EntreContos

Detox Literário.

Sob a Luz do Neon Roxo (Fabio D’Oliveira)

1.

Naquele quartinho de motel, localizado numa esquina suja e esquecida, os dois podiam se amar.

Sem julgamento.

Sob o pisca-pisca ritmado da placa de neon roxo do estabelecimento vizinho, trocavam confidências, sorrisos e dores.

No último encontro, uma pergunta o desconcertou.

— Por que atirou nela?

— Foi uma ordem. E eu sou um soldado. O que poderia fazer? — foi incisivo.

— Se fosse uma ordem, você atiraria em mim?

Não soube responder.

2.

As árvores-mulheres eram colossais.

Com raízes-pernas duplas, os troncos-corpos expressavam diversos sentimentos: em linha reta, com os galhos-braços erguidos, numa espécie de louvor ao céu;  simulando emoções — riso, choro, grito — e movimentos — ballet, teatro. Secas, imitando a morte, sem folhagens. Como o restante do mundo. E, no lugar da cabeça, uma fruta vermelha, que pulsava compulsoriamente. Parecia um coração gigante.

— O famoso Arvoredo das Mulheres Desfolhadas. Impressionante, não é? — comentou Gaspar.

— Nunca vi lugar igual — o tom de Yohan era de ironia.

— Caramba, parceiro. São mulheres gigantes. G-I-G-A-N-T-E-S.

— São árvores.

Gaspar sorriu maliciosamente.

— Esse é o Yohan que conheço! Não gosta de mulher, apenas de armas — provocou.

Não respondeu.

Ao redor, o pelotão inteiro vibrava. Entre risadas e palavrões, os homens corriam pra lá e pra cá, abraçando os troncos e insinuando indecências. Porém, Yohan sentia-se íntimo daquele ambiente por outro motivo. A terra seca e sem vida, as árvores espaçadas, as nuvens negras infindáveis, o vento constante, o assobio fúnebre. Isolado do mundo.

Lembrava aquele quartinho de motel.

— Muito bem, rapazes. Acabou a festa! — a voz do comandante soava como um trovão. — Os desgraçados estão entocados nesta maldita floresta. Lembrem-se: quero eles vivos. Sem perna? Tolerável. Braço estourado? Sem problema. Mas respirando. Uma premiação por cabeça. Entenderam?

— Sim, senhor! — gritaram em uníssono.

— Organizem as tríades. E boa caçada — concluiu e, num gesto, dispersou o pelotão.

Rastreador, atirador e lutador. Não era permitido caçar sem o trio completo.

Lei da Milícia.

— Odeio essa parte… — reclamou Gaspar, analisando os homens ao redor com atenção. — Precisamos encontrar alguém para substituir o Nilo.

Yohan concordou. E suspirou. Não queria pensar no Nilo.

Numa caminhada preguiçosa e arrastada, um homem de dois metros e braços colossais se aproximou, mostrando seu sorriso esburacado.

— Quem diria, quem diria… Um buraco no time das estrelas, yahaha — sua voz gutural irritava Yohan. Profundamente.

— O que você quer, Kabir?

— Também estou feliz em te ver, Yohan — e completou virando-se para Gaspar. — Eu gostava do Nilo. Era um ótimo lutador. Um dos melhores, com certeza. Mas, ainda assim, ele está morto. E eu estou vivo. Isso quer dizer algo, não acha? Quero fazer parte do time. Vocês são os melhores.

Aquele homem era perigoso. Perito em espingardas, quase sempre retornava sozinho das caçadas. Extremamente forte, não era um completo boçal, o que não era reconfortante.

— Oferta tentadora… — sorriu Gaspar.

Olhou para Yohan.

— Não gostei da ideia — respondeu incisivamente.

— Por quê?

— Não gosto dele.

— Uma pergunta, parceiro. Quem é o soldado mais antigo?

— Você.

— E qual é a lei da Milícia sobre isso? — Gaspar continuava sorrindo.

— Os veteranos mandam.

— Acertou! — ele bateu palmas.

Kabir gargalhou com gosto. O sangue de Yohan ferveu com a humilhação, mas manteve a postura, impassível.

— Você que manda, Gaspar.

— Isso mesmo, parceiro — deu alguns tapinhas no ombro dele. — Precisamos participar desta caçada. Sairemos em dez minutos.

Fez a checagem dos equipamentos: cartucheira no peito, rifle no ombro e corda com gancho na cintura. Depois da contagem dos pitões, otimizou as botas propulsoras para saltos e corridas. Como atirador, costumava se posicionar antes de qualquer confronto, em segurança, mas precisava estar pronto para qualquer situação.

Gaspar se encarregava do rastreamento e dos suprimentos. Mochilão pesado nas costas, mas sem negligenciar o revólver, sempre ao alcance de suas mãos rápidas. Kabir, em contrapartida, não carregava nada além da espingarda de repetição, que era do tamanho do seu braço. Ele estava sentado no chão, calibrando a arma e falando sozinho.

— Terminaram?

Yohan confirmou com a cabeça.

— Estou sempre pronto! — exclamou Kabir.

A caçada havia começado.

3.

Fila indiana.

Gaspar na frente, olhos atentos no chão, atrás de algum indício dos alvos. Kabir no meio, espingarda empunhada, pronto para a ação. E Yohan atrás, apagando os rastros para evitar perseguidores.

Não era incomum os combates entre as tríades pelo prêmio da caçada, principalmente por causa da competitividade alimentada pelo comandante da Milícia.

A lei do mais forte.

— O que esses traficantes fizeram? — Kabir chutou algumas pedras para longe.

— Trapacearam numa venda de armas — respondeu Gaspar, sem perder a concentração.

— Estão fodidos, YAHAHA!

A risada do gigante ecoou pelo arvoredo.

— Quieto — pediu Yohan, visivelmente irritado.

Kabir resmungou algo.

Em silêncio, continuaram caminhando por entre as árvores-mulheres.

Horas e horas.

4.

Num dado momento, atravessaram um riacho avermelhado, cuja nascente era uma das árvores-mulheres. Inclinada para trás, quase encostando no chão e com as raízes-pernas abertas, ela simulava um parto.

E, um pouco adiante, Gaspar estacou, ordenando a parada da marcha.

— Achei um rastro.

Agachou-se. Analisou o solo, tocando e cheirando, e fez uma careta.

— Estranho… — disse ele, levantando-se e batendo as mãos. — Nunca vi um rastro como esse. É um humanóide, tenho certeza disso, mas não parece ser uma pessoa.

— Sério? Vamos atrás! — o brutamontes se animou.

— Estou curioso também.

— Temos uma missão. Esqueceram? — Yohan tentou argumentar.

— Você é idiota? — insultou Kabir, usando o tom prepotente de sempre. — Sabe quanto uma criatura desconhecida vale no Mercado Negro? Ainda mais humanóide.

Yohan pegou o rifle. Com firmeza. E controlou a respiração.

— Ele está certo, parceiro — concordou Gaspar. Botou a mão sobre a arma do atirador, abaixando-a, e completou. — Pense nisso como uma oportunidade. Imagina o prêmio que podemos ganhar. Preciso de uma folga.

Estava quase anoitecendo quando, por fim, determinaram o novo objetivo.

5.

A dança sinistra das árvores-mulheres.

O crepitar da fogueira.

E a penumbra confortável.

Um pouco afastado do fogo, limpando o rifle, Yohan sentia o peso do cansaço sobre os ombros. Não dormia direito há dias.

O semblante reflexivo do Gaspar, iluminado parcialmente pela vermelhidão das chamas, era uma imagem quase íntima. Quantas noites dividiram uma fogueira em absoluto silêncio?

Levantou-se e sentou perto do fogo.

— Pega… — Gaspar jogou uma tira de carne-seca para o recém-chegado.

Não estava com fome. Talvez mais tarde, pensou enquanto guardava a proteína no bolso. Manteve-se cabisbaixo. Yohan gostava do fogo: queimava ininterruptamente, e, contanto que mantivesse o controle, era útil. Como a raiva.

— Então, Yohan, qual é o seu crime? — perguntou Kabir, quebrando o silêncio.

Levantou a cabeça.

— Por que se tornou um apátrida?

Qual era o pecado que havia cometido? Tão terrível, tão abominável, que merecia o exílio naquelas terras infernais.

Amar?

— Assassinato — mentiu sem pestanejar.

— YAHAHA! Aposto que o desgraçado mereceu. Ainda sonho com as muralhas. E o mar negro. Era horrível — lembrou ele. — Eu queria ter queimado aquele lugar puritano.

— Você realmente acha que a vida aqui fora é melhor? — Gaspar parecia chocado. — Eu sinto falta. Mesmo com aquele papo religioso, no fundo, todas as mulheres da Cidadela são meretrizes. Todas. Foi a melhor época da minha vida. Deveria ter tomado cuidado com quem dormia, apenas.

— Vai mexer com mulher de figurão, dá nisso — debochou Kabir. — E, sim, a vida aqui fora é melhor. Sou livre. Eu faço o que quero. E quando quero. É simples. Se uma mulher me encanta, mesmo que não queira ficar comigo, pego à força. E se alguém me irrita… — agarrou a arma e simulou uma execução.

— Vou deitar — avisou Yohan, levantando-se. Foi um erro se aproximar da fogueira.

Kabir sorriu e meneou a cabeça. Gaspar permaneceu em silêncio, imerso nas chamas. Afastou-se. E deitou no chão. Com a cabeça apoiada num dos braços, segurando o rifle com cuidado, observou o vaivém dos galhos-braços até os olhos pesarem.

6.

O mar negro.

— Afogue-o! — a multidão clamava.

Ele era magro. Fracote. Não foi difícil dominá-lo. Quando segurou a cabeça dele embaixo d’água, fechou os olhos. Não queria matá-lo, mas queria viver.

Afogamento para o fraco. Banimento para o forte.

Essa era a punição do pecado da lascívia, como descrevia as Escrituras Sagradas.

— Exílio! — o povo abria caminho até os portões das muralhas.

O corredor da vergonha. Humilhado, aceitou as pedras, açoites e cuspes.

Lágrimas. E muita dor.

O que ele fez de tão errado?

Foi apenas um beijo.

Depois que os portões da Cidadela se fecharam, sentiu-se completamente abandonado. Ele caminhou até encontrar as ruínas de um povoado.

Ali, entre os escombros, jurou que nunca mais choraria.

7.

Yohan havia acordado assustado.

E, mesmo depois do amanhecer, do retorno ao ofício e do passar das horas, não conseguia pensar em outra coisa.

Não gostava de sonhar com a Cidadela.

Era doloroso demais.

Perto do meio-dia, sentada no meio do caminho, inocentemente, e contemplando uma árvore-mulher em pose arabesque, acharam a criatura humanóide que caçavam.

— Capture-a — ordenou Gaspar.

Yohan acionou as botas propulsoras. Duas batidinhas na lateral. Saltou na direção do tronco-corpo mais próximo. Alcançou um dos pitões e fincou na madeira. Apoio. Mais dois toques. Em segundos, capturou o alvo.

Veloz.

— Caramba! — exclamou Kabir.

— Quando se trata de saltos, ele é o melhor da Milícia — comentou o rastreador.

Yohan estava hipnotizado.

Em seus braços, uma menina sorria para ele. Pequena e frágil. De pele esverdeada. Com ramos de folhas crescendo pelo corpo inteiro. E cabelos de samambaia.

Nunca vira tamanha beleza.

8.

Naquela noite, Gaspar e Kabir festejaram.

A menina-planta foi acorrentada perto do acampamento. Ela não demonstrou medo. Em nenhum momento. Inocente demais. Pura.

Era isso que valia dinheiro naquelas terras.

Mesmo depois da comemoração, Yohan não conseguiu dormir. Continuou pensando.

Na vida.

No Nilo.

Na menina.

No que poderia ter sido.

E no que era.

Era estranho. Sempre que refletia sobre o passado, mesmo sendo raro, via-se diante do mar negro. Uma criança sozinha num mundo monocromático. Na divisa entre o certo e o errado. Amou pela primeira vez quando completou quinze anos. Era amor. Tinha certeza disso. Um amigo de infância. Diferente como ele. Aconteceu naturalmente.

Era tão errado amar outro rapaz?

Depois da punição e do exílio, Yohan decidiu trancar o coração. Até Nilo aparecer. Agora, ele estava morto. Igual seu primeiro amor.

Estava cansado daquilo tudo.

Levantou-se num suspiro pesaroso. E, automaticamente, caminhou até a menina-planta. Estava acordada, sentadinha, olhando para o céu nublado. Procurando estrelas, talvez.

Ela sorriu com a aproximação dele.

— Trouxe isso para você — lembrou-se da carne-seca que guardara na noite anterior.

Aceitou sem hesitar. Era delicada até quando comia. Pensou no futuro dela. E sentiu uma agonia intensa. Injusto.

Assim que terminou, a menina-planta estendeu a mão.

— Vai me dar algo? — sorriu Yohan.

Uma flor brotou da palma dela. Pequenina. Sete pétalas. Brilhando num tom dourado.

Preciosidade.

E, pela primeira vez em anos, ele chorou.

— Chorando? Isso é novidade pra mim.

Era a voz de Gaspar.

— Isso é incrível, né? Ela vale muito.

Yohan limpou o rosto, rapidamente. E tentou retornar para o acampamento.

— Ei… Faz um bom tempo que quero te perguntar uma coisa, parceiro — Gaspar parou na frente dele.

— Fale.

— Você gosta de homem?

Congelou.

— Do que você está falando? — precisou se controlar para não gaguejar.

— Se eu ficar pelado, agorinha, você vai ficar excitado? — e, após falar isso, sorriu maliciosamente. — Nilo também gostava? Eram namorados?

Não respondeu.

— Sempre achei estranho… Os dois sumindo durante a noite. Juntos. As risadinhas entre vocês. A forma como se olhavam.

— Cala a boca — Yohan agarrou o rifle, ameaçadoramente. Estava ofegante.

— Eu fiquei aliviado quando o Nilo morreu, sabia? Quando aquela besta o abocanhou, na última caçada, pensei que tudo retornaria ao normal.

Apertou a arma com tanta força que machucou as mãos.

— Éramos uma boa dupla, não importava o lutador. Eu encontrava o alvo. E você matava. Sem questionar. Uma mina de ouro. Mas, quando hesitou na hora de matar aquela protistuta, percebi que estava mudando.

Em silêncio, encararam-se por alguns segundos.

— Tô brincando, parceiro! — riu ele, levantando os braços em sinal de paz.

Precisava se afastar. Mas, quando cruzou com Gaspar, recebeu uma cuspida na cara.

— Você e eu, Yohan, acabou — sussurrou em seus ouvidos. — Essa é nossa última caçada juntos.

9.

Não sentiu nada quando conheceu Nilo.

Era um homem estranho. Não era agressivo. Ria suavemente. E tinha um olhar profundo. Com a convivência, começaram a trocar olhares, e, antes que percebesse, escondiam-se sob a luz do neon roxo.

Refúgio.

O mundo, que finalmente havia ganhado cores, fora inundado por tons de cinza depois da morte dele.

Vazio profundo.

Naquela marcha cruel e injusta, ele sustentava as grossas correntes da menina-planta. Era o homem que a condenava. E o que ganhava em retorno?

Aquele sorriso sincero.

O vento ininterrupto, a dança sombria e a terra devastada. Naquele instante, Yohan percebeu porque era íntimo do Arvoredo das Mulheres Desfolhadas.

Até quando permaneceria preso naquele quartinho de motel?

Parou de caminhar.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Kabir, olhando por cima dos ombros.

“Se fosse uma ordem, você atiraria em mim?”

— Não…

Ambos se viraram.

— O que você disse? — Gaspar estava confuso.

— Eu não sou mais um soldado.

Yohan deslizou o rifle pelo ombro até as mãos e, num tiro perfeito, acertou o abdômen do rastreador, incapacitando-o.

Jogou a menina-planta para longe assim que ouviu o engatilhar da espingarda.

E saltou bem alto.

Chegou a sentir os projéteis do cartucho passarem raspando pelas pernas. Ainda no ar, recarregou o rifle. Mira precisa. Fez um buraco no meio da testa do Kabir. Para aliviar a queda, lançou a corda com gancho no galho-braço mais próximo.

De volta ao chão, começou a recarregar a arma mais uma vez.

— Espera, parceiro… — Gaspar cuspia sangue.

Nem piscou: estourou a cabeça do desgraçado.

Conseguira.

Ajeitou o rifle no ombro e caminhou até a menina-planta, que, um pouco confusa, permanecia caída perto do corpo do brutamontes.

Retirou as correntes.

— Ninguém vai te machucar, agora.

Sentou-se e respirou aliviado. Todo o peso do ombro sumira.

Liberdade.

Lembrou-se das noites perfeitas no motel. Nilo. Era amor. Terno e verdadeiro. E, diante de si, tão perto que podia sentir o calor dela, estava uma menina que inspirava o mesmo sentimento.

Queria protegê-la.

Não sabia o que encontraria pela frente. Nem como viveria. Era tudo muito incerto. Mas Yohan gostava daquela nova sensação.

25 comentários em “Sob a Luz do Neon Roxo (Fabio D’Oliveira)

  1. Pingback: Resultados do Desafio “Foras da Lei” | EntreContos

  2. misapulhes
    9 de outubro de 2021

    Olá, Saorsa.

    Resumo: em um mundo distópico, onde se aprisionam “foras da lei”, Yohan terá de lidar com o dilema de seguir ou não “aquelas leis”.

    Comentários: O texto é, obviamente, muito bom. É certo que se trata de um escritor já com certa experiência. A linguagem é completamente dominada. A paragrafação é um exemplo disso.

    A história é boa, trata muitíssimo bem do tema, causa tensão, suspense, impacto. Tem originalidade, trabalha bem os gêneros em que se inscreve, cria ótimos personagens.

    Já comentaram, e um dos méritos mais claros é essa construção do ambiente com economia e precisão de recursos. Diz-se só o essencial quanto à ambientação, o que cria um desejo de saber mais. Além do mais, o enredo é construído aos poucos. Uma informação aqui, outra bem acolá, sempre de forma sutil e não “dada”, mas imiscuída (gastei) na narrativa.

    Uma coisinha me incomodou. Pode ser uma impressão errada. Os trechos finais pecam em falta de sutileza – o que é mérito no resto todo do conto. A forma como Gaspar se dirigiu a Yohan e, depois, a cusparada… e a forma como Yohan matou seus dois parceiros de caça…

    Boa sorte, Saorsa! Acho que você vai ganhar isso aqui hahah. Abraço.

  3. Bruno Raposa
    9 de outubro de 2021

    Olá, Saorsa.

    Numa vã tentativa de ser mais objetivo, resolvi, para este desafio, pegar emprestado o modelo de comentários do EntreMundos. Então vou dividir meu comentário em ambientação, enredo, escrita e considerações gerais.

    A eles.

    Ambientação: Definitivamente, o ponto mais forte do conto. A ambientação é excelente. Consegue apresentar com muita eficiência um universo fantástico num conto razoavelmente curto, o que é sempre muito difícil. As regras desse universo são bem definidas sem que a narrativa pare para momentos expositivos. As leis e costumes dessa civilização vão aparecendo naturalmente, através das interações entre os personagens ou das reflexões do protagonista. Tudo soa muito orgânico, sem despejar um caminhão de informações que soterram o leitor, armadilha em que tantos contos do gênero caem.

    As descrições dos ambientes são muito visuais, tornando fácil se imaginar na floresta de mulheres-árvores ou diante do mar negro. O clima pesado do exílio e das caçadas é envolvente. A atmosfera tensa, mas entremeada por poesia, é muito bem definida desde o início do conto. Nada a apontar aqui.

    Enredo: O enredo é bom. Foi uma grata surpresa encontrar um conto de fantasia no desafio. Assim, foi possível trazer frescor na abordagem do tema, trazendo um fora-da-lei de um universo diferente, com leis diferentes. A história é sensível e o drama de Yohan é facilmente relacionável. Traz também a questão da discriminação, sempre pertinente e atual.

    Porém, enquanto a ambientação foge do óbvio, o enredo não consegue evitar alguns lugares-comuns. A começar pela formação do time, com o sujeito que à primeira vista parece amigo do protagonista, mas depois se revela um mau-caráter e o brutamontes ameaçador e não muito esperto. Até a risada caricata deste último soa um tanto clichê. Da mesma forma, uma menininha inocente ser o vetor de mudança para Yohan também é um elemento previsível.

    Nada disso chega a desabonar o conto. Não foram entraves para minha leitura. Mas, com uma ambientação tão diferente e inspirada, é uma pena que o enredo acabe navegando por águas conhecidas.

    Já as cenas de caça e as descrições dos aparatos tecnológicos, por outro lado, foram bastante originais. As funções de cada um na equipe e a forma como Yohan luta no final me lembraram um pouco a dinâmica de um videogame. O que, nesse caso, é muito bom, rs.

    Escrita: Muito boa, equilibrando bem ações e descrições, sempre com uma narrativa sensível, sem abrir mão do lirismo. O texto é limpo, não notei erros de revisão.

    Apenas um ponto se tornou cansativo para mim, mas pode ser uma questão pessoal: não gosto desses parágrafos formados apenas por uma frase curta. Acho que travam a leitura e quase sempre têm um efeito um tanto didático, seja para reforçar o que acabou de ser dito, seja para uma pequena explicação, ou como um indicativo de como o leitor deve se sentir. Não gosto de nenhuma das opções, rs. Acho pouco natural e, aos meus olhos, soa um tanto amador. Mas entendo que é uma questão de estilo. Apenas deixo aqui minha impressão.

    E um último apontamento: fiquei na dúvida quanto do “G-I-G-A-N-T-E-S”. Ele estava dizendo letra por letra? Não me pareceu muito lógico. Acho que uma separação por sílabas ficaria melhor. Mas, outra vez, pode ser só uma questão pessoal.

    Considerações gerais: é um ótimo conto. Tem uma ambientação muito forte, uma boa construção de universo e uma história que, apesar de esbarrar em alguns lugares-comuns, funciona muito bem. A escrita é dinâmica e agradável. A separação por capítulos foi bem planejada. Foi uma ótima experiência de leitura.

    Desejo sorte no certame.

    Abraço.

  4. Jorge Santos
    7 de outubro de 2021

    Olá. Tive de ler o seu conto uma segunda vez para conseguir compreendê-lo. Numa sociedade distópica, um grupo de caçadores pertencentes a uma milícia caça aqueles que se tornaram fora-da-lei, inclusivamente homossexuais, ignorando que um deles é homossexual. O desfecho é interessante, mas não chega para segurar a coerência da narrativa

  5. Kelly Hatanaka
    7 de outubro de 2021

    Oi Saorsa.

    Um lindo conto de fantasia, que se passa em um mundo alternativo, povoado por seres e plantas tão diferentes;
    Você criou este mundo com muita habilidade. É fácil se perder, explicando demais e cansando o leitor ou explicando de menos e deixando o leitor perdido. Você eoncontrou a medida certa e entregou um texto belíssimo.

    Amei o conto e embarquei na história desse fora da lei sofrido que encontra alívio em um novo propósito de vida. Um texto agradável de ler, cheio de beleza e poesia.

    Parabéns!

  6. Luciana Merley
    5 de outubro de 2021

    Sob a Luz do Neon Roxo

    Olá.

    Me pareceu um enredo de fantasia com algumas mensagens mais profundas.

    Coesão – Não sou uma boa leitora de textos cujo conflito é pouco definido, salvo raras exceções, prefiro as tramas explícitas. Ou seja: ai de mim na literatura contemporânea (rsrs). Sendo assim, tenho um pouco de dificuldade em encontrar o cerne de textos como o seu. Costumo ficar vagando e relendo nessa tentativa. Nesse caso, me parece um mundo fora daqui, numa outra dimensão ou outra época. Isso me veio à mente por causa das “árvores-mulheres” e o quanto esse tal bosque pareceu real na trama. A fala “humanóides” também contribuiu para essa percepção. Se posso apontar um centro de enredo, seria o conflito desse soldado, homossexual, que perdeu seu companheiro, e que era obrigado a caçar outros como ele? É isso? Ou caçar fugitivos de algum lugar. Não ficou claro. Perdoe-me se não compreendi.

    Ritmo – A impossibilidade (minha) de encontrar um centro propulsor, geralmente interfere no ritmo da leitura. Contudo, você tem uma escrita apuradíssima, sem ressalvas, com uma demonstrada experiência no uso das palavras. Isso torna o texto muito bom de ler.

    Impacto – Obviamente que os apontamentos que fiz interferem na minha avaliação pessoal, no que se refere ao impacto, mas quero que saiba que admirei demais seu trato com as palavras. Se posso fazer algum apontamento, seria de que a citação direta dessa tal “cidadela religiosa” acaba por jogar seu texto num lugar comum, de crítica explicita à religião, tão usada e abusada nos dias de hoje. Caso queira, poderia utilizar referências menos explícitas.

    Um abraço.

    • Saorsa
      6 de outubro de 2021

      Beannachdan!

      Ceart gu leòr, Luciana. Realmente não construí o conto de forma explícita e coloquei muitos detalhes nas entrelinhas. É normal, depois de ler tantos textos, além da rotina fora daqui (que pode ser desgastante), o cansaço e não conseguir se envolver com a trama a ponto de tentar desvendá-la.

      Não existe qualquer caça contra homossexuais nas terras fora da Cidadela (e concordo com a falta de sutileza no ponto que juntei Cidadela com a palavra “religiosa”, que foi uma crítica ao medievalismo de algumas religiões do passado e até atuais, como o Islamismo mais radical, não da religiosidade em si; tentei reforçar no sonho do Yohan esse aspecto mais primitivo, generalizado e violento, como acontecia na Idade Média), mas ainda sofrem um profundo preconceito. São todos apátridas, pessoas que não possuem um lar, e tentam sobreviver como podem naquelas terras devastadas. A Milícia é um grupo de soldados que caça por recompensa ou por interesse próprio, para escravizar ou eliminar inimigos (como os traficantes que enganaram eles e estão escondidos no arvoredo da história, sendo o conflito que colocou Yohan no cenário principal).

      O conflito principal da trama é a libertação pessoal de Yohan. Ele está preso dentro de si mesmo, sem assumir quem realmente é, uma pessoa “boa” no meio daquela violência toda. Ele perdeu uma pessoa importante, recentemente, e está questionando tudo (o fato dele ter hesitado na hora de atirar numa mulher, durante uma caça, que é mencionada no primeiro ato e retorna com um diálogo de Gaspar no oitavo ato, onde ele percebeu as mudanças no soldado “perfeito”, que não questionava até então). Yohan se fechou depois da expulsão da Cidadela, mas Nilo abriu as portas do seu coração. Soa piegas, eu sei. E nessa caçada em que está na presença de um homem pouco confiável, Kabir, e de outro que o provoca e humilha constantemente, ele descobre que ainda existe pureza naquele mundo, simbolizado pela menina-planta. Depois do conflito com o Gaspar, ele decide dar o primeiro passo para a libertação. Assumir uma vida onde ele toma suas decisões e pode ser quem ele quiser ser, retornando ao status de ser humano. E temos o combate final, onde Yohan consegue vantagem por tomar primeiro.

      É uma trama simples, como já comentaram, sem grandes surpresas. Sei que é uma leitora dedicada, então se teve dificuldades com o meu conto, o problema está nele, de certa forma. Por isso decidi explicar a base do enredo. Ou é apenas uma história que não te cativou ao ponto de desejar esmiuçá-la.

      Agradeço muito sua leitura, sempre seòlta agus furachail.

  7. opedropaulo
    5 de outubro de 2021

    Um conto em que os esboços de um mundo fantasioso bastam para consolidar um contexto em que a violência em uma terra sem lei é a única saída para aqueles expulsos da Cidadela profundamente religiosa. Em termos de enredo, o texto não traz grandes surpresas, com o protagonista que esconde um segredo dos seus colegas brutos que, cada um à sua maneira, também são construídos em pontos-comuns: o neandertal grosseiro e o colega que é amigável por quanto durem os seus próprios interesses e preconceitos. Até a garota inocente aparece para despertar no protagonista os resquícios de sua humanidade. Assim sendo, tudo se desenrola dentro do esperado… apesar do enfraquecimento do clímax, o caminho até lá é bastante espirituoso pela maneira como foi escrito, bastante visual e com forte carga poética. Desenham-se imagens únicas, como os três caçadores avançando entre uma floresta de árvores-mulheres, e tudo reforça a ambientação e o tom da história lida, pontos altos do texto. Nesse aspecto da escrita, minha única crítica é ao uso excessivo de parágrafos curtos, havendo alguns trechos que ocupam uma única linha, recurso superutilizado que rompeu um pouco com o ritmo de leitura. Então é um conto muito bonito que, apesar de trabalhar uma história sem grandes surpresas, cumpre ao entregar uma leitura coesa e encaminhada dentro da proposta do certame de forma bastante original.

  8. Priscila Pereira
    4 de outubro de 2021

    Olá, Saorsa!

    Ambientação: Ótima e original! Você conseguiu trazer um mundo novo, (futuro?, outro planeta?, universo alternativo?) de forma muito coerente mesmo com o limite estreito.

    Enredo: Criativo, misturar um drama comum nos dias de hoje com elementos de distopia, fantasia e fc, foi uma boa sacada! Seus personagens são muito bem estruturados e desenvolvidos, são profundos e verossímeis.

    Escrita: excelente! É firme e mesmo assim leve, fluída, gostosa de ler. E ainda muito inspirada, com um toque bem poético.

    Considerações gerais: Gostei bastante, tanto da história em si como da forma que você escreveu! Um excelente conto! Parabéns!

    Boa sorte!
    Até mais!

  9. Wilson Barros
    4 de outubro de 2021

    O início já de cara contém uma frase poética, que me agradou, e vai delinear todo o conto: amar sem julgamento. A ficção científica assemelha-se a de Joe Hadelman, e sua guerra sem fim. A descrição bem detalhada da caça deu um grande valor ao conto, além da combinação de vários dramas e conflitos. As cenas de ação ficaram muito bem feitas e reais, cinematográficas. Ficção científica de primeira.

  10. Fabio D'Oliveira
    2 de outubro de 2021

    Buenas, Saorsa!

    Nesse desafio, irei avaliar três fatores: aparência, essência e considerações pessoais.

    O que ele veste, o que ele comunica e o que eu vejo.

    É uma visão particular, claro, mas procuro ser sincero e objetivo. E o intuito é tentar entender o texto em sua totalidade, mesmo falhando miseravelmente, hahaha.

    Vamos lá!

    APARÊNCIA

    Eu gosto desse tipo de escrita: pausada, poética, impactante.

    Apesar de alguns probleminhas de lugar-comum (que contrasta com a riqueza de algumas cenas) e um erro de digitação que encontrei (apenas um, porém, no oitavo ato, numa fala do Gaspar), é um conto muito bem escrito e trabalhado.

    Não tenho muito o que falar: a maioria já disse tudo!

    ESSÊNCIA

    É o ponto mais chamativo do conto.

    Numa ambientação diferente, talvez em outro planeta ou realidade, acompanhamos a transformação de Yohan. Ele está preso em si mesmo. E, no final da história e com a ajuda da menina-planta, ele encontra a libertação.

    A figura poética das mulheres é interessante, inclusive a representação simbólica do coração na cabeça. E, não podemos esquecer, a mensagem mais importante: toda forma de amor pura e verdadeira é válida. Esse é o ponto central da trama.

    CONSIDERAÇÕES PESSOAIS

    O conto é interessante. Além de proporcionar uma boa leitura, em linhas gerais, ainda traz uma mensagem pertinente.

    Parabéns pelo trabalho, Saorsa.

  11. Claudia Roberta Angst
    29 de setembro de 2021

    O conto aborda o tema proposto pelo desafio com sucesso.
    Quando comecei a ler o texto, pensei que não me prenderia a ele. Fantasia/FC/distopia? No entanto, a trama e a habilidade do(a) autor(a) me surpreenderam positivamente.
    Adorei a imagem poética das mulheres-árvores, principalmente a que estava parindo uma nascente de rio. Que beleza!
    A menina-planta capturada também foi um toque de leveza e delicadeza acrescentado à trama. Percebi a intenção de retratar a pureza de sentimentos tanto da “fadinha” quanto do protagonista. Toda forma de amor vale a pena.
    O contraste entre a crueza do mundo distópico e a delicadeza e fragilidade da menina e das memórias de Yohan tornou o conto ainda mais brilhante.
    A leitura flui fácil e agradável, agilizada pelos diálogos bem colocados.
    Enfim, gostei muito do seu conto.
    Parabéns pela participação e boa sorte no desafio.

  12. Andre Brizola
    27 de setembro de 2021

    Olá, Saorsa!

    Gostei bastante de seu conto. É muito bem escrito, muito bem argumentado e me parece fruto de uma criatividade que vai além do normal. Trata-se da história de um soldado, de uma realidade/tempo/planeta diferentes do nosso, que sofre efeitos de uma mesma mentalidade retrógrada que ainda persiste em nosso mundo. Exilado por ser “diferente”, acaba entrando em uma espécie de milícia que caça pessoas/criaturas/seres por dinheiro.

    Em primeiro lugar cito a divisão por capítulos. Achei que foi uma boa ideia, pois ajudou a organizar a linha de acontecimentos com os flashbacks. Ao contrário do que poderia se imaginar, essa divisão não atrapalhou o ritmo do conto, que flui de forma natural e confortável. E é um conto grande, que se aproximou bastante do limite de palavras do desafio. Muito do ritmo é ditado pelos parágrafos curtos, o que não permite muitas explicações, mas agiliza bastante os diálogos. Mérito do autor.

    O enredo é bem interessante. Usa um cenário desconhecido para contar a história de amor malsucedida de Yohan, entrelaçada à narração de uma caça. Um argumento algo cinematográfico, eu diria. Não é exagerado nas descrições alienígenas, nem se aprofunda demais nas questões românticas/religiosas, apenas o suficiente para que tenhamos conhecimento da dureza e crueldade a que foi submetido (e utilizando aí, também, nosso conhecimento prévio de como o conservadorismo pode ser nocivo ao ser humano). Equilíbrio total.

    Não vi absolutamente nada que possa apontar como negativo. Esse conto aqui me satisfez completamente como leitor. Muito bom mesmo.

    É isso. Boa sorte no desafio!

  13. Felipe Lomar
    26 de setembro de 2021

    Estou sem palavras. Um conto que consegue capturar o leitor para dentro do cenário, com uma bela ambientação distopica e fantástica, muito bem detalhada e construída. O protagonista gera identificação e sensibiliza o leitor com suas questões internas, que são desenvolvidas de forma fluida ao longo do texto, sem ter uma parte exclusivamente explicativa e cansativa. A história traz um certo suspense, reforçado com os flashbacks, que deixa o leitor ansioso pelo final, que acaba quase implorando por uma continuação
    Boa sorte!

  14. Marcia Dias
    24 de setembro de 2021

    Fantasia é sempre bem-vinda pelas possibilidades de interpretação. Adoro! Neste caso, sabemos pouco do mundo descrito no conto, dos habitantes e de suas leis, mas não importa, somos bem conduzidos na narrativa e ficamos torcendo pela libertação de Yohan, em todos os sentidos, o que acontece, quando ele “acorda” para as suas próprias convicções e leis, especialmente, após a morte do namorado e o envolvimento com a menina-planta. A história é muito criativa e envolvente.

  15. Jowilton Amaral da Costa
    24 de setembro de 2021

    Ambientação: A ambientação é muito boa. Conseguimos nos ver num mundo estranho, distópico, até mesmo num outro planeta.

    Enredo: O enredo também é muito bom. A história cativa o leitor, os personagens são bem trabalhados e bastante críveis. A divisão em pequenos capítulos deu uma ótima cadência ao conto.

    Técnica: A técnica é excelente: A condução do conto é muito bem feita e o uso de frases curtas, algumas vezes em apenas uma linha, deu ritmo e estilo ao texto.

    Considerações Gerais: Um excelente conto. Se tivesse que mudar alguma coisa eu mudaria o título, não achei muito legal.

  16. Elisa Ribeiro
    22 de setembro de 2021

    Numa ambientação fantástica, uma história que fala do amor experimentado por um homem talhado para a guerra.

    Gostei imenso do seu conto. A primeira coisa que destaco é a ambientação muito imagética que você construiu com poucas palavras. A narrativa não linear também foi um acerto, contribuiu para o efeito de suspensão que aumenta o engajamento do leitor e faz um bom contraponto com a forma pausada de contar de história.

    Senti uma pequena quebra de ritmo na parte 8, na primeira leitura, certamente porque é o trecho mais explicativo do conto. Nada que comprometa o resultado do seu trabalho.

    Também notei alguns pequenos deslizes, digamos, gramaticais, que também não comprometem seu trabalho. Anotei-os, se quiser me pergunte depois.

    Você conseguiu abordar o tema tão negativo do certame de uma forma positiva, sem ser apelativo. Seus personagens são convincentes e empáticos. A narrativa é densa no que se refere aos sentimentos e ao mesmo tempo leve na forma. Enfim, um conto muito interessante que me agradou bastante.

    Parabéns pela participação. Desejo sorte no desafio e em tudo mais. Um abraço.

  17. Anderson Prado
    22 de setembro de 2021

    1. o tema do desafio me soou esmaecido; não chegou a ser um demérito do conto; foi mais uma quebra da minha expectativa de leitor; é que quando pensei em foras da lei, concebi a ideia de lei como algo do nosso tempo, as leis que temos como estabelecidas no presente; parte dessa minha confusão decorreu da minha formação jurídica; então, eu estava esperando por ladrões, traficantes e coisas do gênero; porém, neste conto, eu me deparei com um universo paralelo, totalmente ficcional, cujas leis não parecem se assemelhar tanto assim com o presente que conheço; embora a homofobia ainda seja um problema no meu pais, não chegamos ao extremo de expulsar (com respaldo legal) homossexuais de qualquer espaço; porém, no conto, parece haver uma cidade em que o homossexualismo é criminalmente reprimido, tanto que o protagonista foi expulso da cidade, tornando-se um apátrida; de toda sorte, embora eu não consiga ver aproximação direta com as leis do Brasil, posso conceber algo assim em países mais conservadores (como a Rússia, por exemplo); de toda maneira, o fato do entrecontista ter se distanciado da lei brasileira contemporânea não impõe demérito ao seu texto, apenas me criou algum estranhamento; ainda assim, o entrecontista ter concebido um lugar ficcional em que o homossexualismo é criminalmente repreendido chega até a depor a favor de seu conto, já que enfrentou um tema contemporâneo, a homofobia; para além disso tudo, também é possível compreender que há outros foras da lei no desafio, tanto que temos uma cena de homicídio (que também pode ser compreendido como justiçamento com as próprias mãos); também é possível compreender que o protagonista, ao salvar a menina-planta, está infringindo as leis de seu mundo, tornando-se um fora da lei, contra, inclusive, a lei militar que acaba por renegar;

    2. o enredo é muito bom: fiquei bastante impressionado com a facilidade com que o autor construiu sua complexa trama, de maneira até não linear, usando os capítulos para inserir cenas do passado e do mundo dos sonhos;

    3. o domínio da língua também é excelente: o texto está muitíssimo bem revisado; se há erros, são irrelevantes;

    4. o domínio das técnicas de narração me impressionou tanto ou mais do que o próprio enredo: é admirável como o texto é de leitura fácil, com frases certeiras, pontuação escorreita, fluidez narrativa, diálogos enxutos e funcionais; é uma escrita pensada, trabalhada, pausada; o entrecontista sabe como empregar palavras, frases e expressões precisas para geração de determinados efeitos ou impactos no leitor (por exemplo, há uma certa abundância de períodos ou parágrafos compostos por uma única palavra, colocadas ali para reforçar uma ideia, um sentimento, uma decisão, para impactar no leitor);

    5. tenho para mim que algumas palavras, por sua contumaz associação com outras, por sua presença massiva na história da literatura, muitas vezes na história da má literatura, devem ser evitadas; neste texto, elas aparecem algumas vezes; eu sugeriria ao entrecontista evitá-las, buscando sinônimos ou ideias sinônimas; são elas: “gutural” (“voz gutural”); “estacou” ou estacar em suas variadas formas (“Gaspar estacou”); “meneou” ou menear em suas variadas formas (“meneou a cabeça”);

    6. o texto é muito bem pensado; assim, em poucos momentos o entrecontista desliza em seu pensar:

    a) a seguinte sequência de períodos curtos é muito boa, muito impactante:

    “Na vida.

    No Nilo.

    Na menina.

    No que poderia ter sido.

    E no que era.”

    PORÉM, ela termina com a palavra “era”. O problema disso é que o parágrafo seguinte começa com um “era”, sem, no entanto, que esse novo “era” remeta ao “era” anterior, de tal maneira que se trata apenas de uma repetição de palavras que empobrece um texto que, de todo, é muito rico.

    b) quando a narração se dá em terceira pessoal, não fica muito natural o narrador empregar artigos definidos antes dos nomes próprios dos personagens (“Não queria pensar NO Nilo.”, “O semblante reflexivo DO Gaspar”, “Fez um buraco no meio da testa DO Kabir”); nestes três casos, seria melhor empregar a preposição sem o artigo (“Não queria pensar EM Nilo.”, “O semblante reflexivo DE Gaspar”, “Fez um buraco no meio da testa DE Kabir”); o uso de artigo definido antes de nome próprio de personagem só fica bom se a narração for em primeira pessoa;

    c) sugiro ao entrecontista que, sempre que o que vier a seguir for uma explicação, uma continuação ou uma adição a uma frase, use dois pontos:

    Em:
    – “e completou virando-se para Gaspar. — Eu gostava do Nilo”
    Os dois pontos entrariam assim:
    – “e completou virando-se para Gaspar: — Eu gostava do Nilo”

    Em:
    – “Uma pergunta, parceiro. Quem é o soldado mais antigo?”
    Os dois pontos entrariam assim:
    – “Uma pergunta, parceiro: quem é o soldado mais antigo?”

    Em:
    – “e completou. — Pense nisso como uma oportunidade.”
    Os dois pontos entrariam assim:
    – “e completou: — Pense nisso como uma oportunidade.”

    7. o título é muito bom, e um tanto poético; a luz do neon roxo ilumina o personagem não só em sua noite de amor no quarto do motel, mas toda a sua existência, já que a perda do parceiro homossexual passa a ditar os novos rumos de sua vida;

    8. este será um dos meus contos favoritos, pois julguei a narração muito bem trabalhada, pensada para criar a história e o impacto que criou; não se trata de um texto escrito por alguém em momento de profunda inspiração, ao contrário, se trata de um texto escrito por alguém capaz de empregar os recursos que a língua oferece para criar histórias mesmo quando a inspiração lhe esteja faltando; nota-se isso pela correção da linguagem, pela alternância entre períodos curtos e longos, pela distribuição em capítulos e pela maneira com que as pistas e símbolos são adequadamente distribuídos pelos enredo, fazendo com que o leitor se sinta imbuído a seguir lendo e descobrindo o que a história lhe reserva.

  18. Jorge Santos
    22 de setembro de 2021

    Olá. Tive de ler o seu conto uma segunda vez para conseguir compreendê-lo. Numa sociedade distópica, um grupo de caçadores pertencentes a uma milícia caça aqueles que se tornaram fora-da-lei, inclusivamente homossexuais, ignorando que um deles é homossexual. O desfecho é interessante, mas achei algo perturbadoras algumas insinuações pedófilas que podem não ter passado disso.

    • Saorsa
      22 de setembro de 2021

      Beannachdan!

      A intenção nunca foi criar qualquer insinuação pedófila, Jorgito. Inclusive, procurei retratar o amor autêntico. Mas acho que foi inocência usar a palavra “motel” na mesma linha de raciocínio em que revelava o carinho emergente de Yohan pela menina-planta (que possui uma relação intrínseca com a autoidentificação).

      Perdoe este inocente.

  19. Júlio Alves
    17 de setembro de 2021

    Histórias com temática lgbt pra mim são sempre muito bem vindas, e o seu texto me deixou com certo incômodo: embora a parte de ficção científica seja impecável (New weird A F!!!! ♡), a relação me pareceu um pouco desconexa. Não que tenha desgastado da sexualidade da personagem, mas não achei bem introduzida e, que deize me perdoe se não for, de um ponto de vista heteronormativo.

    Outro ponto que me questionei foi a escolha dos nomes das personagens. Pensei que seriam desenvolvidas, mas não aconteceu. O diálogo, em vários momentos, parece meio didático (como se fosse uma tradução ou algo voltado para um público mais interessado no imagético, não na linguagem (o que não teria problemas se não atrapalhasse o ritmo e a suspensão de descrença do texto), com frases-feitas e lugares-comum.

    Além disso, cuidado com palavras que caíram em desuso por serem consideradas de mau tom. Não se usa mais mercado negro, e sim mercado clandestino.

    No mais, as personagens cumpriram suas funções, embora muita das vezes tenham sido nebulosas.

    Parabéns pelo conto

  20. Angelo Rodrigues
    16 de setembro de 2021

    11 – Sob a Lu do Neon Roxo

    Conto um tanto extramundo, extratempo, ou algo assim.
    Confesso o meu olhar primário sobre o tema: não tenho hábito ou gosto para a leitura que, de certa forma, não tenha raízes no mundo telúrico.
    O conto presente, que embora aborde algo de extramundo, põe-se a discutir uma questão objetiva do mundo contemporâneo: a homossexualidade.
    Se há uma mensagem subliminar no texto, diria que ela está centrada no fato de que a sexualidade, seja ela qual for, parece estar sempre dissociada da normalidade quotidiana, ligada a pudores (não esquecer que, em dado momento, o autor diz que “… abraçando os troncos e insinuando indecências…”). Aqui, o sexo como indecência.
    Não foi normal entre Nilo e seu parceiro, não parecerá ser entre Maria e Joana, seja qual for o mundo onde esse amor ocorra. Seria um carma humano? Nossa!!
    O conto parece navegar sobre os conceitos que aborda. Paira sobre palavras, transforma-se em ideias e não toca o chão. Interessante quando tudo é subjetivado, nada é explicitado, salvo na questão do amor entre iguais.
    Tem nisso algo de poético, quase parnasiano.
    Diria que a ambientação incomum mostrou-se apenas um cenário para a discussão telúrica do mundo, onde as questões sociológicas que envolvem o amor, a violência e o abandono estavam presente.
    Está no jogo. Boa sorte no desafio.

  21. thiagocastrosouza
    15 de setembro de 2021

    Esse conto tem muita coisa que considero bacana em contos de Ficção Científica. Não perde tempo tecendo explicações demasiadas sobre o mundo que estamos acompanhando, mas insere o essencial dentro da trama dos personagens. Sendo assim, equipamentos, leis, tecnologias, criaturas fantásticas surgem em trechos que desenvolvem a história. Ao invés de falar que relações homosexuais são proibidas num futuro distópico e teocrático, temos fragmentos do protagonista sendo expulso, trazidos pelo narrador, assim como sugestões nas falas dos personagens. Isso mostra inteligência por parte do autor ao contar sua história. Além disso, o texto tem um estilo muito característico e bastante poético na forma de descrever sentimentos e realizar determinadas passagens. Há trechos que se assemelham a versos em um poema que dão uma sensação de transição muito forte nas motivações de Yohan.

    Enfim, já no campo do simbólico, essa floresta das mulheres, assim como a menina humanoide sequestrada podem representar uma série de coisas: renascimento, dor de parto, liberdade, recomeço, mas tudo fica para a interpretação do leitor. Já o final, creio que você arquitetou o conto para que acontecesse desta maneira. Não é tão sensível ou bonito quanto o restante do conto, mantendo-se um pouco no lugar comum, mas não deixa de fechar de forma positiva o bom trabalho que fez aqui.

    Parabéns!

  22. Emanuel Maurin
    14 de setembro de 2021

    O conto é bem escrito e não apresenta erros ortográficos, de sintaxe ou desenvolvimento. Os diálogos lembram um pouco a escrita do Michael Ende. O texto é duro, pesado e quase selvagem, como o cenário no qual a história se desenvolve.
    A primeira parte é muito diferente das demais, mas não vejo problema. Tudo parece-me bem construído. Algumas cenas são confusas (de leve), mas tornam-se compreensíveis no decorrer da leitura. Um texto repleto de diálogos perfeitos, de humanidade, de sentimento. O cenário é incomum, e faz lembrar uma selva, talvez mística, talvez em outro tempo ou outra dimensão. Percebo imenso potencial para alongar o conto e seus cenários, os personagens e suas vidas. Há um teor filosófico imenso, mas que pode passar despercebido aos leitores menos atentos. Não mexeria nisso, de todo modo; a filosofia está lá para quem a compreende, como uma joia oculta que vai para além da leitura comum. Da forma como está, me parece satisfatório e apresenta boa qualidade literária.
    Os personagens são bem construídos, e a mistura de bicho e planta, de animal e vegetal, torna o conto bastante original e dá-lhe uma premissa ímpar.
    O autor tem talento incomum para descrever sentimentos e pensamentos, sobretudo dualidades: amor e arrependimento, ganância e simplicidade, felicidade e tristeza, luz e sombra, passado e futuro. Há cenas muito cinzas, tristes mesmo; mas cada cena tem sua beleza. Mais para o fim do conto, compreende-se a razão de tantos tormentos na vida do protagonista; uma conscientizada social sempre cai bem e torna o texto mais interessante e capaz de despertar emoções e identificação com quem está a ler.
    Por fim, e pode ser uma impressão muito particular, tive a sensação de que toda a história se passa na cabeça do personagem, talvez depois de uma relação cheia de amor. Como que um devaneio, uma ilusão, um pequeno sentimento perpassando seus momentos de prazer e êxtase. AMEI.

  23. Antonio Stegues Batista
    14 de setembro de 2021

    1 – Num quarto de motel, duas pessoas se amam. – Por que atirou nela? – Foi uma ordem. Essa introdução do conto teria que, obrigatoriamente, dar uma explicação mais adiante, que não consegui identificar. Só é revelado que as duas pessoas eram homens.
    2-Aqui é mencionado as árvores-mulheres. Seriam elas de outro planeta, ou uma mutação genética pós apocalíptica? Não consegui localizar o lugar no tempo e espaço geográfico. Suponho que é em outro planeta. Um grupo de milicianos caçam traficantes que trapacearam numa venda de armas.
    4- Aparece um humanoide, uma menina-planta que, a meu ver, aparece e desaparece sem dar grande significado ao conto, se houver, não entendi. É como as mulheres-árvores que são apenas parte do ambiente. É mencionado que os integrantes do grupo são criminosos, apátridas.
    6- Um flashback sobre o passado do protagonista. Foi expulso da cidadela por ter beijado outro homem. Aqui, uma sociedade com costumes e regras medievais.
    Achei uma mistura bem estranha, sem muita explicação. Vislumbro uma metáfora sobre costumes, mas tudo é nebuloso.

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Informação

Publicado às 12 de setembro de 2021 por em Contos Campeões, Foras da Lei e marcado .