Amei três mulheres na minha vida, mas beijei apenas uma. Não dá para beijar a mãe, muito menos uma menina que sequer te conhece. Amor de família, e sim, amor platônico. A maioria das pessoas não se contentam com pouco, querem desbravar o mundo, ter dezenas de amantes. Porém, permanecer a vida inteira com uma mulher sempre me pareceu atraente.
Hoje, depois de onze anos de casamento, terminei com ela. Não fui traído. Não fui maltratado. Foi pior que tudo isso. Fui esquecido.
É estranho, éramos próximos, a intimidade estava sempre à flor da pele. Passávamos horas na cama, abraçados, jogando conversa fora. Poderíamos ficar o dia inteiro juntos sem enjoar um do outro. Brincadeiras bobas, olhares sinceros e beijos carinhosos. Quando foi que tudo isso mudou?
Eu não sei… Sinceramente, não sei.
Começou devagar. Foi um mal que se instalou entre nós aos poucos, tão sorrateiro, tão esperto, que não percebemos. Ela começou a se distanciar. Percebi, sim, mas não dei tanta importância. Talvez procurava um tempo consigo mesma, um descanso de nós, só isso. Mas essa distância foi aumentando, aumentando, aumentando, aumentando… E agora não a vejo mais.
Acordei com o fim na cabeça. Estava agoniado. E assim permaneci pelo resto do dia: no escritório, no restaurante, no trânsito. Quando cheguei em casa, encontrei-a no sofá com o celular na mão, rindo como costumávamos rir. Bastou perceber minha presença para o clima ficar tenso. Baixou o aparelho, escondendo sua intimidade, que sempre respeitei, e mergulhou na televisão. Aquilo doeu. Muito.
“Quero o divórcio”, falei sem pensar.
Ela ficou quieta por alguns segundos, muito quieta. Pensei que, talvez, surgiria a fagulha antiga. Lembranças. Aquele companheirismo de antes. Queria que se arrependesse daquela frieza. Queria que olhasse para mim novamente.
“Tudo bem”, foi o que respondeu.
Continuou olhando pra tela. Nenhuma resistência. De certa forma, parecia aliviada, mais leve, e quando atravessei a sala, um breve sorriso se desenhou em seu rosto. Ela tinha vários sorrisos e conhecia muito bem todos eles. Aquilo acabou comigo. Temos um passado muito bonito. Sim, é lindo demais. Superamos muitas coisas, fatos que pareciam fortalecer nossa união e, principalmente, nossa amizade. Pensei que ficaríamos juntos para sempre, realmente pensei isso.
Olho para trás, tentando encontrar a minha falha. Continuarei olhando, por um tempo, acho. Mas nunca esquecerei isso. Algumas feridas criam sequelas que nem o tempo pode curar. Não sei o que farei.
Estou no carro, agora, indo para longe. Bem longe de tudo isso.
Triste, porém realista, retrato do fim! Parabéns, Fábio!!! 💯💯💯
Bateu fundo, já vivi isso a cores e preto e branco. Hoje vivo opacamente.
Um texto curto, sensível e tocante. Alguns vão se identificar imediatamente com a história do casal [é o meu caso]. Amores que parecem eternos e inesquecíveis são, muitas vezes, relegados à prateleira dos produtos com data de validade vencida. Acontece. Muito. Parabéns pela narrativa tao bem construída. Abraços.
Conseguiu passar a aflição, o medo e a insegurança… nem sempre a vida vai lhe sorrir… nada como um dia atrás do outro para conceber a tristeza… enfim, o fim sempre aparece, seja o que for e para quem é destinado… parabéns!!!