eram verdes de tanta árvore. Aí derrubaram tudo. O verde sumiu. Só se via a terra e a poeira que o vento esparramava.
O tempo passou, a terra verdejou outra vez. Mas não é como antes, só cresceu mato rasteiro.
O riacho também modificou. A água, de clarinha que era, escureceu. Nem enxergo mais a correnteza. Deve ter secado tudo.
Quando os morros eram verdes e as águas eram claras tinha muita gente morando aqui. Disso me recordo bem.
Então veio aquele dia. Cheguei do eito e estranhei a porta aberta, tudo escuro lá dentro.
Saí procurando ela, mas ela não estava em lugar nenhum. Me disseram que tinha ido embora de manhãzinha, carregando a mala. Enveredou pela estradinha e desapareceu sem falar com ninguém.
Duvidei, fui pra casa e encontrei o guarda-roupa vazio. Era verdade, ela tinha fugido. O motivo, levou junto com ela.
Vim aqui e sentei na soleira, esperando ela voltar.
As pessoas chegavam e me diziam pra entrar pra dentro, que estava de noite, fazia frio e eu ia perder a pouca saúde que tinha. Me traziam comida, sentavam do meu lado e me obrigavam a comer pelo menos um pouco. Até cobertor arrumavam pra me cobrir, porque entrar eu não entrava.
Aí fiquei doente. Eles me pegaram e me puseram na cama.
Esqueci o que aconteceu. Só sei que voltei pra cá e ninguém tornou a falar comigo. Passavam reto na estrada sem virar a cabeça nesta direção.
Não fiz conta, prefiro estar sozinho. Acostumei.
Nunca mais senti nem fome, nem frio, nem sede.
Sumiu o arvoredo dos morros, o riacho secou e todo o povo foi pra longe.
Só restou eu aqui, sem outra labuta além de olhar o sol nascer e o sol morrer.
Um dia, quando ela apontar na curva logo ali depois da cerca, vai me ver neste mesmo lugar esperando.
Vai ficar bem contente, que eu sei.
E vai apertar o passo, com vontade de me abraçar.
Nossa! Que história bonita e ao mesmo tempo triste! O homem é um fantasma, uma memória, agarrado ao seu passado, vendo o mundo seguir adiante enquanto ele é um habitante da soleira da porta. Um espectador do tempo. Excelente texto, gostei bastante!
Obrigada, Wellington! 💓
Oi, Zulmira!
Que conto lindo! E triste 😢
O amor faz dessas coisas mesmo… Não desiste nunca, nem depois da morte. Muito bom!
Parabéns!
😘
Muito gentil, Priscila.
Obrigada! 🙂
Um conto de tristeza tão profunda.
Te amarei além da vida levado muito a sério.
Parabéns pela estreia.
Comentário muito gentil. 💕
Fico feliz que tenha gostado.